STJ nega recurso do MP e mantém decisão do TJAM que rejeitou denúncia contra Adail Filho

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RECURSO ESPECIAL Nº 1882837 - AM (2020/0165106-7) RELATOR RECORRENTE RECORRIDO ADVOGADO

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MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS ADAIL JOSE FIGUEIREDO PINHEIRO FABRÍCIO DE MELO PARENTE - AM005772 EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 41 E 395, AMBOS DO CPP. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE REJEITOU A DENÚNCIA POR CONTA DO RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. REVISÃO DE ENTENDIMENTO. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. Recurso especial não conhecido. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Amazonas, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra o acórdão do Tribunal de Justiça local, prolatado no Procedimento Investigatório Criminal n. 4003488-43.2019.8.04.0000. Segundo dispõe a denúncia, os fatos praticados pelo Prefeito Municipal de Coari, Adail José Figueiredo Pinheiro, amoldam-se perfeitamente ao tipo penal de Denunciação Caluniosa (art. 339 do CP) - fl. 14. Na decisão de fls. 389/413, o Tribunal de origem, com suporte no art. 395, III, do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia: PENAL. PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. DENÚNCIA OFERECIDA EM DESFAVOR DE PREFEITO MUNICIPAL DE COARI/AM. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CÓDIGO PENAL. DOLO DIRETO NÃO CONFIGURADO. AUSENTE A JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. 1. Trata-se de Procedimento Investigatório Criminal, no bojo do qual foi oferecida a Denúncia em desfavor do senhor Adail José Figueiredo Pinheiro, pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 339 do Código Penal. 2. O delito previsto no sobredito artigo encontra-se descrito como a conduta de "dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente". Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA26979614 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 19/10/2020 21:50:38 Publicação no DJe/STJ nº 3017 de 21/10/2020. Código de Controle do Documento: 4e667d20-69d9-45f7-8e54-7459ed59b75b


3. Pois bem, o imo da presente Peça Acusatória atém-se na instauração de Procedimento Investigatório Criminal no Ministério Público do Estado do Amazonas, pelo, ora, Investigado, em face do Promotor de Justiça, Dr. Weslei Machado, imputando-lhe a prática de diversos crimes, sendo, um deles, o delito de corrupção passiva, o qual foi arquivado no dia 03 de outubro de 2018, após a devida instrução probatória, pela ausência de justa causa para a investigação. 4. Da detida análise do presente caderno processual constata-se que o ora Investigado, ao representar em desfavor do Promotor de Justiça, anexou, ao seu pedido, diversos elementos de provas, tais como, as testemunhas envolvidas diretamente aos fatos, como, também, as mensagens de áudios e mídias digitais (CD/DVD), ou seja, todos os meios de provas que estavam ao seu alcance, no intuito de apurar a situação fática. 5. Nesse entrecho, é possível notar que o, ora, Denunciado, não lançou fatos, sem indicação de provas, demonstrando, assim, sua convicção na veracidade dos acontecimentos, portanto, o elemento subjetivo do tipo penal descrito no art. 339 do Código Penal não restou provado, pois, não há como afirmar que o Prefeito do Município de Coari/AM, tinha plena certeza de que os episódios envolvendo o nome do Promotor de Justiça seriam inverídicos. Ao contrário, sempre demonstrou convicção acerca da plausibilidade das acusações. 6. Com efeito, não restou provada a prévia ciência do, ora, Investigado, acerca da eventual inverdade de suas imputações ao Representante do Ministério Público, assim, a tipicidade deve ser afastada pelo simples estado de dúvida. 7. A propósito; "o delito de denunciação caluniosa exige que a acusação seja objetiva e subjetivamente falsa, vale dizer, que esteja em contradição com a verdade dos fatos e que haja, por parte do agente, a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática criminosa. O dolo é vontade de provocar investigação policial ou processo judicial. (HC 25.593/MT, Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTATURMA, julgado em 18/12/2003, DJ 03/05/2004, p. 188). 8.Assim sendo, frente à manifesta atipicidade da conduta, pela escassez de evidências de que o Denunciado agiu com o dolo direto ao representar contra o Promotor de Justiça, Dr. Weslei Machado, perante o Órgão do Ministério Público do Estado do Amazonas, impõe-se a rejeição da Denúncia, quanto ao delito ínsito no art. 339 do Código Penal, posto que ausente a justa causa para o exercício da Ação Penal, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal. 9.DENÚNCIA REJEITADA.

