Decisão judicial que nega liberdade no caso Flávio

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Autos n: 0654422-21.2019.8.04.0001 Acusados: Elizeu da Paz de Souza e Mayc Vinicius Teixeira Parede

DECISÃO

Recebi hoje. ELIZEU DA PAZ DE SOUZA E MAYC VINICIUS TEIXEIRA PAREDE, já qualificados nos autos, interpuseram às fls. 3421-3426 e fls. 3433-3442, respectivamente, por meio de seus Advogados, pedido de revogação de prisão ou extensão de benefício concedido ao co-réu Alejandro Molina Valeiko. A Defesa de MAYC VINICIUS alega, em síntese, não estarem presentes os requisitos dispostos no art. 312 do Código de Processo Penal para a manutenção de sua prisão, salientando, como forma de subsidiar o pleito de revogação da cautelar, a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19). A Defesa de ELIZEU DA PAZ sustenta, de igual forma, ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, aduzindo ainda que, no presente caso, a cautelar extrema está em manifesto excesso de prazo, além de destacar a pandemia causada pelo novo coronavírus como motivo apto a ensejar a revogação da prisão do acusado. Com vista dos autos (fls. 3427 e 3452), o Ministério Público do Estado do Amazonas quedou-se inerte, razão pela qual, após o decurso do prazo estipulado para manifestação do Órgão Ministerial, os autos vieram conclusos.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ANA PAULA DE MEDEIROS BRAGA, liberado nos autos em 20/04/2020 às 19:27 . Para conferir o original, acesse o site https://consultasaj.tjam.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0654422-21.2019.8.04.0001 e código 68A89D7.

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É o breve relatório. DECIDO. Ab initio, passo a analisar a possível existência de excesso de prazo no constrito cautelar. É entendimento pacífico, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, que a configuração de excesso de prazo no curso da ação penal não pode decorrer de simples soma aritmética de prazos legais, devendo a questão ser aferida segundo critérios da razoabilidade, ainda que se trate de réu preso, adequandose, assim, as particularidades do caso. É que a contagem dos prazos não se faz de modo rígido, criterioso, mas sim com observância ao princípio constitucional da razoabilidade, estipulado pelo artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República, haja vista a necessidade de sopesar vários elementos, tais como a quantidade de réus, a natureza do crime, o domicílio das testemunhas, dentre outros fatores, de modo a se alcançar uma escorreita persecução criminal. Nesse sentido, o constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada, o que, ao compulsar os autos, não verifico ocorrer no presente caso, pois o feito encontra-se tramitando de modo regular, mormente porquanto o prazo encontra-se devidamente justificado sob a ótica da razoabilidade, uma vez que se trata de ação penal com 05 (cinco) acusados, defesas distintas, diversos requerimentos e medidas cautelares, sem contar a diversidade de delitos (homicídio triplamente qualificado na modalidade consumada, homicídio qualificado tentado, ocultação de cadáver, denunciação caluniosa e fraude processual). Não vislumbro nos autos, portanto, mora que decorra de ofensa ao

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princípio da razoabilidade, consistente em desídia do Juízo, razão pela qual afasto, por enquanto, a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo apta a ensejar o relaxamento da prisão cautelar dos acusados, consignando restar superado o óbice de acesso pela defesa dos réus aos processos apensos. No que toca ao pleito de revogação da prisão preventiva, entendo que esta se reveste de legalidade, sendo medida útil e necessária em face das circunstâncias do caso concreto, conforme passo a explicar. Consoante é cediço doutrinária e jurisprudencialmente, a prisão preventiva é medida de exceção e para sua decretação são necessários os pressupostos da "fumaça do cometimento do delito" (fumus comissi delicti) e "perigo da liberdade" (periculum in libertatis), nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. O fumus comissi delicti é representado por meio da demonstração de prova da existência do crime, a revelar a materialidade deste, bem como de indícios de autoria ou participação, ou seja, elementos suficientes que permitam constatar a existência do crime e que, ao menos de modo indiciário, o acusado concorreu para a sua prática, o que já foi objeto de exaustiva fundamentação na decisão de fls. 2809-2823, por meio da qual este Juízo, na data de 18/02/2020, recebeu a denúncia, reconhecendo a presença da "fumaça do cometimento do delito". Em relação ao periculum libertatis, é sabido que para a subsistência do constrito cautelar, necessária se faz a presença dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, os quais deverão ser demonstrados por meio de elementos concretos, além da existência de uma das hipóteses de admissibilidade do art. 313 do mesmo diploma

