UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Saberes locais associados ao extrativismo da Macaúba (Acrocomia aculeata (lacq) Lodd. ex Mart) na Feira Agroecológica Raízes do Campo e em quintais de Jaboticatubas, Minas Gerais.
Luana do Carmo Araujo de Oliveira
Belo Horizonte 2014
1
Luana do Carmo Araujo de Oliveira
Saberes locais associados ao extrativismo da Macaúba (Acrocomia aculeata (lacq) Lodd. ex Mart) na Feira Agroecológica Raízes do Campo e em quintais de Jaboticatubas, Minas Gerais.
Monografia apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como pré requisito para obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. Orientadora: Prof. Dra. Maria Auxiliadora Drumond Coorientadores: Prof. Dr. Emmanuel Duarte Almada Msc. Lorena Cristina Lana Pinto
Belo Horizonte 2014
2
“Os brancos desenham suas palavras porque “seu pensamento é cheio de esquecimento”. Eles continuam a fixá-lo sem descanso em suas mercadorias, como se fossem suas namoradas.” (Davi Kopenawa Yanomami, Narrativa Yanomami, Tradução Bruce Albert)
“Não é possível Ser, sem rebeldia.” (Paulo Freire, 1996)
“O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para fazê-lo.” (Paulo Freire, 2000)
“[...] soy un pedazo de tierra que vale la pena. soy una canasta con frijoles [...] Soy lo que me enseño mi padre, [...]Trabajo en bruto pero con orgullo, Aquí se comparte, lo mío es tuyo.”
(Latinoamérica – Calle 13)
3
“[...] Do coco você aproveita tudo, não joga nada fora” “Você chega na horta e não vê tanta coisa, mas quando junta tudo que colheu dá muita coisa, Deus ajuda”. “Participo mais pra deixar a lembrança da feira, deixar essas raízes. Isso não podia acabar. O coração da gente está nisso”. (Agricultores da Feira Agroecológica Raízes do Campo, 2014. Foto: Filipe Chaves.)
4
AGRADECIMENTOS Aos Feirantes que participaram da pesquisa, em particular aqueles que nos acolheram em suas casas e compartilharam seus saberes e sabores dos quintais e do cerrado, Lilian e família, Dó e S. Badu, S. Tião e D. Maria Lúcia, Dazinho e D. Raimunda. A Associação Amanu – Educação, Ecologia e Solidariedade, por todo o trabalho realizado com os agricultores de Jaboticatubas na co-criação de um mundo mais justo, sustentável e sensível aos saberes da terra. A Daya e ao Luiz, pelo acolhimento, convivência, esperança e exemplo que vocês representam para mim, e por toda a ajuda a realização dessa pesquisa! Ao Filipe pela adorável amizade que entre “bubices” resultou nas belas fotos que compõem esse trabalho. Ao Emmanuel pelas palavras de esperança e luta. As críticas construtivas, a história vivida e a amizade cativada. Agradeço à professora Maria Auxiliadora Drumond e a Lorena pelas sugestões ao trabalho, bem como a toda equipe do Laboratório de Sistemas Socioecológicos (ICB/UFMG) pelos aprendizados compartilhados. Ao Povo brasileiro, que financiou meus estudos desde o primário e na universidade, através do CNPQ e Proex/UFMG, custearam as bolsas de pesquisa e extensão. Ao Grupo Aroeira que foi uma graduação paralela e onde cultivei amizades agroecológicas, experiências de solidariedade e muita “DIVERSÃO”! Aos moradores do Aglomerado da Serra, especialmente, S. Durval e D. Dirinha pelo cuidado e ensinamentos. Felicidade se acha é em horinhas de descuido, e quantos cotidianos descuidados vivenciei com vocês, fazendo tanta saudade! Aos amigos, cotidianos ou distantes, em especial aquelas que partilharam comigo a labuta desse trabalho e me auxiliaram no processo, Tay, Ze, Fê e em especial a minha irmã de coração, Erictcha! À minha família, especialmente aos meus pais e irmãs pelo amor e infância entre cabritos, brincadeiras de rua e banhos de açude, na minha vida pequiense. A minha querida mãe Helena, por todo amor dedicado, o qual a reciprocidade é completa e a gratidão eterna! A esse trabalho por todo amadurecimento científico, acadêmico e humano que me proporcionou. 5
SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................7 LISTA DE FIGURAS...................................................................................................8 LISTA DE TABELAS.................................................................................................12 LISTA DE SIGLAS E ACRÔNIMOS............................................................................13 INTRODUÇÃO........................................................................................................14 OBJETIVOS............................................................................................................27 HIPÓTESE..............................................................................................................27 METODOLOGIA.....................................................................................................28 CAPÍTULO I – RAÍZES DO CAMPO E AS PRÁTICAS TRANSFORMADORAS..............32 CAPÍTULO II. – AGROEXTRATIVISMO: ENTRE A FEIRA E OS QUINTAIS.................41 CAPÍTULO III – NESSA TERRA TEM PALMEIRA......................................................55 CAPÍTULO IV – QUINTAL DE MACAÚBA: ENSAIO FOTOGRÁFICO DE USOS E SABERES................................................................................................................74 CONCLUSÃO.........................................................................................................90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................91 ANEXOS.................................................................................................................98
6
RESUMO O Cerrado se destaca por sua elevada diversidade biocultural e por se encontrar fortemente ameaçado. Seus frutos e demais recursos são tradicionalmente consumidos e comercializados por populações locais, as quais detêm saberes e técnicas de beneficiamento dos produtos do extrativismo. As feiras são alternativas para a comercialização da agricultura familiar, favorecendo a economia local, popular e solidária. Ao mesmo tempo, a compra direta de produtos tradicionais permite o resgate das dimensões sócio-históricas e culturais. A presente pesquisa foi realizada com aplicação de questionário semi-estruturado a agricultores familiares integrantes da Feira Agroecológica Raízes do Campo no município de Jaboticatubas, Região Metropolitana de Belo Horizonte, e com visitas a algumas propriedades rurais dos feirantes. A práxis metodológica desse trabalho foi embasada nas propostas da etnoecologia e da Pesquisa-Ação. O objetivo foi investigar os usos e saberes locais associados ao extrativismo da macaúba (Acrocomia aculeata) pelos agricultores dessa feira e a relação dos produtos dessa palmeira com a comercialização na feira. A macaúba é uma palmeira de grande abundância na região, bem como rico acervo de usos e saberes a ela associados. Essa palmeira pode ser aproveitada de uma ampla forma, possuindo uma grande variedade de produtos. Os agricultores detêm diversos saberes sobre os usos da macaúba, bem como as tecnologias sociais necessárias para seu beneficiamento.
Palavras-chave: Acrocomia aculeata, macaúba, agricultura familiar, agroextrativismo, feiras, Cerrado, etnobiologia.
7
LISTA DE FIGURAS Figura 1: Palmeira macaúba em propriedade rural da comunidade do Barreiro/Jaboticatubas (esquerda). Na direita, de cima para baixo; espinhos da raque da folha; frutos caídos debaixo da palmeira e frutos da macaúba. Fotos: Filipe Chaves e Luana Oliveira..................................24 Figura 2: Apresenta um corte transversal do fruto da macaúba evidenciando as partes do
mesmo. De fora para dentro: 1) epicarpo (casca); 2) mesocarpo (polpa); 3) endocarpo; 4) albúmen (amêndoa). Foto: macaubanet....................................................................................................25 Figura 3: As indicações em vermelho nos mapas mostram a localização do município de Jaboticatubas no estado de Minas Gerais, Brasil. Fonte: Wikipédia e Google satélite..............28 Figura 4 : Ponte sobre o Rio Cipó para atravessar para a Comunidade do Capão do Berto, Jaboticatubas, Minas Gerais (esquerda). Vasos de barro produzido por uma feirante, em Capão do Berto (centro). Entardecer na Comunidade Quilombola Matição em momento de preparação da celebração do festejo da Santa Cruz. Nessa celebração os fiéis sobem ao alto da serra, onde em frente a um cruzeiro, viram a madrugada rezando, dançando o Candombe e louvando a cruz (direita). Fotos: Arquivo Amanu e Luana Oliveira............................................29 Figura 5: Imagem de algumas Plantas (hortaliças, banana, abóbora, inhame gigante, quiabo, limão capeta, mandioca, vagem e feijão) e de subprodutos de outras (conserva de pimenta, farinha, corante, banana passas) comercializados na Feria agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais. Fotos: Arquivo Amanu.................................................................45 Figura 6: Sementes comercializadas na Feria agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais. Fotos: Luana Oliveira.............................................................................................................46 Figura 7: Produtos do Cerrado (pequi, sabão do azeite da macaúba, fruto da cagaiteira, óleo ou gordura da macaúba, licor de pequi, fruto do araticum, coco licuri, esteira de taboa) comercializados na Feira Agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais. Fotos: Arquivos Amanu e Luana Oliveira.......................................................................................................................49 Figura 8: Animais silvestres que se alimentam da macaúba mais citados pelos agricultores: o Caxinguelo (Sciurus aestuans), Paca (Cuniculus paca) e a Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), respectivamente. Fotos: Planet'Mammifères. Imagens sem escala.....................................................................................................................................................................58 Figura 9: Animais que interagem com a macaúba na região de Jaboticatubas: Tucano toco (Foto: oocities.org) e ninho de guaxo nas folhas da macaúba (Foto: internet flickr Filipe Sidão). Imagens sem escala....................................................................................................................59
8
Figura 10: Antiga fábrica de sabão de macaúba em Jaboticatubas (Esquerda). Foto: Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mosteiro de Macaúbas em Santa Luzia (Direita). Foto: blog mosteiromacaubas..................................................................60 Figura11: Cercas da casa (esquerda) e do chiqueiro (direita) feitas da madeira da macaúba. Fotos: Filipe Chaves....................................................................................................................64 Figura 12: O tronco apodrecido pode ser usado como adubo (esquerda), bem como um vaso para cultivar plantas (direita) Fotos: Filipe Chaves....................................................................64 Figura 13: Capa (bráctea) da macaúba sendo estocada como lenha para o fogão. Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................65 Figura 14: Inflorescência envolta pela capa (bráctea) na macaúba (esquerda). Capa entre as folhas apontando para o céu e outra caída encobrindo a inflorescência (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................66 Figuras 15: Agricultor demonstrando como é feita a “calçada de coco” a partir da semente da macaúba (esquerda). A polpa do fruto in natura também é usada como alimento (direita). Fotos: Filipe Chaves....................................................................................................................67 Figuras 16: Casca interna (endocarpo) do fruto da macaúba armazenado em sacos para a produção de carvão (esquerda). Epicarpo sendo utilizado como lenha no fogão (direita). Fotos: Filipe Chaves...............................................................................................................................68 Figura 17: Diferença de coloração entre o azeite (esquerda) e o óleo da gema (direita). Foto: Luana Oliveira.............................................................................................................................68 Figura 18: Azeite escorrendo da polpa quando o fruto da macaúba é pressionado (esquerda) e mão do agricultor oleosa com o azeite extraído da polpa (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................69 Figura 19: Nuvem de palavras representando a frequência relativa de citações sobre os usos da macaúba praticados pelos agricultores.................................................................................74 Figura 20: As cascas externas (epicarpo) dos Frutos da macaúba são rompidas no “batedor de coco” com um pedaço de pau. Fotos: Filipe Chaves..................................................................76 Figura 21: Imagem do “arranhou”, com destaque para o pau de madeira onde é colocado o cavalo que gira em torno do tambor (esquerda). Destaque do interior do tambor do “arranhou”, com as barras de ferro presas ao eixo do equipamento. Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................76
9
Figura 22: Imagem com destaque para a abertura do tambor do arranhou por onde escorre o azeite da polpa do fruto da macaúba (esquerda). Foto: Filipe Chaves. Azeite escorrendo do arranhou para a panela onde é coletado (direita). Foto: Arquivo Amanu........................................................................................................................................77 Figura 23: Imagem da prensa, com destaque para o “macaco de rosca” no centro da prensa, entre dois pedaços de madeira. É possível visualizar parte da esteira de bambu que recobre a câmara onde ficam os frutos, bem como a bacia abaixo da prensa, que recolhe o azeite que escorre do equipamento. O agricultor segura na mão uma alavanca, com a qual após a prensagem ele retira os frutos amassados. Foto: Filipe Chaves................................................77 Figura 24: Local onde as partes que restaram dos frutos após a prensagem são colocadas para secar. Fotos: Filipe Chaves.........................................................................................................78 Figura 25: Azeite da polpa do fruto da macaúba. Foto: Filipe Chaves.......................................78 Figura 26: Sabão preto ou “dicuada” (esquerda) e sabão de “borra” (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................79 Figura 27: Preparo do balaio com o capim meloso (Melinis minutiflora) (esquerda) e lata de cinzas do fogão a lenha (direita). Fotos: Filipe Chaves...............................................................80 Figura 28: Primeira lata de cinzas sendo colocada no “barrileiro” (esquerda) e posteriormente sendo umedecido com água (direita). Fotos: Filipe Chaves.......................................................80 Figura 29: Preparo do barrileiro para ficar “curtindo” uma semana. Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................81 Figura 30: Imagens de pé de mamão (esquerda) e a planta cicatrizante Maria Preta (direita) presentes no quintal dos agricultores acompanhas e que são utilizados no preparo do sabão artesanal. Fotos: Filipe Chaves...................................................................................................82 Figura 31: Agricultora carregando os “coquinhos” para quebrá-los (esquerda). Os “coquinhos” sendo quebrados na pedra com uma marreta (centro) e posteriormente ele quebrado evidenciando duas partes: a casca interna (endocarpo) e a gema (albúmen) (direita) Fotos: Filipe Chaves...............................................................................................................................82 Figura 32: Gemas (albúmen) sendo torradas no forno. Fotos: Filipe Chaves.............................83 Figura 33: Gemas sendo trituradas no pilão como antigamente (esquerda) e desintegrador usado nos tempos atuais para moer as gemas (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................83
10
Figura 34: Gemas sendo trituradas pelo desintegrador (esquerda). A massa viscosa das castanhas moídas saindo pelo desintegrador e caindo na panela (centro). A massa da gema é misturada a água (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................83 Figura 35: Massa da gema sendo fervida no fogão a lenha para que o óleo ou gordura da gema suba para a superfície (esquerda) e seja coletada com uma concha (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................84 Figura 36: Óleo da gema extraído do processo de fervura e sendo aquecido para evaporação da água que por ventura permaneceu óleo. Fotos: Filipe Chaves.............................................85 Figura 37: Agricultor preparando a ferramenta (esquerda) e coletando as folhas da macaúba (direita) Fotos: Filipe Chaves......................................................................................................85 Figura 38: Folhas da palmeira sendo transportadas (esquerda) e agricultora organizando um conjunto de fibras (direita). Fotos: Filipe Chaves.......................................................................86 Figura 39: Agricultor com os pés sobre a raque da folha da macaúba recoberta de espinhos. Foto: Filipe Chaves.....................................................................................................................86 Figura 40: Retirada das fibras (folíolos) em sentido contrário ao da ponta da folha. Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................87 Figura 41: Família de agricultores organizando as fibras da folha por coloração (esquerda). A colheita das fibras é realizada de forma familiar (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................87 Figura 42: O que resta da folha (raque da folha) é colocado em uma composteira específica para esse uso. As fibras são amarradas para o transporte. Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................88 Figura 43: Fibras sendo ensacadas pelos agricultores (esquerda) e prontas para o transporte (direita). Fotos: Filipe Chaves.....................................................................................................88 Figura 44: três fibras da palmeira dobradas ao meio, prontas para serem trançadas com um nó no fio (esquerda). Os trios de fibras são trançado lado a lado no fio (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................89 Figura 45: Fibras da macaúba sendo tecidas no cordão formando a “Saia” da vassoura (esquerda). “Saia” sendo enrolada no cabo de madeira (centro) e vassoura velha mostrando o resultado da sobreposição das voltas da saia na madeira (direita). Fotos: Filipe Chaves........................................................................................................................................89
11
LISTA DE TABELAS Tabela 1: Plantas citadas nas entrevistas, com suas respectivas famílias botânicas e nomes científicos, e que são comercializadas da Feira Agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais...............................................................................................................................43 Tabela 2: Plantas do Cerrado citadas nas entrevistas, com suas respectivas famílias botânicas, nomes científicos, parte da planta utilizada, forma de comercialização dos produtos e frequência relativa de citação em porcentagem (%). Feira Agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais.......................................................................................................48 Tabela 3: Calendário Sazonal de floração e disponibilidade dos frutos para extrativismo realizado com uma família da comunidade rural do Barreiro, Jaboticatubas, Minas Gerais. As letras na horizontal representam os meses do ano...................................................................56 Tabela 4: Animais citadas nas entrevistas que possuem interação com a macaúba, com seus respectivos nomes científicos, usos que fazem da palmeira, frequência relativa de citação em porcentagem (%), e número de citações...................................................................................57 Tabela 5: Produtos da macaúba (Formas de uso), partes da planta utilizadas, citações, frequência relativa das citações em porcentagem (%), número de praticantes de cada uso e as porcentagens (%) em relação as suas respectivas citações na Feira agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais.........................................................................................63 Tabela 6: Teor de óleo da macaúba por fruto na base seca. Fonte: CETEC (1983) citado por Amaral (2007) (* Tipo A=Macaúba oriunda de Jaboticatubas, MG)..........................................69
12
LISTA DE SIGLAS E ACRÔNIMOS Amanu: Associação Amanu – Educação, Ecologia e Solidariedade CONAB: Companhia Nacional de Abastecimento DRP: Diagnóstico Rural Participativo FAO: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura FIEMG: Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICB: Instituto de Ciências Biológicas/UFMG IEF: Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais ISA: Instituto Socioambiental MAPA: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MG: Minas Gerais MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário PANC: Plantas Alimentícias Não Convencionais PFNM: Produto Florestal Não Madeireiro PGPM-Bio: Política de Garantia de Preço Mínimo para os Produtos da Sociobiodiversidade PIB: Produto Interno Bruto PPP-ECOS: Programa de Pequenos Projetos Ecossociais RBSE: Reserva da Biosfera do Espinhaço RMBH: Região Metropolitana de Belo Horizonte SISAN: Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
13
14
1. 1 CERRADO: POVOS E PAISAGENS O domínio Cerrado corresponde a 22,65% do território brasileiro, distribuídos em 16 Estados brasileiros (Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rondônia, Roraima, São Paulo e Tocantins) onde vivem mais de 22 milhões de pessoas (Silva 2009). Este bioma abriga uma rica diversidade de paisagens e fitofisionomias, entre elas matas de galerias, campos úmidos, veredas, campos rupestres, cerradões e matas secas. Klink e Machado (2005) contabilizam 7.000 espécies de plantas, sendo 44% delas endêmicas, com cerca de 5% da biodiversidade do planeta (Silva 2009), sendo a flora mais rica dentre as savanas do mundo (Klink 1996). Por sua localização central no território brasileiro, o Cerrado faz fronteira com outros domínios vegetais (Mata Atlântica, a Caatinga, a Floresta Amazônia, Mata de Araucária, Pantanal), sendo importante ressaltar a diversidade de ecossistemas e espécies endêmicas também das áreas de transição. (Silva 2009). Em virtude do relevo de chapadas (80,4% da área de Cerrado Contínuo), “o Cerrado é reconhecido como uma importante região captadora e dispersora de grande parte das águas do território brasileiro (e sul-americano), contribuindo, significativamente, para alimentar cinco grandes bacias hidrográficas desse território” (Silva 2009), sendo por isso chamado de caixa d’água do Brasil. Além da biodiversidade, o Cerrado abriga uma rica sociodiversidade. Diversos povos desenvolveram estratégias para habitar e sobreviver no cerrado, explorando a riqueza ofertada pela natureza e conhecendo espécies úteis ao ambiente em que vivem. A história de ocupação do Cerrado remonta há cerca de 11 mil anos (Silva 2009). Alguns historiadores (Holanda 1994) e arqueólogos (Barbosa e Schmitz 1998) declaram o uso de plantas do Cerrado por povos nativos do Cerrado remonta aos tempos pré-históricos. “Essas comunidades indígenas retiravam da flora local alimentos, fibras para fabricação de utensílios e palhas de palmeiras para cobertura de abrigos” (Nogueira e Fleischer 2005). De acordo com Ribeiro (2005a apud Silva 2009) “os grupos indígenas do grupo lingüístico Macro Jê são herdeiros de uma longa tradição de povos originários habitantes dos Cerrados”. Diversas técnicas de manejo do ecossistema originaram práticas de plantio, usos e
15
cuidados com a saúde (alimentos e remédios) que são a conjunção dos saberes da terra por eles desenvolvidos. O estudo de Darrel Posey e Anthony Anderson (1987) realizado com os Kayapó no sul do Pará, em região de transição de Cerrado e Floresta Amazônica, evidenciou o rico acervo de conhecimentos tradicionais nessas áreas (Ribeiro 2005a; Anderson e Posey 1987 apud Silva 2009). Os Kayapó selecionam variedades de cultivares e possuem roças com alto nível de agrobiodiversidade. Além disso, as roças são manejadas ao longo do tempo em uma estratégia que é hoje conhecida como agrofloresta1 (Silva 2009). “Os saberes ecológicos das comunidades e povos tradicionais são constituídos pela experiência histórica, coletiva e cotidiana com os ecossistemas” (Almada 2012), fazendo parte da tradição oral desses povos. “Grande parte desses conhecimentos foram intercambiados com os povos mestiços e negros que passaram a habitar o Cerrado, a partir da colonização brasileira pelos portugueses” (Holanda, 1994). Ao longo das gerações a dinâmica das trocas culturais no Cerrado levou a formação do que Silva (2009) denominou como “Sociedade Sertaneja”. “Esses conhecimentos se materializaram em diversas estratégias de uso que, de uma forma ou de outra, foram transmitidos para a “Sociedade Sertaneja” do Cerrado. Os camponeses do Cerrado foram os principais herdeiros e também renovadores desses conhecimentos. Desenvolveram diversas identidades/territorialidades e formas adaptativas aos diversos ecossistemas dessa grande região.” (Silva 2009).