No presente recurso especial, é indicada a violação dos arts. 41 e 395, ambos do Código de Processo Penal. O recorrente assevera que, ao se analisar a justa causa, nesse momento do recebimento da denúncia, o Tribunal avançou ao mérito, realizando-se verdadeiro julgamento de mérito de improcedência liminar, o que não é compatível com o processo penal como regra, dada a incidência do princípio in dubio pro societate nessa fase de recebimento da denúncia. [...] O Tribunal analisou o tipo em discussão de forma profunda demais para um juízo de cognição sumária pertinente ao recebimento ou não da inicial e exigiu a certeza da inocência do acusado a quem fora imputada a prática de corrupção passiva, desprezando a potencialidade instrutória do feito, sem olvidar da existência de lastro probatório mínimo, o que implica a justa causa e repele o reconhecimento prematuro da atipicidade (fls. 435/436). Pede o conhecimento e o provimento do recurso para que seja reformado o

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA26979614 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 19/10/2020 21:50:38 Publicação no DJe/STJ nº 3017 de 21/10/2020. Código de Controle do Documento: 4e667d20-69d9-45f7-8e54-7459ed59b75b


combatido aresto, a fim de que seja determinado o recebimento da denúncia em face do recorrido pela prática do crime de denunciação caluniosa. Oferecidas contrarrazões (fls. 443/452), o recurso especial foi admitido na origem (fls. 453/456). O Ministério Público Federal opina pelo conhecimento e provimento da insurgência (fls. 469/474):

RECURSO ESPECIAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO VERIFICAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DOS ARTS. 41 E 395 DO CPP. TIPICIDADE DA CONDUTA. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. - Para recebimento da denúncia, faz-se necessário que o fato narrado na inicial acusatória se revele típico, haja indícios de autoria e elementos mínimos de materialidade. Observados esses requisitos, presente a justa causa para o exercício da ação penal. Inteligência dos arts. 41 e 395, ambos do Código de Processo Penal. - Ademais, segundo pacífica jurisprudência dessa Colenda Corte Superior de Justiça, a propositura da ação penal exige tão somente prova da materialidade e a presença de indícios mínimos de autoria, uma vez que prevalece nessa fase o princípio do in dubio pro societate. - Na hipótese sob análise, verifica-se a presença de justa causa para o exercício da ação penal, uma vez que constam da denúncia elementos mínimos de materialidade em relação ao dolo do recorrido. Imperioso que se garanta ao Estado o direito-dever a persecutio criminis. - Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso especial.

É o relatório. Para elucidação do quanto requerido, impõe-se a extração dos seguintes fundamentos utilizados pela Corte amazonense ao rejeitar a denúncia (fls. 405/413 grifo nosso): [...] Pois bem, o imo da presente Peça Acusatória atém-se na instauração de Procedimento Investigatório Criminal no Ministério Público do Estado do Amazonas, pelo, ora, Investigado, em face do Promotor de Justiça, Dr. Weslei Machado, imputando-lhe a prática de diversos crimes, sendo, um deles, o delito de corrupção passiva, o qual foi arquivado no dia 03 de outubro de 2018, após a devida instrução probatória, pela ausência de justa causa para a investigação. Sustenta o Autor que o, ora, Investigado "tinha a plena ciência deque o fato narrado na petição de pedido de instauração não tinha o envolvimento do Promotor de Justiça representado". Ora, da leitura do caderno processual, não há dúvidas que a instauração de procedimento para se averiguar os fatos levados ao conhecimento do Órgão do Ministério Público amazonense, concernente a um de seus membros, era a medida mais sábia, no momento, pois, sendo, este, considerado pela Constituição Federal, como Órgão essencial à função jurisdicional do Estado, a defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA26979614 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 19/10/2020 21:50:38 Publicação no DJe/STJ nº 3017 de 21/10/2020. Código de Controle do Documento: 4e667d20-69d9-45f7-8e54-7459ed59b75b


