Decisão do STJ sobre Encarnação Salgado

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Superior Tribunal de Justiça QO na AÇÃO PENAL Nº 896 - DF (2018/0066945-2) RELATOR AUTOR RÉU ADVOGADOS

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MINISTRO RAUL ARAÚJO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ENCARNACAO DAS GRACAS SAMPAIO SALGADO PEDRO AUGUSTO DE FREITAS GORDILHO - DF000138 ALBERTO PAVIE RIBEIRO - DF007077 EMILIANO ALVES AGUIAR - DF024628 EDSON DE MOURA PINTO FILHO KLINGER DA SILVA OLIVEIRA CRISTIAN MENDES DA SILVA THIAGO GUILHERME CALIRI QUEIROZ MARIOLINO SIQUEIRA DE OLIVEIRA SEBASTIAO FERREIRA DE MORAES QUESTÃO DE ORDEM O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:

Trata-se de pedido formulado pelo Ministério Público Federal, no dia 16 de março deste ano, no sentido da prorrogação do afastamento da Desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado de suas funções no egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, determinado pela col. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na sessão do dia 15 de junho de 2016, e prorrogada por mais dois períodos de seis meses e um de três. Desta feita, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face da Desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado, sendo que, entre outros requerimentos, formulou o seguinte pedido: (...) d) que seja mantido o afastamento cautelar de ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SALGADO SAMPAIO do cargo de Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, até que a denúncia seja submetida à decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça; (...). O pedido apresentou-se como de máxima urgência, uma vez que a Desembargadora encontra-se afastada de suas funções, por força de decisões desta Corte Especial, desde junho de 2016, sendo que a última prorrogação havia sido aprovada na sessão de 6 de dezembro de 2017, pelo prazo de três meses. Como o prazo de tal prorrogação iniciara-se no dia 20.12.2017, terminaria no dia 20 de março de 2018, ou seja, no segundo dia útil após o protocolo do pedido formulado pelo Ministério Público Federal. Documento: 81924774 - QUESTÃO DE ORDEM - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça Em vista disso, deferiu-se o pedido de prorrogação, ad referendum da Corte Especial, até que seja apreciado o recebimento da denúncia. Sendo o que havia a relatar, passa-se ao voto. Na sessão de julgamento de 06/12/2017, esta Corte aprovou, por unanimidade, a terceira prorrogação do afastamento da Desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado de suas funções no egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Naquela ocasião, destacou-se, no voto condutor, que, em razão dos desdobramentos das diligências antes realizadas, fora deferido, em outubro daquele ano, o afastamento do sigilo telefônico e bancário de contas ainda não alcançadas pela investigação. Assim, considerou-se razoável que o material resultante de tal medida ainda não houvesse sido totalmente disponibilizado pelas instituições ou analisado pelo Ministério Público Federal e pela autoridade policial. Próximo ao fim do período do afastamento, o Ministério Público Federal, conforme antes anunciado, protocolou denúncia, e, paralelamente, apresentou, em cota, novo pedido de prorrogação do afastamento, sustentando em seus argumentos que: (...) é o caso de manter o afastamento cautelar de ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SALGADO SAMPAIO do cargo de Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, até que a denúncia seja submetida à decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça , tendo em vista que permanecem hígidas as razões para mantê-la distante de suas funções jurisdicionais, especialmente em razão da gravidade dos fatos que lhe são atribuídos e do risco da sua permanência no seu local de trabalho, uma vez que poderia prejudicar sensivelmente a instrução do presente feito, ante a possibilidade de ocultação de provas e, principalmente, de influência sobre a testemunha indicada . 12. Após, caso recebida a denúncia , e tendo em mente que a conduta da denunciada foi praticada no exercício das suas funções jurisdicionais, o que reforça a conclusão de que o seu retorno colocará em risco a atividade judiciante, a credibilidade de suas decisões e do próprio Poder Judiciário, bem como a regular instrução criminal, merecendo, portanto medidas enérgicas por parte desta Corte, o seu afastamento cautelar é medida que se impõe, com supedâneo no art. 29 da LOMAN (...); Há que se destacar, porém, que a denúncia proposta pelo Ministério Público Federal não se fundamenta nos fatos que deram ensejo ao afastamento inicial da Desembargadora Encarnação das Graças, quais sejam os supostos ilícitos relacionados à magistrada e advogados que atuam na defesa de membros de facção criminosa. É o que se vê no seguinte trecho do pedido de manutenção do afastamento ora Documento: 81924774 - QUESTÃO DE ORDEM - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça apreciado: 6. As primeiras medidas investigativas foram levadas a efeito no início de junho de 2016, através da denominada “Operação La Muralla 2”, e ocasionou, inclusive, o afastamento cautelar da magistrada, por decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida na sessão de julgamento da Corte Especial de 15.6.2016, ainda em vigor, em razão de sucessivas prorrogações. 