Os camponeses são os herdeiros desses saberes. Em função da necessidade e de uma relação menos mercantil com o meio ambiente, os campesinos conseguiram manter e talvez ampliar o conhecimento indígena de uso de plantas e animais deste bioma, “conservando e ao mesmo tempo recriando as práticas extrativistas oriundas dos povos originários” (Silva 2009), como nas práticas de cuidado com a saúde, que se perpetuam através de usos, saberes e atores, como benzedeiro(a)s, raízeiro(a)s e parteiras.
1
Agrofloresta ou Sistema Agroflorestal (SAF) é um sistema que reúne as culturas agrícolas com as culturas florestais. Segundo Young (1991) é um coletivo de sistemas de uso da terra e tecnologias em que plantas lenhosas perenes são cultivadas em associação com herbáceas e/ou animais, em uma mesma unidade de manejo, em um arranjo espacial e/ou temporal.
16
No entanto “o Cerrado e seus povos tradicionais se encontram cada vez mais ameaçados e pressionados pelos setores do agronegócio exportador, que não conseguem ver esse bioma como hábitat, mas apenas como mercadoria” (Silva 2009). Um estudo recente, que utilizou imagens do satélite MODIS do ano de 2002, concluiu que 55% do Cerrado já foram desmatados ou transformados pela ação humana (Machado et al., 2004). Em virtude da sua diversidade biológica e da extensiva destruição do Cerrado, esse domínio é considerado hotspot2 de biodiversidade (Myers et al. 2000), tornando-o prioritário para conservação. Porém atualmente apenas 2,2% das áreas de Cerrado constituem Unidades de Conservação e destas cerca de 70% constituem áreas de Unidades de Conservação de Proteção Integral, as quais não admitem populações residentes, tradicionais ou não, em seu interior. Latour (1994) rompe com essa perspectiva que coloca em uma caixa-preta a natureza exterior e a distingue dos sujeitos. “A natureza e a sociedade não são dois pólos distintos, mas antes uma mesma produção de sociedades-natureza, de coletivos” (Latour 1994). Como esclarece Silva (2009), “a antiga trajetória histórica de ocupação humana no Cerrado torna mais difícil encontrar áreas ainda preservadas sem a presença de comunidades tradicionais, que ali reproduzem seus modos de vida e usam os recursos por várias gerações”. De outro lado essas áreas tradicionalmente ocupadas por povos do Cerrado vêm sendo encurraladas pelas monoculturas modernas. “Não foram “lugares vazios” que cederam espaço para as monoculturas”. (Silva 2009). O estudo da Conservação Internacional do Brasil (CI) mostra que entre “as regiões mais conservados do Cerrado estão em áreas do Oeste da Bahia e Estado do Mato Grosso como as principais áreas de expansão das monoculturas do agronegócio exportador produtoras de commodities” (Silva 2009), que Santos (2003) denomina de “globaritarismo”: “É um processo progressivo de apropriação transnacional do território, característico dos tempos de globalização econômica, que Milton Santos chamou de “globalitarismo”. Os Cerrados são o exemplo mais vivo desse fenômeno no Brasil” (Santos 2003 e Carvalho et al. 2000 apud Silva 2009).
2
Esse conceito foi criado por Norman Myers em 1988, que indica áreas prioritárias para conservação, por possuírem rica biodiversidade e ser consideradas ameaçadas no mais alto grau devido à perda de pelo menos 75% da vegetação original (Klik & Machado, 2005).
17
1. 2 “O CERRADO EM DISPUTA” O agronegócio é um modelo que visa o aumento da produção em escala industrial e para a exportação a partir do uso intensivo dos pacotes agroquímicos (adubos, sementes melhoradas e venenos), de variedades geneticamente modificadas, expansão de sistemas de irrigação e intensa mecanização das ações produtivas, numa cadeia articulada de processos e atividades conhecidas como “pacote tecnológico” da agricultura contemporânea. (Silva 2009). Esse ideário produtivo passou a ser adotado após o término da segunda guerra mundial e ficou conhecido com “Revolução verde”. No entanto, gradualmente foram evidenciadas dificuldades na manutenção do padrão produtivo e problemas ambientais, tais como erosão do solo, desertificação, desmatamento, perda da biodiversidade e poluição por agrotóxicos (Silva 2009). O uso de agrotóxicos representa com problema socioambiental, uma vez que seus efeitos danosos afetam tanto a saúde ambiental como a saúde do agricultor. Segundo dados da Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida o Brasil é o líder do ranking mundial de consumo de agrotóxicos e cada brasileiro Consome em média 5,2 litros por ano. A Campanha também ressalta que os agrotóxicos já ocupam o quarto lugar no ranking de intoxicações e pesquisas comprovam que os agrotóxicos provocam alterações genéticas e aumento da probabilidade de contrair câncer, abortos espontâneos, distúrbios neurológicos, dentre vários outros agravos à saúde. Abreu (2014) assegura que no contexto socioeconômico dos trabalhadores rurais não existe viabilidade de cumprimento das medidas de “uso seguro” desses produtos tóxicos. Segundo Altieri (2000) as estratégias do agronegócio não foram capazes de resolver o problema da fome e desnutrição, bem como agravou problemas ambientais e desigualdades sociais. Silva (2009) evidencia alguns desses problemas: “O modelo monocultor-exportador também é um processo expropriador e homogeneizante, que vai desterritorializando as populações e liquidando a vegetação nativa. Dessa forma, há a conversão do Cerrado-hábitat (agri-cultura) para a afirmação do Cerrado-mercadoria (agro-negócio), causando perda genética oriunda da perda de diversidade, bem como erosão cultural dos modos de vida tradicionais” (Silva 2009).
18
Em oposição a esse modelo está a Agricultura familiar, a qual é formada por um conjunto plural de pequenas e médias propriedades de assentamentos da reforma agrária e comunidades rurais tradicionais (extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, entre outras) onde predomina a interação entre gestão e trabalho. Neste sistema são os agricultores familiares que dirigem o processo produtivo, dando ênfase na diversificação e utilizando o trabalho familiar (MDS 2014). A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, com o intuito de aumentar a visibilidade a esse modelo de agricultura, focalizando a atenção mundial em seu importante “papel na erradicação da fome e da pobreza, promoção de segurança alimentar e nutricional, melhora dos meios de subsistência, gestão dos recursos naturais e proteção do meio ambiente para o desenvolvimento sustentável, particularmente nas áreas rurais” (FAO 2014). No Brasil, pela primeira vez na história a agricultura familiar conta com estatísticas oficiais sobre sua contribuição ao cenário nacional. O Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) possibilitou certificar sua importância econômica e socioambiental para o país. Pelo menos cinco milhões de famílias sobrevivem da agricultura familiar, correspondendo a 84% de todas as propriedades rurais do País. Apesar de cultivarem uma área de lavouras de apenas 24.3% da área total dos estabelecimentos rurais, a policultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira (IBGE 2006). No âmbito social e econômico a agricultura familiar ocupa 15,3 pessoas por 100 ha, enquanto a agricultura não familiar ocupa apenas 1,7 pessoas por 100 ha. Apesar de receberem apenas 25,3% dos financiamentos agrícolas (Buainain 2003), o PIB Agrícola (Valor Bruto da Produção) da agricultura familiar corresponde a 40% do PIB total da agropecuária (IBGE, 2006). Comparações entre países feitas pelo Instituto Internacional e Pesquisa de Política Alimentar (IFPRI 2002) demonstram que o crescimento do PIB originário da agricultura é no mínimo duas vezes mais eficaz na redução da pobreza do que o crescimento do PIB que se origina fora da agricultura.
19
Além disso, a agricultura familiar favorece o emprego de práticas produtivas ecologicamente mais equilibradas, como a diversificação de cultivos, o menor uso de insumos industriais e a preservação do patrimônio genético. (CONAB 2014). Dentro dessa perspectiva ela está mais próxima das “idéias-força” “capazes de embasar uma perspectiva de sustentabilidade includente e dialógica para o Cerrado brasileiro” (Silva 2009). Por tudo isso a “agricultura familiar pode ser vista como “ilhas sociais” em meio a um mar de grandes unidades monocultoras, geradores de poucos postos de trabalho, concentrado de renda, riqueza e terra” (Buainain 2003). 1. 3 AGROECOLOGIA A sustentabilidade é definida dentro dos parâmetros de que “a atividade econômica deve suprir as necessidades presentes, sem restringir as opções futuras, que seja ambientalmente correta, socialmente justa, economicamente viável e culturalmente respeitoso” (Altieri, 2000). Dentre as formas de “agricultura sustentável” estão aquelas que buscam de outro padrão tecnológico de produção agrícola que integre produtividade sem usar de forma predatória os recursos naturais. São diversos os estilos de agricultura sustentável, como: Agroecologia, Agricultura Orgânica, Biológica, Biodinâmica, Ecológica, Natural, Permacultura, dentre outros. A agroecologia “é um padrão técnico-agronômico capaz de orientar as diferentes estratégias de desenvolvimento rural sustentável, avaliando as potencialidades dos sistemas agrícolas através de uma perspectiva social, econômica e ecológica” (Altieri, 2000). Nessa proposta a agroecologia se apresenta como uma “idéia-força” no desenvolvimento de uma sociedade equânime e sustentável defendido por Silva (2009). O desenvolvimento agrícola resulta da complexa interação de fatores. “A produção agrícola deixou de ser uma questão puramente técnica, passando a ser vista como um processo condicionado por dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas” (Conway e Barbier 1990 apud Altieri 2000). Dessa forma, nos termos de Altieri (1987) a agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensíveis.
20
Como salienta este autor: “só uma compreensão aprofundada da ecologia humana dos sistemas produtivos agrícolas pode promover uma agricultura verdadeiramente sustentável”, e que dialogue com todas as dimensões envolvidas, como aborda Altieri (2000): “Os enfoques que percebem o problema da sustentabilidade somente como um desafio tecnológico da produção não conseguem chegar às razões fundamentais da nãosustentabilidade dos sistemas agrícolas. Novos agroecossistemas sustentáveis não podem ser implementados sem uma mudança nos determinantes socioeconômicos que governam o que é produzido. Para serem eficazes, as estratégias de desenvolvimento devem incorporar não somente dimensões tecnológicas, mas também questões sociais e econômicas.” (Altieri 2000 p. 16, 17).
1. 4 ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA De acordo com Santos (2002) o desenvolvimento econômico é concebido como uma forma de promover melhores condições de vida para a população em geral, e em particular para os setores marginalizados, sendo assim, atualmente, na emergência de um novo paradigma ambiental e social é preciso fomentar formas de produção e de distribuição de bens e serviços alternativos às concepções a práticas capitalistas, as quais deixaram os excluídos em condições de tão grande vulnerabilidade, chamadas por ele de “as populações descartáveis” (Santos 2002). Nos dizeres desse autor: “O desenvolvimento alternativo é formulado com base em uma crítica de fundo à estrita racionalidade econômica que inspirou o pensamento e as políticas de desenvolvimento dominantes. Contra a idéia de que a economia é uma esfera independente da vida social, cujo funcionamento requer o sacrifício de bens e valores não econômicos – sociais (v. g., igualdade), políticos (v.g., participação democrática), culturais (v.g., diversidade étnica) e naturais (v.g., o meio ambiente) -, o desenvolvimento alternativo sublima a necessidade de tratar a economia como parte integrante e dependente da sociedade e de subordinar os fins econômicos à proteção destes bens e valores.” (Santos 2002; p. 42)
Por isso, fazem-se necessárias formas de organização econômica baseada na igualdade, na solidariedade e na proteção do meio ambiente. Nessa perspectiva, a Economia Popular Solidária (EPS) se apresenta como uma “idéia-força” capaz de promover um desenvolvimento sustentável e equânime. O projeto proposto pela EPS tem entre seus fundamentos o desafio de, segundo Arroyo (2006), “estruturar uma economia que se alimente da inclusão social e da distribuição de renda, em um contexto em que signifique a radicalização da democracia política na direção da democracia econômica”. A EPS também é referida por Gadotti (2003) como uma estratégia de economia em oposição aos valores capitalistas de exclusão: 21
“A economia solidária é um movimento de alcance global que nasceu entre os oprimidos e os velhos e novos excluídos, aqueles cujo trabalho não é valorizado pelo mercado capitalista, sem acesso ao capital, às tecnologias e ao crédito. É deles e dos ativistas e promotores da economia solidária, que emerge a aspiração e o desejo de um novo paradigma de organização da economia e da sociedade” (Gadotti 2003)
Podemos perceber que a dimensão econômica (geração de emprego e renda) está associada às dimensões político e ambiental (garantia de direitos e leis que protegem o meio ambiente), ao social e cultural (interfere no modo de vida das pessoas) e ao bem-viver (saúde e preservação da sociobiodiversidade). Sendo assim, são necessárias tanto formas de produção, como de consumo conscientes, o qual pode ser estabelecido através de redes de comercialização solidárias. 1. 5 FEIRAS LIVRES As feiras livres são alternativas para a comercialização de produtos da agricultura familiar, favorecendo a economia local, popular e solidária. Dentro dessa perspectiva, elas possibilitam um circuito curto de comercialização, fortalecendo as relações entre produtor/consumidor e propiciando aos consumidores alimentos frescos e de origem conhecida. Esses espaços permitem ainda o resgate das dimensões sócio-históricas e culturais dos alimentos tradicionais frente à crescente urbanização dos modos de vida. São locais de circulação dos produtos do extrativismo, bem como dos saberes associados às práticas agroecológicas comunitárias. Segundo Albuquerque e Hanazaki (2010) a utilização de produtos do extrativismo é diversa e comum nas várias formações vegetacionais no mundo. “Pode-se dizer adicionalmente, que essa relação é na realidade interdependente, onde o sistema
biológico
e
o
cultural
interagem
e
constroem
mutuamente
uma
“sociobiodiversidade”” (Albuquerque e Hanazaki 2010). A Feira Agroecológica Raízes do Campo, área de estudo desta pesquisa, é uma Feira livre da Agricultura Familiar de comunidades rurais do município de Jaboticatubas, Minas Gerais. Nela circulam produtos oriundos de plantas nativas do Cerrado. “O agroextrativismo de base familiar é um dos modelos de produção tradicionais que se destaca por apresentar uma boa relação custo-benefício referida ao baixo desgaste ambiental gerado e aos benefícios sociais obtidos” (Nogueira e Fleischer 2005).
22
Dentre a diversidade de subprodutos (doce, licor, vinho e frutos in natura) oriundos do extrativismo presentes na Feira Raízes do Campo, se destacam aqueles provenientes da macaúba (Acrocomia aculeata). Essa palmeira é abundante na região e o histórico sociocultural dos saberes e usos a ela associados e a transmissão desse conhecimento ao longo das gerações remonta a pelo menos o meio do século passado. A macaúba incorpora diversos saberes, produtos e cotidianos aos quintais dos feirantes, seja para o uso medicinal, alimentar, ração animal, lenha ou para construção de telhados e cercas. Segundo os feirantes “do coco [Macaúba] você aproveita tudo, não joga nada fora”. 1.6 A MACAÚBA A Macaúba é uma palmeira do gênero Acrocomia. Este termo deriva do grego “Akron” (uma) e ”Kome” (cabeleira) sugerindo que as folhas estão dispostas no formato de uma coroa (Novaes 1952). O gênero Acrocomia é composto por duas espécies – A. aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart. e A. hassleri (B. Rodr.) W. J. Hahn - que diferem basicamente no tamanho dos indivíduos, sendo a primeira de maior porte (Lorenzi 2006). O nome popular varia de acordo com a região de distribuição desta espécie: Mbocayá (Argentina); totaí (Bolivia); corozo (Colombia, Venezuela); tamaco (Colombia); coyol (Costa Rica, Honduras, Mexico); corosse (Haiti), dentre outros (Fruits 2005). No Brasil, é conhecida por
bocaiúva,
chiclete-de-baiano,
coco-baboso,
coco-de-catarro,
coco-de-espinho,
macacauba, macaiba, macaibeira, macajuba, macaúba, macaúva, mucaia, mucaja e mucajaba (Fruits 2005). Essa palmeira pertencente à família Arecaceae, que inclui cerca de 200 gêneros e 1500 espécies de palmeiras no mundo (Lorenzi 2006), sendo 500 destas nativas no Brasil (Glassman 1972). A macaúba ocorre desde Sul do México até Argentina e no Brasil é considerada como a palmeira de maior dispersão, com povoamentos naturais em quase todo território. Entretanto, vale destacar que as maiores concentrações desta espécie estão localizadas em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, sendo amplamente espalhada pelas áreas de Cerrado (Bondar 1964). A Acrocomia SP. é bastante encontrada em terras de maior fertilidade, como nos baixios, várzeas e às margens dos rios, formando extensos maciços. Contudo, também são encontradas nas regiões de maior altitude (Farias 2010).
23
A palmeira A. aculeata possui porte arbóreo, podendo atingir acima de 15 m de altura. A estipe apresenta-se recoberta de espinhos compridos com cerca de 10 cm. As folhas, em número de 20 a 30, variam entre 4-5 metros de comprimento e também apresentam muitos espinhos. Elas ficam grudadas no tronco até muito tempo depois que secam. Entre as folhas destacam-se a espata de até 2 m comprimento, as inflorescências amarelas e os cachos de frutos de tom marrom-amarelado (Farias 2010).
Figura 1: Palmeira macaúba em propriedade rural da comunidade do Barreiro/Jaboticatubas (esquerda). Na direita, de cima para baixo; espinhos da raque da folha; frutos caídos debaixo da palmeira e frutos da macaúba. Fotos: Filipe Chaves e Luana Oliveira.
“Os frutos da macaúba são esféricos ou ligeiramente achatados com capacidade de serem utilizados como fonte de óleo vegetal com elevado valor agregado” (Farias 2010). É possível diferenciar quatro partes do fruto, quando observado de dentro para centro e que de acordo Retore & Martins (1983) possui a respectiva composição média no fruto seco: uma casca externa (epicarpo) 16-22%; a polpa (mesocarpo) 31-37%, uma casca interna (endocarpo) 35-42% e a gema também chamada de castanha ou amêndoa (albumen) 5-7%. Conforme figura e descrição adaptada de Farias (2010) é apresentado o perfil do fruto da macaúba: CASCA EXTERNA (EPICARPO): Parte externa do fruto que é constituída de uma estrutura fibrosa fina, dura e quebradiça. Essa casca encontra-se fortemente aderida à polpa nos frutos imaturos e recém caídos, porém rompe-se facilmente quando maduro. Sua coloração tende a ser: esverdeada no fruto em desenvolvimento; e uma coloração variando de amareloesverdeada a marrom claro nos frutos maduros.
