Preview - O Grande Culpado

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O grande

C lpado O plano de Stálin para iniciar a segunda GUERRA MUNDIAL

Viktor Suvorov

Tradução Flora Salles

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Título original em inglês: The Chief Culprit – Stalin’s Grand Design to Start World War II Copyright © 2008 by Viktor Suvorov Amarilys é um selo editorial Manole. Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil. Capa: Depto. de arte da Editora Manole Imagem da capa: Latinstock Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Suvorov, Viktor O grande culpado : o plano de Stálin para iniciar a 2a Guerra Mundial / Viktor Suvorov ; [tradução Flora Salles]. – Barueri, SP : Amarilys, 2010. Título original: The chief culprit : Stalin’s grand design to start world war II Bibliografia ISBN 978-85-204-2906-8 1. Guerra Mundial, 1939-1945 – União soviética 2. Guerra Mundial, 1939-1945 – Causas 3. Stálin, Joseph, 1879-1953 – Liderança militar I. Título. 10-05626

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Índices para catálogo sistemático: 1. União Soviética : Guerra Mundial, 1939-1945 : História 940.5310947

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. A Editora Manole é filiada à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. 1ª edição – 2010 Direitos em língua portuguesa adquiridos pela: Editora Manole Ltda. Av. Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel. (11) 4196-6000 – Fax (11) 4196-6021 www.manole.com.br / www.amarilyseditora.com.br info@amarilyseditora.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Todas as imagens são do acervo do autor.

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Para Scarlet Alexandra

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Sumário

Prefácio Agradecimentos Introdução 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

A luta pela paz e seus resultados Primeiras tentativas de desencadear a Segunda Guerra Mundial O primeiro contato O papel de Stálin no renascimento do poderio bélico alemão Por que Stálin gostava tanto do livro de Hitler? Industrialização e coletivização O papel de Stálin na glorificação de Hitler Stálin e a destruição da aviação estratégica soviética Os preparativos de Stálin para a guerra: tanques Sobre os “obsoletos” tanques soviéticos Gêngis Khan de asas Sobre aviões “obsoletos” Tropas de assalto soviéticas aerotransportadas e sua missão Sobre o brilhante líder militar Tukhatchévski A limpeza Espanha A armadilha de Stálin para Hitler Resultados do pacto de Moscou Blitzkrieg na Polônia e na Mongólia Mobilização

ix xiii xv 1 6 12 19 23 28 35 40 51 63 73 83 91 102 115 122 131 138 141 149

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Mobilização da economia A Guerra de Inverno: Finlândia Os recursos estratégicos da Alemanha e os planos de Stálin A divisão da Romênia e suas consequências Destruição dos países divisórios entre a Alemanha e a União Soviética Destruição da faixa de segurança às vésperas da guerra Guerrilheiros ou sabotadores? Destruição da Linha Stálin Trótski assassinado; Molotov em Berlim Jogos do Kremlin A caminho de Berlim! Divisões de montanha nas estepes da Ucrânia Stálin em maio O dia 13 de junho de 1941 Palavras e ações Exército Vermelho, uniforme preto do Gulag Alinhamento militar O alerta de Churchill e a reação de Stálin Uma Blitzkrieg contra a Rússia? Os relatórios da inteligência e a reação de Stálin O início da guerra O pânico de Stálin Se não fosse o inverno... Uma guerra-modelo

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Conclusão: O agressor Epílogo: Stálin foi um criminoso de guerra Notas Bibliografia Índice remissivo