7. Enquanto se aguardava a análise pericial do material apreendido, surgiram novos elementos que se alinharam ao fundamento do primeiro pedido de busca e apreensão, ou seja, de que a Desembargadora ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO mantinha ajuste criminoso com advogados atuantes no Poder Judiciário do Amazonas, para beneficiá-los com decisões judiciais, em troca de vantagem financeira indevida, ao tempo em que ampliava ainda mais o cenário, na medida em que demonstrou que as decisões da magistrada não só beneficiavam um determinado grupo de advogados e seus clientes traficantes de drogas, mas também qualquer outro interessado na obtenção de decisões favoráveis. 8. Esse novo quadro foi relevado a partir da juntada aos autos do presente inquérito da Notícia de Fato – NF - PGR no 1.00.000.010449/2016-04 e do expediente avulso Petição no 373654/2016 (atualmente em Autos Apartados), com evidências de prática de crime na tramitação do Habeas Corpus no 4001782-30.2016.8.04.0000, impetrado por CRISTIAN MENDES DA SILVA em favor de Carlos Augusto de Araújo dos Santos , com intensa participação do Prefeito de Santa Isabel do Rio Negro/AM MARIOLINO SIQUEIRA DE OLIVEIRA, do Secretário Municipal de Finanças SEBASTIÃO FERREIRA DE MORAES, do empresário THIAGO GUILHERME CALIRI QUEIROZ e intermediação dos advogados EDSON DE MOURA PINTO FILHO e KLINGER DA SILVA OLIVEIRA, para obter decisão judicial exarada pela Desembargadora Relatora ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO, em benefício de Carlos Augusto de Araújo dos Santos, mediante o pagamento da quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). 9. Ocorre que, após as diligências e medidas cautelares já realizadas no bojo do presente inquérito, verificou-se que os fatos relativos à obtenção de decisão proferida no Habeas Corpus no 4001782-30.2016.8.04.0000, mediante o pagamento de vantagem financeira indevida, não possui vínculo com os demais fatos investigados nos autos do Inquérito no 1088/DF. 10. Portanto, a denúncia apresentada em anexo, por se referir a fato exclusivo, desassociado da investigação principal desenvolvida nos autos do presente inquérito, enseja a formação de ação penal autônoma e correspondente aos fatos narrados na referida peça acusatória , permitindo, assim, a continuidade da apuração, nos autos do Inquérito no 1088/DF, dos indícios de ajuste criminoso destinado à obtenção junto ao Poder Judiciário do Estado do Amazonas de decisões benéficas a traficantes de drogas integrantes da facção denominada Família do Norte (FDN) , mediante o pagamento de vantagens indevidas, não implicando, nesse momento, em arquivamento implícito a não inclusão de outros nomes na peça acusatória. Documento: 81924774 - QUESTÃO DE ORDEM - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça É bem verdade que esse novo fato, envolvendo o Habeas Corpus nº 4001782-30.2016.8.04.0000, foi mencionado no julgamento da Questão de Ordem, em dezembro de 2017, oportunidade na qual a Corte Especial considerou que: Não obstante o afastamento inicial, de seis meses, já haver sido prorrogado por duas vezes, pondera o Ministério Público Federal que algumas medidas investigativas "revelaram elementos que ampliaram ainda mais o cenário anterior, na medida em que demonstraram que as decisões da magistrada não só beneficiavam um determinado grupo de advogados e seus clientes traficantes de drogas, mas também qualquer outro interessado na obtenção de decisões favoráveis". Prossegue, assim, o Ministério Público Federal: 12. Verificou-se, nessa hipótese, um ajuste criminoso havido entre o advogado CRISTIAN MENDES e a Desembargadora ENCARNAÇÃO SALGADO, para concessão de decisão ilegal em favor de CARLOS AUGUSTO ARAÚJO DOS SANTOS, nos autos do Habeas Corpus no 4001782-30.2016 , relevado a partir de intensa troca de mensagens e ligações telefônicas ocorridas entre o Prefeito de Santa Isabel do Rio Negro/AM MARIOLINO SIQUEIRA, o Secretário Municipal de Finanças SEBASTIÃO FERREIRA e o advogado CRISTIAN MENDES, quando restou demonstrado, inclusive, o pagamento da quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a obtenção da decisão judicial exarada pela Desembargadora ENCARNAÇÃO SALGADO, em benefício de CARLOS AUGUSTO. 