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legislativo. In casu, é imputada ao acusado MAYC VINICIUS a prática dos crimes previstos nos arts. 121, § 2º, incisos II, III e IV (homicídio triplamente qualificado pelo motivo fútil, com emprego de asfixia e outro meio cruel, e por meio de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido, em relação à vítima FLÁVIO RODRIGUES); art. 121 c/c 14, II (homicídio na modalidade tentada contra a vítima ELIELTON MAGNO); e art. 211 (ocultação de cadáver) c/c art. 29 e 69, todos do Código Penal. No que toca ao acusado ELIZEU DA PAZ, foi-lhe imputada a prática dos crimes capitulados nos arts. 121, §2º, incisos III e IV (homicídio duplamente qualificado pelo emprego de asfixia e outro meio cruel, e por meio de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido, em relação à vítima FLÁVIO RODRIGUES); art. 121, inciso IV c/c art. 14, inciso II (homicídio qualificado pelo recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido, na modalidade tentada, contra a vítima ELIELTON MAGNO); art. 211 (ocultação de cadáver) c/c art. 29; art. 347, parágrafo único (fraude processual) c/c art. 69, todos igualmente do Código Penal Brasileiro. Encontra-se, portanto, plenamente satisfeita a exigência do inciso I do artigo 313 do Código de Processo Penal, porquanto a pena privativa de liberdade máxima cominada para os delitos dolosos contra a vida é superior a 04 (quatro) anos de reclusão. Outro passo, o texto do art. 282 da Lei Adjetiva Penal, alterado pela Lei 12.403/11, em seus incisos I e II, revela também a imprescindibilidade de se aplicar o binômio necessidade e adequação em qualquer das medidas cautelares, dentre elas a prisão preventiva. Deste modo, qualquer que seja o provimento

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acautelatório aplicado pelo Juiz, deve ele ser adequado à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do agente. Ao compulsar detidamente os presentes autos, verifico que a prisão preventiva dos requerentes foi decretada em 29/11/2019 pelo Juízo da Central de Inquéritos Policiais (fls. 2431-2435), tendo o édito prisional sido mantido em sede de Audiência de Custódia, conforme se vê às fls. 2479-2484. É de se perceber que a custódia cautelar foi medida utilizada para o resguardo da ordem pública, diante da gravidade em concreto da conduta e pelas circunstâncias em que o crime foi praticado (modus operandi), tendo a MMª Juíza de Direito da Central de Inquéritos destacado, quando da prolação do édito prisional, o que segue: “Partindo desta premissa, vislumbro que a liberdade dos agentes é uma ameaça efetiva à ordem pública e social. Considerando o modo de execução aplicado a demonstrar uma conduta anormal e destoante com os padrões de aceitabilidade, o que apesar de não ser suficiente para a formação do juízo de culpa, quando somados com os demais elementos informativos e probatórios existentes nesses autos, indicam a extrema gravidade do fato, sopesam sobre quaisquer elementos pessoais favoráveis

aos

representados,

como

a

primariedade, e justificam a decretação da segregação cautelar para proteger o meio social, garantindo, dessa forma, a credibilidade da justiça, diante da extrema indignação popular.”

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Entende este Juízo que a prisão preventiva não deve ser válvula de escape para a satisfação dos anseios populares, motivo pelo qual, como já salientei em decisões anteriores, não deve o clamor público ser usado como critério justificador da segregação cautelar. Todavia, é certo que a periculosidade do agente, extraída da análise do caso concreto, e reveladora da gravidade concreta da conduta delituosa e do modus operandi é, no entendimento desta magistrada, fundamento idôneo para justificar a necessidade da cautelar provisória restritiva de liberdade para garantia da ordem pública, em que pese a largueza da expressão dificulte uma conceituação mais precisa de seu alcance. Nesse sentido, veja-se: “Agravo

regimental

Processual

Penal.

em

habeas

Homicídio

corpus.

qualificado.

Prisão preventiva. Revogação. Impossibilidade. Custódia

assentada

na

periculosidade

do

agravante para a ordem pública. Legitimidade da

medida

extrema.

Precedentes.

Agravo

regimental não provido. 1. A prisão preventiva do

agravante

foi

justificada

em

sua

periculosidade para a ordem pública, tendo em vista a gravidade em concreto da conduta praticada, vale dizer, homicídio duplamente qualificado, e a necessidade de resguardar a integridade física da vítima sobrevivente e das testemunhas. 2. É do entendimento da Corte que a periculosidade do agente, evidenciada pela gravidade em concreto da conduta criminosa,

legitima

a

manutenção

da

segregação

cautelar.

3.