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Prefácio

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itler tinha uma bandeira vermelha. Stálin tinha uma bandeira vermelha. Hitler governava em nome da classe operária, e seu partido se chamava Partido dos Trabalhadores. Stálin também governava em nome da classe operária; seu sistema tinha o nome oficial de Ditadura do Proletariado. Hitler odiava a democracia e lutava contra ela. Stálin odiava a democracia e lutava contra ela. Hitler construía o socialismo. E Stálin construía o socialismo. Sob o título do socialismo, Hitler via uma sociedade sem classes. E Stálin, sob o título do socialismo, via uma sociedade sem classes. No seio das duas sociedades sem classes construídas por Hitler e Stálin floresceu a escravidão, no mais puro sentido da palavra. Hitler considerava que seu caminho para o socialismo era o único correto, e enxergava os outros caminhos como distorções. Stálin também considerava sua trilha para o socialismo perfeitamente correta, e via as outras trilhas como diversificações da linha principal. Hitler destruiu impiedosamente todos os camaradas de partido, como Röhm e seguidores, quando se desviaram do caminho que ele achava correto. Stálin, com igual impiedade, destruiu todos os que se desviaram da trilha por ele considerada certa. Hitler tinha um plano quadrienal. Stálin tinha um plano quinquenal. Na Alemanha de Hitler, um partido detinha o poder; os demais estavam atrás das grades. Na União Soviética de Stálin, um partido detinha o poder; os demais estavam atrás das grades. O partido de Hitler situava-se acima da nação, e os líderes dirigiam o país. O de Stálin também se achava acima da nação, e os líderes dirigiam o país. As datas comemorativas mais importantes, no império de Stálin, eram no primeiro dia de maio e nos dias 7 e 8 de novembro. No império de Hitler, eram no primeiro dia de maio e nos dias 8 e 9 de novembro. ix

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Hitler criou a Hitler Jugend, a Juventude Hitlerista. Stálin criou a Comsomol, de jovens stalinistas. O título oficial de Stálin era Führer; o de Hitler era líder. Perdão; o de Stálin era líder e o de Hitler, Führer. Na tradução, são palavras idênticas. Stálin declarou que os russos eram responsáveis pelos principais avanços científicos e tecnológicos: o balão de ar quente, a locomotiva, o aeroplano, o rádio, etc. Hitler reivindicou o mesmo para os alemães. Hitler amava estruturas grandiosas. Lançou em Berlim a pedra fundamental do maior edifício do mundo — a Casa da Assembleia. O domo teria 250 metros de diâmetro, segundo estimativas. O saguão principal teria capacidade de abrigar 150 mil pessoas. Stálin também amava estruturas grandiosas. Lançou em Moscou a pedra fundamental do maior edifício do mundo — o Palácio dos Soviéticos. O saguão principal de Stálin seria menor que o de Hitler, mas o edifício seria muito mais alto. A construção, de 400 metros de altura, lembrava um pedestal para a estátua de cem metros de Lênin. Hitler planejava demolir Berlim, e erguer em seu lugar uma nova cidade, de estruturas gigantescas. Stálin planejava demolir Moscou, e erguer em seu lugar uma nova cidade, de estruturas gigantescas. Na Alemanha, Hitler era um forasteiro. Nascera na Áustria e só obtivera cidadania alemã pouco antes de assumir o poder. Para a Rússia, Stálin era um forasteiro. Não era russo, nem mesmo eslavo. Ele nascera na Geórgia. Às vezes, em raras ocasiões, Stálin recebia visitantes estrangeiros em seus aposentos no Kremlin. Todos ficavam admirados com a modéstia do interior: uma mesa simples, um armário, uma cama de ferro, uma colcha de campanha. Hitler ordenou que a imprensa divulgasse fotos de seus aposentos. O mundo se admirou com sua modéstia: uma mesa simples, um armário, uma cama de ferro, uma colcha de campanha. Entretanto, em áreas isoladas, cercadas de estonteante beleza natural, Stálin criou fortalezas residenciais aconchegantes e bem protegidas, em nada parecidas com a cela de um asceta. Hitler também construiu fortalezas residenciais impenetráveis, em áreas isoladas, no meio de maravilhas naturais, sem economizar mármore nem granito. A mãe de Hitler sonhava em ver o filho ordenado padre. A mãe de Stálin sonhava o mesmo para o filho. A amada de Hitler, Geli Raubal, era mais de vinte anos mais nova que ele. A amada de Stálin, Nadêjda Allilúieva, era mais de vinte anos mais nova que ele. Geli Raubal suicidou-se, assim como Nadêjda Allilúieva. As circunstâncias sobre a morte de Geli permanecem obscuras. Uma das teorias é a de que foi assassinada por Hitler. As circunstâncias sobre a morte de Nadêjda são misteriosas. Uma das teorias é a de que foi assassinada por Stálin. O instrumento de suicídio (ou assassinato) de Geli Raubal foi um revólver — a arma pessoal de Hitler. O instrumento de suicídio (ou assassinato) de Nadêjda Allilúieva foi um revólver — a arma pessoal de Stálin.

