Edição 469 - Especial Agronegócio

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No 469 MAR/2017 R$ 20,00 ISSN 1414-2341

BRASIL

nº 469

www.brasilamericaeconomia.com.br

ESPECIAL

AGRONEGÓCIO “O BRASIL É SUSTENTÁVEL E A UNIÃO EUROPEIA SÓ TEM A GANHAR COM O NOSSO PAÍS”

“SETOR TEM PARTICIPAÇÃO DECISIVA NO INTERCÂMBIO COMERCIAL. COM O AUMENTO NA PRODUÇÃO, A CESTA BÁSICA TERÁ UM PREÇO MENOR”

“A HORA É DE ELIMINAR BARREIRAS PARA QUE O AGRONEGÓCIO TRABALHE MAIS”














Nesta edição SHUTTERSTOCK

AGROFÁCIL

64

O agro é fácil em SP Cotidiano de produção no campo ganha série de modernizações para continuar batendo recordes

68 74

Entrevista: Arnaldo Jardim União de forças

Mitigar o cancro Sistema deve ajudar no comércio de frutos para o mercado interno e internacional

18

Especial Agronegócio Porque o setor assume vital importância para o país e é a pauta mais positiva do momento

20

Opinião: Michel Temer Economia a pleno vapor

AGRO+

24 26

Opinião: Geraldo Alckmin Os desafios do agronegócio

Entrevista: Blairo Maggi Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento diz que o Brasil precisa ser reconhecido como um país sustentável

34

Agro+, PIB+ Estimativa de participação do agronegócio em 2017 é de 23%

48

Entrevista: Eumar Roberto Novacki O Agro + em 4 tópicos

38

Opinião: Lourival Carmo Monaco Greening é a bola da vez

46

56

Opinião: Maurício Antônio Lopes Pesquisa e inovação para um novo tempo

INFOGRÁFICOS

50 52

Exportações do agronegócio Os 10 principais destinos das exportações do agronegócio brasileiro Participação dos Estados brasileiros nas exportações do agronegócio em 2016 Valor total das exportações atingiu US$ 84,9 bilhões no ano passado

53

Exportações brasileiras por produtos Soja e carne puxam a lista dos principais itens

14 | AméricaEconomia

Safra de grãos Perguntas e respostas sobre a safra recorde de grãos

54

Faesp destaca gargalos Infraestrutura, carga tributária e inadequação nas leis tributárias são estruturais e impactam a atividade produtiva

58 60

Opinião: Roberto Rodrigues Crescer mais

Crédito no campo Banco do Brasil oferece volume de recursos de R$ 101 bi para a safra 2016/2017

62

Opinião: Alexandre Nepomuceno Engenharia Genética de Precisão: a próxima fronteira tecnológica da agricultura

76

O suco e o superávit paulista Exportação de suco e o seu peso para a agricultura de SP

78

Águas calmas Atividade aquícola em território paulista fica mais fácil com sistema online de permissão de trânsito e declaração de conformidade

80

De olho São Paulo monitora pela internet toda a cadeia de agroquímicos em seu território

NEGÓCIOS

94 98

Ciberataques: diferença entre a média global pode representar falta de percepção por parte das companhias Com um faturamento de US$ 2,4 bilhões em 2016, mercado de academias demonstra resistência diante da crise

106

A prática do outsourcing no Brasil precisa de ajustes para se alinhar à escala global

SEÇÕES

84 Movimentos 88 Moderador 90 Opinião – Juan Jensen 92 Tecnologia 97 Opinião – Mauro Miranda 110 Opinião – José Renato Nalini 112 Direito de família – Ivone Zeger 114 Opinião – Elmano Nigri



Editorial PUBLISHER E EDITOR Agostinho Turbian - publisher@editorai.com.br CONSELHO EDITORIAL Agostinho Turbian, presidente Antonio Carlos Romanoski, Elmano Nigri, Desembargador Henrique Nelson Calandra, Jorge Pinheiro Machado, Mario Garnero, Romeu Chap Chap, Toni Sando e Wilson Levorato CONTEÚDO Editora-chefe: Bruna Lencioni - bruna@editorai.com.br Repórteres: Beatriz Santos - beatriz@editorai.com.br Felix Ventura - felixventura@editorai.com.br Marcelo Almeida - marcelo@editorai.com.br Diretor de Arte: Rogério Macadura - arte@editorai.com.br Tradução: Marcelo Almeida - marcelo@editorai.com.br COLABORADORES Alexandre Nepomuceno, Elmano Nigri, Ivone Zeger, José Renato Nalini, Juan Jensen, Lourival Carmo Monaco, Mauro Miranda, Maurício Antônio Lopes e Roberto Rodrigues ASSINATURAS assinaturas@editorai.com.br AMÉRICAECONOMIA BRASIL DIGITAL www.brasilamericaeconomia.com.br Editores: Beatriz Santos - beatriz@editorai.com.br Marcelo Almeida - marcelo@editorai.com.br AMERICAECONOMÍA INTERNACIONAL Publisher e Editor: Elías Selman C. Editor-Geral: Fernando Chevarría León Editor Executivo: Rodrigo L. Serrano Editores: Bruna Lencioni (São Paulo), Jorge Cavagnaro (Guaiaquil), Lino Solís de Ovando (Santiago), Rery Maldonado (La Paz), Carolina Torres (Tegucigalpa). Editor-at-large: Samuel Silva Repórteres: Laura Villahermosa e Hugo Flores (Lima), Camilo Olarte (Cidade do México), Alejandro González (Bogotá), Hebe Schmidt (Madri) Colunistas fixos: John Edmunds, Jerry Haar, Susan Purcell Kaufman Designer: Sandra Florián AMÉRICAECONOMÍA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor: Andrés Almeida Pesquisadores Seniores: Fernando Valencia Analistas: Catherine Lacourt e Juan Francisco Echeverría Analista Peru: Carlos Alcántara AMÉRICAECONOMIA.COM Subdiretor de Mídias Digitais: Lino Solís De Ovando Repórteres: Héctor Cancino, Fernando Zúñiga, Juan Toro, Cristian Yánez e Matías Kohler