24
POLPA (MESOCARPO): Parte carnosa do fruto. É fibrosa de coloração amarelada que nos frutos maduros, quando pressionada, secreta um líquido mucilaginoso, viscoso e de sabor adocicado. O odor e sabor suave nos frutos recém caídos e mais acentuado e adocicado a medida que o fruto amadurece. Nos frutos envelhecidos o sabor e o odor tornam-se rançosos perdendo o adocicado. CASCA INTERNA (ENDOCARPO): Estrutura maciça, dura e densa de coloração variando do marrom escuro ao negro. Forma uma carapaça que envolve a amêndoa e está revestido externamente pela polpa (mesocarpo) e está fortemente aderida a mesma. GEMA (ALBÚMEN): Parte mais interna do fruto com aroma e sabor de coco, tornando-se ardidos nos frutos muito envelhecidos. Possui uma estrutura fibrosa dura esbranquiçada recoberta por uma película bastante fina de coloração marrom escuro ou negra. Geralmente ocorre uma amêndoa por fruto. A gema que contém o embrião do fruto.
Figura 2: Apresenta um corte transversal do fruto da macaúba evidenciando as partes do mesmo. De fora para dentro: 1) epicarpo (casca); 2) mesocarpo (polpa); 3) endocarpo; 4) albúmen (amêndoa). Foto: macaubanet.
1. 7 ETNOBIOLOGIA E PESQUISA-AÇÃO Buscando trabalhar na interface das ciências biológicas e sociais, a referida pesquisa utilizou-se como base teórica a Etnoecologia, “uma ciência que se propõe ao estudo das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da biologia” (Posey 1987). Segundo Toledo (2009) a etnoecologia é um novo enfoque, transdisciplinar, baseado na premissa de que os conhecimentos tradicionais fazem parte de uma sabedoria tradicional, “que é o verdadeiro núcleo intelectual e prático por meio do qual as sociedades se apropriam da natureza, mantêm-se e reproduzem-se ao longo da história”. Dentro desta definição a Etnoecologia tem como objetivo “avaliar as práticas e atividades que determinado grupo humano executa durante sua apropriação dos recursos naturais” (Toledo 2009). 25
Marques (2001) defende a prática de uma “etnoecologia abrangente” em que a pesquisa científica é um campo transdisciplinar que estuda “os pensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre populações humanas e os demais elementos do ecossistema”. Para além da ótica puramente biológica, a “etnoecologia abrangente” propõe que a pesquisa seja sensível ao contexto da comunidade e vislumbre os âmbitos a ele atrelados, sócio-econômico, histórico-cultural e territorial dos atores envolvidos. Dentro dessa perspectiva “o processo de pesquisa compreende a contínua aprendizagem e redefinição dos procedimentos metodológicos e é realizado através da cooperação entre os pesquisadores e os atores sociais que vivenciam a realidade estudada” (Guimarães 2007). Brandão (1986) propõe a articulação do projeto de pesquisa ao projeto político dos grupos populares, dos quais se quer conhecer a situação social e histórico-cultural porque se quer agir conjuntamente. Em similaridade Tripp (2005) defende uma visão ampla e contínua do contexto, práticas e retornos da pesquisa para uma análise profunda e real das questões envolvidas. Para tal, as bases teóricas que orientam os procedimentos metodológicos desse trabalho se pautam no conceito de Pesquisa-Ação. Segundo Tripp (2005) essa linha teórica busca construir uma visão ampla do contexto em que se insere seu trabalho e efetuar transformações em suas práticas no decorrer do processo, sendo que “cada ação produzida gera uma reflexão crítica e sistemática, que conduz a um novo planejamento e execução, constituindo uma espiral de ação-reflexão”. Essa espiral é explicitada por Tripp (2005) da seguinte forma: “Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais no decorrer do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação” (Para Tripp 2005).
26
2. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Investigar os usos e saberes locais associados ao extrativismo da macaúba (Acrocomia aculeata) por agricultores familiares da Feira Agroecológica Raízes do Campo, em Jaboticatubas – MG e a relação dos produtos dessa palmeira com a comercialização na feira. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Levantar a agrobiodiversidade comercializada na Feira Agroecológica Raízes do Campo; Identificar os frutos ou outros recursos do Cerrado conhecidos e utilizados pelos agricultores da Feira Agroecológica Raízes do Campo; Sistematizar os saberes tradicionais dos feirantes a respeito das plantas do Cerrado presentes nos produtos vendidos na feira, com ênfase para a macaúba.
3. HIPÓTESE Os Agricultores da Feira Agroecológica Raízes do Campo detêm conhecimentos sobre os frutos do Cerrado que são comercializados na Feira, em especial da macaúba, em virtude do contexto histórico/ambiental de abundância e beneficiamento dessa palmeira na região.
27
4. METODOLOGIA 4.1 ÁREA DE ESTUDO A Feira Agroecológica Raízes do Campo é uma feira da agricultura familiar de comunidades rurais de Jaboticatubas, Minas Gerais, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A feira acontece na praça central do município no segundo e quarto sábado de cada mês. A cidade de Jaboticatubas caracteriza-se por um mosaico de geografias, dentre elas, de um lado está uma região que sofre grande influência do desenvolvimento urbano/industrial da metrópole de Minas Gerais, enquanto outra parte do município abriga 65% da área total do Parque Nacional da Serra do Cipó, Unidade de Conservação de Proteção Integral (Figura 3). Nesse mosaico também se inclui uma forte presença camponesa, sendo o município com maior área rural da RMBH, com mais de 40 comunidades, dentre elas as 10 comunidades rurais onde vivem os agricultores familiares que integram a Feira Agroecológica Raízes do Campo. São elas: Rio Vermelho, Espada, Xirú, Barreiro da Capelinha, Capão do Berto, São José da Serra, Paciência, Santo Antônio da Palma, Curralinho e Comunidade Quilombola Matição (Arquivo Associação Amanu).
Figuras 3: As indicações em vermelho nos mapas mostram a localização do município de Jaboticatubas no estado de Minas Gerais, Brasil. Fonte: Wikipédia e Google satélite.
Jaboticatubas está em região de Cerrado e faz parte dos 53 municípios da Cadeia do Espinhaço, se localizando ao sul dessa formação. A Cadeia do Espinhaço foi incluída entre as regiões chamadas de “Reserva da Biosfera” por abrigar uma rica sociobiodiversidade. Segundo a UNESCO uma Reserva da Biosfera expressa a relevância das formas de interação do homem com o seu meio: “Conciliam a conservação da diversidade biológica e cultural com o desenvolvimento econômico e social, por meio de parcerias entre pessoas e a natureza”, ressaltando assim a importância socioambiental da região.
28
4.2 COLETA E ANÁLISE DE DADOS Para realização desta pesquisa foram feitas, durante os meses de maio a outubro de 2014 cinco visitas à Feira Agroecológica Raízes do Campo, ambiente no qual foram aplicadas as entrevistas, e quatro visitas às propriedades rurais de agricultores dessa feira. A primeira visita à feira, bem como a duas propriedades rurais (Figura 4) teve caráter de aproximação, com o intuito de conhecer o contexto e a realidade das comunidades, os quintais dos agricultores, as plantas do Cerrado utilizadas, bem como os produtos comercializados na feira.
Figura 4: Ponte sobre o Rio Cipó para atravessar para a Comunidade do Capão do Berto, Jaboticatubas, Minas Gerais (esquerda). Vasos de barro produzido por uma feirante, em Capão do Berto (centro). Entardecer na Comunidade Quilombola Matição em momento de preparação da celebração do festejo da Santa Cruz. Nessa celebração os fiéis sobem ao alto da serra, onde em frente a um cruzeiro, viram a madrugada rezando, dançando o Candombe e louvando a cruz (direita). Fotos: Arquivo Amanu e Luana Oliveira.
Na segunda visita a feira foram esclarecidos os objetivos desta pesquisa e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Além disso, foram verificadas possíveis adequações nas entrevistas. Nas três visitas posteriores foram aplicadas entrevistas semiestruturadas (Anexo 1 e 2), que segundo Albuquerque et al. (2010) são aquelas em que as perguntas são parcialmente formuladas pelo pesquisador antes de ir a campo, porém apresenta flexibilidade, permitindo assim um aprofundamento em questões que se façam necessárias. Anotações em caderno de campo e registros fotográficos foram procedimentos presentes nas visitas. As entrevistas foram aplicadas a 18 feirantes, com o interesse de entender sua percepção sobre a feira agroecológicas, levantar a agrobiodiversidade comercializada nesse local, com destaque para os produtos do extrativismo do cerrado. Algumas das questões norteadoras: “No seu entendimento porque essa feira se chama Feira Agroecológica?”,
29
“Trabalha alguém com você na produção?” “Porque você participa da feira?” “Quais produtos você colhe do Mato/Cerrado (aqueles que você não planta)?”. Foi eleito um recorte metodológico que estabeleceu os atores sociais da pesquisa como sendo exclusivamente agricultores familiares de propriedades rurais de Jaboticatubas. Sendo assim, duas das entrevistas referentes a barraca da Pastoral da Saúde de Santa Luzia e de uma floricultura da cidade de Jaboticatubas não foram utilizadas na análise dos dados. A partir dos primeiros resultados, a macaúba (Acrocomia aculeata) apresentou destaque entre os produtos do cerrado comercializados na feira e também nos usos e saberes, muitos ressaltados em conversas informais. Em virtude disso, foi definido um recorte no tema da pesquisa, para um enfoque sobre os conhecimentos e usos tradicionais associados à Macaúba. Para tal, outro questionário (Anexo 2) foi aplicado com os 16 agricultores. A segunda etapa constou de visita à propriedade rural de duas famílias de feirantes da feira Raízes do Campo onde foram realizadas observação participante e turnê guiada, que consiste no acompanhamento do proprietário ao percorrer o terreno, disponibilizando as informações sobre as espécies vegetais ou processos a elas associados (Albuquerque et al. 2010). Esse método foi utilizado com o intuito de conhecer o processo de beneficiamento de produtos da macaúba e seus usos pelos agricultores nas propriedades rurais, em especial aqueles comercializados na feira, bem como levantar outros usos e saberes. Nessas visitas foram conduzidas perguntas abertas sobre o processo de feitura artesanal do azeite, do sabão e do óleo da A. aculeata. O processo da turnê guiada resultou no ensaio fotográfico de usos de saberes presente no quarto capítulo dessa monografia. Além disso, foi elaborado um calendário sazonal, o qual consiste em uma metodologia participativa que faz parte do conjunto de técnicas usadas no Diagnóstico Rural Participativo (DRP)3. O calendário sazonal objetiva a conhecer quais as atividades realizadas pela comunidade como distribuição de chuvas, atividades durante o ano, épocas de maior trabalho, épocas de falta de dinheiro, participação de homens e mulheres nas atividades 3
O Diagnóstico Rural Participativo (DRP) tem origem nos trabalhos de Robert Chambers, nos Estados Unidos. É um conjunto de técnicas e ferramentas, que por meio da participação ativa das comunidades permite o levantamento de informações e reflexão de processos para subsidiar diagnóstico e planejamento rural.
30
(Souza 2009). “A aplicação da técnica deve ser realizada, se possível, com um grupo familiar, valorizando a participação de toda a família, em que um membro da família complementa as informações do outro” (Souza 2009). Nessa pesquisa o calendário sazonal foi realizado durante visita a uma família de agricultores que participam da Feira Agroecológica Raízes do Campo, em Jaboticatubas/MG com o intuito de conhecer as épocas do ano em que a macaúba floresce, bem como aquelas em que os frutos dessa palmeira estão disponíveis para coleta do extrativismo. Os dados das entrevistas semi-estruturadas foram sistematizados em Excel, e calculadas as frequências relativas às plantas do Cerrado comercializadas na feira, aos usos da macaúba e aos animais a ela associados. As frequências relativas dos usos da macaúba praticados pelos agricultores da Feira Raízes do Campo foram representadas em uma nuvem de palavras através do Wordle (WORDLE, s/d) online. Nessa representação quanto maior o tamanho da fonte utilizada na grafia das palavras, mais vezes a palavra foi citada durante as entrevistas. As informações obtidas das entrevistas, observação participante e turnê guiada foram analisadas qualitativamente.
31
32
A Associação Amanu - Educação, Ecologia e Solidariedade é uma iniciativa que se enquadra nos seguintes dizeres de Silva (2009): “Há muito se ensaiam diversas experiências e iniciativas de populações locais que procuram tratar o Cerrado de forma antagônica ao modo como o agronegócio moderno: respeitando sua dinâmica ecológica, valorizando sua biodiversidade, em vez de erradicála, agregando valor a esses produtos e organizando a processo produtivo e de relação com o mercado. São iniciativas que se baseiam na sustentabilidade, na solidariedade, na autonomia e na emancipação social” (Silva 2009).
Fundada em 2007, a partir da reunião de integrantes de três grupos autônomos atuantes na RMBH: o Uirapuru - Filosofia e Educação, o Grupo Aroeira - Ambiente, Sociedade e Cultura, e o Tecer - Grupo de Estudos em Educação de Jovens e Adultos, a Amanu exerce, desde 2008, sua atuação especificamente no município de Jaboticatubas/RMBH, visando mobilizar e apoiar ações populares nas comunidades rurais, que estejam comprometidas com uma sociedade mais justa e ecológica. São alguns dos princípios norteadores de seu trabalho a agroecologia, a economia popular solidária, segurança alimentar e nutricional e a educação popular. (Associação Amanu). Dentro da proposta da pesquisa-ação a Amanu realiza pesquisas e executa projetos que visam melhorar a qualidade de vida das comunidades rurais, fortalecer a participação política destas, bem como promover relações e formas de produção sustentáveis. Para tal, e pautada nas diretrizes de Paulo Freire, a Amanu concebe sua atuação em ações educativas que promovam a compreensão do mundo pelos sujeitos e a articulação de idéias e práticas no caminho de um novo pensar sobre as relações sociedade-natureza, percebendo a educação como pólo gerador de ações sociais e comunitárias (Associação Amanu). Segundo Leff (2001), o caminho para uma sociedade sustentável se fortalece na medida em que se desenvolvam práticas educativas voltadas para uma atitude reflexiva em torno da problemática ambiental, e os efeitos gerados por uma sociedade cada vez mais pragmática e utilitarista. Jacobi (2011) também ressalta a importância das práticas educativas no estabelecimento de novas formas de relação homem/natureza: “O processo educativo deve ser capaz de formar um pensamento crítico, criativo e sintonizado com a necessidade de propor respostas para o futuro, capaz de analisar as complexas relações entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente em uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais” (Jacobi 2011).
33
Dentro dessa perspectiva, a Feira Agroecológica Raízes do Campo é uma das ações construídas coletivamente com comunidades rurais onde a Amanu atua, sendo lançada em setembro de 2013 (Informativo Amanu 2013). Sua criação se deu a partir da integração de projetos executados pela Amanu em Jaboticatubas e a permeabilidade deles pelas ações educativas por ela propostas. Dessa forma, a história dessa feira está ligada a uma experiência de educação transformadora, uma vez que a idealização de um mercado para a Agricultura Familiar na cidade teve origem em projetos de Educação Popular, Sustentabilidade e em práticas sociais solidárias executados pela Amanu. De acordo com o informativo da Amanu (2013) a proposta da feira surgiu no contexto de turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos do Projeto MOVA-Brasil4 (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos) que funcionaram em Jaboticatubas, sob coordenação da Associação, em 2012 e 2013. O Projeto MOVA-Brasil é pautado nos princípios da pedagogia Freiriana, a qual estimula um pensar e fazer sobre o meio ambiente diretamente vinculado ao diálogo de saberes e a participação dos envolvidos. “A intenção é uma presença crescente de uma pluralidade de atores, que através da ativação do seu potencial de participação terão cada vez mais condições de intervir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de interesse público” (Jacobi 2005). Para Freire (2011) é importante estar aberto ao contorno geográfico, bem como aos aspectos sociais, ecológicos e econômicos em que vivemos para o estabelecimento de uma “educação voltada para a constituição de identidades responsáveis e solidárias, compromissadas com a inserção em seu tempo e em seu espaço”. Nos termos de Freire (20110: a transformação político-social requer a compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores de história e por elas feitos, seres de decisão, da ruptura, da opção, que se enquadram dentro de uma educação libertadora.
4
Inspirado no Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), criado pelo educador Paulo freire, o Projeto MOVA-Brasil (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos) é uma iniciativa do Instituto Paulo Freire (IPF) e tem como finalidade promover a dignidade humana por meio da alfabetização.
34
Segundo Freire (2011) o exercício da “educação como prática de liberdade” deve ser entendida como uma ferramenta para a transformação social. Ela promove a autonomia por meio da ação-reflexão-ação, em uma discussão Critico-criativa da realidade para formar agentes sociais de mudança. “A educação na perspectiva libertadora exige a dialogicidade, portanto, a leitura do Mundo coletiva. A mobilização se dá com a comunidade e não para a comunidade”. Dentro dessa práxis pedagógica proposta por Paulo Freire surgiu nas turmas de alfabetização do MOVA-Brasil a proposta de um projeto de apoiasse à agricultura familiar para todas as comunidades onde este projeto atuasse. Para executar tal proposta foi criado outro projeto pelas educadoras e educandos envolvidos, o qual foi intitulado “Nessa Terra Tudo Dá”. Esse projeto ocorreu em 2012-2013 em 21 comunidades de Jaboticatubas e contou com as educadoras do MOVA-Brasil como agentes locais da sua execução (Arquivo Amanu 2014), o que para Jacobi (2011) são importantes estímulos para um olhar e agir rumo a sustentabilidade: “Práticas desenvolvidas por educadores engajados em projetos de educação para a sustentabilidade são um forte estímulo à reflexão sobre as criativas possibilidades de avançar rumo a uma sociedade mais comprometida com a proteção dos recursos naturais, numa perspectiva que sensibiliza para um olhar e agir ético, integrador e abrangente” (Jacobi 2011).