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Prefácio

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Hitler disse uma coisa e fez outra. Stálin também. Hitler iniciou seu governo com o slogan “A Alemanha quer paz”. E tratou de ocupar metade da Europa. Stálin lutava pela “segurança coletiva da Europa”, sem poupar meios nem esforços. Mais tarde, tratou de ocupar metade da Europa. Hitler tinha a Gestapo. Stálin tinha a NKVD (Naródni Kommissariát Vnútrenikh Del) — o Comissariado Popular de Assuntos Internos. Hitler tinha Auschwitz, Buchenwald e Dachau. Stálin tinha o Gulag (Glávnoie Upravlênie Laguerêi) — Administração do Campo de Prisão Principal. Hitler engendrou Babi Yar;** Stálin engendrou Katyn.*** Hitler massacrou gente aos milhões. Stálin também matou gente aos milhões. Hitler não se condecorou com medalhas de honra, nem Stálin. Hitler usava um uniforme semimilitar, sem sinais de distinção, e Stálin usava um uniforme semimilitar, sem sinais de distinção. Pode-se argumentar que, mais tarde, Stálin adquiriu gosto por títulos militares, bastões de marechal e dragonas reluzentes. Isso é verdade, mas Stálin proclamou-se marechal somente em 1943, após a vitória de Stalingrado, quando finalmente ficou claro que Hitler perderia a guerra. Na época em que recebeu o título, Stálin tinha 63 anos. Usou o uniforme de marechal pela primeira vez na Conferência do Teerã, ao se encontrar com Churchill e Roosevelt. Nesse ponto, não podemos comparar Hitler a Stálin, simplesmente porque Hitler não viveu tempo comparável, nem participou de reuniões nem vitórias comparáveis. Sob todos os outros aspectos, a comparação se encaixa. Stálin não usava barba, mas ostentava o famoso bigode. Hitler não usava barba, mas ostentava o famoso bigode. Qual a diferença? O formato dos bigodes. A diferença também reside no fato de que as ações de Hitler foram vistas pelo mundo como o maior dos crimes, enquanto as de Stálin foram consideradas como uma luta pela paz e pelo progresso. O mundo odiava Hitler e condoía-se de Stálin. Hitler conquistou metade da Europa, e o resto do mundo declarou guerra contra ele. Stálin conquistou metade da Europa, e o mundo enviou-lhe saudações. Para certificar-se de que Hitler não ficaria com os países europeus conquistados, o ocidente afundou navios alemães, bombardeou cidades alemãs e depois fez um desembarque maciço e poderoso no continente europeu. Para permitir que Stálin conquistasse e ficasse com a outra parte da Europa, ** ***

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N.T.: Contração de Kommunistitchéski Soiuz Molodiôji — União da Juventude Comunista. N.T.: Babi Yar é uma ravina em Kiev, capital da Ucrânia. Em dois dias — 29 e 30 de setembro de 1941 — uma equipe especial de soldados da SS, apoiada por outras unidades alemãs, colaboradores locais e pela polícia ucraniana, mataram 33.771 civis judeus. N.T.: Em abril de 1940, na floresta de Katyn, perto de Smolénsk, 22.500 oficiais poloneses foram executados pela NKVD russa, por ordem de Béria — avalizada por Stálin — com uma bala na nuca, e enterrados em vala comum.