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Os textos assinados pelos articulistas não refletem, necessariamente, a opinião da revista AméricaEconomia

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Bruna Lencioni Editora-chefe

Justiça seja feita T

alvez a primeira magia da qual temos consciência na vida é a do teste do feijão que cresce no algodão úmido na escola. É gratificante ver a semente germinar. A agricultura é realmente fascinante. Planta-se, cuida-se e colhe-se. Dificilmente quem entra no ramo sai. Afinal, trazer o alimento para a mesa é dignificante. Apesar da economia instável, o setor não produziu mal em 2016 e teve uma participação de 5,5% no PIB, a maior em 12 anos. A agropecuária adicionou R$ 295 milhões ao PIB do ano, que alcançou um total de R$ 6,3 trilhões, o pior da história desde a década de 30 – retração de 3,6%. A queda de 6,6% na agropecuária, puxada especialmente pelo milho, a soja e a cana-de-açúcar, teve relação, em parte, com o clima. É preciso dizer que o produtor é o grande protagonista da agropecuária brasileira. E o empresário é um dos grandes responsáveis por fazer a cadeia girar. A perspectiva de uma safra recorde neste ano deve contribuir consideravelmente para todo o agronegócio. A esperança de que a economia retome seu curso passa pelo campo e sai pela porteira para lançar luz nos números da inflação, dos juros altos e do desemprego. O governo federal e o paulista passam esse olhar positivo em seus discursos, colocando as respectivas pastas da Agricultura para trabalhar mais. Não apenas – o artigo exclusivo que o presidente Michel Temer escreveu para a AméricaEconomia reforça que mexer é preciso, inclusive na questão trabalhista. Graças à agenda da agropecuária, ele ganhou um aliado com força no campo, o ministro Blairo Maggi, que está Brasil afora discutindo novos mercados. E Brasil adentro explicando o Agro+, programa lançado em fevereiro, em São Paulo, que desburocratiza e simplifica processos no setor, para ajudar no fomento da produtividade. Este número da AméricaEconomia, praticamente uma edição especial, trata das ações do governo federal (Agro+) e do Agrofácil, que é do governo de São Paulo, traz um panorama do agronegócio brasileiro e apresenta a visão de especialistas, entre outros destaques desse processo, que se transformou na agenda positiva da atualidade. Enfim, justiça seja feita: apesar do noticiário recheado de corrupção, o agronegócio brasileiro é de dar gosto. Também nesta edição, o CFA Society, instituição de cunho internacional, de muito peso entre economistas e financistas, não apenas brasileiros, passa a ter uma coluna. A entidade, de grande prestígio, estreia aqui com a voz do presidente Mauro Miranda, ex-diretor do Banco Central. Outros diretores do CFA ganharão espaço na AméricaEconomia. Boa leitura. Siga a revista AméricaEconomia no twitter.com/brasil_ae, linkedin.com/company/brasil-americaeconomia e facebook.com/brasilamericaeconomia



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18 | AméricaEconomia


Especial Agronegócio A extensão do agronegócio brasileiro é tão grande que parece indecifrável, mas os números trazem a clareza necessária para compreender a sua importância. Neste especial sobre agronegócio, a AméricaEconomia mostra através de reportagens, entrevistas e artigos de especialistas por que o Brasil depende do agronegócio, as perspectivas do setor e quem são os homens do poder por trás das iniciativas que colocaram o tema como a pauta mais positiva do momento. Março | 19


Opinião | Especial Agronegócio

Economia a pleno vapor

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BETO BARATA/PR

A

balança comercial brasileira registrou, em fevereiro último, o maior superávit da história, com crescimento das exportações e importações. São números que comprovam o fim da recessão e a revitalização de nossa economia. E, mais uma vez, o agronegócio teve participação decisiva no intercâmbio comercial. Temos muitos outros números a celebrar. Já sob a vigência do limite de gastos públicos, as contas do governo federal registram gastos menores do que a receita. Esses resultados refletem o acerto da política econômica que adotamos e a responsabilidade com que a gestão pública está sendo tratada. O limite de gastos veio para por fim ao círculo vicioso que, ao se gastar mais do que se arrecada, levava ao aumento da inflação. Conseguimos quebrar isso. Em 2016, a inflação estava em 11% e se confirma, hoje, sua queda contínua, com previsão de que ela feche o ano em cerca de 4,5%. A taxa de juros básicos, a Selic, seguindo em sua trajetória de baixa, está em 12,25%, com sinalização do Banco Central de que ela pode, ainda em 2017, chegar a 9,5%. Este é o governo das reformas. E, sobretudo, de diálogo aberto com a sociedade brasileira, seu setor produtivo e o Congresso Nacional. E exemplo significativo da força de nossa cadeia produtiva é, sem dúvida alguma, o agronegócio. O programa Agro+, recentemente lançado em São Paulo, traz sintonia fina com os objetivos de nosso governo de modernização, desburocratização, simplificação de procedimentos, medidas que contribuem para o crescimento econômico e o desenvolvimento social. A previsão da safra 2016/2017 de mais de 220 milhões de toneladas de grãos influencia, positivamente, outros setores da economia direta ou indiretamente relacionados com a cadeia produtiva do campo. A venda de máquinas agrícolas já aumentou sensivelmente e, com o aumento da produção, especialmente do arroz e do feijão, a cesta básica terá seu preço menor. Assim, o agronegócio impulsiona a

