Apuração de desvio de dinheiro da educação no Amazonas é de competência federal, diz ministro

Page 1

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 129091 - AM (2020/0148695-3) RELATOR RECORRENTE ADVOGADOS

RECORRIDO

: MINISTRO NEFI CORDEIRO : BIANCA MONTEZUMA RODRIGUES : RAPHAEL DOUGLAS VIEIRA - MG090343 LUÍS EDUARDO DOS SANTOS VALOIS COÊLHO E OUTRO(S) - AM001975 RAPHAEL DOUGLAS VIEIRA - AM000945A : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto em face de acórdão assim ementado (fl. 323): PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DECLARAÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DESDOBRAMENTO DA OPERAÇÃO MAUS CAMINHOS. SISTEMA DE DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. MALVERSAÇÃO DE RECURSOS. INTERESSE ECONÔMICO DA UNIÃO. CONSIDERAÇÕES DA AUTORIDADE COATORA E MPF ACERCA DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A Paciente é acusada da suposta prática dos crimes de corrupção (ativa e passiva), dispensa indevida de licitação e lavagem de dinheiro, supostamente praticados no bojo de organização criminosa, no âmbito da 2ª fase da Operação Maus Caminhos, chamada Operação Custo Político, em trâmite perante a 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas. 2. Arguição de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal, ao argumento de que o julgamento junto ao TCE-AM do processo n° 13081/2017, definiu juridicamente a inexistência de utilização de verbas federais para o pagamento do Instituto Novos Caminhos-INC. 3. A questão da competência da Justiça Federal para processar e julgar a Ação Penal 0000867-98.2018.4.01.3200, a que responde o paciente, foi discutida e decidida na exceção de incompetência de n. 415-52.2019.4.01.3200, ocasião em que o Juízo a quo fundamentou o indeferimento de produção de prova pericial em razão de sua desnecessidade, tendo em vista que mesmo após análise do documento do TCE/AM suscitado pelo impetrante, concluiu-se que não houve afastamento da competência federal para julgar os fatos. 4. Conforme informações da autoridade coatora "(...) A questão foi discutida e decidida na exceção de incompetência de nº 4515-Também ao contrário do que consta da inicial do habeas corpus, o Plenário da Corte de Contas não decidiu pela inexistência de verbas federais nos pagamentos realizados ao

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA27416438 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): NÉFI CORDEIRO Assinado em: 07/12/2020 17:19:54 Publicação no DJe/STJ nº 3043 de 09/12/2020. Código de Controle do Documento: 7e77710f-1f3f-4941-ade2-7efb4883ba21


Instituto Novos Caminhos, mas apenas pela não constatação de relação direta entre os recursos federais e os valores supostamente utilizados na prática dos crimes". 5. Ordem denegada. Narra a recorrente que foi denunciada em agosto de 2018 perante o Juízo da 46 Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas-AM pela suposta prática dos crimes de corrupção (ativa e passiva), dispensa indevida de licitação e lavagem de dinheiro, supostamente praticados no bojo de uma organização criminosa destinada a desviar recursos da saúde, inserindo-se a ação penal n° 0018626-75.2018.4.01.3200 no contexto da Operação Maus Caminhos (fl. 374). Neste recurso, argumenta, em suma, que inexistiu relação direta entre os recursos do FUNDEB e as despesas de saúde ocorridas com o Instituto Novos Caminhos, pois utilizadas somente verbas estaduais para o pagamento, o que demonstra ser a Justiça Federal incompetente para julgar o feito, alegando, ainda, cerceamento de defesa pela negativa da produção de prova pericial. Aponta, outrossim, inépcia da denúncia, porquanto genérica, requerendo, liminarmente e no mérito, o trancamento da ação penal por incompetência absoluta da Justiça Federal, além das constatações de cerceamento de defesa e inépcia da inicial acusatória. A liminar foi indeferida. As informações foram prestadas. Manifestou-se o Ministério Público Federal pelo improvimento recursal. É o relatório. DECIDO. Sobre as questões da competência e da nulidade por cerceamento de defesa, assim se manifestou o Tribunal regional (fls. 319-322 - com destaques): [...]No caso, não vejo como conceder a ordem impetrada, conforme informações da autoridade coatora e corretamente salientou o Ministério Público Federal em seu parecer, o qual pela suficiência e juridicidade, adoto-o como razão de decidir. Confira-se:

"(...) De início, deve ser afastada a alegação do impetrante de cerceamento de defesa, sendo até um argumento contraditório seu com a alegação de prova inequívoca da incompetência federal, segundo o documento do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Se a prova do TCE/AM fosse manifesta, não haveria motivo para o impetrante requerer a realização de perícia. O Juízo a quo fundamentou o indeferimento de produção de prova pericial em razão de sua desnecessidade, tendo em vista que mesmo após análise do documento do TCE/AM suscitado pelo impetrante, concluiu-se que não houve afastamento da competência federal para julgar os fatos, consoante a seguir (fls. 266/277-HC): (...) DO JULGAMENTO DO PROCESSO Nº 1308/2017 NO TCE/AM À fl. 06 da inicial, o Excipiente argumenta que a Representação no 1381/2017 foi julgada pelo Plenário do TCE/AM, tendo sido decidido pela não utilização de verbas federais para pagamento ao INC. Saliento, inicialmente, que o juiz é livre na formação de seu convencimento e possui independência na apreciação e na valoração das provas constantes dos autos, não estando comprometido por qualquer critério prévio de exame dos seus elementos por outros Órgãos, até mesmo em razão da independência das instâncias cível, penal e administrativa, podendo optar pela solução que lhe parecer mais prudente, desde que o faça de forma fundamentada. Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA27416438 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): NÉFI CORDEIRO Assinado em: 07/12/2020 17:19:54 Publicação no DJe/STJ nº 3043 de 09/12/2020. Código de Controle do Documento: 7e77710f-1f3f-4941-ade2-7efb4883ba21


Pois bem, examinando o voto relator e o voto condutor, chego a uma conclusão diversa daquela apresentada pelo excipiente. Em seu voto oral condutor, o Conselheiro ÉRICO XAVIER DESTERRO E SILVA expôs que o Relatório Conclusivo no 2/2018-DICREA e a proposta de voto do relator teriam ultrapassado o objeto da representação. Quanto aos pagamentos ao INC, ele assim se manifestou (transcrição às fls. 3810/3813 da mídia): [...] A partir desse excerto, mediante uma interpretação meramente gramatical, concluo que acórdão afasta tão somente a relação direta entre as verbas do FUNDEB e os pagamentos ao INC, mas mantém os achados da Comissão de Auditoria, que afasta qualquer dúvida acerca da existência de problemas de controle financeiro nas fontes dos recursos do sistema AFI e atesta a confusão de verbas federais e estaduais nas contas bancárias do Estado do Amazonas, tanto que determina o encaminhamento do Relatório Conclusivo ao COMGOV para que seja levado em conta quando da emissão de parecer prévio sobre as contas governamentais. (...) Verifica-se, portanto, que o relatório de fato não tece conclusão acerca da relação direta entre os recursos do FUNDEB e os pagamentos à saúde, porém, deixa claro, não somente nesse excerto citado, mas também nos demais transcritos nessa decisão, que há evidente confusão de verbas federais e estaduais nas contas do Estado, a partir das quais eram feitos pagamentos diversos sem controle de fonte. Ora, se há mistura de verbas e descontrole de fonte quando da realização de pagamentos, não há dúvidas de que a competência da Justiça Federal para apreciar o feito está assegurada. Saliento, por oportuno, que o Ministério Público de Contas opôs embargos de declaração contra aquele acórdão do TCE, pedindo o esclarecimento, dentre outros pontos, acerca da referida “relação direta” entre recursos do FUNDEB e as despesas de saúde realizadas com o Instituto Novos Caminhos, nos seguintes termos (fl. 3798 da mídia à fl. 589): (...) Consta do julgamento dos embargos de declaração, ainda, que “As irregularidades apontadas no Relatório Conclusivo da DICREA, especificamente referente ao Sistema de Administração Financeira Integrada (AFI), segundo a decisão que foi adotada pelo Egrégio Tribunal Pleno, serão objeto de análise pela Comissão das Contas do Governo - COMGOV, conforme contido no item 9.2.1.1 da Decisão no. 233/2018 - TCE - Tribunal Pleno”. O Ministério Público Federal, às fls. 608/614 dos autos 402127.2018.4.01.3200, juntou o parecer prévio que apreciou as conclusões do Relatório Conclusivo da DICREA. Especificamente às fls. 612-V/613-V constam as determinações que foram tomadas, das quais se extrai a confirmação da constatação de graves falhas no sistema AFI e a utilização de verbas do FUNDEB de forma irregular. Por todo o exposto, concluo que, ao contrário do expõe a defesa, o

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA27416438 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): NÉFI CORDEIRO Assinado em: 07/12/2020 17:19:54 Publicação no DJe/STJ nº 3043 de 09/12/2020. Código de Controle do Documento: 7e77710f-1f3f-4941-ade2-7efb4883ba21