Dentro do Projeto Nessa Terra Tudo Dá foi realizando um diagnóstico participativo sobre as formas de comercialização na região, além de discussões e qualificações dos agricultores em agroecologia, por meio da Assessoria em Agroecologia e o Curso de Homeopatia na Agricultura. Em meio a estudos sobre redes de comercialização direta ficou decidido pela criação da Feira Raízes do Campo. Sua construção, com seu nome, regimento interno, rótulos, dentre outras questões aconteceu durante quatro encontros preparatórios, entre os quais ocorreu uma oficina oferecida pela equipe da Vigilância Sanitária Municipal sobre as boas práticas de manipulação de alimentos (Arquivo Amanu 2014). A partir de um envolvimento solidário entre os participantes do projeto a feira foi criada e ainda é gerida de forma coletiva e democrática. Atualmente participam 16 agricultores da Feira, sendo que muitas barracas são compartilhadas entre familiares e vizinhos de uma mesma comunidade. 35
Participam da feira agricultores familiares que tenham compromisso em estabelecer uma produção agroecológica e estejam em conformidade com as diretrizes acordas no regimento interno da Feira Raízes do Campo, entre as quais consta: Oferecer alimentos diversificados, sem agrotóxicos, saudáveis e a preços acessíveis para a população de Jaboticatubas e arredores, dentro de uma perspectiva da economia popular solidária, resgatando e mantendo a cultura local. A promoção de feira na cidade vem sendo um importante passo no fortalecimento da agricultura familiar do município, valorizando a saúde, a preservação ambiental e os saberes das comunidades locais (Arquivo Amanu 2014). Segundo a Amanu a feira tem tido aceitação na cidade, e já recebe apoio de 15 comerciantes locais. Além disso, conquistou recentemente uma vaga na Rede Brasileira de Comercialização Solidária e foi citada no Seminário do Projeto de Macrozoneamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte como feira modelo em agroecologia. Dessa forma a feira foi co-construída entre agricultores rurais de Jaboticatubas, com o importante apoio da Associação Amanu e os colaboradores da cidade, sendo uma forma de articulação dos saberes da terra à transformação da realidade ambiental, social e econômica. Na presente pesquisa sobre a feira Foram feitas três perguntas em questionário sobre o entendimento dos feirantes a cerca do termo agroecologia, da relação dos agricultores com a feira e sobre o caráter familiar da produção. A seguir estão expostos os resultados e discussões sobre as informações levantadas. Trabalha alguém com você na produção e/ou na venda dos seus produtos? A quase totalidade dos agricultores entrevistados, 14 deles, responderam que compartilhavam o trabalho com alguma pessoa do círculo familiar, seja mãe, pai, esposa, irmão, neto ou outro. Além da contribuição de parentes, dois feirantes disseram contratar alguém para ajudar na produção, “trabalha eu e meu esposo e um rapaz contratado”, “geralmente trabalha eu e minha esposa só, mas quando não dá conta a gente chama um amigo ou outra pessoa pra pagar”. Em outro caso três feirantes declararam contar com a ajuda de vizinhos, em configurações de mutirão ou do chamado “preganhando”, “trabalho sozinho, mas o milho, 36
cana, mandioca a gente faz mutirão com o pessoal da comunidade”, “a gente também faz o dia preganhando: trabalha para o amigo e ele trabalha pra você”. Apenas dois dos 16 agricultores disse trabalhar sozinho. Sendo assim, as informações mostraram que os agricultores fazem a gestão de sua propriedade, plantio e comercialização com a participação da família, caracterizando-os como agricultores familiares. No seu entendimento porque essa feira se chama Feira Agroecológica? Sobre o que entendem por agroecologia foram observadas palavras e expressões chave (sublinhadas) entre os discursos dos agricultores que representam suas percepções sobre a temática. Um mesmo entrevistado pode ter citado mais de uma delas. Dos 16 agricultores, 12 responderam que o seu entendimento sobre o nome Feira Agroecológica é porque os produtos são sem agrotóxicos, incluindo nesse contexto também as expressões sem remédio e sem química. “É porque estamos tentando fazer ela [feira] na base da natureza, preparar o terreno sem remédio, usando só matéria orgânica”. A grande presença da citação “sem agrotóxico” nas respostas dos agricultores pode ser explicada pelas discussões articuladas pela Associação Amanu em reuniões e cursos, como o de homeopatia na agricultura. Além disso, na ficha de cadastro da Feira Raízes do Campo o agricultor é perguntado sobre o uso de agrotóxicos na produção. Em caso de uso o produtor é orientado a utilizar a expressão “produto em transição” no rótulo, bem como se comprometer dentro do prazo de um ano a romper com o uso de agrotóxicos. É preciso salientar que de acordo com o conceito proposto por Altieri (2000) a agroecologia compila estratégias de desenvolvimento rural sustentável, que não se pautam apenas na eliminação do uso de agrotóxicos em seu processo produtivo, mas propõem um olhar mais amplo as questões ambientais, sociais e econômicas do campo. Sendo assim, respostas que trazem apenas expressões como “sem agrotóxico” “sem remédio” “sem química”, o que aconteceu com seis dos 12 agricultores que citaram essas expressões, mostram-se ainda limitadas na compreensão ampla do termo agroecologia. Outra expressão bem freqüente nas respostas, com sete citações, foi o fato de serem produtos naturais e saudáveis, sendo que um feirante relacionou o plantio sem agrotóxico 37
com a produção de alimentos mais saudáveis. “Pra mudar igual era antigamente, plantar sem agrotóxico, um alimento mais saudável”. A expressão produto orgânico foi citada por dois dos feirantes. “A gente mexe com produto orgânico, vende alimento da horta, tudo orgânico”. No entanto, para Caporal (2004) esse termo não deve ser confundido ou utilizado para se referir a agroecologia. Em termos do autor: os produtos ditos “ecológicos”, “orgânicos”, ou “limpos” não asseguram necessariamente a sustentabilidade dos sistemas agrícolas através do tempo. Assim como a palavra sustentabilidade e tantas outros, tais termos apontados por Caporal foram apropriados e ressignificados pelo meio comercial. De acordo com esse autor: “Temos hoje, tanto algumas agriculturas familiares “ecologizadas”, como a presença de grandes grupos transnacionais que estão abocanhando o mercado orgânico em busca de lucro imediato, como vem ocorrendo com os chamados “alimentos corporgânicos”, ou seja, das corporações que se apropriam do marketing relacionado aos produtos orgânicos” (Caporal 2004).
A produção familiar e o respeito pela natureza receberam três citações cada. Enquanto produção sustentável e cuidado com a saúde foram descritas por uma pessoa cada. “É porque é tudo natural, sem agrotóxico e é familiar”, “Para não trabalhar com produto químico e cuidar da saúde das pessoas”. Apenas um dos feirantes entrevistado disse não saber responder e justificou que estavam participando recentemente da feira. O discurso dos agricultores sobre agroecologia apesar de restrito em alguns pontos, como discutido, apresenta princípios importantes da agroecologia, como respeito pela natureza, o cuidado com a saúde e a promoção da agricultura familiar. Entre as respostas dos agricultores, pode-se considerar a que mais se integra ao conceito proposto por Altieri (2000) a seguinte: “É a conscientização da agricultura familiar pra ter uma produção sustentável, produtos saudáveis e que não agrida a natureza, tanto a terra como as pessoas” Porque você participa da feira? Quando questionados sobre sua participação na feira, os feirantes citaram principalmente os motivos referentes às expressões: “muita mercadoria em casa” com cinco citações, enquanto “conhecer pessoas e fazer amigos” e “ganhar dinheiro” obtiveram quatro citações cada. 38
Muita mercadoria em casa: “Pra não perder a mercadoria”, “Pra vender os produtos excedentes de casa. Agora eu aumentei minha produção e tenho cuidado no plantio pra vender produtos de qualidade”, “Tinha muita mercadoria na horta, perdia muita coisa, aí a gente traz pra cá. Tem de tudo um pouco”, “Tudo que a gente tem e não dá conta de usar [em casa] traz pra feira” Como fonte de renda: “Pra conseguir vender os produtos da gente. Antes vendia na roça mesmo ou para um atravessador, que levava para Vespasiano. Vendo aqui por preço melhor do que vendia para atravessador”. Para conhecer pessoas: “Pra formar amizade. Não é porque tenho grande precisão, é pra viver mais, distrair”, “pra destocar os produtos e conhecer pessoas novas”. Essas respostam evidenciam a estreita relação entre os produtos comercializados na feira e a disponibilidade dos cultivares do quintal e da roça de cada agricultor, bem como a importância da feira como uma fonte de renda e local de convívio social e cultivo de relações. Os projetos executados pela Amanu nas propriedades rurais foram citados por cinco feirantes como importantes para a participação deles na feira, sendo que o Projeto MOVABrasil foi falado por dois agricultores e o Curso de Homeopatia na Agricultura por três deles. “Eu entrei no Projeto MOVA-Brasil, participei dessa escola. Aí a gente fez reuniões por seis meses pra criar essa feira”, “Começamos a partir do movimento de conscientização do curso de homeopatia”, “Fiz o curso de homeopatia, aí vim participar. Já vendia os produtos na porta, agora eu produzo mais pra trazer pra feira”, “Eu vendo muito em casa, mas aí me envolvi com o movimento e trabalho da Amanu Três feirantes citaram que participavam da feira para mostrarem seus produtos na cidade, “Pra expor os produtos, o trabalho da gente”, “pra mostrar nossos produtos pra comunidade e ganhar uma rendinha”. Receberam duas citações cada as justificativas de: ajudar o movimento da feira e como uma forma de praticar o bem viver. “Já vendo os produtos no mercado, mas aí fomos convidados, abraçamos a idéia e viemos pra ajudar”, “É um modo de dar ritmo na vida, sair de casa. É até bom pra saúde da gente. Um lugar que faz amizade”.
39
Outras duas justificativas interessantes de participação na feira faladas por um agricultor cada foi o resgate das feiras e ter relação direta com os clientes, conforme explicita os relatos abaixo: “Participo mais pra deixar a lembrança da feira, deixar essas raízes. Isso não podia acabar. O coração da gente está nisso. Ensinar pros mais novos, igual meu neto aqui, ver se ele toma gosto pelo trabalho. Hoje os Jovens não estão gostando da roça [...] é bom pra levantar as coisas antigas que a gente plantava, igual as sementes crioulas, por isso nossa feira se chama “Raízes do Campo”...são nossas raízes”. “Gosto de envolver com a feira, com os outros produtos e falar do meu produto, como ele é produzido, ter relação direta com os clientes, falar com eles que meu produto é saudável e ajudar no trabalho de conscientização que é o mais importante”. A partir das análises feitas pode-se perceber que a participação dos agricultores está atrelada tanto a motivos aparentemente óbvios como o retorno financeiro, mas também a aspectos do convívio social, para preservação da cultura da região, manutenção da saúde, assim como a participação política em um movimento agroecológico no município promovido pela associação Amanu.
40
41
6.1 AGROBIODIVERSIDADE
“Os agroecossistemas são áreas de paisagem natural transformadas pelo homem com o fim de produzir alimento, fibras e outras matérias-primas” (Santilli 2009). A estrutura e funcionalidade dos locais cultivados são muito mais simples que ecossistemas naturais, no entanto é possível observar claramente gradações de complexidade entre as propostas de agroecossistemas. Os policultivos, que são uma realidade na agricultura familiar, se apresentam em nível de maior complexidade. e frequentemente produzem mais do que uma área equivalente cultivada em monocultura (Altieri 2000). São também esses sistemas de cultivos múltiplos que “protege os agricultores, em muitas circunstâncias, de uma perda total da lavoura, em casos de peste, doença, seca prolongada etc.” (Santilli 2009). Por outro lado, “o agro-industrial dito moderno representa um extremo e é responsável pela criação de algumas das paisagens mais monótonas e com menor biodiversidade do mundo” (Amorozo 2007). Além disso, as monoculturas provocam deterioração da agrobiodiversidade dos sistemas agrícolas. No conceito apontado por Santilli (2009): “A agrobiodiversidade, ou diversidade agrícola, constitui uma parte importante da biodiversidade e engloba todos os elementos que interagem na produção agrícola: os espaços cultivados ou utilizados para criação de animais domésticos, as espécies direta ou indiretamente manejadas, como as cultivadas e seus parentes silvestres, as ervas daninhas, os parasitas, as pestes, os polinizadores os predadores, os simbiontes, bem como a diversidade genética a eles associada” (Santilli 2009)”.
Ainda para essa autora, “as práticas de manejo, cultivo e seleção de espécies, desenvolvidas pelos agricultores ao longo dos últimos dez a 12 mil anos, foram responsáveis, em grande parte, pela enorme diversidade de plantas cultivadas e agroecossistemas”, como produto da intervenção do homem sobre o ecossistema. Dessa forma, Santilli (2009) salienta que “não se pode tratar a agrobiodiversidade dissociada dos processos culturais, os conhecimentos, práticas e inovações agrícolas, desenvolvidas e compartilhadas pelos agricultores, bem como os atores socioeconômicos envolvidos” (Santilli 2009). A agrobiodiversidade é um componente essencial dos sistemas agrícolas sustentáveis, uma vez que a diversidade de espécies e interações ecológicas assegura uma maior estabilidade no sistema, e dessa forma, menor necessidade de insumos externos e agrotóxicos (Santilli 2009). A agrobiodiversidade é ainda substancial na promoção da qualidade dos alimentos e alimentação diversificada em nutrientes, condição que é 42
recomendada por nutricionistas como fundamental para uma boa saúde. “Assim a redução da diversidade agrícola está diretamente relacionada ao empobrecimento das dietas alimentares. Essa erosão genética no campo não afeta somente os agricultores como também os consumidores” (Santilli 2009). No entanto, essa agrobiodiversidade está cada vez mais ameaçada. Segundo Santilli (2009) “existem entre 250 mil e 420 mil espécies de plantas superiores, das quais apenas 30 corresponderiam a 95% da nutrição humana, e apenas sete delas (trigo, arroz, milho, batata, mandioca, batata-doce e cevada) responderiam por 75% desse total”. A alimentação dominada por componentes de cereais contribuiu para uma das formas de desnutrição: a de micronutrientes (SISAN 2012). A agricultura familiar é umas das grandes responsáveis pela agrobiodiversidade brasileira e nas feiras livres promovidas por esses agricultores podem ser encontradas uma parcela dessa diversidade. Em entrevista na Feira Agroecológica Raízes do Campo foram levantadas as plantas comercializadas pelos agricultores durante o ano, e que estão presentes na tabela 1. PLANTA (NOME POPULAR) Abacate Abóbora d'agua Abóbora moranga/mogango/porco Açafrão Acelga Acerola Alface Agrião Alho Alho poro Almeirão Amendoim Arroz vermelho Banana Batata Berinjela Beterraba Brócolis Broto de bambu Café Cana Cansanção Capuxinha
FAMÍLIA Lauraceae Cucurbitaceae Cucurbitaceae Zingiberaceae Amaranthaceae Malpighiaceae Asteraceae Brassicaceae Liliaceae Liliaceae Asteraceae Fabaceae Poaceae Musaceae Solanaceae Solanaceae Quenopodiaceae Brassicaceae Poaceae Rubiaceae Poaceae Euphorbiaceae Tropaeolaceae
NOME CIENTÍFICO Persea americana Cucurbita spp Cucurbita spp Curcuma longa Beta vulgaris Malpighia sp. Lactuca sativa Nasturtium spp Allium sativum Allium ampeloprasum Cichorium spp Arachis hypogaea Oryza sativa Musa spp Solanum spp Solanum melongena Beta vulgaris Brassica oleracea Dendrocalamus giganteus Coffea spp Saccharum spp Jatropha spp Tropaeolum majus
43
Cará Carambola Cebola tropeira Cebolinha Cenoura Cerralha Cidra Couve Couve flor Coentro Cuia Espinafre Fava Feijão andu Feião carioca Feijão de corda Feijão miúdo Feijão rosinha Feijão roxo Gengibre Goiaba Jabuticaba Jambo Jiló Jurubeba Laranja Laranja da terra Limão Limão capeta Lichia Mamão Mandioca Manga Manjericão Maracujá Maracujá do brejo Marcelinha Maxixe Mexerica Milho Mostarda Ora-pro-nóbis Pepino Pimenta biquinho Pimenta malagueta Pimentão Quiabo Rabanete Repolho Salsinha
Dioscoreaceae Oxalidaceae Alliaceae Apiaceae Asteraceae Rutaceae Brassicaceae Brassicaceae Apiaceae Bignoniaceae Amaranthaceae Fabaceae Fabaceae Fabaceae Fabaceae Fabaceae Fabaceae Fabaceae Zingiberaceae Myrtaceae Myrtaceae Myrtaceae Solanaceae Solanaceae Rutaceae Rutaceae Rutaceae Rutaceae Sapindaceae Caricaceae Euphorbiaceae Anacardiaceae Lamiaceae Passifloraceae Asteraceae Cucurbitaceae Rutaceae Poaceae Brassicaceae Cactaceae Cucurbitaceae Solanaceae Solanaceae Solanaceae Malvaceae Brassicaceae Brassicaceae Apiaceae
Dioscorea sp. Averrhoa carambola Allium spp Daucus carota Sonchus spp Citrus medica Brassica oleracea Brassica oleracea Coriandrum sativum Crescentia cujete Spinacia oleracea Phaseolus spp Phaseolus spp Phaseolus spp Phaseolus spp Phaseolus spp Phaseolus spp Phaseolus spp Zingiber officinale Psidium guajava Myrciaria cauliflora Syzygium jambos Solanum gilo Solanum paniculatum Citrus sp. Citrus aurantium Citrus limon Citrus limonia Litchi chinensis Carica sp. Manihot esculenta Mangifera indica Ocimum spp Passiflora spp Achyrocline spp Cucumis anguria Citrus reticulata Zea mays Sinapis app Pereskia aculeata Cucumis sativus Capsicum spp Capsicum spp Capsicum annuum Abelmoschus esculentus Raphanus sativus Brassica oleracea Petroselinum crispum
44
Tamarindo Tomate
Fabaceae Solanaceae
Tomate cereja Urucum
Solanaceae Malvaceae
Tamarindus indica Solanum lycopersicum Solanum lycopersicum var. Cerasiforme Bixa spp
Tabela 1: Plantas citadas nas entrevistas, com suas respectivas famílias botânicas e nomes científicos, e que são comercializadas da Feira Agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais.
Os agricultores citaram um total de 77 espécies vegetais que foram comercializadas na Feira Raízes do Campo desde o início de suas atividades, conforme Tabela 1. As espécies estão incluídas em 30 famílias botânicas, sendo as que apresentaram maior número de representantes foram: Fabaceae e Solanaceae com nove espécies cada, Brassicaceae com sete, Rutaceae com seis e com quatro espécies cada estão as famílias Poaceae, Curcubitaceae e Asteraceae. As plantas são comercializadas in natura como as verduras folhosas e legumes ou em produtos beneficiados, como a rapadura, o açúcar mascavo e o melaço, feitos a partir da cana, o corante feito do urucum, as farinhas e fubá feitos da mandioca e milho e as pimentas e brotos de bambu em conservas.
Figura 5: Imagem de algumas Plantas (hortaliças, banana, abóbora, inhame gigante, quiabo, limão capeta, mandioca, vagem e feijão) e de subprodutos de outras (conserva de pimenta, farinha, corante, banana passas) comercializados na Feria agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais. Fotos: Arquivo Amanu.
45
Além da diversidade de famílias botânicas presentes, vale ressaltar a presença de plantas alimentícias não convencionais (PANC) que não são mais facilmente encontradas em mercados da RMBH, tais como arroz vermelho, cebola tropeira, almeirão de folha, cansanção, algumas variedades de feijão, ora-pro-nóbis, capuchinha e jurubeba, sendo essa última uma planta do Cerrado, apesar de não ter sido citada como tal nas entrevistas. Segundo Santilli (2009), nas regiões tropicais das Américas essas plantas já foram muito importantes para os sistemas agrícolas locais e a SAN de populações rurais, no entanto elas estão sendo cada vez menos utilizadas, como aponta Kinupp (2012): “Muitas das plantas alimentícias não convencionais são denominadas “daninhas” pois crescem entre as plantas cultivadas, no entanto, são espécies com grande importância ecológica e econômica. Muitas destas espécies, por exemplo, são alimentícias mesmo que atualmente em desuso (ou quase) pela maior parte da população. O mesmo é válido para plantas silvestres, as quais são genericamente chamadas de “mato” ou “planta do mato”, as quais, no entanto são recursos genéticos com usos e potenciais inexplorados” (Kinupp 2012).
Outra observação verificada na feira e que contribui para a promoção da agrobiodiversidade foi a venda, doação ou troca de sementes entre os agricultores. “O compartilhamento intercomunitário de recursos genéticos vegetais é uma prática corrente entre os agricultores tradicionais, contribuindo para a segurança alimentar das comunidades e constituindo importante estratégia na conservação e na dispersão de espécies vegetais” (Noda 2010).
Figura 6: Sementes comercializadas na Feria agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais. Fotos: Luana Oliveira.
46
A FAO estima que cerca de 75% das sementes utilizadas pelos agricultores familiares sejam provenientes de sistemas locais (Coelho-de-Souza 2010), sendo assim, nessas propriedades são encontrados importantes “bancos” de sementes e seu patrimônio genético, os quais contribuem para a conservação de biodiversidade, tanto selvagem quanto domesticada (Amorozo 2007). 6.2 OS PRODUTOS DO CERRADO O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, é um mosaico de diversidades paisagísticas, biológicas e populacionais. Sua flora nativa possui inúmeras espécies que apresentam propriedades que as tornam atrativas para o extrativismo, sendo essa atividade uma das mais antigas e tradicionais nesta região. “A distância dos centros urbanos e a própria carência econômica, muitas vezes dificultavam a aquisição de produtos manufaturados, levando a população sertaneja a buscar na natureza os elementos essenciais para a sua sobrevivência” (Farias 2010), conforme descrevi Albuquerque e Hanazaki (2010): “As plantas silvestres coletadas são fonte de recursos medicinais, alimentícios, forrageiros, e mesmo incrementos econômicos, especialmente para populações mais pobres, ou seja, contribuem significativamente no sustento e autonomia alimentar e medicinal de muitas populações locais por todo o mundo (Godoy & Bawa 1993; Santos et al. 2003 apud Albuquerque e Hanazaki 2010)”.