São números que comprovam o fim da

recessão e a revitalização de nossa economia

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Opinião | Especial Agronegócio

Os objetivos de meu

governo

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são os mesmos da sociedade brasileira, melhorar nossas instituições e dar mais eficiência ao Estado brasileiro

economia em todos os seus setores, refletindo na sua revitalização. A nossa tarefa nesses dois anos de governo é reformar o Brasil e entregar a quem venha um país nos trilhos. Fizemos a reforma do ensi­ no médio. Estamos firmemente empenhados na reforma da Previdência, na reforma traba­ lhista e vamos fazer a simplificação tributá­ ria. São medidas indispensáveis para prote­ ger o país de crises como a que recebemos ao assumir o governo. A reforma da Previdência está gerando dis­ cussões intensas, mas partimos de um dado fundamental: ou fazemos a reforma hoje, ou daqui a dez anos o governo não terá dinhei­ ro para pagar a aposentadoria dos brasileiros. Sem a reforma, serão todos prejudicados, os

que já estão aposentados, os que estão a ca­ minho de alcançar os benefícios e, notada­ mente, os jovens, que ainda estão se prepa­ rando para entrar na vida profissional. Não é exagero. Isso já está acontecendo em vários Estados da Federação. A Previdência tem um déficit de R$ 150 bilhões, insuportável para qualquer sistema. A reforma da Previdência vem combater o déficit e, ao contrário do que apregoam os con­ trarreformistas, vai manter os direitos adquiri­ dos de todos os trabalhadores brasileiros. A reforma para modernização da legislação trabalhista foi construída em acordo com as centrais sindicais, de trabalhadores e de em­ pregadores. É fruto do diálogo que pauta o nosso governo. E atende ao inexorável avanço tecnológico que traz junto novos empregos e, por conseguinte, novos direitos trabalhistas. O passo seguinte que temos que dar, tão urgente quanto, vem em favor de toda a eco­ nomia. Não há como o país crescer se não modificarmos o que acontece hoje em matéria tributária. Simplificar os trâmites tributários é, ainda, uma questão de justiça social. Temos, ainda, a consciência da necessidade de se fazer a reforma política. Esta tarefa é do Congresso Nacional, mas o governo pode e deve incentivar e ajudar para que isso aconteça. Enfatizo que todo esse trabalho só terá re­ sultados com a compreensão e apoio de todos. Os objetivos do meu governo são os mesmos da sociedade brasileira, melhorar nossas insti­ tuições e dar mais eficiência ao Estado brasi­ leiro. Por isso, é um esforço conjunto em prol do bem comum. Tenho convicção de que, conseguindo rea­ lizar todas essas reformas até o final do nosso mandato, teremos honrado o compromisso as­ sumido com o país e registrado nos documentos “Ponte para o Futuro” e “Travessia Social”. Michel Temer Presidente da República

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CIETE SILVERIO

Opinião | Especial Agronegócio

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Os desafios do agronegócio teriam de ser buscados em órgãos da Secretaria de Agricultura, como a emissão de guias de trânsito animal e vegetal. Na área de inovação, as dimensões e a qualidade da rede paulista de pesquisas agrícolas fazem de São Paulo um grande exportador de tecnologia. Cerca de 25% das variedades de café cultivadas no país nasceram dos institutos de São Paulo. As variedades de cana desenvolvidas no Instituto Agronômico (IAC) estão nos campos de Goiás e Tocantins, do México e de Angola. “Da porteira para dentro, a agricultura vai sempre bem”. Esse refrão é muito ouvido nas rodas de conversa no interior, e a pujança econômica das cidades do agronegócio mostra como ele é acertado. A hora é de eliminar obstáculos para que o agronegócio trabalhe mais e melhor da porteira em diante, até a mesa dos brasileiros e aos contêineres de exportação.