julgamento do processo 13081/2017 não afastou o teor do Relatório Conclusivo da perícia técnica realizada pelo Tribunal de Contas, o qual demonstrou a confusão de verbas estaduais e federais nas contas do Estado do Amazonas, o descontrole das fontes de pagamentos e a não confiabilidade do sistema AFI. [...] Portanto, à luz do princípio do livre convencimento motivado, o Juízo a quo fundamentou suficientemente a desnecessidade de realização de perícia tendo em vista que a existência de confusão entre verbas federais e estaduais, bem como a não confiabilidade do sistema de Administração Financeira estadual (AFI), conforme identificado no próprio julgamento do Tribunal de Contas do Amazonas. Sobre a fixação da competência federal, o Ministério Público Federal vem desde o início apresentando provas de que o Estado praticava estratégia contábil com intuito de ofuscar a fonte orçamentária dos recursos federais, conforme trecho das alegações finais apresentadas nos autos nº 0000041-09.2017.4.01.3200 (Organização criminosa) [...].Acolhendo as razões do órgão acusatório, o Juízo a quo ratificou a sua competência para processar e julgar os autos 0000041-09.2017.4.01.3200 [...].Percebe-se, pelas manifestações acima, haver farta documentação probatória e técnica no sentido de apontar pela existência de repasses de verbas federais às contas do Instituto Novos Caminhos por meio de transações financeiras interpostas que acabavam por ocultar ou dificultar a detecção da verdadeira origem dessas verbas. E as irregularidades contábeis praticadas pelo Estado não podem servir de subterfúgio para justificar incompetência federal em razão da confusão envolvendo as verbas federais e estaduais, pois a ninguém é dado valer-se da própria torpeza. Havendo presença de verba federal nos fatos, a competência da Justiça Federal é medida que se impõe, pois segundo “a Súmula n. 122/STJ, compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência Federal e Estadual, não se aplicando a regrado art. 78, II, 'a', do Código de Processo Penal - CPP” (AgRg no REsp1790545/RS, j. em 27/08/2019, DJe 04/09/2019). Dessa forma, resta patente a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.[...]

Como se vê, afirmou o Tribunal de origem que o relatório de fato não tece conclusão acerca da relação direta entre os recursos do FUNDEB e os pagamentos à saúde, porém, deixa claro, não somente nesse excerto citado, mas também nos demais transcritos nessa decisão, que há evidente confusão de verbas federais e estaduais nas contas do Estado, a partir das quais eram feitos pagamentos diversos sem controle de fonte, concluindo que, se há mistura de verbas e descontrole de fonte quando da realização de pagamentos, não há dúvidas de que a competência da Justiça Federal para apreciar o feito está assegurada. Com efeito, além de seu viés probatório, entende esta Corte ser da competência da Justiça Federal a apuração, na seara criminal, de malversação de verbas públicas, independentemente da complementação de verbas federais, diante do caráter nacional da política de educação, o que evidencia o interesse da União na correta aplicação dos

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA27416438 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): NÉFI CORDEIRO Assinado em: 07/12/2020 17:19:54 Publicação no DJe/STJ nº 3043 de 09/12/2020. Código de Controle do Documento: 7e77710f-1f3f-4941-ade2-7efb4883ba21


recursos. Confira-se: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MALVERSAÇÃO NO USO DO FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E DE VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO - FUNDEB. SUPOSTA AUSÊNCIA DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBAS FEDERAIS. IRRELEVÂNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CARÁTER NACIONAL DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO. 1. O núcleo da controvérsia consiste em saber se para a fixação da competência da Justiça Federal, no caso de malversação de verbas destinadas à educação, é imprescindível a existência de repasse de verbas federais. 2. "Após o julgamento do CC nº 119.305/SP, a Terceira Seção desta Corte, mudando a jurisprudência até então pacificada, passou a entender ser da competência da Justiça Federal a apuração, no âmbito penal, de malversação de verbas públicas oriundas do FUNDEF, independentemente da complementação de verbas federais, diante do caráter nacional da política de educação, o que evidencia o interesse da União na correta aplicação dos recursos." Precedente: CC 123.817/PB, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 19/9/2012. 3. O Supremo Tribunal Federal - STF, após o exame das ações civis originárias ns. 1.109, 1.206, 1.241 e 1.250, em Sessão Plenária do dia 5/10/2011, reconheceu que a propositura da ação penal - no caso de desvios do FUNDEF - é atribuição do Ministério Público Federal, ainda que não haja repasse de verbas da União. 4. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o suscitado. (CC 164.113/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2019, DJe 17/05/2019). Acerca do alegado cerceamento de defesa, como visto da transcrição acima – em destaque –, [o] Juízo a quo fundamentou o indeferimento de produção de prova pericial em razão de sua desnecessidade, tendo em vista que mesmo após análise do documento do TCE/AM suscitado pelo impetrante, concluiu-se que não houve afastamento da competência federal para julgar os fatos, ficando este Tribunal, por consequência, impossibilitado de rever tal posicionamento na presente via, de rito célere e sumário, insuscetível de reexame probatório, o mesmo podendo-se dizer no que se refere ao tema da competência. Por fim, a matéria referente à inépcia da denúncia não foi debatida no Tribunal a quo, inviabilizando, de igual modo, a sua análise nesta Corte sob pena de indevida supressão de instância. Ante o exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 07 de dezembro de 2020. MINISTRO NEFI CORDEIRO Relator

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA27416438 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): NÉFI CORDEIRO Assinado em: 07/12/2020 17:19:54 Publicação no DJe/STJ nº 3043 de 09/12/2020. Código de Controle do Documento: 7e77710f-1f3f-4941-ade2-7efb4883ba21


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.