não poderia fechar os olhos aos fatos noticiados no Município de Coari/AM e, ainda, levados a seu conhecimento, como Notícia de Fato. É de bom alvitre ressaltar que a própria instituição sempre se pautou pela sua boa imagem, bem como, pela lisura e postura de seus membros, consoante se verifica na Resolução n.° 011/1993, do Colégio de Procuradores, na qual sugere ao Procurador -Geral que, "havendo qualquer notícia a respeito de fato ilícito praticado por membro deste Ministério Público, estando ou não os elementos de provas suficientemente esclarecedores, seja obrigatória a instauração de Procedimento Investigatório Criminal, em obediência ao parágrafo único do art. 116,da Lei Complementar n.° 011/1993". Nesse soar, importante rememorar que a Notícia de Fato narrava que, "a testemunha Joabe Rocha foi instada por Raione Queiroz, supostamente em nome do Promotor de Justiça, para pedir certa quantia de dinheiro do Prefeito de Coari, cujo objetivo seria de estancar a propositura de novas ações civis e, as que já se encontravam ajuizadas, seriam arquivadas a pedido do aludido Promotor de Justiça". Da detida análise do presente caderno processual constato que o, ora, Investigado, ao representar em desfavor do Promotor de Justiça, anexou, ao seu pedido, diversos elementos de provas, tais como, as testemunhas envolvidas diretamente nos fatos e as mensagens de áudios e mídias digitais (CD/DVD), ou seja, todos os meios de provas que estavam ao seu alcance, no intuito de se apurara situação fática. Nesse entrecho, é possível notar que o, ora, Denunciado, não lançou fatos, sem indicação de provas, demonstrando sua convicção na veracidade dos acontecimentos, portanto, o elemento subjetivo do tipo, descrito no art. 339 do Código Penal não restou provado, pois, não há como se afirmar que o Prefeito do Município de Coari/AM tinha plena certeza de que os episódios envolvendo o nome do Promotor de Justiça seriam inverídicos, ao contrário, sempre demonstrou convicção acerca da plausibilidade das acusações. Dessarte, trago à baila excerto da Decisão exarada na Reclamação Disciplinar n.° 001.2018.000067, na qual a Corregedora-Geral do Ministério Público do Estado do Amazonas concluiu não haver indícios de participação do Promotor de Justiça no delito de corrupção passiva. Contudo, para se chegar ao alusivo juízo, foi necessário ouvir as testemunhas indicadas na peça inicial, sendo possível extrair dos depoimentos que a vantagem apontada pelo Prefeito foi solicitada e, ainda, que havia o envolvimento do nome do Promotor de Justiça no episódio, porém, restou esclarecido que o alusivo numerário não foi requerido pelo membro do Ministério Público. "Com relação ao suposto pedido de vantagens financeiras feito pelo Sr. Raione Queiroz ao Sr. Joabe, envolvendo o nome do Promotor Reclamado, inexistem indícios mínimos de que tenha partido deste qualquer solicitação de vantagem para deixar de atuar em desfavor do Prefeito de Coari. Do contrário, o que exsurge da leitura dos depoimentos, é que o Sr. Raione Queiros de fato solicitou vantagens, mas reiterou em seu depoimento nesta Corregedoria, que sequer possuía vínculo de amizade com o Promotor Reclamado (...)". Ora, para se configurar o delito sob análise, imperiosa é a figurado dolo direto, não bastando o dolo eventual, logo, o agente precisa saber, sem dúvida, que o imputado é inocente. E, nesse talante, "é necessário que o agente saiba, sem qualquer dúvida, que a acusação é falsa, agindo, assim, de má-fé, que não se exclui pela forma dubidativa da acusação. Não se deve confundir a denunciação caluniosa com a conduta de quem solicita à autoridade que apure e investigue determinado delito, fornecendo-lhe os elementos do que dispõe". Com efeito, não restou provada a prévia ciência do, ora Investigado, acerca da eventual inverdade de suas imputações ao Representante do Ministério Público, assim, a tipicidade deve ser afastada, pelo simples estado de dúvida. [...]

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA26979614 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 19/10/2020 21:50:38 Publicação no DJe/STJ nº 3017 de 21/10/2020. Código de Controle do Documento: 4e667d20-69d9-45f7-8e54-7459ed59b75b


Logo, frente à manifesta atipicidade da conduta, pela escassez de evidências de que o Denunciado agiu com dolo direto ao representar contra o Promotor de Justiça, Dr. Weslei Machado, perante o Órgão do Ministério Público do Estado do Amazonas, impõe-se a rejeição da Denúncia, quanto ao delito ínsito no art. 339 do Código Penal, posto que ausente a justa causa para o exercício da Ação Penal, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal. [...]

Com efeito, para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tendo a Corte

de

origem,

soberana

na

análise

das

provas

dos

autos,

concluído,

fundamentadamente, pela carência de justa causa para o recebimento da denúncia e prosseguimento da ação penal, porquanto ausentes indícios mínimos de autoria e prova da materialidade, o acolhimento das razões recursais demandaria necessária incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que não se admite na via do recurso especial, em razão do óbice consubstanciado na Súmula 7/STJ. A propósito: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DENÚNCIA REJEITADA POR SER INEPTA. ALTERAÇÃO DESSE ENTENDIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos dos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu. 2. Rejeitada a denúncia pelo Tribunal a quo por ausência de justa causa, a alteração desse entendimento para se receber a exordial acusatória enseja o reexame do conteúdo probatório dos autos, providência inadmissível em recurso especial (Súmula 7/STJ). Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (AgInt no REsp n. 1.629.758/RS, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 26/2/2019 – grifo nosso).

Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, I, do RISTJ, não conheço do recurso especial. Publique-se. Brasília, 19 de outubro de 2020. Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

Edição nº 0 - Brasília, Documento eletrônico VDA26979614 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 19/10/2020 21:50:38 Publicação no DJe/STJ nº 3017 de 21/10/2020. Código de Controle do Documento: 4e667d20-69d9-45f7-8e54-7459ed59b75b


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