O PIB do setor, que representa

23%

do PIB brasileiro, deve crescer por volta de 2%, o dobro do PIB nacional

Geraldo Alckmin Governador do Estado de São Paulo PAULO PRENDES

P

ujante e altamente competitivo, o agronegócio do Brasil mostra toda a sua força em 2017. A safra de grãos produzirá 221 milhões de toneladas em 60 milhões de hectares, fazendo jus à nossa fama de celeiro do mundo. É um crescimento de 20% em relação a 2016 e um estímulo enorme tanto para a produção de carnes como para as vendas de máquinas agrícolas. O PIB do setor, que representa 23% do PIB brasileiro, deve crescer por volta de 2%, o dobro do PIB nacional. Em 2017, portanto, mais uma vez o agronegócio vai salvar a lavoura da economia brasileira, evitando que o país feche o terceiro ano seguido sem crescer. O agronegócio alimenta o Brasil e o mundo; nosso papel como governantes é ajudar produtores e empreendedores a ampliar seus mercados para produtos com maior valor agregado. Temos de garantir infraestrutura e logística competitivas, política de seguro agrícola, simplificação tributária e trabalhista, qualificação da mão-de-obra , inovação, desburocratização e ações de curto prazo, como aumento e pulverização do crédito agrícola. Em São Paulo, produtores e exportadores têm uma infraestrutura de logística privilegiada e mão-de-obra qualificada, resultado da concentração de universidades e da maior rede de escolas técnicas (Etecs) e faculdades de tecnologia (Fatecs). Na logística, estão em andamento os processos de concessões de mais quatro lotes de rodovias. Serão mais 3.500 quilômetros de duplicações e modernizações, cortando o Estado do nordeste ao sul e ligando o litoral sul e norte. Com o Agrofácil SP, novo programa de modernização e desburocratização, facilitamos a vida do produtor: ele tem acesso rápido, por via eletrônica, a serviços que antes

Março | 25


DIVULGAÇÃO MAPA

Entrevista | Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

26 | AméricaEconomia


A missão do homem do campo

Mudanças propostas pelo Agro+ não devem causar risco à qualidade dos produtos brasileiros. “Não vamos flexibilizar para perder o controle. Jamais” Por Bruna Lencioni, de São Paulo

A

missão de Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é das mais pesadas do governo de Michel Temer – provar que é possível trazer bons resultados em curto prazo a partir de uma gestão eficiente. Esses desafios incluem aumentar a participação brasileira no mercado agrícola internacional, passando de 6,9% de representatividade para 10% em cinco anos. Para tanto, precisa arrumar a casa, o que inclui aguardar os resultados das 311 medidas que desburocratizam o agronegócio e que contemplam o plano Agro+, lançado em dois Estados por enquanto. Ele é o homem do campo, técnico, engenheiro agrônomo, político, articulador e um dos principais personagens do governo para fazer girar a roda macroeconômica. Maggi tem experiência no Executivo, foi governador do Mato Grosso (MT), de 2003 a 2010, e senador da República, eleito em 2011 e permanecendo no cargo até maio de 2016, quando recebeu o convite para assumir o Ministério. Abaixo, ele fala sobre a sua gestão, gargalos, abertura de novos mercados e dos “milagres” da Embrapa frente à falta de recursos.

AméricaEconomia – O senhor pode falar sobre como podemos aumentar nosso protagonismo no mundo? Qual a estratégia macro de sua gestão? Blairo Maggi – Como sabe, venho da cultura da iniciativa privada e, de imediato implantamos uma nova dinâmica no Ministério. Estamos combatendo frontalmente o excesso de burocracia no ministério e lançamos o plano Agro+, que busca a desburocratização, a modernização do Mapa, em benefício do produtor rural. O plano traz mais eficiência para o Ministério, de forma continua. Ele nasceu após ouvirmos 88 entidades do setor agrícola brasileiro. Essas entidades continuam colaborando. Com o aval do presidente Michel Temer, já implementamos centenas de medidas em prol do mercado. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima em R$ 1 bilhão o ganho de eficiência para o mercado. Era dinheiro que se perdia e que fica na mão do próprio setor produtivo. O Plano Agro+ é o pilar da estratégia para que possamos atingir 10% do mercado global em cinco anos. Hoje somos 6,9%. Dada a importância do Agro+, coloquei nosso secretá-

“O plano traz mais

eficiência para o Ministério, de forma continua”

Março | 27 Fevereiro


Entrevista

“O aumento previsto para a produção de milho, soja, arroz, algodão e feijão é a principal fonte desse crescimento da renda da agricultura em ”

2017

28 | AméricaEconomia

rio-executivo, Eumar Novacki, envolvido diretamente na condução do plano. Sei que a meta de 10% do mercado mundial é ousada, mas perfeitamente realizável. Basta atacarmos os problemas de frente, como estamos fazendo há quase um ano. O plano já eliminou vários gargalos burocráticos, ajuda na percepção interna e internacional do agronegócio e também nos dá energia no combate às barreiras do comércio internacional. Sempre digo que, para quem não sabe onde chegar, qualquer caminho serve. Assim, nossa gestão tem foco, tem objetivo. Queremos ver o Brasil como grande protagonista do mercado global. AE – A agricultura brasileira passa por um momento diferente do resto da economia. As boas projeções trazem um certo fôlego como um todo. Quais são os motivos dessa produtividade em alta, além do clima? BM – A Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] anunciou estimativa de uma safra de 219 milhões de toneladas. Na economia nacional, o agrobusiness representa metade das exportações brasileiras e um quarto do PIB nacional. São números muito relevantes. Mas nada disso seria possível sem o uso e desenvolvimento de novas tecnologias adaptadas para nossa realidade. Dessa forma, contribuiu tecnicamente para aumentar nossa produtividade a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]. Tenho orgulho em dizer que a Embrapa é uma empresa classe mundial em termos de pesquisa para o campo, uma referência muito respeitada lá fora. Mas não posso deixar de parabenizar a força e a pujança do nosso produtor rural, do nosso agronegócio, que passa governo, entra governo,