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o ocidente deu-lhe centenas de navios de guerra, milhares de tanques e aviões de combate, milhares dos melhores veículos militares e milhões de toneladas do melhor combustível, munição e suprimentos bélicos. Este livro trata do agressivo empenho de Stálin e de seu papel na trama da Segunda Guerra Mundial — a chacina mais sangrenta da História da humanidade. Talvez alguém se pergunte se, ao expor Stálin, eu não estaria tentando exonerar Hitler. Não, não estou. Para mim, Hitler permanece um criminoso hediondo. Mas se Hitler era um criminoso, isto de modo algum implica que Stálin tenha sido sua vítima inocente, como a propaganda comunista gostava de retratar para o mundo.

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1 A luta pela paz e seus resultados

Apoiamo-nos inteiramente na esperança de que nossa revolução desencadeie a revolução europeia. Se o povo sublevado da Europa não esmagar o capitalismo, sem dúvida alguma seremos nós os esmagados. Ou a revolução russa criará uma tempestade de lutas no ocidente, ou os capitalistas de todos os países sufocarão nossa revolução. Leon Trótski, em discurso durante a tomada de poder; terceiro discurso no Segundo Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, em 26 de outubro de 1917

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Primeira Guerra Mundial terminou em 11 de novembro de 1918. Quarenta e oito horas depois, na manhã de 13 de novembro, já existiam movimentações para tentar dar início a uma segunda guerra. Nessa época, o conceito e os nomes “Primeira Guerra Mundial” e “Segunda Guerra Mundial” ainda não existiam. Por ter se configurado como uma colisão de impérios gigantes, a guerra de 1914 a 1918 era conhecida como “Guerra Imperialista”. Era também chamada Grande Guerra, porque havia ultrapassado todos os conflitos anteriores em tamanho, despesas e número de participantes. Nenhuma guerra anterior havia tido tantos fronts de combate, batalhas tão grandiosas, perdas tão maciças ou consequências sociais e econômicas tão significativas. A crueldade dessa carnificina em escala global era tão evidente que a maioria esmagadora das pessoas considerava que repetir tamanha loucura seria impossível. Por essa razão, a guerra de 1914 a 1918 tinha outro nome, que se perdeu para sempre — a Última Guerra. Muitos acreditaram que o sangrento absurdo da Grande Guerra aquietaria os participantes e erradicaria de uma vez o desejo de luta. Entretanto, existia na Rússia um pequeno grupo que sonhava com uma segunda guerra mundial que fosse ainda mais cruel, em que o sangue derramado abrangeria