“O componente vegetal e a cultura local constituem um sistema co-existente de conhecimentos acerca da relação populações humanas e plantas. Refletem a história de famílias e de relações e grupos sociais” (Amorozo 2002). Em algumas realidades, “os produtos florestais não-madeireiros (PFNM)5 exercem uma ação fundamental em processos culturais mais específicos, como a construção de uma identidade, fortalecimento da memória social, alimentação e práticas espirituais, de tal forma que sua ausência modificaria fortemente as características desse grupo e sua “resiliência cultural” ” (Garibaldi & Turner 2004 apud Albuquerque e Hanazaki 2010). Esses conhecimentos e práticas compõem produtos do
5
Os produtos florestais não-madeireiros (PFNM) são todos os recursos nativos ou exóticos extraídos de formações vegetacionais altamente biodiversas, não apenas florestais, e que submetidas a diferentes intensidades de manejo, mas nunca cultivadas, que não a madeira, utilizados para diferentes atividades produtivas, sendo essas para a autosubsistência ou incorporadas no mercado na forma de bens e serviços (Albuquerque, 2010).
47
cotidiano das comunidades e são transmitidas pela oralidade para as gerações seguintes, como mostra Farias (2010): “No convívio com recursos extraídos da natureza, o sertanejo adquiriu um vasto conhecimento sobre as plantas e produtos do extrativismo e desenvolveu técnicas e tecnologias para o processamento das plantas e de partes delas, para a confecção de doces, conservas, frutos secos, geléia, farinhas, óleos, licores, garrafadas, unguentos, utensílios, esteiras, artesanato em geral e outros produtos. Os saberes acumulado pelas populações tradicionais foram sendo transmitidos de pai para filho o longo das gerações.” (Farias 2010)
A exploração extrativista dos frutos do Cerrado forma vários arranjos e cadeias produtivas, sendo os frutos mais explorados comercialmente ou para consumo próprio: Pequi (Caryocar brasiliense); mangaba (Hancornia speciosa); coquinho azedo (Butia capitata); faveleira (Dimorphandra molis); cauji (Anarcadium SP); cagaita (Eugenia dysenterica); araticum (Annoma crassiflora) e a Macaúba (Acrocomia aculeata) (Farias 2010). Na Feira Agroecológica Raízes do Campo dos 16 agricultores entrevistados, 10 relataram comercializar na Feira algum produto do Cerrado, sendo que alguns agricultores comercializam mais de um. Conforme Tabela 2, as plantas citadas foram: Manapuça (Mouriri sp.); Jatobá (Hymenaea stigonocarpa); Cajuzinho do campo (Anacardium humile); Sangra d’agua (Croton urucurana); Tabôa do brejo (Typha domingensis); Pequi (Caryocar brasiliense); mangaba (Hancornia speciosa); cagaita (Eugenia dysenterica); araticum (Annona crassiflora) e a macaúba (Acrocomia aculeata).
NOME CIENTÍFICO
FAMÍLIA
PARTE DA PLANTA
PRODUTO COMERCIALIZADO
Cagaita
Eugenia dysenterica
Myrtaceae
Fruto
Fruto in natura
4,3
1
Cajuzinho do campo
Anacardium humile
Anacardiaceae
Fruto
Fruto in natura
4,3
1
Coco licuri
Syagrus coronata
Arecaceae
Fruto
Fruto in natura
4,3
1
Hymenaea stigonocarpa
Fabaceae
Fruto
Vinho de jatobá
4,3
1
Manapuça
Mouriri sp.
Memecylaceae
Fruto
Fruto in natura
4,3
1
Mangaba
Hancornia speciosa
Apocynaceae
Fruto
Fruto in natura e doce de mangaba
4,3
1
PLANTA
Jatobá
FREQUÊNCIA RELATIVA % CITAÇÕES
48
Sangra d'agua
Croton urucurana
Euphorbiaceae
Madeira
Cabo de vassoura
4,3
1
Tabôa do brejo
Typha domingensis
Thyphaceae
Folha
Esteira
4,3
1
Articum
Annona coriacea
Annonaceae
Fruto
8,7
2
Caryocar sp.
Caryocaraceae
Fruto
Fruto in natura Fruto in natura, farinha com pequi, licor de pequi e doce de pequi
20,1
6
Acrocomia aculeata
Arecaceae
Fruto e Folha
Azeite, óleo, sabão, biscoito e vassoura
30,4
7
Pequi Macaúba
Tabela 2: Plantas do Cerrado citadas nas entrevistas, com suas respectivas famílias botânicas, nomes científicos, parte da planta utilizada, forma de comercialização dos produtos e frequência relativa de citação em porcentagem (%). Feira Agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais.
A Figura 7 ilustra alguns dos produtos do Cerrado comercializados na feira. Os produtos são principalmente para a função alimentar, sendo vendidos principalmente in natura, outros são beneficiados, como o licor de Pequi, óleo de Macaúba, vinho de Jatobá e doce de Mangaba. Em seguida aparecem produtos de utilidade doméstica como sabão, vassoura e esteira.
49
Figura 7: Produtos do Cerrado (pequi, sabão do azeite da macaúba, fruto da cagaiteira, óleo ou gordura da macaúba, licor de pequi, fruto do araticum, coco licuri, esteira de taboa) comercializados na Feira Agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais. Fotos: Arquivos Amanu e Luana Oliveira.
Alguns agricultores relataram espontaneamente consumir tais frutos em suas propriedades, para a “despesa de casa”, além de outros não citados acima, gabiroba (Campomanesia spp.), pêssego-do-cerrado (Pouteria torta), jambo-da-mata (Bellucia grossularioides) e pitanga amarela e roxa (Eugenia spp.). “[Araticum] Não sobra pra trazer pra feira, come tudo em casa [...] a gente deixa pros neto comer”, “[Cajuzinho do campo] É para o consumo de casa, não sobra. Pra eu vender preciso ir colher no mato e não posso ir sozinha.” Outros feirantes disseram que pensam em comercializar na feira alguns desses frutos, por exemplo, quando for a “época do pequi”. Por outro lado, outros relataram que não trazem esses produtos para não competir com outro feirante, “[Pequi] não trago porque outros já trazem. Para não atrapalhar a venda”, “[Frutos do Cerrado] Tem que colher, e na época de pequi, por exemplo, todo mundo traz e não vale a pena”. As plantas mais citadas e com maior diversidade de produtos comercializados foram a Macaúba (30,43%) e o Pequi (20,1%),. Em seguida aparece o Araticum (8,7%). As demais plantas tiveram frequência relativa de citação de 4,4% (Tabela 2). Na feira o Pequi é vendido in natura, na forma de licor, doce ou compõem a farinha de mandioca. Todos os produtos são feitos a parte da “carne” do pequi, ou seja, do arilo amarelo. Já da macaúba são encontrados o azeite feito da polpa (mesocarpo), o sabão fabricado a partir do azeite, o óleo da castanha (albúmen) e a vassoura das folhas novas. Dessa forma, a feira representa um importante espaço de circulação dos produtos do extrativismo bem como dos saberes a eles associados. Apesar de apenas sete feirantes comercializarem produtos oriundos da Macaúba, todos os outros manifestaram algum conhecimento sobre essa palmeira, mesmo no caso de agricultores que moram mais recentemente no município, “[...] tem dois anos e seis meses que mudei para Jaboticatubas, mas já conheci alguns usos [da Macaúba], o óleo, o sabão e o palmito, apesar de eu não comer e não produzir nada”. Por outro lado, a maioria dos agricultores incorpora diversos desses saberes e produtos no cotidiano de subsistência de suas propriedades rurais e são conhecedores de tecnologias sociais apropriadas para o benecifiamento das partes dessa palmeira. 50
Quando questionados porque não vendem tais produtos na feira, as justificativas foram: 1) falta de equipamento: “[...] não tenho os equipamentos em casa para fazer o azeite e o óleo, mas eu sei fazer.”; 2) Processo trabalhoso: “não faço em casa porque não compensa. O trabalho não paga o dia de serviço” , “minha tia que me ensinou. Lá na comunidade só eu e minha que ainda faz. O povo não faz mais porque dá trabalho.”, “[...] posso trazer o óleo e o azeite, mas manual [processo de feitura] é mais difícil, então faço só para o consumo mesmo.” 3) Falta de tempo: “[Azeite e óleo de Macaúba] faz só pra eu e minha esposa, não dá para fazer pra vender. Tem muita criação pra cuidar e entrega pra fazer.” 4) Recurso para subsistência: “[...] tenho só dois pés no quintal. O que produz os bichos come, teria que buscar no mato”, 5) Venda limitada na localidade: “[...] tenho bastante azeite, mas as vezes eu trago e não vende”, “[Sabão de coco Macaúba] trouxe uma vez e não vendeu, aí não trouxe mais”, “[...] já tem quem vende, o que tem na outra barraca eu não posso competir”. Em âmbito industrial, o principal interesse na espécie reside na utilização do óleo extraído do seu fruto para produção de biodiesel. O potencial do “combustível renovável” fabricado a partir da macaúba é promissor. Segundo o MDA, enquanto outras oleaginosas produzem de 500 a 2,5 mil litros por hectare, a macaúba pode render o dobro disso por hectare. De acordo com a Embrapa (2009), gera uma expectativa de produção de pelo menos 40 milhões de toneladas de óleo anualmente. O fruto da macaúba foi incluída pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Portaria Nº 747/2014) na relação de 16 produtos extrativos da safra 2014/2015 com preço mínimo definido. Com isso, os agricultores familiares (individualmente ou em cooperativas ou associações) poderão acessar a Política de Garantia de Preço Mínimo para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) e receber a diferença entre o preço de mercado e o preço mínimo. “Os agricultores recebem, hoje, entre R$ 0,13 e R$ 0,25 por quilograma de fruto. Com a inclusão na PGPM-Bio, no entanto, o valor mínimo passou para R$ 0,45 por quilograma de fruto” (MAPA 2014). 51
Sendo um dos Estados de ocorrência da macaúba, Minas Gerais possui, inclusive, uma lei de incentivo ao cultivo, à extração, à comercialização, ao consumo dessa palmeira, o Prómacaúba (Lei n° 19. 485/2011). Segundo a FIEMG (2014), esta é uma medida para incentivar a produção e a utilização da macaúba como matéria-prima para o biodiesel e de transformar a atividade em alternativa para a ocupação de mão de obra e geração de renda para agricultores familiares e comunidades de extrativistas. A atividade pode ser feita por meio de diversos arranjos produtivos, como cooperativa, associações ou empreendimentos individuais. A Associação Comunitária de Pequenos Produtores Rurais de Riacho Dantas e Adjacências, de Montes Claros (MG) compra a macaúba de 350 famílias extrativistas de quatro municípios mineiros (Montes Claros, Mirabela, Brasília de Minas e Coração de Jesus) para trabalhar com o óleo da polpa da fruta e vendê-lo para a indústria (CENTRALDOCERRADO 2014). Na comunidade de Riacho D’Anta (Montes Claros/MG) vivem cerca de 40 famílias agroextrativistas e a iniciativa da implantação de uma unidade de produção de óleos na região, com ênfase no óleo da macaúba é financiada pelo Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS)6. A fábrica tem capacidade para produzir 17 mil litros de óleo da polpa e 6.500 litros de óleo da castanha da macaúba, além de 30 toneladas de carvão da casca do coco. Para que essa unidade funcione plenamente, será necessário envolver outras 62 comunidades da região no fornecimento de macaúba. Além dos óleos, a fábrica processará pequi em conserva, como forma de otimizar a estrutura e ampliar a geração de renda (CENTRALDOCERRADO 2014). Segundo Farias (2010) “essas unidades de beneficiamento de frutos nativos e produtos da agricultura familiar podem ser vistas como aglomerados sócioeconômicos-ambientais”. Em Jaboticatubas, a Associação Amanu - Educação, Ecologia e Solidariedade está começando um projeto, também com financiamento do PPP-ECOS, para beneficiamento, agregação de valor e fortalecimento de redes de comercialização de produtos oriundos da macaúba no município.
6
O Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS) é coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e foi criado para apoiar projetos de organizações não-governamentais e de base comunitária que desenvolvam ações que geram impactos ambientais globais positivos, combinados com o uso sustentável da biodiversidade.
52
Intitulado “Uso sustentável da macaúba - Geração de renda preservando o cerrado em Jaboticatubas/MG” o projeto prevê a mobilização, sensibilização e capacitação dos jovens das comunidades envolvidas com a Feira Raízes do Campo e comunidades vizinhas para o uso sustentável da macaúba e geração de renda. Para tal, a Amanu estabeleceu parceria com a Vigilância Sanitária (VISA) municipal, o Laboratório da Macaúba/UFMG, e com a Rede Brasileira de Comercialização Solidária, para acompanhamento das exigências técnicas e sanitárias, capacitação dos envolvidos, bem como para aperfeiçoamento das práticas e produtos. Também está incluso no projeto a promoção de melhores condições de trabalho e apresentação dos produtos, através de ações de marketing, rótulo adequado e materiais informativos (Arquivo Associação Amanu 2014). Com cerca de 30 famílias já envolvidas, espera-se abranger também outras comunidades vizinhas (Arquivo Associação Amanu 2014). A idéia da Amanu é que inicialmente os produtos sejam lançados na Feira Raízes do Campo e vendidos diretamente para parceiros, criando as bases para uma futura produção formalizada. Segundo Nogueira e Fleischer (2005) “esse é um dos grandes desafios de alguns grupos: terem seus produtos – alimentícios, artesanais, fitoterápicos e ecoturísticos – conhecidos e legitimados dentro de seus próprios municípios”. Dessa forma, a macaúba poderá ser um incremento na renda dos pequenos produtores rurais, tanto em relação à coleta extrativista como também no incentivo ao cultivo dessa palmeira em sistemas agroflorestais ou agrossilvopastoris (Lopes et al apud Ribeiro 2010). Além disso, pode ser opção para recuperação de áreas degradadas nos locais onde é nativa. “Para uma extração sustentável é necessário que a taxa de exploração seja menor que a taxa de regeneração do recurso, que a produção de resíduos de qualquer natureza, seja compatível com a capacidade de assimilação do sistema” (Soldati Albuquerque 2010) e isso requer planejamento e monitoramento. Para tal, são necessários “estudos relativos ao extrativismo de produtos florestais não madeireiros visando avaliar a estrutura e distribuição dos indivíduos de uma população (em classes etárias, fases do ciclo de vida, tipo e freqüência
53
do extrativismo” (Soldati e Albuquerque 2010), possibilitando a elaboração de um plano de manejo adaptativo7.
7
De acordo com Drumond (2008) manejo adaptativo pode ser compreendido como um processo sistemático e contínuo de avaliação das políticas e práticas de manejo, para a partir dos resultados estabelecer novas estratégias de atuação. Além disso, esse método pressupõe a participação das comunidades envolvidas na construção e implementação desse manejo.
54
55
7.1 CALENDÁRIO SAZONAL O calendário sazonal da macaúba foi construído durante visita a uma família de agricultores que participam da Feira Agroecológica Raízes do Campo, em Jaboticatubas/MG. Seu uso teve o intuito de conhecer as épocas do ano em que a macaúba floresce, bem como aquelas em que os frutos dessa palmeira estão disponíveis para coleta do extrativismo. Segundo a família entrevistada as flores são vistas entre os meses de setembro a dezembro, já os frutos podem ser encontrados entre outubro a fevereiro (Tabela 3).
J
F
M
A
M
J
J
A
S
O
N
D
FLOR
FRUTO
Tabela 3: Calendário Sazonal de floração e disponibilidade dos frutos para extrativismo realizado com uma família da comunidade rural do Barreiro, Jaboticatubas, Minas Gerais. As letras na horizontal representam os meses do ano.
Na literatura consultada, Lorenzi (2006) aponta a frutificação da macaúba como anual e sua ocorrência durante todo o ano com os frutos amadurecendo, principalmente, entre setembro e janeiro. Segundo Pimenta (2010) “a floração ocorre entre agosto e dezembro e o período de queda dos frutos varia de 6 a 10 meses, concentrando-se entre os meses de novembro a março no Estado de Minas Gerais”. Dessa forma, as informações averbadas pela literatura e pelos agricultores acompanhados estão dentro de uma conformidade, apesar de pequenas variações nos dados. A formação dos frutos ocorre na estação chuvosa, entre novembro a janeiro; e seu desenvolvimento prolonga-se de fevereiro a julho. A maturação ocorre entre agosto e novembro, sendo este último mês a época o início de queda dos frutos (Lorenzi 2006) “O auge na safra foi registrado entre novembro e dezembro” (Farias 2010).
56
7.2 FAUNA ASSOCIADA À MACAÚBA A Macaúba exerce um importante papel ecológico nas regiões de ocorrência, fornece abrigo e alimentos à fauna. “Começa a produzir frutos com 4-6 anos, mas vive muitas décadas, servindo de alimento para muitas espécies de animais silvestres, tais como micos, roedores, aves e outros” (Farias 2010). Além de fonte alimentar a macaúba serve de abrigo para uma grande diversidade de insetos e répteis, ninhos de pássaros e suporte para orquídeas selvagens. Em entrevista, os agricultores da feira Raízes do Campo citaram os animais da região que de alguma forma interagem com a macaúba (Tabela 4), predominando o uso alimentar, por exemplo, “o periquito e a maritaca come o fruto verde para tirar o líquido que ele tem”. ANIMAL
NOME CIENTÍFICO
USO DA MACAÚBA
FREQUÊNCIA RELATIVA %
CITAÇÕES
Cabrito
Capra aegagrus hircus
Alimento
1,5
1
Carcará
Caracara plancus
Alimento
1,5
1
"Criação"
-
Alimento
1,5
1
Cutia
Dasyprocta aguti
Alimento
1,5
1
Lagarta
-
Alimento
1,5
1
Porco do mato
Tayassu pecari
Alimento
1,5
1
Siriema
Cariama cristata
Alimento
1,5
1
Guaxo Periquito, maritaca e papagaio
Cacicus haemorrhous
Alimento
3,1
2
Alimento
3,1
2
Tatu
-
Alimento e abrigo
3,1
2
Urubu
Alimento
3,1
2
Alimento
4,6
3
Galinha
Hydrochoerus hydrochaeris Gallus gallus domesticus
Alimento
4,6
3
Porco
Sus domesticus
Alimento
4,6
3
Cachorro
Canis lupus familiaris
Alimento
7,7
5
Paca
Agouti paca
Alimento
9,2
6
Cavalo
Equus caballus
Alimento
10,8
7
Caxinguelo
Sciurus aestuans
Alimento
13,8
9
Boi
Bos taurus
Alimento
18
12
Não sabe
-
3,1
2
Capivara
Psitacídeos
-
Tabela 4: Animais citadas nas entrevistas que possuem interação com a macaúba, com seus respectivos nomes científicos, usos que fazem da palmeira, frequência relativa de citação em porcentagem (%), e número de citações.
57
Entre os animais mais citados no consumo no fruto estão animais domésticos como boi (18%), cavalo (10,8%), cachorro (7,7%), galinha e porco (4,6%), “o boi come o fruto inteiro” e “o cachorro rói coco”. Esse destaque nas frequências de citação dos animais domésticos pode ser atribuído ao convívio cotidiano com esses animais nas propriedades, bem como ao uso de partes da macaúba para a elaboração de rações, conhecidas como “torta”, “[...] a gente faz ração da casca e da polpa para a criação”. “O gado come bastante. Na propriedade que tem muito gado, tem que sair antes pra conseguir catar o coquim”. Entre os animais silvestres, se destacaram três roedores, o Caxinguelo (Sciurus aestuans) (13,8%), a Paca (Cuniculus paca) (9,2%) e a Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) (4,6%). O destaque para os roedores pode ser em virtude deles comerem grande parte do fruto e da capacidade em quebrar o duro endocarpo e acessar a castanha. O Caxinguelo foi o segundo animal mais citado na lista total e segundo os feirantes “[...] o Caxinguelo consegue comer só a gema do fruto, ele fura o coquinho com o dente para comer a gema”, além disso, foi relatada a importância ecológica do Caxinguelo como dispersor do fruto, “o Caxinguelo leva o coco pra roer, aí esquece e o coco nasce”. A macaúba tem forte interação com a fauna, estando presentes na literatura outros animais que contribuem para sua dispersão das sementes, como araras, capivaras, antas e emas. (Pott; Pott, 1994).