mantém-se firme no rumo do crescimento e são a base da nossa economia. Eles merecem o maior crédito. AE – O valor da produção agropecuária deve subir em 2017, impulsionado por milho, soja, arroz, algodão e feijão. Por que produções historicamente positivas para o país, inclusive com forte peso na balança comercial, como o café e a laranja, fazem pesar para baixo este percentual? A previsão é de queda na produtividade do café em 9,6% e da laranja em 8,9%. BM – A laranja e o café tiveram menor produtividade, mas precisamos olhar para o cenário global. Estamos com expectativa favorável em relação à safra de grãos deste ano, estimada pela Conab. Isso nos dá um prognóstico macro favorável do faturamento da agropecuária em 2017. Além disso, o Valor Bruto da Produção (VBP) esperado é de R$ 545,9 bilhões, superior ao do ano passado. O aumento previsto para a produção de milho, soja, arroz, algodão e feijão é a principal fonte desse crescimento da renda da agricultura em 2017. Entre os produtos para os quais se espera bom desempenho do VBP, podem ser citados o algodão herbáceo, com aumento real de 14,9%; amendoim, 25,9%; banana, 16,5%; feijão, 38%; milho, 33%; fumo, 22,2%; soja, 5,7%; e uva, 30,3%. Já na pecuária, o melhor desempenho vem sendo observado em carne suína, leite e ovos. Esses produtos vêm tendo melhora nos preços neste ano. Entre os produtos que não apresentam previsão favorável podem ser mencionados a laranja (-8,9%), o café (-9,6%) o trigo (-37,9%), entre outras. É importante dizer que os resultados regionais mostram recuperação de Estados do Nor-


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deste, que no ano passado tiveram fortes perdas devido às secas que afetaram principalmente áreas de cerrado do Piauí e da Bahia. Neste ano, as previsões de colheita de soja, algodão, milho e feijão são boas nesses Estados. As regiões Sul e Centro-Oeste lideram o faturamento esperado, sendo o Sul com R$ 154,2 bilhões e o Centro-Oeste com R$ 150,2 bilhões. Em seguida, Sudeste, R$ 143,4 bilhões; Nordeste, R$ 52,4 bilhões; e Norte, R$ 32 bilhões. Este é o cenário atual. AE – Em relação à polêmica envolvendo a importação do café, por que essa decisão do governo? BM – A decisão é de mercado. O Brasil tem uma safra muito ruim de café há dois anos e uma queda muito grande, que fez com que o preço subisse muito e que está inviabilizando a indústria brasileira de café solúvel, que é uma indústria exportadora. Então a possibilidade da importação é para suprir essa indústria, para que ela possa ser competitiva no mercado mundial. Caso contrário, a indústria vai quebrar, vai definhar e ano que vem, quando começarmos a ter safras grandes de novo, não vamos ter os parceiros para a indústria vender esse café lá fora. Se fosse olhar só para o mercado interno, o atendimento do mercado interno, nós teríamos estoque. AE – Produtores de café e outras commodities, como laranja, estão preocupados com a oscilação do câmbio, agora em queda, por causa dos custos de produção. BM – Preocupa muito e isso é uma coisa que pega no primeiro momento. Porque nós compramos insumos a R$ 3,60, R$ 3,70, e agora vamos vender os produtos a R$ 3. Isso é um problema. A longo prazo, se o dólar ficar desse jeito, o jogo começa a mudar

Março | 29 Fevereiro


Entrevista

“Não vamos

flexibilizar para perder o controle. Jamais”

porque a gente vai comprar insumos também mais baratos e o mercado acaba se ajustando. É ruim? É, mas ele acaba se ajustando. Porém, o prejuízo é preocupante e espero que a maioria dos produtores tenha feito seus heads, compras em dólar já amarrando alguma coisa em dólar, compras em real já amarrando em real. Pelo menos na área de produtos de exportação, como grãos, soja, milho e algodão, os produtores usam muito desse mecanismo para se proteger das variações de moeda, que são muito fortes. AE – Com relação ao recorde de safra de grãos, o país tem condições de armazenar toda produção? BM – Não. Nós temos um sistema de mandar o produto imediatamente da colheita para os portos.

AE – Sobre o Agro+, existe algum tipo de norma alterada que poderia ocasionar insegurança fitossanitária? BM – Nenhum risco. Não vamos flexibilizar para perder o controle. Jamais. AE – Em quanto tempo o senhor acha que a alta produtividade pode refletir no bolso do consumidor? BM – O setor estima que as mudanças que nós fizemos valha mais ou menos R$ 1,5 bilhão por ano. Como ele vai chegar na mesa, ainda não sei, mas o número que é a economia que o setor vai fazer a partir das mudanças que nós fizemos, com portarias e menos burocracia, é este. AE – Em quanto tempo? BM – Imediato. Já está acontecendo.

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AE – Os portos aguentam? BM – Aguentam. Começou a colheita, por exemplo, dia 10 de janeiro. No dia 11, os caminhões já começam a levar para o porto. Temos navios programados, porque tudo isso é programado. Plantou, sabe quanto vai vender, a trading

tem que comprar o preço do frete de caminhão, de frete de ferrovia e o navio que tem de estar lá, então, existe todo um processo.