A existência de

condições subjetivas favoráveis ao agravante,

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tais como primariedade, residência fixa e trabalho

lícito,

não

obsta

a

segregação

cautelar, desde que presentes, nos autos, elementos

concretos

a

recomendar

sua

manutenção, como se verifica na espécie. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 149.403-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 06/02/2018)”(grifo nosso) “PROCESSUAL

PENAL.

DECLARAÇÃO

EM

EMBARGOS

HABEAS

DE

CORPUS

ORIGINÁRIO. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSENCIA DE

OMISSÃO,

OBSCURIDADE

OU

CONTRADIÇÃO, ERRO.

EMBARGOS

REJEITADOS. 1. Os embargos declaratórios não devem ser acolhidos, tendo em vista que o acórdão embargado não incorreu nos vícios a que alude o art. 619 do CPP. 2. A real finalidade da parte embargante, a pretexto de referir-se genericamente a contradições no acórdão recorrido, é a renovação do julgamento da causa, providência incabível na via dos embargos de declaração. Notadamente porque o inconformismo com o resultado do julgamento não se qualifica como omissão, contradição ou obscuridade. 3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a gravidade em concreto do crime e a periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, constituem fundamentação

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idônea

para

a

decretação

da

custódia

preventiva. Precedentes 4. Embargos rejeitados. (HC 137.238-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 21/03/2018) ”(grifo nosso) “AGRAVO

REGIMENTAL

EM

HABEAS

CORPUS. PROCESSO PENAL. LATROCÍNIO. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO PRISIONAL FUNDAMENTADO.

PERICULOSIDADE,

GRAVIDADE DO DELITO E REITERAÇÃO DELITIVA.

AUSÊNCIA

CONSTRANGIMENTO REGIMENTAL

AO

PROVIMENTO.

I

DE

ILEGAL. QUAL -

Prisão

AGRAVO SE

NEGA

preventiva

fundamentada na garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, bem como na conveniência da instrução processual, tendo em vista a periculosidade do agente, a gravidade do delito e o fundado receio de reiteração delitiva. Precedentes. II - Agravo regimental ao qual se nega provimento. (HC 144.904-AgR,

Segunda

Turma,

Rel.

Min.

Ricardo Lewandowski, DJe de 02/03/2018) ”(grifo nosso)

Com efeito, resta plenamente cabível a prisão cautelar fundamentada no resguardo da ordem pública quando as circunstâncias do caso e o modus operandi revelam a gravidade concreta do delito e, por consequência, a periculosidade dos acusados, de modo a acautelar o meio social retirando do convívio da comunidade o

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indivíduo que demonstra ser dotado de periculosidade. Sustenta a Defesa do acusado MAYC VINICIUS que este confessou ter desferido golpes na vítima FLÁVIO após esta ter tentado lhe agredir, agindo, portanto, em legítima defesa, e que o fato de ter havido morte é elementar do delito, bem como as circunstâncias em que o crime foi praticado não fogem à normal para o tipo penal, só podendo subsidiar a medida extrema após a instrução criminal, se comprovados os fatos narrados. Registro, contudo, que, a despeito de não haver nos autos provas produzidas em sede de instrução criminal, não há, na legislação processual penal pátria, vedação, para fins da segregação preventiva, ao reconhecimento da periculosidade do agente pelas circunstâncias do caso e modus operandi em momento anterior, mormente se levarmos em consideração que a narração acusatória não estará sacramentada após a instrução criminal, pois um grau maior de certeza só será possível após decisão do Conselho de Sentença. Ademais, da análise da narrativa constante na peça de imputação e do conjunto de elementos informativos apresentados a este Juízo, sobretudo os depoimentos dos próprios requerentes, tem-se que a vítima FLÁVIO RODRIGUES foi lesionada dentro da residência onde os fatos se iniciaram e, posteriormente, levada pelos requerentes para fora do condomínio, sendo encontrada no dia seguinte em terreno baldio no bairro Tarumã, sendo que, pelo laudo pericial de fls. 2081-2097, a vítima FLÁVIO sofreu asfixia mecânica e, no mínimo, 04 (quatro) tipos de lesões, quais sejam, lesões contusas, lesões pérfuro-incisas, lesões por asfixia mecânica e lesões por arraste. Convém por em relevo que, conforme a perícia (fls. 2081-2097), as lesões constatadas na vítima FLÁVIO foram produzidas em local diverso daquele