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não só a Europa e parte da Ásia, mas todos os outros continentes. Essas pessoas se autodenominavam bolcheviques, ou comunistas. Vladimir Lênin liderava o grupo e dizia que sua organização era um partido político. Todavia, a infraestrutura, as táticas e estratégias do grupo de Lênin não se assemelhavam a um partido político, mas a um culto pequeno, bem organizado e conspiratório. O partido de Lênin tinha uma estrutura perceptível e, paralela a esta, uma organização secreta e invisível. Tal como uma organização mafiosa, o partido de Lênin contava com associações e obrigações inteiramente abertas e legais, aliadas a uma força unificadora secreta que sempre ficava nas sombras. De um lado, representantes do partido de Lênin ocupavam espaços no parlamento russo (a Duma). Do outro, Lênin e seus seguidores acreditavam que as reservas do partido deviam crescer a qualquer custo, incluindo roubo a bancos. Alegavam que não havia nada errado se, durante os roubos, certas baixas fossem registradas, desde que o objetivo mais importante — manter dinheiro em caixa — fosse atingido. Desse ponto de vista, o culto de Lênin deve ser considerado uma gangue criminosa, não um partido político de qualquer espécie. Os líderes desse culto escondiam os nomes verdadeiros. Lênin, Trótski, Stálin, Zínoviev, Kamenev, Molotov e Kírov: tudo isso é pseudônimo. Todos tinham bons motivos para não revelar os nomes verdadeiros. Por exemplo, sob o nome “Stálin” escondia-se um assaltante de bancos cujo verdadeiro nome era Djugachvíli, e a quem era confiada a tarefa de manter o cofre do partido cheio. Lênin e sua gangue trabalharam para prolongar a Primeira Guerra Mundial o máximo possível. Já em setembro de 1916, no auge da guerra, Lênin declarou que uma única guerra mundial talvez fosse insuficiente; a humanidade poderia precisar de outra, de escala igual ou ainda mais destrutiva. Alegava que a guerra é a mãe da revolução, e a guerra mundial era a mãe da revolução mundial. Quanto mais durasse a guerra, quanto mais sangue e destruição ela trouxesse, mais depressa a revolução aconteceria. Se uma revolução mundial não surgisse como resultado de uma primeira guerra mundial, uma segunda guerra se fazia então necessária. O partido de Lênin não só era o mais militarista do mundo, como o mais amante da paz. Em 1914, quase todos os partidos políticos dos países em conflito votaram em massa, em seus respectivos parlamentos, a criação de créditos de guerra. O partido de Lênin estava entre as raras exceções. Aliado a um outro ramo dos Sociais-Democratas Russos — os mencheviques — o partido de Lênin votou contra o aumento de despesas militares, apesar da clara compreensão de que em tempos de guerra as despesas militares não podem ser as mesmas que em tempos de paz. Em 26 de julho de 1914, em uma sessão de emergência da Duma, bolcheviques e mencheviques deixaram o congresso “em protesto contra a insanidade militar vigente”. O partido de Lênin deu início a uma campanha sem precedentes pela paz. Entre setembro e outubro de 1917, o partido bolchevique tinha 75 jornais e revistas, com

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tiragem diária estimada em cerca de 600 mil cópias. Todas essas publicações advogavam a paz imediata. Os comunistas distribuíam seus impressos gratuitamente nas ruas, fábricas, quartéis militares e nas trincheiras dos fronts. Além de jornais e revistas, o partido de Lênin imprimia milhões de livros, brochuras, panfletos e proclamações. Os soldados eram instados a estabelecer relações amistosas com o inimigo, em vez de atirar neles. Slogans comunistas incitavam as tropas: “Deponham as armas!”, “Voltem para casa!”, “Vamos transformar a Guerra Imperialista em Guerra Civil!”. No outono de 1917, sob a liderança de Leon Trótski e Vladimir Lênin, os comunistas realizaram um golpe e tomaram o controle da capital do império russo, Petrogrado (antiga, e atual, São Petersburgo). Pela primeira vez na história do mundo, um grupo de pessoas vivendo e trabalhando sob nomes falsos ganhara o controle da capital de um grande país. A maior parte das nações não reconheceu a nova autoridade como legítima. As únicas exceções foram países que estavam em guerra com a Rússia, a Alemanha e o Império Austro-Húngaro. Só o inimigo reconhecia a autoridade de Lênin. Dinheiro alemão era transferido secretamente para o partido de Lênin, antes e depois do golpe. Momentos depois que o novo poder tomou posse, o primeiro documento oficial — o Decreto de Paz — foi redigido e assinado. O exército e a marinha imediatamente cessaram as atividades militares, e cada regimento elegeu seu comitê de soldados. Os representantes de cada regimento começaram as conversas para chegar à paz com o inimigo. Não davam atenção aos comandantes de regimento ou de divisão, nem mesmo aos de alto escalão. No começo, cada regimento — e, mais tarde, cada batalhão — designaram de modo independente as condições de paz, sem levar em consideração as exigências dos demais batalhões. O exército russo esfarelou-se em centenas de regimentos incontroláveis e milhares de batalhões, deixando assim de existir como organismo coeso e unificado. A linha de frente entrou em colapso; não sobrara ninguém para defender a Rússia. Imediatamente após o decreto de paralisar a luta, Lênin e seus homens instituíram comitês para desmobilizar e afastar o exército russo. Nenhuma grande nação havia desmantelado o exército voluntariamente em tempos de paz. Entretanto, Lênin e Trótski acabaram com sua armada no auge da Primeira Guerra Mundial, quando a vitória estava ao alcance da mão. A posição alemã já não tinha condições nessa época e estava quase sem recursos naturais. A Alemanha e seus aliados haviam sido bloqueados e não tinham uma rota marítima de suprimentos. Já os recursos naturais da Rússia eram ilimitados. Na luta contra a Alemanha, a Rússia tinha como aliados dois impérios coloniais poderosos, a França e a Inglaterra. Em abril de 1917, os Estados Unidos uniram-se ao conflito e declararam guerra à Alemanha. Contra esses formidáveis adversários, a Alemanha não tinha como vencer. Tudo o que a Rússia teria de fazer era aguardar pacientemente que a Alemanha implorasse pela paz.