30 | AméricaEconomia


“SOBRE UM ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO DO MERCOSUL COM A UE, TEMOS AÍ UMA OPORTUNIDADE ALVISSAREIRA E QUEREMOS BUSCÁ-LA. MAS ANTES, NO QUE DIZ RESPEITO AO AGRO, PRECISAMOS QUE ELES ENTENDAM E ACEITEM DE VEZ QUE SOMOS SUSTENTÁVEIS E QUE TEMOS FISCALIZAÇÃO E REGRAMENTOS TÃO RÍGIDOS QUANTO OS DELES, POIS SOMOS IGUALMENTE EXIGENTES”

AE – Que planos o governo deve anunciar em breve? Existe alguma previsão? BM – Existe o Riispoa [Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal], a nossa bíblia, que cuida de todo o nosso processo de produção de carnes e abates, que completa 65 anos neste ano. É do tempo de Getúlio Vargas, e nós já temos um estudo – encaminhamos à Casa Civil para fazer as mudanças, adequações e a modernização desse instrumento. AE – O Brasil é o principal fornecedor de alimentos à União Europeia e existem barreiras tarifárias, sanitárias e fitossanitárias que restringem a nossa exportação. Como o senhor trabalha este tema, que pode passar por concluir o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia? BM – Sobre um acordo de livre-comércio do Mercosul com a UE, temos aí uma oportunidade alvissareira e queremos buscá-la. Mas antes, no que diz respeito ao agro, precisamos que eles entendam e aceitem de vez que somos sustentáveis e que temos fiscalização e regramentos tão rígidos quanto os deles, pois somos igualmente exigentes. Só temos a ganhar com um acordo de livre-comércio UE-Mercosul.

Tenho viajado o mundo e agora em janeiro estive na União Europeia defendendo que temos uma agricultura regulada e sustentável, com regras sanitárias e fitossanitárias bastante claras e rígidas. Mas também existem outras barreiras de ordem política ou consumerista no exterior. Há fortes preocupações do consumidor europeu sobre questões de OGM (organismos geneticamente modificados), assim como combate às queimadas e expansão de áreas, reservas indígenas e até com bem-estar animal. Tudo isso faz parte de um “Pacote Brasil”, itens que já estamos atendendo. Fomos lá e defendemos, item por item. Essas questões somadas acabam por influenciar na política comercial desses países, atrapalhando um pouco o contexto das negociações. Agora em janeiro, apresentamos na Europa um estudo científico (da Embrapa Imagens) mostrando que 61% do território nacional está preservado. Continua igual a quando Cabral chegou aqui. Além disso, o Código Florestal obriga os produtores a manterem em suas propriedades áreas de preservação. Na região Norte, por exemplo, o percentual exigido é de 80%. No Centro-Oeste, esse percentual é de 35%, variando de acordo com cada região. É importante frisar que somente 8% do território nacional é usado para agricultura, 19% para pecuária e 13% destinado aos povos indígenas. Fizemos inclusive um filme promocional em inglês, demonstrando esses dados e promovendo o agronegócio nacional. Nenhum país do mundo tem um ativo ambiental como esse e ninguém pode fazer igual. Entendo que temos que ser reconhecidos e até compensados por isso. Estamos mostrando isso lá fora e fazendo

Março | 31 Fevereiro


Entrevista

“A safra recorde ajuda na estabilidade dos

preços

no Brasil e garante também mais oferta para o mundo”

eles verem que, quando você compra um produto brasileiro, está comprando muito além de alimentos, está comprando junto um pacote ambiental e social. Outra coisa interessante que gostaria de falar é com relação ao programa Integração Lavoura, Pecuária, Floresta (IPLF). Temos uma outra pesquisa importante mostrando que o Brasil incorporou 11,5 milhões de hectares com o IPLF – ultrapassamos muito a meta estabelecida no Acordo do Clima em Paris. Reitero que nenhum país do mundo fez o que fizemos e dificilmente o fará. AE – Como está a busca pela abertura dos mercados internacionais? O senhor prevê muitas missões para abrir portas para a produção do campo brasileiro? Se sim, quais seriam essas missões? BM – Ano passado realizamos uma grande missão na Ásia, onde estimou-se um potencial de negócios da ordem de US$ 2 bilhões. Também estivemos na Argentina e no Paraguai. Recentemente, fomos a Marrakech para fincar de vez a bandeira da sustentabilidade brasileira, durante a COP-22. Fomos também para a COP-13 de biodiversidade, no México. Em paralelo, temos enviado o secretário-executivo, Eumar Novacki, para representar o Ministério em missões estratégicas em países como Itália, Suíça, Japão, Rússia e Armênia. Em janeiro estivemos no Parlamento Europeu, na Alemanha, na Bélgica, nos EUA e muitas outras [parcerias] virão. Temos recebido diversos diplomatas também no Mapa e o México está vindo aqui também. AE – A produção de suínos é afetada diretamente pelos preços dos grãos, que sofreram com a desvalorização do real. Com a valorização do real frente ao dólar, qual é a sua previ-

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são para este segmento? Ele se recupera com facilidade? Existe uma projeção? BM – As perspectivas para o setor em 2017 são as melhores possíveis. No ano passado, conseguimos abrir grandes mercados como o da Coreia do Sul e da África do Sul, que vão importar carne suína do Brasil. Além disso, este ano, ao contrário do que ocorreu em 2016, teremos uma grande safra de milho, que deve reduzir o preço do produto, principal insumo usado na alimentação dos criadores de suínos. Portanto, vejo com muito otimismo o futuro do setor. AE – Sobre os bovinos, agora o Brasil passa a exportar a carne in natura aos EUA. Como isso deve repercutir no mercado interno? O senhor avalia que o segmento de carnes no Brasil saltou de qualidade nos últimos anos? Qual é a sua análise deste setor? BM – O acordo representa o reconhecimento mútuo entre EUA e Brasil. Foram mais de 17 anos de negociações as quais tive o prazer de concluir, lá nos EUA. É como se fosse uma espécie de selo de qualidade internacional, que será levado em consideração por outros países e que pode ampliar mais o comércio de carne, principalmente com os países que não têm um sistema [de sanidade] próprio e que tenham os EUA como referência. AE – A produção de grãos, com perspectiva de recorde, tende a repercutir nos preços dos produtos agrícolas ao longo do ano? Quais são as suas expectativas em relação aos reflexos desses bons números na economia, especialmente no bolso do brasileiro? BM – A safra recorde ajuda na estabilidade dos preços no Brasil e garante também mais