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onde encontrado o cadáver, e que o mesmo fora possivelmente “depositado” no local onde fora encontrado já com ausência de vida, tendo os peritos concluído se tratar de morte violenta, o que não pode ser desconsiderado para fins de análise das circunstâncias do delito e do modus operandi. Impende destacar, ainda, que, muito embora soubesse da dinâmica dos fatos desde o início das investigações, o acusado ELIZEU DA PAZ, em seu primeiro depoimento perante a Autoridade Policial, relatou não saber o que havia ocorrido dentro da residência, resumindo-se a declarar que, muito embora tenha estado no condomínio na noite do fato, não quis “se envolver” com a situação. Faço tais pontuações para demonstrar que, em face das considerações aduzidas, não pode este Juízo ter o resultado morte tão somente como elementar do delito ou que as circunstâncias em que praticado o crime são normais à espécie, deixando de considerar os laudos técnicos e diversos depoimentos colacionados aos autos, e de que a investigação por diversas vezes encontrou obstáculo nos depoimentos dos próprios acusados, os quais ou apresentaram versões sabidamente inverídicas ou se omitiram diante das questões levantadas pela Autoridade Policial na busca da elucidação dos fatos. À vista do exposto, não devem prosperar, ao menos para fins de análise da manutenção ou não da prisão, as alegações da Defesa do acusado ELIZEU DA PAZ de que o mesmo não teve participação direta em quaisquer dos crimes que lhe foram imputados, e, em razão disso, o modus operandi não lhe pode ser atribuído, posto que tais afirmações não encontram respaldo nos elementos de informação constantes no Inquérito Policial, a exemplo do depoimento de RAIMUNDO NONATO CORREIA GUIMARÃES (fls. 2041-2043), o qual afirma ter sido procurado por ELIZEU DA PAZ na madrugada do dia 02/10/2019, tendo

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este declarado que havia, juntamente com MAYC VINÍCIUS, feito uma “besteira”, e ambos teriam que “assumir”. Não se olvide que ambos os requerentes declaram ter sido a vítima FLÁVIO RODRIGUES lesionada no local onde os fatos se iniciaram e, posteriormente, levada para fora do condomínio em um veículo dirigido por ELIZEU DA PAZ, o que, para além da gravidade em abstrato do delito, contou, nos termos da narração acusatória, com a concretude de uma ação que culminou com a morte da vítima FLÁVIO RODRIGUES por múltiplas lesões, bem como com 02 (dois) golpes nas costas da vítima sobrevivente. É diante desse cenário que se mostra inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pois a gravidade concreta da conduta delituosa e a periculosidade dos requerentes indicam que a ordem pública não estaria acautelada com suas solturas, o que os diferencia da situação do réu Alejandro Molina Valeiko, pois, quanto a este, a exordial acusatória sequer atribuiu conduta comissiva, resumindo-se a apontá-lo como garante, com fundamento no art. 13, §2°, alínea “c”, do Código Penal, por não ter, na posição de garantidor, evitado o resultado. Ressalte-se que o fato de os acusados MAYC VINICIUS e ELIZEU DA PAZ ostentarem condições pessoais favoráveis não lhes garante o direito à liberdade, porquanto firme é a jurisprudência no sentido de que atributos favoráveis a exemplo da primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa não impedem a manutenção da prisão cautelar. Nessa vereda, veja-se aresto do Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DUPLO

HOMICÍDIO

PRISÃO

PREVENTIVA.

QUALIFICADO. GARANTIA

DA

ORDEM PÚBLICA, DA APLICAÇÃO DA LEI

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PENAL E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.

FUNDAMENTAÇÃO

IDÔNEA.

FUGA DO PAÍS LOGO APÓS OS FATOS. AMEAÇAS ÀS TESTEMUNHAS. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR E CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.

IRRELEVÂNCIA.

ORDEM

DENEGADA. 1. O Paciente foi denunciado pela suposta prática de dois crimes de homicídio qualificado, pois teria se desentendido com as vítimas após pedir que elas deixassem de usar drogas no local do crime e, em seguida, retornado efetuando disparos de inopino contra os ofendidos, que faleceram em virtude dos ferimentos.

2.

A

prisão

preventiva

está

devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e na conveniência da instrução criminal, pois o Paciente teria realizado ligações para os irmãos das vítimas, arrolados como testemunhas, fazendo-lhes ameaças, e fugiu para os Estados Unidos logo após o cometimento dos crimes. 3. A nomeação de defensor não tem o condão de elidir

a

fuga,

tampouco

se

equipara

à

apresentação espontânea do Réu, que, de todo modo, não é motivo, por si só, para a revogação da

segregação

cautelar

se

presentes

os

requisitos para a custódia preventiva. 4. A existência de condições pessoais favoráveis, tais como

primariedade,

bons

antecedentes,

ocupação lícita e residência fixa, não é apta a desconstituir a prisão processual, caso estejam