Figura 8: Animais silvestres que se alimentam da macaúba mais citados pelos agricultores: o Caxinguelo (Sciurus aestuans), Paca (Cuniculus paca) e a Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), respectivamente. Fotos: Planet'Mammifères. Imagens sem escala.
A abundância de Caxinguelo relatada pelos agricultores levanta a hipótese de grande significância desse animal no processo de reprodução dessa palmeira na região, “Já vi demais da conta Caxinguelo comer coquim”. Por outro lado, um dos feirantes ressaltou que em sua comunidade esse roedor já não é mais visto facilmente, e relaciona esse desaparecimento a 58
um desequilíbrio pela predação por Tucanos (Ramphastos toco), “Não está tendo muito Caxinguelo mais. Depois que apareceu tucano na região não tem muito mais. O tucano come tudo”. Outra interação citada foi herbívora das folhas da macaúba por lagartas, “as Lagartas comem as folhas”.
Figura 9: Animais que interagem com a macaúba na região de Jaboticatubas: Tucano toco (Foto: oocities.org) e ninho de guaxo nas folhas da macaúba (Foto: internet flickr Filipe Sidão). Imagens sem escala.
As aves foram o único grupo animal citado que utiliza a macaúba como abrigo, sendo elas o Guacho (Cacicus haemorrhous) e psitacídeos como periquitos, maritacas e papagaios. No entanto foi ressaltado, que no caso de psitacídeos o uso não é recorrente, “o papagaio usa quando está pobre de ninho”, já no caso do Guacho, o ninho feito na ponta das folhas da macaúba lhe confere proteção contra predadores, “o Guacho faz o ninho na ponta da folha do coqueiro, então não tem como o carcará pousar na ponta da folha, se não ele pesa”. Duas pessoas responderam não saber de animais que interagem com a macaúba, entre elas uma declarou: “Tem muitos animais no Cerrado que comem, mas num sei falar, papai que sabe [...] os antigo que conhece mais dessas coisas”. Esse relato evidencia, dentro do processo dinâmico de transmissão dos conhecimentos, as mudanças entre os “antigos” e seus descendentes na apropriação dos saberes da terra. 7.3 OS USOS DA MACAÚBA Antes de se transformarem em terras de fazendeiros, regiões do município de Jaboticatubas pertenceram ao Mosteiro de Macaúbas, hoje situado na cidade de Santa Luzia. Esse mosteiro foi construído no século XIII, por Felix da Costa “em terras de macaúbas”, indicando a abundância histórica dessa palmeira na localidade. Muitas comunidades nesse entorno detêm o saber sobre as propriedades do óleo da macaúba e seu beneficiamento artesanal. Segundo relatos de agricultores da Feira Raízes do Campo, antigamente a região de Jaboticatubas se destacava no beneficiamento de produtos oriundos da macaúba. “Eu nasci 59
fazendo isso em casa [sabão de macaúba], na família. O forte aqui [Jaboticatubas] era a Macaúba”. Segundo a Agência de Desenvolvimento da RMBH, o processamento do fruto dessa palmeira já foi uma das principais atividades na cidade, contando com uma fábrica de sabão e usina de beneficiamento do coco construída há mais de meio século, em 1942. “Nessa região todo mundo vivia disso”, “Antigamente tinha tropeiro que buscava o coco [macaúba] com balaio grande em toda a região [...] tropa com mais de 10 lotes de burro (1 lote de burro equivale a 10 burros)”. Hoje as instalações da antiga saboaria se encontram abandonadas.
Figura 10: Antiga fábrica de sabão de macaúba em Jaboticatubas (Esquerda). Foto: Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mosteiro de Macaúbas em Santa Luzia (Direita). Foto: blog mosteiromacaubas.
Associado a essa atividade histórica na região está a subsistência de muitas dessas famílias, “minha mãe era quebradeira de coco [Macaúba] para fazendeiro”, bem como a transmissão de muitos desses conhecimentos, “aprendi [saberes da Macaúba] nas fazendas que trabalhei.” Os saberes populares transmitiam-se de geração a geração constituem um “corpus de conhecimentos”, que aliado à criatividade e experiências dos indivíduos, orientam uma “práxis” frente ao ambiente (Barahona (1987) & Toledo (1991). Dos feirantes entrevistados 13 (81,3%) disseram ter aprendido os saberes da macaúba na vivência familiar, com os pais, avós ou outros parentes, “minha família sempre trabalhou com isso”, um feirante relatou ter aprendido nos locais onde trabalhou “aprendi [saberes da Macaúba] nas fazendas que trabalhei”. Por fim outras duas pessoas responderam estar aprendendo os usos da macaúba desde que mudaram para Jaboticatubas, com vizinhos e mesmo na feira Raízes do Campo.
60
A macaúba pode ser aproveitada de uma ampla forma, possuindo uma grande variedade de subprodutos a ela associados. Segundo os feirantes “do coco [Macaúba] você aproveita tudo, não joga nada fora”. Por Lorenzi (2006) diferentes categorias de uso foram identificadas como associadas às distintas partes da palmeira A. aculeata: 1) MADEIRA: Sendo moderadamente pesada, dura e de longa durabilidade é empregada em construções rurais, na confecção de ripas, bicas ou calhas para água, mourões, estacas, cercas, entre outros. 2) PALMITO: Do tronco das palmeiras jovens é extraído um palmito e a seiva, sendo estes utilizados como alimento e bebida, respectivamente. Além disso, pode-se obter do miolo do tronco uma fécula nutritiva. 3) FOLHA: Fornecem fibras têxteis para fabricação de redes, linhas de pescar e artesanato, além de servirem como forragem animal e cobertura de casas. 4) ESPINHOS: São substituto de agulha para cozer por mulheres renderas, por serem duros e resistentes. 5) PAISAGÍSTICO: Outro uso comum é o emprego da palmeira no paisagismo. 6) FRUTOS: Consumo in natura, sendo também utilizados na produção de ração para o gado, suínos e aves. 7) POLPA: Pode ser comida crua ou dela extraído um óleo, o qual usa-se como azeite de mesa para salada; óleo de refoga, para frituras em geral, para pipoca; na confecção de biscoitos de polvilho; como cosmético de cabelo: para dar brilho ao cabelo, anticaspa, tonificante capilar evitando a queda. Além disso, o azeite é matéria prima para a e fabricação de sabão, ou utilizado como combustível para lamparina, como lubrificante, e na indústria cerâmica. Por fim tem ação medicinal, como expectorante, cicatrizante e para curar feridas em animais. 8) SEMENTE: A semente (lignificada) pode ser usada como substituto da brita no concreto e confecção de botões.
61
9) ENDOCARPO: É utilizado como carvão de alto poder calorífico; pode substituir a brita no concreto; na confecção de jóias, bijuterias e artesanato. 10) CASTANHA: Pode ser comida crua ou usada no preparo de paçoca (coquinho triturado mais farinha de mandioca). No entanto, seu principal uso reside na extração do óleo, o qual é utilizado tanto como alimento, em cosméticos e como biocombustível. Outros usos são: Do pecíolo da folha, podem ser feitos cestos, balaios e chapéus. E até mesmo as flores da planta são usadas na decoração de árvores de natal (MDA 2014). “A torta da polpa serve como ração animal e a torta da semente pode ser usada na composição de granola, doces e outras formas de consumo humano.” (CENTRALDOCERRADO 2014). Segundo Lorenzi (2006) vários dos usos por ele apontados foram “referenciados como registro histórico e para outros se registrou a revitalização de certos usos, em função principalmente do apelo turístico.” A grande maioria das utilidades da macaúba registradas no levantamento realizado por Lorenzi (2006) é coincidente com as citadas em outros trabalhos (ver Pott e Pott, 1994; Henderson et al., 1995; Almeida et al., 1996; Lorenzi et al., 1996; Miranda et al., 2001; Arboles, 2005; Globo Rural, 2005; Fruits, 2005; Gray, 2005; Ecocorp, 2005; Salis e Juracy, 2005 apud Lorenzi, 2006), bem como com os resultados obtidos a partir das entrevistas com agricultores da Feira Raízes do Campo. Os principais usos da macaúba citados, assim como o relato da prática dos mesmos pelos agricultores da Feira Agroecológica Raízes do Campo estão apresentados na Tabela 5, sendo os óleos da polpa (mesocarpo) (14,56%) e da gema (albúmen) (11,65 %) os mais citados. Em seguida serão descritos cada um dos usos da macaúba levantados pesquisa. PRODUTOS DA MACAÚBA
PARTE USADA Casca interna com a gema (endocarpo + albúmen)
CITAÇÕES
FREQUÊNCIA (%)
PRATICA ESSE USO?
FREQUÊNCIA (%)
1
1
0
0
1
1
1
100
Sabão preto ou sabão dicuada
Fruto in natura Polpa (mesocarpo) + cinza da casca interna (endocarpo)
1
1
1
100
Sabão da borra
Polpa (mesocarpo)
2
1
1
50
Lenha da capa
Capa (bráctea)
2
1
2
100
Calçada de coco Coco inteiro
62
Chapéu
Folha
2
1
0
0
Linha de coqueiro
Fibra da folha
2
1
0
0
Castanha
3
2,9
1
33,3
Uso medicinal
Gema (albúmen) Polpa (mesocarpo) ou gema (albúmen)
5
4,8
5
100
Xaxim
Estipe apodrecido
5
4,8
2
40
Vassoura
Folha
6
5,8
1
16
Carvão
7
6,8
4
57,1
Palmito
Casca interna (endocarpo) Estipe jovem (meristema apical)
8
7,7
2
25
Torta
Todas as partes do fruto
9
8,7
5
55,5
Madeira
Estipe
10
9,7
5
50
Sabão
Polpa (mesocarpo)
12
11,6
7
58,3
Azeite
Polpa (mesocarpo)
12
11,6
8
66,6
Gema (albúmen)
15
14,5
9
60
Óleo ou gordura
Tabela 5: Produtos da macaúba (Formas de uso), partes da planta utilizadas, citações, frequência relativa das citações em porcentagem (%), número de praticantes de cada uso e as porcentagens (%) em relação as suas respectivas citações na Feira agroecológica Raízes do Campo, Jaboticatubas, Minas Gerais.
7.3.1 TRONCO E FOLHAS A madeira da macaúba foi citada por 10 agricultores (9,7%), principalmente com a função de construção de cercas, para o paiol, galinheiro ou chiqueiro, além de servir como ripas para o telhado. Metade deles confirmou que ainda praticam esse uso em suas propriedades.
Figura11: Cercas da casa (esquerda) e do chiqueiro (direita) feitas da madeira da macaúba. Fotos: Filipe Chaves.
63
Indicado como alimento, a parte do estipe jovem (região próxima ao meristema apical), conhecida como palmito foi citada por 8 feirantes (7,8%), sendo que 25% destes relatou usar esse produto na alimentação. “Como os indivíduos dessa espécie não se ramificam, a extração da região meristemática (palmito) provoca a morte da planta e o seu extrativismo em excesso tem causado um declínio das populações naturais” (Farias, 2010), em virtude disso a prática da extração do palmito é irregular. Foi percebida nas entrevistas que os feirantes estão cientes desse fato. Alguns deles citaram o órgão oficial do Meio Ambiente (IBAMA) para argumentar o porquê de não praticarem mais esse uso. “Não pode porque tem que matar a palmeira e o IBAMA dá em cima”, “Hoje não pode mais porque o IBAMA não dá permissão para retirar. Isso é coisa dos antigos”. Mesmo aqueles que relataram se alimentarem esporadicamente do palmito explicaram que essa ação só acontece em casos de queda da palmeira, principalmente em virtude de raios na região: “É proibido, só se o pé cair”. Do caule apodrecido foi citado o uso na produção de adubo, bem como vasos para as plantas, os conhecidos “xaxins” (4,9%).
Figura 12: O tronco apodrecido pode ser usado como adubo (esquerda), bem como um vaso para cultivar plantas (direita) Fotos: Filipe Chaves.
Da Fibra da folha (folíolos) se confecciona de vassouras (5,8%) e chapéus (1,9%). Também foi mencionado o uso da fibra para fabricação da “linha de coqueiro” (1,9%), usada para a produção de linhas de pesca ou utilizada na arte dos artesanatos, “Em quilombo usava muito isso”. 7.3.2 A CAPA A inflorescência é envolvida por uma grande bráctea chamada espata. Essa espata, na macaúba, é comumente lenhosa e apresenta até dois metros de comprimento. Nas 64
comunidades rurais de Jaboticatubas, essa bráctea é conhecida popularmente como “capa” e usada localmente como lenha para o fogão ou em fogueiras, sendo pouco citada (1,9%) e praticada pelos dois feirantes.
Figura 13: Capa (bráctea) da macaúba sendo estocada como lenha para o fogão. Fotos: Filipe Chaves.
A postura da capa entre as folhas da palmeira também é associada ao tempo e possibilidades climáticas. “Nós tudo é governado pelo tempo, as plantas também”. Segundo os agricultores, quando tem muitas capas apontando para o alto, conforme figura, está longe de “estourar”, isso sinaliza que vai demorar o tempo das chuvas. O “estouro” é quando a capa (bráctea) abre para expor a inflorescência. Segundo os agricultores, a capa começa a tombar e aos poucos vai apontando em direção ao solo. No momento que a bráctea se abre é possível escutar um ruído parecido com um estouro e um odor nas flores. “A gente senti um cheirinho gostoso de flor, é interessante”. “Essa percepção dos “sinais da natureza” é parte essencial do caráter adaptativo dos saberes ecológicos” (Moran 2007 apud Almada 2012).
65
Figura 14: Inflorescência envolta pela capa (bráctea) na macaúba (esquerda). Capa entre as folhas apontando para o céu e outra caída encobrindo a inflorescência (direita). Fotos: Filipe Chaves.
De acordo com a perspectiva de Marques (2002a apud Almada 2012) do ponto de vista biológico a posição da capa está simplesmente associada à exposição da inflorescência, no entanto no contexto etnoecológico, esse acontecimento dialoga com outros processos ambientais e é por isso atrelado a conexões da natureza, compondo uma rede informacional. “Os saberes ecológicos podem assim ser percebidos como uma teia de interações percebidas e significadas pelas comunidades.” (Almada 2012) A conexão entre a posição da capa e a chegada das chuvas está associada ao período de floração da macaúba, entre outubro e dezembro, ser também um período de início do período das chuvas. Apesar de existirem as variações, capas que abrem antes ou no final desse período, a rede informacional discutida é pautada na experiência de vida das comunidades e nas “sutilezas” desse convívio com a natureza, em identificar a quantidade de capas apontando para o céu e outras especificidades dessa análise. 7.3.3 O FRUTO O fruto in natura (1%) é utilizado como alimento, bem como a castanha (2,9%), chamada pelos agricultores de “gema”. O fruto inteiro também foi citado por um dos
66
feirantes como uma estratégia de firmar a terra do bananal, “coloca os coquinhos pra dar força, quando a terra está muito fofa, pra ela não virar”. A semente foi citada por uma pessoa para construção da chamada “calçada de coco” (1%). Segundo ela o uso do “coquinho” era muito utilizado para “forrar o chão” das casas de antigamente, inclusive a entrada da igreja de Nossa Senhora do Rosário em Jaboticatubas foi feita assim. Por Lorenzi (2006) a semente foi descrita como substituto da brita no concreto e confecção de botões.
Figuras 15: Agricultor demonstrando como é feita a “calçada de coco” a partir da semente da macaúba (esquerda). A polpa do fruto in natura também é usada como alimento (direita). Fotos: Filipe Chaves.
O carvão, os óleos, o sabão e a “torta” foram outros subprodutos associados ao fruto da macaúba, que foram lembrados pelos agricultores. 7.3. 4 O CARVÃO
A casca interna da macaúba (endocarpo) foi citada (6,8%) para a fabricação de carvão. Segundo relatos de alguns feirantes, esse carvão tem um fogo “forte” e resistente, sendo por isso próprio para a atividade de ferreiro, “ [...] ele aquece mais rápido o ferro”. Nas propriedades ele é ingrediente presente nas “tendas”, um tipo provisório de forno montado com a finalidade de aquecer o ferro e assim “amolar” as ferramentas, como alavanca e picaretas.
67
Figuras 16: Casca interna (endocarpo) do fruto da macaúba armazenado em sacos para a produção de carvão (esquerda). Epicarpo sendo utilizado como lenha no fogão (direita). Fotos: Filipe Chaves.
No entanto essa casca, mesmo sem ser processado em carvão é utilizada nas casas para cozinhar no fogão a lenha ou para ascender o fogo dos fornos a lenha. . “A casca é mais quente e economiza lenha. [...] num preciso ir muito ao mato pegar lenha”. 7.3.5 ÓLEOS DA MACAÚBA
Do fruto também são extraídos os óleos nele contido. O óleo da amêndoa da macaúba é comparável ao azeite de oliva em textura e possui excelente paladar. (CENTRALDOCERRADO, 2014). Ele é utilizado principalmente para a alimentação, seja para cozinhar ou em receitas de biscoitos e outros. Ele também é usado para hidratas pele e cabelo e no uso medicinal. O óleo da amêndoa se diferencia do azeite da polpa pela coloração. O primeiro é mais claro e possui uma cor tendendo ao amarelo. Já o azeite é mais escuro, com uma cor alaranjada.
Figura 17: Diferença de coloração entre o azeite (esquerda) e o óleo da gema (direita). Foto: Luana Oliveira.
68
Os teores de óleo mais expressivo estão na polpa e amêndoa (Tabela 5). Componente Casca (epiderme) Polpa (mesocarpo) Castanha (albumen)
Teor de óleo em % (Tipo A*) 6,5 59,8 55,6
Tabela 6: Teor de óleo da macaúba por fruto na base seca. Fonte: CETEC (1983) citado por AMARAL (2007). (* Tipo A=Macaúba oriunda de Jaboticatubas, MG).
O óleo da polpa, também conhecido pelos agricultores de Jaboticatubas como azeite, não é utilizado por eles na alimentação, “Azeite não mata se comer, mas é muito forte”. Seu principal uso está como óleo de frituras, na fabricação de sabão. Ele também é usado nas propriedades como lubrificante de motores, ferramentas e outros equipamentos, como para “untar engenho”. O óleo vegetal hidrata as fibras internas do couro por isso diz-se usado para “amaciar couro e laços de boi”. Além disso, foram relatados diversos usos medicinais do azeite.
Figura 18: Azeite escorrendo da polpa quando o fruto da macaúba é pressionado (esquerda) e mão do agricultor oleosa com o azeite extraído da polpa (direita). Fotos: Filipe Chaves.