AE – O senhor afirmou que pretende investir mais em pesquisa, através da Embrapa. Como isso vai funcionar? A Embrapa é responsável por “milagres” hoje, o senhor concorda? BM – Sim, queremos investir mais na Embrapa. Sou categórico em dizer que a Embrapa é um pilar da revolução do campo, trazendo a inovação de ponta, que permitiu coisas fantásticas, como por exemplo a melhor adaptação e maior produtividade da soja no Centro-Oeste brasileiro, além de milhares de outras soluções para o campo como um todo. Com a ajuda da Embrapa, o Brasil desenvolveu uma agricultura de base científica com forte ênfase na proteção ambiental. A partir da década de 1970, quando o Brasil era um grande importador de alimentos, o país desenvolveu um modelo de agricultura sustentável que permitiu que ele se tornasse não apenas seguro de alimentos, mas também um grande exportador. Temos uma política pública que promove práticas e tecnologias de baixo carbono. Já produzimos carne neutra em carbono usando sistemas integrados. E planejamos, no futuro próximo, produzir também grãos e frutas sob sistemas de baixa emissão de carbono. AE – Quais são os principais gargalos do setor, além da burocracia? O agronegócio precisa ser mais intensivo em novas tecnologias.

DIVULGAÇÃO MAPA

oferta para o mundo. Fica mais fácil regular o mercado interno e isso também ajuda no controle da inflação, que já está caindo. Lembro que o governo tem o objetivo de colocar alimento barato na mesa do brasileiro. Estamos trabalhando para gerar mais emprego e renda para o cidadão. O agronegócio está fazendo sua parte nesse equilíbrio e serve de base para a retomada do crescimento.

BM – Temos novos desafios tecnológicos, e, como disse anteriormente, queremos investir mais na Embrapa, na inovação para o campo. Com mais recursos e de olho nas necessidades do mercado, a Embrapa irá se manter na liderança em pesquisa e continuará criando novas tecnologias para o produtor rural e agronegócio como um todo. Algumas das tecnologias foram criadas (e implantadas com sucesso) há mais de uma década. Precisamos olhar pra frente e continuar inovando. Novas pragas e as mudanças no clima global geram novas demandas por novas tecnologias, mais resilientes e adequadas aos novos tempos. A Embrapa também deve ser player na transformação digital – própria e do campo brasileiro. Precisará ampliar os braços de biotecnologia, nanotecnologia, agricultura de precisão e apoiar na consolidação do conceito de campo digital.

Maggi: “o governo tem o objetivo de colocar alimento barato na mesa do brasileiro”

Março | 33 Fevereiro


Especial | Agronegócio

Agro+, PIB+ P 34 | AméricaEconomia

Por Bruna Lencioni e Marcelo Almeida, de São Paulo

ara impulsionar a atividade agropecuária e criar um ambiente mais propício para o agronegócio, o presidente Michel Temer saiu a campo com o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, para trabalhar o Agro+, uma das grandes apostas do governo para impulsionar o PIB brasileiro em 2017. O programa está fermentando e o país tenta ganhar força no cenário macroeconômico ao ecoar notícias que sinalizam um clima favorável. A safra de grãos deve bater recorde

este ano, o Banco do Brasil abriu novas linhas de crédito, os juros seguem tendência de queda e 311 normativas alteradas pelo governo (já publicadas no Diário Oficial da União) devem contribuir para facilitar a vida de quem vive do campo (detalhes sobre os 311 tópicos na página 38). A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) diz que as perspectivas são de que o agronegócio eleve a sua participação no PIB, de 21,5% para 23% em 2017. Hoje, o setor


SHUTTERSTOCK

representa 48% das exportações brasileiras. O Estado de São Paulo foi o segundo a aderir ao programa Agro+ (em fevereiro), depois do Rio Grande do Sul. A ideia é bem simples e todo brasileiro espera: diminui a quantidade de papéis na mesa e aumenta a velocidade de processos que emperram toda a cadeia através da digitalização de operações e a padronização de procedimentos. As 311 normas editadas, além de desburocratizar o setor, tem como finalidade ampliar a

penetração do agronegócio no mercado internacional. “Temos que nos modernizar e nos abrir para o mundo”, disse o ministro. O governo afirma que as medidas vão impulsionar a participação do país de 6,9% para 10% nos negócios do mercado mundial nos próximos cinco anos. O ponto de atenção está no clima. “Se São Pedro ajudar” é uma das frases mais ouvidas da atualidade. O percentual (6,9 %)representa mais de US$ 30 bilhões na economia brasileira. E a economia imediata com a edição

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) diz que as perspectivas são de que o agronegócio eleve a sua participação no PIB, de 21,5% para 23% em