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presentes os requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a imposição da medida extrema, como verificado na hipótese. 5. Ordem de habeas corpus denegada. (STJ MG

2018/0331743-3;

LAURITA

VAZ,

11/04/2019, T6

HC: 483667

Relator:

Data

de

Ministra

Julgamento:

SEXTA TURMA, Data de

Publicação: DJe 30/04/2019)” (grifo nosso)

Outrossim, atento este Juízo à Recomendação n. 62, de 17 de março de 2020, e à Resolução n. 313, de 19 de março de 2020, ambas do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, consigno que a presente decisão, por sua própria natureza, já observa o art. 4°, I, “a”, da aludida Recomendação n. 62, na medida em que reavalia a prisão provisória dos acusados nos termos do art. 316 da Lei Adjetiva Penal. É forçoso asseverar, ademais, que o constructo lógico que dá ensejo ao pedido de revogação da prisão em razão do risco de contrair coronavírus e como forma de se resguardar para evitar o contágio pelo COVID-19 em nenhum ponto se confirma mais para os requerentes do que para qualquer pessoa que esteja fora do sistema prisional amazonense. Ora, a realidade que se impõe, a partir dos estudos e declarações médico-científicas, é que, se todos são passíveis de contaminação, evolução e desfechos graves da doença, e se a preocupação da Defesa é evitar a contaminação de pessoas que se encontram presas e em aglomeração, o benefício da liberdade deveria ser estendido a todos quantos ocupam o sistema prisional não só do Amazonas, mas do Brasil, o que, por certo, geraria uma crise de segurança pública no país. Registro,

também,

que

estão

suspensas

as

visitas

nos

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estabelecimentos prisionais do Estado do Amazonas, como forma de assegurar a não contaminação dos internos e que não há comprovação de que algum agente ou interno da unidade esteja infectado, bem como de que inexistem condições de atendimento médico em eventual caso de contaminação pelo COVID-19. Dessa forma, ratifico a necessidade de se garantir a ordem pública e julgo, ao menos por ora, ser inadequada e insuficiente a aplicação de medidas cautelares alternativas à medida extrema, não sendo isto entendimento que viola o disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição da República, uma vez que, embora, como sabido, a presunção de não culpabilidade seja a regra, sendo a liberdade um direito e um imperativo constitucional, ambos devem ser cotejados com a necessidade de se resguardar a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal. Ex positis, INDEFIRO os pedidos de revogação da prisão preventiva e de concessão de extensão de benefício formulados pelos acusados MAYC VINICIUS TEIXEIRA PAREDE e ELIZEU DA PAZ DE SOUZA, já qualificados nos autos, mantendo o édito prisional de fls. 2431-2435, e o faço com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal. No que toca às informações prestadas às fls. 3395-3402 e fls. 3466-3469 pela Defesa do réu ALEJANDRO MOLINA VALEIKO, dê-se ciência ao Ministério Público para as providências que julgar cabíveis. Por fim, considerando já ter este Juízo deferido acesso aos processos apensos aos Advogados que o requereram, prossiga-se o feito seu curso regular, devendo ser salientado que o procedimento de investigação criminal (PIC) em curso no âmbito do Ministério Público do Estado do Amazonas, por ser instrumento, por

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ANA PAULA DE MEDEIROS BRAGA, liberado nos autos em 20/04/2020 às 19:27 . Para conferir o original, acesse o site https://consultasaj.tjam.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0654422-21.2019.8.04.0001 e código 68A89D7.

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sua própria natureza, sumário e desburocratizado, de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado, presidido e encerrado pelo Órgão Ministerial, não é determinante para a propositura da ação penal e para a defesa dos réus, tanto é verdade que a denúncia já foi oferecida e recebida, e, em caso de eventual aditamento desta, a partir do PIC instaurado para apurar os fatos objetos da presente ação penal, é certo que a Defesa terá assegurado o devido contraditório. À Secretaria para cadastrar no Sistema de Automação da Justiça SAJ o novo endereço residencial do réu ALEJANDRO MOLINA informado às fls. 3459-3460. Ressalto que eventual insurreição contra a presente decisão tem a respectiva via eleita. P.R.I.C.

Manaus, 20 de abril de 2020

- assinatura digital Ana Paula de Medeiros Braga Bussulo Juíza de Direito

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ANA PAULA DE MEDEIROS BRAGA, liberado nos autos em 20/04/2020 às 19:27 . Para conferir o original, acesse o site https://consultasaj.tjam.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0654422-21.2019.8.04.0001 e código 68A89D7.

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