7.3.6 SABÃO DA MACAÚBA Do azeite (óleo da polpa), são feitos o “sabão preto” ou “sabão dicuada” (1%) e também o chamado “sabão de borra” (2%). O primeiro tipo de sabão recebe estes dois nomes em virtude da sua coloração enegrecida e por ser um produto feito a partir do processo tradicional de “dicuada”. Essa é uma técnica em que a água de cinzas é usada para substituir a soda cáustica na fabricação do sabão. Usando a dicuada o sabão fica com melhor qualidade e serve como tratamento cosmético para limpeza da pele, xampu anticaspa e doenças de pele. Já o “Sabão de Borra” recebe esse nome por ser feito a partir do azeite final que sobra durante a prensagem, como uma “borra” que sobre na prensa. Ao contrário do sabão
69
dicuada, ele é feito com soda cáustica industrial, sendo por isso considerado mais abrasivo e usado apenas na limpeza da casa e para lavar roupa. 7.3.7 USOS MEDICINAIS
Os usos medicinais (4,8%) relatados para a macaúba foram todos associados ao azeite proveniente da polpa (mesocarpo) ou do óleo da gema (albúmen). Por Lorenzi (2006) tais óleos têm ação medicinal, como expectorante, cicatrizante e para curar feridas em animais. Em confluência com os dados apontados por Lorenzi (2006) o óleo da gema foi também citado nas entrevistas desta pesquisa como expectorante: “[...] colocar óleo no café bem quente e tomar antes de dormir que é bom para o peito cheio e tirar o catarro”. No caso do azeite foi citado como um remédio para torção animal e também humana. “A gente usa o azeite quente com o sal para a torção animal”, “Usa para a torção, mas não come, só coloca nas juntas. Mas tem que ficar de resguardo [sem molhar ou tomar friagem] porque se molhar faz mal”. O “resguardo” foi explicado como sendo uma medida de cautela para evitar um choque térmico no organismo, o que poderia causar uma paralisia em alguma parte do corpo, como no rosto. “O azeite esquenta com sal e passa nas juntas para dor e reumatismo. Passa de noite, mas no outro dia não pode tomar friagem [...] Eu tenho medo porque tem o resguardo e no outro dia não pode pisar na água fria e eu trabalho muito com água. Se tomar friagem entorta as juntas e dá dor crônica, não sara mais. Aí quando está doendo eu uso e no outro dia eu tomo cautela.” (Agricultor Feira Agroecológica Raízes do Campo, 2014).
Ainda em similaridade com os usos apontados por Lorenzi (2006) foi citado a aplicação do azeite para cuidado de feridas em animais, “criação”, da propriedade: “Eu uso pra curar sarna do porco [quando a pata fica trincada e saindo sangue] [...] mistura o azeite de macaúba mais enxofre em pó ou flor do enxofre e coloca).” Outros usos medicinais apontados para o azeite foram para reumatismo, como cicatrizante, para retirar furúnculo (infecção nos folículos pilosos da pele) ou espinho, por exemplo, o da própria macaúba. “O azeite serve para fumentar. É bom para reumatismo e como cicatrizante.”, “Esquenta o azeite para retirar furúnculo”, “Esquenta o azeite com sal no fogo e coloca no espinho, que ele volta”. 70
7.3.8 A TORTA Entre os subprodutos da macaúba está a chamada “torta”. Ela é usada nas propriedades rurais como ração animal e é feita a partir do fruto da macaúba. Os agricultores que citaram o uso da torta na alimentação da “criação” relataram o aumento na produção de leite e a eficiência reprodutiva dos animais, “ela dá sustento pro o gado e aumenta o leite da vaca”, “O “restolho da gordura” é a melhor ração para postura das galinhas”. A “torta de coco” pode ser feita do fruto todo triturado em um desintegrador ou a partir de partes do fruto, como da casca externa (epicarpo), da casca de dentro (endocarpo) e outros itens que restam dos processos de feitura do azeite e do óleo da macaúba, chamados pelos agricultores de “restolho”. Essas partes da macaúba, bem como o restolho são misturadas com fubá de milho. A torta “A casca de fora ensaca para por na ração mais capim e milho, aí moe para o gado”. “Antigamente quase metade do trato dos animais era com a macaúba”. Essa ração artesanal ainda é muito presente e importante para a subsistência de muitas das propriedades dos agricultores da feira, sendo citada por 9 (8,7%) feirantes e praticada por praticamente metade dos que a citaram. Um dos agricultores discriminou a “Torta” em duas categorias: A “torta da gema” e a “torta de polpa”. A primeira é o material que sobra após a extração do óleo de amêndoa por prensagem, que é rico em proteína e, portanto, possui grande potencial para uso na alimentação de aves, suínos, bovinos e outros animais. O segundo é a sobra da extração do óleo da polpa. 7.3.9 CONHECIMENTO X PRÁTICA A Figura 19, produzida através do Wordle (WORDLE, s/d) online, ilustra a frequência de citações sobre usos da macaúba, assim como a frequência de praticantes dentre os agricultores que citaram determinado uso. Quanto maior o tamanho da fonte utilizada na grafia das palavras, mais pessoas praticam o referido uso da macaúba. Em geral, os produtos mais citados também obtiveram maior número de praticantes, como, o azeite, o óleo e o sabão da macaúba, realizado (em relação aqueles que citaram o 71
conhecimento) por (66,6%), (60%) e (58,3%) respectivamente. Uma exceção interessante foi a vassoura. Apesar de apenas uma pessoa relatar possuir o conhecimento de fabricação da vassoura de macaúba e também praticá-la, outras quatro pessoas citaram esse uso da palmeira. Isso provavelmente aconteceu em virtude do contato dos agricultores com esse produto na feira. O palmito também entra nesse caso. Foi citado por 8 feirantes, mas apenas 25% disseram ainda praticar. Como já discutido essa mudança entre a relação conhecimento e prática é devido ao caráter ilegal aplicado nos últimos anos a essa prática. Outros usos da macaúba foram citados, mas já não são mais praticados por nenhum deles, a “calçada de coco”, a “linha de coqueiro” e o chapéu. Por outro lado, no caso do uso medicinal 100% dos que citaram também praticam de alguma forma ou receita esse uso. Os produtos muitas vezes são praticados de forma coletiva, entre parentes ou com vizinhos. A matéria prima é de contribuição coletiva e os subprodutos são repartidos entre os envolvidos. É como acontece na produção do azeite e do óleo da macaúba em algumas famílias da Comunidade do Capão do Berto, sendo que frequentemente as mulheres se reúnem para quebrar os cocos e produzir esses óleos. A fabricação da torta também foi inserida nesse contexto por um dos feirantes entrevistado. Esse costume promove a cooperação entre vizinhos e fortifica seus vínculos de vida comunitária.
72
Figura 19: A primeira nuvem de palavras representando a frequência relativa de citações sobre os usos da macaúba, enquanto a segunda nuvem representa a frequência de praticantes entre aqueles agricultores que citaram o uso.
Apesar da grande maioria dos conhecimentos da macaúba ainda serem praticados nas comunidades rurais de Jaboticatubas são observadas transformações nas práticas desses saberes, seja na troca por novas tecnologias e produtos industriais, como introdução de maquinário para feitura dos óleos e ração, ou devido ao contexto da sociedade e suas legislações. Esses aspectos fazem parte das dinâmicas bio-socio-culturais com as quais esses saberes e práticas dialogam e delas participam.
73
74
Este capítulo de refere ao processo artesanal de beneficiamento dos produtos da macaúba comercializados na Feira Agroecológica Raízes do Campo e seus usos pelos agricultores nas propriedades rurais. Os passos para descrição da feitura do azeite, do sabão, do óleo e da vassoura foram acompanhados pela metodologia da turnê guiada. Os saberes e tradições, bem como as tecnologias tradicionais envolvidas na fabricação desses produtos da macaúba serão aqui relatados em conjugação com um ensaio de fotos. 8.1 O AZEITE O processo da produção do azeite artesanal começa catando o fruto caído debaixo das palmeiras de A. aculeata. Segundo (Novais 1952), “o fruto da macaúba quando atinge o seu amadurecimento completo, desprende-se do cacho e cai, sendo este o ponto de amadurecimento ideal”. De acordo com esse autor, é inútil a coleta dos frutos ainda nos cachos, pois os frutos são ricos em umidade e pobres em matéria graxa, sendo de difícil manipulação, uma vez que a polpa se encontra fortemente aderida à casca. No entanto, mesmo caídos os frutos ainda necessitavam passar por um período de amadurecimento póscolheita, denominado de “pubação” pelos agricultores da Feira Raízes do Campo. Nos métodos utilizados nas propriedades de Jaboticatubas esse processo consiste em armazenar os frutos debaixo de uma árvore ou na bananeira cobertos por montes de capim meloso (Melinis minutiflora). Segundo um agricultor não é bom colocar o fruto para “pubar” dentro do paiol ou outro local fechado porque o ambiente fica abafado e pode “mofar”, promovendo o crescimento de fungos. Rettore & Martins (1983), relataram que, “mesmo maduro, logo após a queda, a polpa está fortemente aderida à casca e ao endocarpo e com o passar do tempo esta vai se desprendendo, formando um espaço entre a casca e a polpa”. Nesse sentido, a intenção da prática de “pubar” o fruto é “amaciar” a polpa e esta se desprender da casca para durante a prensagem propiciar a maior disponibilização do azeite. Esse processo também causa o desprendimento da amêndoa do endocarpo com a conseqüente facilitação da separação das partes no processo de feitura artesanal do azeite e do óleo da macaúba. Não existe um tempo certo para ficar “pubando”. O fruto fica armazenado nesses locais enquanto aos poucos vai sendo beneficiado na forma de azeite e outro produtos. Após
75
“pubados” os frutos são levados para o “estaleiro” ou “batedor de coco”, um tipo de grade de varas, geralmente de bambu, escorada sobre esteios de madeira fixados no chão. Nesse local, também conhecido como jirau, ocorre a quebra e remoção da casca externa.
Figura 20: As cascas externas (epicarpo) dos Frutos da macaúba são rompidas no “batedor de coco” com um pedaço de pau. Fotos: Filipe Chaves.
Em seguida, os coquinhos com a polpa exposta são colocados em um equipamento tradicional, chamado de “arranhou”, para extração do azeite contido na polpa. O arranhou consiste em um tambor, onde são colocados os coquinhos com um pouco de água quente. Ele possui uma estrutura de metal com um eixo central e várias barras de ferro perpendiculares a esse eixo, o qual é articulado a um pau de madeira movido por um cavalo.
Figura 21: Imagem do “arranhou”, com destaque para o pau de madeira onde é colocado o cavalo que gira em torno do tambor (esquerda). Destaque do interior do tambor do “arranhou”, com as barras de ferro presas ao eixo do equipamento. Fotos: Filipe Chaves.
Durante o movimento as barras de ferro “arranham” e esmagam a polpa do fruto. O azeite escorre de dentro do tambor para um recipiente, onde é coletado. Ao final desse processo, que dura cerca de 30 minutos a uma hora, os cocos amassados são colocados em uma prensa para retirada do azeite que ainda resta na polpa.
76
Figura 22: Imagem com destaque para a abertura do tambor do arranhou por onde escorre o azeite da polpa do fruto da macaúba (esquerda). Foto: Filipe Chaves. Azeite escorrendo do arranhou para a panela onde é coletado (direita). Foto: Arquivo Amanu.
A prensa consiste em uma tecnologia tradicional. Feita de madeira ela possui uma câmara onde são colocados os frutos e a partir à medida que um “macaco de rosca” vai girando o óleo sai através de orifícios no fundo da câmara, onde é colocada uma bacia. Foi ressaltado pelo agricultor acompanhado que antes de colocarem os coquinhos deve-se forrar o fundo da prensa com uma esteira de bambu, para a massa da polpa que vai soltando durante a prensagem não entupir os canais e orifícios por onde o azeite escorre.
Figura 23: Imagem da prensa, com destaque para o “macaco de rosca” no centro da prensa, entre dois pedaços de madeira. É possível visualizar parte da esteira de bambu que recobre a câmara onde ficam os frutos, bem como a bacia abaixo da prensa, que recolhe o azeite que escorre do equipamento. O agricultor segura na mão uma alavanca, com a qual após a prensagem ele retira os frutos amassados. Foto: Filipe Chaves.
77
Depois de prensado os coquinhos ficam muito compactos e é necessária uma alavanca para retirá-los de dentro da prensa. Em seguida eles dispostos para secar por cerca de dois a três meses até que a gema (amêndoa) solte da casca de dentro. Esta castanha será posteriormente utilizada na fabricação do óleo ou gordura da macaúba.
Figura 24: Local onde as partes que restaram dos frutos após a prensagem são colocadas para secar. Fotos: Filipe Chaves.
Segundo os agricultores acompanhados o processo rende de dois e meio a três litros de azeite para cerca de 63 litros de coco ( 3 latas e ½ de 18 litros cada). Essa medida antigamente equivaleria a um balaio do fruto, que era chamado de um “alqueire”.
Figura 25: Azeite da polpa do fruto da macaúba. Foto: Filipe Chaves.
78
8.2 O SABÃO O sabão é sempre feito a partir do azeite da macaúba. Foram relatados dois tipos de sabão. O “sabão da borra” é considerado de “segunda”. Enquanto o sabão preto ou sabão “dicuada” é considerado de “primeira”. Esta classificação dá uma idéia implícita de que o sabão de “segunda” seja de qualidade inferior, no entanto a principal correlação está nos usos diferentes para cada tipo de sabão. No sabão feito da “borra” é utilizada soda cáustica industrial entre os ingredientes. Por isso ele é considerado mais “forte” e abrasivo, sendo melhor seu uso para limpeza das vasilhas da casa ou para lavar roupa, “O azeite da borra faz sabão para despesa da casa”. Já o sabão preto é usado para tomar banho, lavar cabelo e cuidar da pele, sendo, portanto um uso mais cosmético ou como tratamento para doenças de pele e machucados. Ele é indicado pelos agricultores para caspa, espinhas, alergias, micoses, limpeza de machucados ou para lavar o cabelo. Por exemplo, foi relatado por um agricultor lavar a mordida de cachorro. “Põe o sabão na água e mexe até dá um pouco de espuma e lava o machucado com essa água.”
Figura 26: Sabão preto ou “dicuada” (esquerda) e sabão de “borra” (direita). Fotos: Filipe Chaves.
O Sabão preto recebe esse nome em virtude da sua cor escura. No seu processo de fabricação está associado a outra prática tradicional, que é a “dicuada”. Esse processo consiste em forrar um balaio de bambu com capim meloso (Melinis minutiflora) e sobre este colocar a cinza do fogão a lenha.
79
Figura 27: Preparo do balaio com o capim meloso (Melinis minutiflora) (esquerda) e lata de cinzas do fogão a lenha (direita). Fotos: Filipe Chaves.
A cada lata de cinza colocada no balaio, esse pó é molhado com um pouco de água. São colocadas ao todo quatro latas (18L) no balaio e no final a cinza é moldada formando um pequeno poço onde aos poucos durante a semana será adicionado mais água. Esse baio com capim e cinza é chamado de “barrileiro”.
Figura 28: Primeira lata de cinzas sendo colocada no “barrileiro” (esquerda) e posteriormente sendo umedecido com água (direita). Fotos: Filipe Chaves.
O barrileiro com cinza tem que ficar uma semana “curtindo”, ou seja, colocando água até aos poucos ela penetrar pelas cinzas e começar pingar no fundo do balaio. No começo a água sai clara, o que indica que ainda não é o ideal. Segundo a feirante acompanhada no processo “quando começa a sair um caldo escuro imitando o café já está no ponto de usar”. O resultado de um balaio de cinza são 20 a 25 litros de dicuada, sendo que este líquido ainda é colocado em panela no fogão para secar, rendendo ao final cerca de dois litros da dicuada.
80
Figura 29: Preparo do barrileiro para ficar “curtindo” uma semana. Fotos: Filipe Chaves.
Esse caldo escuro também foi citado o uso como fermento de bolo, para combater pragas da horta, como pulgão e algumas gotinhas para “mal estar no estômago, quando a comida está pesada, com gordura demais”. A cinza utilizada é proveniente das madeiras do fogão de lenha da casa, bem como da própria casca de dentro do fruto da macaúba. Uma feirante disse cozinhar quase só com a casca de gema. “A casca é mais quente e economiza lenha. [...] num preciso ir muito ao mato pegar lenha”. Como o sabão dicuada é associado ao cuidado com a pele, segundo um agricultor, caso ele cause alguma irritação na pele pode ser devido a qualidade da madeira que produziu a cinza utilizada na dicuada. Para produção do sabão, uma receita geral passada pela feirante foi utilizar quatro litros de azeite para dois litros de dicuada, o que rende em torno de dez kg de sabão, sendo vendido por 20,00 o kg. Durante a produção de ambos os tipos de sabão podem ser colocados pedaços de mamão verde ralado e folhas de algumas plantas do quintal. No caso do sabão dicuada, uma feirante disse utilizar folhas frescas e novas de ervas cicatrizantes como Jaborandi, Maria Preta, Fumo, Barbaso. Segundo ela para cada “cozida” de cinco a sete kg de sabão são colocados dois mamões verdes e dois folhas de cada planta. 81
Figura 30: Imagens de pé de mamão (esquerda) e a planta cicatrizante Maria Preta (direita) presentes no quintal dos agricultores acompanhas e que são utilizados no preparo do sabão artesanal. Fotos: Filipe Chaves.
No caso do sabão de borra são utilizados seis litros de borra de azeite com um kg de soda cáustica o que rende dez kg de sabão. 8.3 O ÓLEO A produção do óleo da gema começa com a quebra do coco na pedra com uma marreta, um por um. Segundo uma agricultora que acompanhamos, ela fica uma semana inteira quebrando coco para fazer cinco litros de óleo. Ela também trabalha quebrando coco para visinhos “a meia”, ou seja, ela quebra o coco para o vizinho e em troca fica com parte das castanhas. Esse tipo de troca é solicitada porque muitos agricultores não querem ter esse trabalho de quebrar o coco, ou por não possuírem tempo. As castanhas são torradas no forno por cerca de 20 minutos.
Figura 31: Agricultora carregando os “coquinhos” para quebrá-los (esquerda). Os “coquinhos” sendo quebrados na pedra com uma marreta (centro) e posteriormente ele quebrado evidenciando duas partes: a casca interna (endocarpo) e a gema (albúmen) (direita) Fotos: Filipe Chaves.
82
Figura 32: Gemas (albúmen) sendo torradas no forno. Fotos: Filipe Chaves.
Em seguida elas são trituradas até formar uma massa viscosa. Antigamente esse processo era realizado manualmente no pilão de madeira, geralmente feitos de madeira de cerne, como pau de pequi ou jacarandá, pois possuem maior durabilidade. Atualmente a castanha torrada é moída no desintegrador, uma máquina elétrica que em poucos minutos realiza o trabalho de um dia todo no pilão. A massa viscosa que sai do desintegrador é misturada com água e será fervida no tacho.
Figura 33: Gemas sendo trituradas no pilão como antigamente (esquerda) e desintegrador usado nos tempos atuais para moer as gemas (direita). Fotos: Filipe Chaves.
Figura 34: Gemas sendo trituradas pelo desintegrador (esquerda). A massa viscosa das castanhas moídas saindo pelo desintegrador e caindo na panela (centro). A massa da gema é misturada a água (direita). Fotos: Filipe Chaves.
83
Uma feirante alertou que a melhor época para fazer a feitura do óleo é durante a lua minguante, uma vez que dentro desse período óleo rende mais. “Se for fora da minguante sobe tudo [o líquido do tacho] e vai tudo embora”. Se for misturada água quente o processo é acelerado, mas normalmente cada “tachada” da massa fica em torno de 20 a 30 minutos no fogo. Durante esse período é importante mexer o líquido para a massa não grudar no fundo da panela. Depois desse tempo a água começa a ferver e as gotículas de gordura emergem e se aglutinam na superfície da massa. Com o acúmulo do óleo ele vai sendo aos poucos colhido levemente colhido com uma concha.
Figura 35: Massa da gema sendo fervida no fogão a lenha para que o óleo ou gordura da gema suba para a superfície (esquerda) e seja coletada com uma concha (direita). Fotos: Filipe Chaves.
Depois que todo o óleo é coletado toda a massa que sobrou no tacho é chamado de “massa restolho” e será armazenada em um tambor para posteriormente compor a chamada “torta” dos animais, formando uma ração para galinhas e suínos. Uma nova parte do líquido é colocada no tacho para repetir o processo. Depois de repetidas fervuras do líquido, toda a gordura coletada retorna para o fogo em outra panela onde o óleo será “purificado”. A intenção é retirar o pouco de água que ainda ficou para que assim o óleo não “mofe”, ou seja, evitar a proliferação de fungos no produto.
84
Figura 36: Óleo da gema extraído do processo de fervura e sendo aquecido para evaporação da água que por ventura permaneceu óleo. Fotos: Filipe Chaves.
Segundo os cálculos de um agricultor esse processo rende cinco litros de óleo (gordura) se utilizar 54 litros de gema. 8.4 A VASSOURA A vassoura da macaúba é produzida a partir das “fibras” da folha (folíolos), que depois de tratados são tecidos a um fio pardo. Essa prática é realizada de forma coletiva na família. O primeiro passo é o preparo da ferramenta, uma foice de cabo longo, para aí as folhas serem cortadas no alto da palmeira.