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Em vez disso, o que aconteceu foi algo que nem mesmo o Kaiser alemão teria sonhado. O exército russo, sob as ordens de Lênin e Trótski, abandonou as trincheiras e voltou para casa. Milhares de armas, morteiros, metralhadoras, toda a artilharia menor e um imenso arsenal de munição, uniformes e suprimentos foram deixados nas linhas de frente. O “Decreto de Paz” de Lênin foi um ato de plena capitulação diante da Alemanha. A partir desse momento, a frente de batalha oriental deixou de existir. A Alemanha teve a chance de concentrar os esforços na fronteira ocidental e lutar contra os ex-aliados da Rússia. Ao adotar o “Decreto de Paz”, a Rússia traiu seus aliados. Lênin e Trótski, de um só golpe, tiraram a Rússia da guerra e tornaram-se objeto da gratidão da Alemanha. Apesar do recuo russo, a situação da Alemanha e do Império Austro-Húngaro continuava a piorar. Uma greve geral eclodiu na Áustria-Hungria, em janeiro de 1918. Nesse mesmo mês, outra greve geral estourou na Alemanha. Os dois países encontravam-se à beira do caos, mas os comunistas russos trouxeram-lhes a salvação. A fim de permanecer lutando por tanto tempo quanto fosse possível, a Alemanha precisava de recursos estratégicos em grande quantidade. Mais uma vez, Lênin e Trótski socorreram o Kaiser Guilherme, assinando o Tratado de Brest-Litovsk em março de 1918. Os comunistas russos, sem luta, entregaram cerca de um milhão de quilômetros quadrados de seu território aos alemães. Cinquenta e seis milhões de pessoas — aproximadamente um terço da população russa — habitavam essas terras. A área ocupada compreendia mais de um quarto das terras cultivadas da nação, 26% das ferrovias e grandes complexos industriais. Setenta e três por cento do ferro e do aço da Rússia eram fundidos nessa área, e 89% do carvão russo eram minerados lá. Mais importante ainda: essas eram as terras mais férteis da Rússia. Assim começou a exportação maciça de alimentos para a Alemanha. Um acordo financeiro, assinado em 27 de agosto de 1918, estipulava que a Rússia se obrigava a pagar à Alemanha, a título de compensação, um total de 6 bilhões de marcos.1 Sem esse belo presente, a Alemanha não teria resistido até novembro de 1918. Os comunistas orgulham-se de seu amor à paz. Entretanto, a teimosia com que lutavam pela paz passa muito longe do bom senso, a ponto de levantar suspeitas. Em nome da paz, Lênin e Trótski sacrificaram 56 milhões de russos, sem considerar seus desejos ou suas necessidades. De que valia a paz para essa gente se sua pátria era ocupada por estrangeiros? Em nome da paz, Lênin e Trótski abriram mão das terras mais férteis da Rússia, o que levou a fome aos demais territórios. Sem pão, carne, ouro, ferro, aço nem carvão, a Rússia não podia existir. De que vale uma paz que traz morte à nação? Estava claro que a Alemanha não poderia continuar lutando bem em duas frentes, mas a derrota da Alemanha significaria o fim da guerra. Consequentemente, a tarefa de Lênin para prolongar a guerra era criar uma situação em que a Alemanha lutasse em apenas uma frente. Com esse propósito, ele tirou a Rússia da guerra. A