13. Diante desse quadro, foi requerido novo afastamento de sigilos bancário e telefônico, o qual foi deferido por V. Exa. em 26.10.17 (fls. 165/174 dos autos apartados referentes às Medidas Cautelares). Apesar dessa menção aos novos fatos, supostamente ilícitos, certo é que a prorrogação do afastamento, então deferida, teve como premissa a continuidade das investigações necessárias à propositura da denúncia, em relação aos fatos que deram ensejo ao início das apurações, conforme se observa no seguinte trecho do voto condutor do julgamento da Questão de Ordem: Assim, em que pese não haver sido, até o momento, proposta denúncia, a complexidade da investigação e a gravidade dos fatos investigados justifica a terceira prorrogação da medida (quarto período de afastamento), ainda mais quando próprio Ministério Público Federal, ao formular o requerimento, indica que será a última prorrogação, além de requerer apenas metade do prazo dos pedidos anteriores . Mantém-se, assim, o cuidado, já manifestado por esta Corte, quando da prorrogação anterior, no sentido de que a investigação não se prolongue indefinidamente. Documento: 81924774 - QUESTÃO DE ORDEM - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça Vê-se, portanto, que o pedido de prorrogação do afastamento ora apreciado tem como fundamento não a continuidade das investigações acerca dos fatos que ensejaram a instauração do inquérito, mas a propositura da denúncia, em razão de fatos outros, que surgiram no curso daquela investigação. Tanto é assim que a presente Questão de Ordem se dá no âmbito da Ação Penal 896, desmembrada do Inquérito 1088, o qual prosseguirá seu curso, para a conclusão das medidas investigativas que ainda se fazem necessárias naqueles autos. Esses esclarecimentos mostram-se necessários, na medida em que, embora as investigações do Inquérito 1088 não tenham sido concluídas - como pretendia o Ministério Público Federal -, há de se reconhecer que os fatos destacados naquele feito, e que ensejaram a propositura da denúncia, justificam, por si mesmos, que o afastamento seja mantido, até que se delibere acerca do recebimento da denúncia. Nesse sentido, veja-se o trecho da denúncia que cuida da individualização das condutas atribuídas aos acusados: 36. Assim, como visto acima, o advogado CRISTIAN MENDES DA SILVA, com atuação de THIAGO GUILHERME CALIRI QUEIROZ e apoio de MARIOLINO SIQUEIRA DE OLIVEIRA e SEBASTIÃO FERREIA DE MORAES, entre dos dias 4.5.2016 e 5.5.2016, na cidade de Manaus, e de forma livre e consciente, ofereceu ou prometeu vantagem indevida à Desembargadora ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO, para determiná-la a praticar ato de ofício, consistente na prolação de decisão favorável no writ impetrado em favor de Carlos Augusto Araújo dos Santos, o que efetivamente ocorreu, já que a Relatora, a Desembargadora ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO, prolatou a decisão liminar favorável a Carlos Augusto Araújo dos Santos, com infringência do seu dever funcional. 37. Portanto, assim agindo, CRISTIAN MENDES DA SILVA e THIAGO GUILHERME CALIRI QUEIROZ, incorreram na prática do crime tipificado no art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, assim como MARIOLINO SIQUEIRA DE OLIVEIRA e SEBASTIÃO FERREIA DE MORAES, na forma do art. 29 do Código Penal, intermediadores no oferecimento e entrega da vantagem indevida, portanto, na qualidade de partícipes, essenciais para alcançar o intento criminoso. 38. No mesmo passo, a Desembargadora ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO, entre dos dias 4.5.2016 e 5.5.2016, e de forma livre e consciente, aceitou a promessa, para si, servindo-se dos intermediadores EDSON DE MOURA PINTO FILHO e KLINGER DA SILVA OLIVEIRA, do pagamento de vantagem indevida ofertada ou prometida por CRISTIAN MENDES DA SILVA e THIAGO GUILHERME CALIRI QUEIROZ, estipulando, para tanto, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), para praticar ato de ofício com Documento: 81924774 - QUESTÃO DE ORDEM - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça infringência do dever funcional, o que de fato ocorreu, já que, no exercício da função de Relatora do Habeas Corpus no 4001782-30.2016.8.04.0000, proferiu decisão liminar favorável ao paciente Carlos Augusto Araújo dos Santos, mediante a promessa do recebimento de dinheiro. 39. Dessa forma, a Desembargadora ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO incorreu nas penas do art. 317, caput e § 1o, do Código Penal, assim como EDSON DE MOURA PINTO FILHO e KLINGER DA SILVA OLIVEIRA, na forma do art. 29 do Código Penal, intermediadores na promessa do dinheiro à magistrada, pois, na qualidade de partícipes, possuíam o domínio do fato, sendo peças essenciais na realização do plano global. São acusações efetivamente graves, que ensejam a continuidade do afastamento da Desembargadora, até que a Corte Especial delibere acerca da instauração da ação penal, sem prejuízo de que as investigações prossigam em relação aos fatos que não foram abrangidos por essa específica denúncia. Feitas essas considerações, traz-se à consideração para referendo do Plenário da col. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o DEFERIMENTO do pedido formulado pelo Ministério Público Federal, de afastamento da Desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado, do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, até que seja apreciado o recebimento da denúncia. A decisão deverá ser comunicada, com urgência, à Presidência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. É como voto.

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