Figura 37: Agricultor preparando a ferramenta (esquerda) e coletando as folhas da macaúba (direita) Fotos: Filipe Chaves.
85
As folhas cortadas são arrastadas para o local onde as fibras (folíolos) serão retiradas e organizadas.
Figura 38: Folhas da palmeira sendo transportadas (esquerda) e agricultora organizando um conjunto de fibras (direita). Fotos: Filipe Chaves.
Para isso existe uma técnica especial, uma vez que as folhas possuem muitos espinhos. Conforme ensinamentos da família de fabricantes da vassoura acompanhada, primeiro tem que pisar bem devagar sobre os espinhos tombando eles para o lado contrário ao pé até ver que está na posição de que pode firmar o pé.
Figura 39: Agricultor com os pés sobre a raque da folha da macaúba recoberta de espinhos. Foto: Filipe Chaves.
Em seguida tem que puxar as fibras na direção do pé e contrária a ponta da folha.
86
Figura 40: Retirada das fibras (folíolos) em sentido contrário ao da ponta da folha. Fotos: Filipe Chaves.
As filhas são separadas em montes entre as de coloração mais amarelada e as de coloração verde escuro. Segundo o agricultor, tem que separar os tipos de fibra porque as de cor amarelada possuem mais água e por isso ficarão mais tempo secando antes do tratamento.
Figura 41: Família de agricultores organizando as fibras da folha por coloração (esquerda). A colheita das fibras é realizada de forma familiar (direita). Fotos: Filipe Chaves.
A parte da folha que sobra da retirada dos folíolos é cortada do meio e colocada em uma compostera própria para ela, onde se colocam folhas de outras árvores do entorno. No caso acompanhado foram utilizadas folhas de mangueira para recobrir as hastes das folhas. Depois de decomposto esse material é usado como adubo para as plantas do quintal. Normalmente as folhas são extraídas de macaúbas em terrenos de vizinhos, sendo então necessário o transporte até a casa dos fabricantes da vassoura. Para isso as fibras são ensacadas e transportadas nas costas dos agricultores, em distâncias que podem ultrapassar três quilômetros.
87
Figura 42: O que resta da folha (raque da folha) é colocado em uma composteira específica para esse uso. As fibras são amarradas para o transporte. Fotos: Filipe Chaves.
Figura 43: Fibras sendo ensacadas pelos agricultores (esquerda) e prontas para o transporte (direita). Fotos: Filipe Chaves.
No terreiro da casa as fibras coletados são colocados para secar na sombra. Essa etapa tem uma duração de uma semana, caso o tempo esteja ensolarado e quente. Em época de “sol frio” demora em torno de 15 dias. Quando eles começam a secar são molhados com um regador que contém o preparo, o qual é feito de ½ copo “americano” de vinagre ou sumo de limão capeta adicionados a dez litros de água. Segundo o fabricante das vassouras, esse tratamento tem o intuito de deixar a palha mais maleável para ser trançada, além de conservar a palha por mais tempo.
88
“Depois de preparadas tem que verificar fibra por fibra para ver se tem espinho”. São usadas três ou quatro fibras (folíolos) conjuntamente em cada vez que o fio é trançado. As fibras são enrolas e dobradas do meio. É nessa dobra que as fibras são prendidas ao fio através de um nó específico.
Figura 44: três fibras da palmeira dobradas ao meio, prontas para serem trançadas com um nó no fio (esquerda). Os trios de fibras são trançado lado a lado no fio (direita). Fotos: Filipe Chaves.
Quando todo o fio foi trançado de fibra ele recebe o nome de “saia” e então ele será enrolado na ponta de um cabo de madeiro e prendido com um prego, para não se desfazer.
Figura 45: Fibras da macaúba sendo tecidas no cordão formando a “Saia” da vassoura (esquerda). “Saia” sendo enrolada no cabo de madeira (centro) e vassoura velha mostrando o resultado da sobreposição das voltas da saia na madeira (direita). Fotos: Filipe Chaves.
Segundo os fabricantes, são necessárias duas folhas da palmeira, um prego e 20 metros de fio pardo para fabricar uma vassoura, a qual é vendida na feira por R$20,00.
89
11. COCLUSÕES A Feira Agroecológica Raízes do Campo se apresenta como uma iniciativa comunitária que busca estabelecer e divulgar um novo modo de produção, consumo e relação com a sociobiodiversidade local. Para Latour (1994) “os híbridos natureza-cultura devem ser incluídos e contribuir ativamente na construção de um mundo comum.” O homem não pode ser definido sem o ambiente com o qual interage, sendo essa relação íntima, contínua e afetiva (Oliveira, 2002). Nesse intuito a Feira procura tratar o Cerrado de forma antagônica ao praticado pelo agronegócio, ou seja, respeitando sua dinâmica ecológica, valorizando sua biodiversidade, agregando valor aos produtos e organizando um arranjo produtivo solidário (Silva 2009). Ela se constitui como importante espaço para o fortalecimento da agricultura familiar local e um exemplo de feira agroecológica, popular e solidária para a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os resultados deste trabalho demonstraram que essa feira é um mercado de rica agrobiodiversidade, bem como um importante espaço de circulação dos produtos do extrativismo e dos saberes a eles associados. “O componente vegetal e a cultura local constituem um sistema co-existente de conhecimentos e muitas vezes refletem a história de famílias e de relações e grupos sociais” (Amorozo 2007), como no caso da macaúba. Essa palmeira se destacou como a espécie de maior importância cultural e econômica na feira e nas propriedades rurais acompanhadas. Ela pode ser aproveitada de uma ampla forma, possuindo uma grande variedade de subprodutos. Os agricultores detêm diversos saberes sobre os usos da macaúba, bem como as tecnologias sociais necessárias para seu beneficiamento. A venda de produtos tradicionais na feira propicia a circulação dos saberes associados às práticas agroecológicas comunitárias. Esses espaços permitem ainda o resgate das dimensões sócio-históricas e culturais dos alimentos tradicionais. A região é rica em macaúba e o processamento do fruto da macaúba já foi uma das principais atividades na cidade, no entanto atualmente a fábrica de beneficiamento encontra-se abandonada. A comercialização de produtos oriundos dessa palmeira se mostra uma ótima alternativa para o incremento da renda de pequenos produtores, o que evidencia a importância de Projetos como os 90
coordenados pela Associação Amanu para a valorização dos saberes e potencialidades locais. Nessa perspectiva como expressa Nogueira & Fleischer (2005), a proposta dos agricultores de atuar na Feira e em suas propriedades rurais em Jaboticatubas revelam formas mais harmoniosas e responsáveis de viver no Cerrado, em conformidade com os dizeres de Nogueira e Fleischer (2005): “Esse mundo rural tradicional revela outras formas possíveis de habitar, produzir e conhecer o meio ambiente, sendo, portanto, locus para a aprendizagem e/ou resgate de uma relação considerada mais harmoniosa com a Natureza. Nessa perspectiva, dá-se uma passagem do rural como eminentemente agrícola para um rural como espaço de natureza” (Nogueira e Fleischer 2005).
91
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Pedro Henrique Barbosa. O agricultor familiar e o uso (in) seguro de agrotóxicos no município de Lavras, MG. Campinas, SP, 2014. AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA RMBH. Prédios históricos da RMBH. Disponível em:http://www.agenciarmbh.mg.gov.br/system/documents/211/original/clipping_14-1010.pdf?1318279490. Acesso em: 14/11/2014. AGÊNCIA MINAS. Pró-macaúba. Disponível http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticias/governo-de-minas-regulamenta-o-promacauba/. Acesso em: 14/11/2014.
em:
Albuquerque, U.P. Hanazaki, N. (orgs). Árvores de valor e o valor das árvores; pontos de conexão. Recife: NUPPEA, 2010. ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino; LUCENA, Reinaldo Farias P; CUNHA, Luiz Vital F. Cruz (Org). Métodos e Técnicas em pesquisa Etnobiológica e Etnoecológica. Recife: NUPEEA, 2010. ALMADA, E. D. Entre as Serras: Etnoecologia de duas comunidades quilombolas do sudeste brasileiro. Tese de Doutorado. Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, Universidade Estadual de Campinas.Campinas, 2012. ALTIERI, M. A. Agroecoly: the scientific basis of alternative agriculture. Boulder : Westview Press, 1987. ALTIERI, M. A. Agroecologia: A dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora Universidade, 2000. ALVES, Angelo Giuseppe Chaves & SOUTO, Francisco José Bezerra. Etnoecologia ou Etnoecologias? Encarando a diversidade conceitual. In: ALVES, A.G.C; SOUTO, F.J.B. & PERONI, Nivaldo (Org.) Etnoecologia em perspectiva: natureza, cultura e conservação. Recife, NUPEEA, 2010. p. 17-40. AMARAL, Broetto, BATISTELLA & Jorge. Extração e caracterização qualitativa do óleo da polpa e amêndoa de frutos da macaúba [Acrocomia aculeata (Jacq) Lordd. Ex Mart] coletada na região de em Botucatu, SP. Rev.Energia na Agricultura. Vol. 26, nº 1, 2011, p. 12-20. AMOROZO, Maria Christina de Mello. Construindo a sustentabilidade: biodiversidade em paisagens agrícolas e a contribuição da etnobiologia. In: Albuquerque, U.P. Alves, A. G. C. Araújo, T. A. S. (orgs). Povos e Paisagens: etnobiologia, etnoecologia e biodiversidade no Brasil. Recife: NUPPEA, 2007.
92
ARROYO, João Claúdio Tupinambá; SCHUCH, Flávio Camargo. Economia Popular e Solidária: a alavanca para um desenvolvimento sustentável. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. ASSOCIAÇÃO Amanu – Educação, Ecologia e Solidariedade http://associacaoamanu.blogspot.com.br. Acesso em: 14/11/2014.
Disponível
em:
BARAHONA, R. Conocimiento campesino y sujeto social campesino. Rev. Mexicana de Sociología, nº9, 167-190. BARBOSA, Altair Sales; Schmitz, Pedro Ignacio. Ocupação indígena do Cerrado: esboço de uma história. In: Sano, Sueli M.; Almeida, semírames P. (orgs.) Cerrado: ambiente e flora. Brasília: Embrapa, 1998, p. 3-43. BONDAR, G. Palmeiras do Brasil. São Paulo: Instituto de Botânica, São Paulo, 1964. n.2; p. 50554. BRANDÃO, C.R. (Org.). Pesquisa participante. 6.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. 211p. BRASIL. Política de preço mínimo. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-eemprego/2014/08/fruto-da-macauba-e-incluido-na-politica-de-preco-minimo. Acesso em: 14/11/2014. BUAINAIN, Antônio Márcio. Romeiro, ADEMAR R., GUANZIROLI, Carlos. Agricultura Familiar e o Novo Mundo Rural. Rev. Sociologias, nº10, Jul/dez 2003, p. 312-347. CAMPANHA PERMANENTE CONTRA AGROTÓXICOS. http://www.contraosagrotoxicos.org/. Acesso em: 14/11/2014.
Disponível
em:
CAPORAL, Francisco Roberto. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília; MDA/SAF/DATER II CA, 2002. CENTRAL DO CERRADO. Disponível em: http://www.centraldocerrado.org.br/comunidades/riachodantas/. Acesso em: 14/11/2014. COELHO-DE-SOUZA, Gabriela. Modernização da agricultura e o agravamento da insegurança alimentar no Brasil: o papel das populações locais e sua agrobiodiversidade. In: Silva, V. A.; Almeida, A. L. S. Albuquerque, U.P. Hanazaki, N. (orgs). Etnobiologia e Etnoecologia: Pessoas & Natureza na América Latina. Recife: NUPPEA, 2010. COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIEMNTO (C0NAB). Disponível http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=1125. Acesso em: 14/11/2014.
em:
DRUMOND, Maria Auxiliadora. Manejo adaptativo do minhocuçu Rhinodrilus alatus. 2008. 112p. Tese (doutorado em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre). Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Minas Gerais, 2008.
93
EMBRAPA; Arranjos Produtivos Locais (APL’s) para Biodiesel. Encarte, Embrapa agroenergia, Brasília, 16p., 20 FARIAS, Teddy Marques. Biometria e processamento dos frutos da macaúba (Acrocomia SP.) para a produção de óleos. Belo Horizonte, 2010. FIEMG, Lei da macaúba. Disponível em: http://www.fiemg.org.br/Default.aspx?tabid=11647&mid=25601&newsType=Detail&Param= 30865. Acesso em: 14/11/2014. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. FRUITS from America: an ethnobotanical inventory Acrocomia aculeata. Disp. em:<http://www.ciat.cgiar.org/ipgri/fruits_from_americas/frutales/Acrocomiaaculeata.htm > Acesso em: 14/11/2014 IFPRI. Banco Mundial, World Development Report 2008: Agriculture for Development, Washington D.C., 2007, pág. 6. Consulte também J. Alston et al., “A meta-analysis of rates of return to agricultural R&D”, Relatório de Pesquisa 113, Washington D.C., Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar (IFPRI), 2002. INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE 2006). Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 14/11/2014. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Guia de identificação: Plante as árvores do Xingu e Araguaia: São Paulo, 2009. INSTITUTO PAULO FREIRE. Caderno de Formação em Economia Popular Solidária. São Paulo, 2011. GADOTTI, Moacir. Economia solidária como práxis pedagógica. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009. GLASSMAN, S.F. A revision of B.E. Dahlgren’s index of American palms. Lehre: J. Cramer, 1972. GUIMARÃES, Artur Queiroz. Pesquisa-ação na comunidade quilombola de Pontinha: do pensamento ingênuo e negativo ao pensamento crítico e propositivo. Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção do título de Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de minas Gerais. Belo Horizonte, 2007. HOLANDA, Sérgio B. Caminhos e fronteiras. 3ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. JACOBI, Pedro Roberto. Meio Ambiente, Educação e Cidadania: diálogo de saberes e transformação das práticas educativas. In: Monteiro, Fernando. Fernandes, Maria Lídia. 94
Jacobi, Pedro Roberto. Educação e Sustentabilidade: Caminhos e práticas para uma educação transformadora. São Paulo: Evoluir Cultural, 2011. KLINK, Carlos A.; MACHADO, Ricardo B. A conservação do Cerrado brasileiro. MEGADIVERSIDADE, Conservatin International Publicações, Vol. 1, Nº 1, Julho 2005. KINUPP, V.F. BARROS, I. B. I. Agrobiodiversidade nativa, uma riqueza negligenciada: diversidade de plantas alimentícias não convencionais (PANC) na Região Metropolitana de Porto Alegre. In Lin Chau Ming, Amorozo, M. C. M. (orgs). Agrobiodiversidade no Brasil: experiências e caminhos da pesquisa. Vol. 6. Série: Estudos e Avanços. Recife: NUPEEA, 2012. LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Carlos Irineu da Costa (Trad.). Rio de Janeiro, Ed. 34, 1994. LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001. LORENZI, G. M. A. C. Acrocomia aculeata (Lodd.) ex Mart. – Arecaceae: Bases para o extrativismo sustentável. Curitiba: 2006, 172f. Tese. Programa de Pós-graduação em Agronomia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2006. MACHADO, R.B., M.B. Ramos Neto, P. Pereira, E. Caldas, D. Gonçalves, N. Santos, K. Tabor & M. Steininger. 2004. Estimativas de perda da área do Cerrado brasileiro. Conservation International do Brasil, Brasília. MARQUES, José Geraldo. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica. 2. Ed. São Paulo, NUPAUB/USP, 2001. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIEMENTO (MAPA). Portaria nº 747/2014. Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_img_23/Portaria%20PGPMBIO%20 maca%C3%BAba%202014%20(2)%20(1).pdf. Acesso em: 14/11/2014. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDS). Disponível http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/onu-refor%C3%A7a-import%C3%A2ncia-daagricultura-familiar-para-o-mundo. Acesso em:14/11/2014.
em:
MYERS N, Mittermeier RA, Mittermeier, CG, Fonseca GAB & Kent J (2000) Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, 403: 853-858. NODA, Hiroshi. Noda, S. N. Silva, A. I. C. Compartilhamento, conservação e melhoramento de recursos genéticos hortícolas na Amazônia centro-ocidental. In Lin Chau Ming, Amorozo, M. C. M. (orgs). Agrobiodiversidade no Brasil: experiências e caminhos da pesquisa. Vol. 6. Série: Estudos e Avanços. Recife: NUPEEA, 2012.
95
NOGUEIRA, Mônica. FLEISCHER, Soraya. Entre tradição e modernidade: potenciais e contradições da cadeia produtiva agroextrativista no Cerrado. Rev. Estudos Sociedades e Agricultura. Rio de Janeiro, vol. 13, n. 1, 2005: 125-157. NOVAES, R. F. Contribuição para o estudo do coco macaúba. Piracicaba, 1952, 85 f. Tese (Doutorado em Ciências Agrárias) Escola Superior de Agricultura “Eça de Queiroz da Univeersidade de São Paulo, Piracicaba OLIVEIRA, L. A percepção da qualidade ambiental. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v.12, n.18, p.40-49, 2002. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO). Disponível em: http://www.fao.org/docrep/019/as281p/as281p.pdf. Acesso em: 14/11/2014. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (UNESCO). Reserva da Biosfera. Disponível em: http://www.unesco.org/new/en/naturalsciences/environment/ecological-sciences/biosphere-reserves/. Acesso em: 14/11/2014. PIMENTA, T. V.; Metodologias de obtenção e caracterização dos óleos do fruto da macaúba com qualidade alimentícia: da coleta à utilização. Dissertação, DEQ/UFMG, Belo Horizonte, 114p., 2010 POSEY, Darrel Addison. Introdução – Etnobiologia: Teoria e Prática. In: Darcy Ribeiro. (Ed.) Berta G.Ribeiro. (Coord.). Suma Etnológica Brasileira: Vol.1 Etnobiologia. Belém: Editora Universitária UFPA, 1997. p. 1- 16. POTT, A.; POTT, V.J. Plantas do Pantanal. Corumbá: Embrapa Pantanal, 1994. 320p. REVISTA SAGARANA. Serra do Espinhaço. http://www.revistasagarana.com.br/revista27/serradoespinhaco.htm. 14/11/2014.
Disponível Acesso
em: em:
RETTORE, R. P.; MARTINS,H.; Produção de combustíveis Líquidos a Partir de Óleos Vegetais. Relatório final, CETEC-MG, vol.1, Belo Horizonte, 1983. RIBEIRO, E. M.; História dos Gerais. Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2010, 329p. SANTILLI, Juliana. Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. São Paulo: Petrópolis, 2009. SANTOS, Boaventura de Sousa. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. SECRETARIA INTERMINISTERIAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (SISAN). A agroecologia e o direito humano à alimentação adequeda. Caderno SISAN 01/2012.
96
SILVA, Carlos Eduardo Mazzetto. O Cerrado em disputa: apropriação global e resistências locais. Brasília: Confea, 2009. 264p. SOLDATI, Gustavo Taboada. ALBUQUERQUE, Ulyssis Paulino. Produtos florestais não madeireiros: uma visão geral. In: Albuquerque, U.P. Hanazaki, N. (orgs). Árvores de valor e o valor das árvores; pontos de conexão. Recife: NUPPEA, 2010. SOUZA, Murilo Mendonça Oliveira. A utilização de metodologias de diagnóstico e planejamento participativo em assentamentos rurais: o diagnóstico rural/rápido participativo (DRP). Rev. Em Extensão, vol. 8, n. 1, p. 34-47, Uberlândia, 2009. TOLEDO, V.M. El juego de la supervivência: um manual para la investigación etnoecologica em Latinoamerica. Santiago: CLADES, 1991. 76p TOLEDO, Victor Manuel. BARRERA-BASSOLS, Narciso. A etnoecologia: uma ciência pósmoderna que estuda as sabedorias tradicionais. Rev. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 20, p. 31-45, 2009. TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005. WORDLE. Wordle – Beautiful word clouds. Disponível em: <http://www.wordle.net/>. Acesso em 14/11/2014. YOUNG, A. Agroforestry for soil conservation. Wallingford: CAB Internatonal, 1991, 275p. (ICRAF Science and Praticc of Agroforestry, n.4)
97
11. ANEXOS
98
99
100
101
102