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ideia era simples: deixar que a Alemanha e o Império Austro-Húngaro lutassem contra a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos; deixar que esses países ficassem desgastados. Mais importante, não permitir que a chama da guerra se extinguisse. A Rússia ficaria de lado e jogaria lenha na fogueira. Enquanto a “paz” era feita em BrestLitvosk, sob ordens de Lênin, em Petrogrado fervilhavam preparações intensivas para a revolta contra o governo alemão. Os revolucionários publicaram na Alemanha meio milhão de cópias de um jornal comunista, Die Fackel (A Tocha). Mesmo antes de o Tratado de Brest-Litvosk ser assinado, em janeiro de 1918 formou-se uma organização comunista alemã em Petrogrado, a Spartakus. Os jornais Die Weltrevolution (A Revolução do Mundo) e Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha) nasceram não na Alemanha, mas na Rússia, sob ordens de Lênin, enquanto ele cuidava da paz com o governo alemão. O comunismo aprofundou as raízes na Alemanha, nos anos 1920. Parte do crédito deve-se a Lênin, que alimentava a instabilidade da política alemã, precisamente ao mesmo tempo em que negociava o tratado de paz com o governo alemão. Enquanto a Alemanha administrava uma campanha militar desesperada e devastadora no ocidente, Lênin subvertia seu sistema político. Enfim, a Primeira Guerra Mundial terminou. Em novembro de 1918, a Europa encontrava-se exatamente como os líderes do Kremlin esperavam. As dificuldades econômicas causadas pela guerra atingiram o limite em todas as nações. A Europa encarava uma crise sem precedentes, que englobava todas as camadas, incluindo economia, política e ideologia. A Alemanha admitiu a derrota. A monarquia desabou. Fome e anarquia imperaram no país. Justamente então, evaporou-se o amor de Lênin e Trótski pela paz. O governo da Rússia Soviética emitiu, em 13 de novembro de 1918, uma ordem para o Exército Vermelho iniciar operações ofensivas contra a Europa. Um exame dos protocolos de qualquer uma das incontáveis reuniões e congressos do período revela que a única pauta das agendas era a Revolução Mundial. O objetivo dos soviéticos afunilou-se em um só: instalar o comunismo no continente europeu. Em poucos dias, o Exército Vermelho avançou pelos países bálticos. O governo comunista da Estônia foi formado em 29 de novembro; o da Letônia, em 4 de dezembro. Seguiu-se ao da Lituânia, em 8 de dezembro de 1918. Em 17 de dezembro, um manifesto publicado em Riga apontava a Alemanha com o o próximo objetivo da ofensiva. A meta mais importante da operação: fomentar uma nova guerra mundial. O cálculo de Lênin era preciso: desgastado pela Primeira Guerra Mundial, o império alemão achava-se incapaz de suportar a pressão de uma outra guerra. Ora, a guerra termina com o esmagamento de um império, seguido por uma revolução. Na combalida Europa, dos escombros dos velhos impérios, erguer-se-iam países comunistas, notavelmente semelhantes ao regime bolchevique. Lênin entrou em êxtase: “Estamos no limiar da revolução mundial!”.

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