2017

Março | 35


Especial | Agronegócio

O Brasil precisa ser mais competitivo para aumentar sua inserção no mercado internacional do

agronegócio

São Paulo No dia 20 de fevereiro, o Estado de São Paulo oficializou a sua entrada no programa Agro+. Durante o evento, o ministro mencionou, no tangente a normas, o que já está em execução. E fez menção a uma delas no setor de carnes. O transporte de carne suína, que antes deveria ocorrer a -18ºC, passa a -12 ºC. “Isso é um padrão internacional. Consultamos especialistas da área e ninguém se opôs, então observamos que o país estava atrasado em relação aos outros países, o que também prejudica o setor”, falou Maggi. Além disso, o ministro destacou as facilidades referentes ao registro de rótulos e a procedimentos de cadastro

ALEXANDRE CARVALHO

Michel Temer discursa durante o lançamento do programa Agro+ em São Paulo

das 311 normas é de R$ 1,5 bilhão, afirma Maggi, baseando-se em uma estimativa dos produtores. De acordo com o governo, os próximos passos irão envolver medidas nas áreas de sustentabilidade, capacitação e assistência técnica e apoio ao produtor rural. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirma que o Brasil precisa ser mais competitivo para aumentar sua inserção no mercado internacional do agronegócio. Para chegar ao projeto final do plano, cujo slogan é “Queremos um Brasil mais simples para quem produz e mais forte para competir”, o Ministério da Agricultura analisou 315 demandas e consultou 88 entidades do setor produtivo.

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de produtos, defendendo que a informatização de etapas desses processos devem facilitar a vida dos produtores. “A pessoa precisava aguardar o Ministério avaliar o rótulo, aprovar, e isso demorava mais de seis meses. Agora informatizamos isso e o tempo será muito mais curto.” O Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Arnaldo Jardim, ressaltou as iniciativas promovidas por São Paulo no âmbito do programa Agrofácil, que será realizado em paralelo com o Agro+. Ressaltou a necessidade de desburocratizar processos, como no caso da guia de trânsito animal, que agora é emitida de forma eletrônica, além de iniciativas na área fitossanitária. Sobre o prazo de implementação do plano, ele foi categórico: “O prazo de implementação é já. “Queremos facilitar a vida dos produtores, e uma maior agilidade por parte do governo vai permitir um maior crescimento”. Já o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), falou do papel da agricultura como propulsora do crescimento, reforçando a necessidade de renovação das normas relativas ao agronegócio e a função do programa Agrofácil, do governo estadual. “Temos grandes conquistas e muitos desafios pela frente, como a questão da logística. Estamos indo muito bem, junto com o governo federal, na hidrovia Tietê-Paraná, que atende não só São Paulo, mas Minas Gerais e o Centro-Oeste do país, batendo recordes de transporte de carga”, afirmou. Ele lembrou das tratativas com o governo federal em relação ao derrocamento do pedral de Nova Avanhadava, que deve permitir que a hidrovia possa ser usada mesmo em momentos de seca extrema. “O transporte será feito até o porto de Santos sem a necessidade de um único caminhão”. Além disso, o governador citou medidas como o licenciamento simplificado para a piscicultura e o fato de que agora as declarações de conformidade de atividade de baixo impacto ambiental.

Principais medidas do programa:

1 – Lançamento do novo sistema de informações gerenciais do SIF – SIGSIF para facilitar o registro de produtos de origem animal; 2 – Desburocratização do processo de habilitação em indústrias que trabalham com produtos de origem animal, com maior facilidade na obtenção de habilitação para exportação; 3 – Consulta pública sobre procedimentos para controlar o envelhecimento de bebidas em recipientes de madeira; 4 – Atualização do sistema de credenciamento de estações quarentenárias; 5 – Simplificação da norma sobre trânsito de animais nas áreas do país livres de peste suína; 6 – Maior agilidade na obtenção de autorização de fabricação de partidas-piloto de medicamentos veterinários; 7 – Consulta pública sobre atualização dos padrões de sucos; 8 – Revisão de procedimentos em portos, aeroportos e postos de fronteira, agilizando as exportações; 9 – Modernização do sistema usado pelo Mapa para registrar e cadastrar estabelecimentos e produtos agropecuários; 10 – Atualização da norma sobre Permissão de Trânsito de Vegetais (PTV); 11 – Modernização das regras para obtenção do Certificado Fitossanitário de Origem (CFO), que atesta a qualidade sanitária de produtos e plantas; 12 – Mudanças no decreto que regulamenta e fiscaliza produtos de uso veterinário; 13 – Criação de norma possibilitando a produção de alimentos animais com medicamentos; 14 – Oficinas para padronização de procedimentos internos; 15 – Atualização das normas sobre exportação de gado vivo; 16 – Criação de uma divisão de normatização na Secretaria de Defesa Agropecuária; 17 – Instrução normativa para a adequação dos procedimentos, requisitos e critérios para a cadeia produtiva do amendoim; 18 – Extensão do prazo de autorização de pesca para embarcações de um para três anos; 19 – Abertura de mercados internacionais para produtos brasileiros; 20 – Publicação de normas técnicas para a produção integrada de trigo, arroz, gengibre, inhame, taro, feijão, flores, plantas ornamentais, uva para processamento, anonáceas, amendoim e tomate tutorado

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Entrevista | Eumar Roberto Novacki, secretário-executivo do Mapa

O programa em 4 tópicos Agro+ é detalhado pelo secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Eumar Roberto Novacki, um dos principais articuladores do programa Por Bruna Lencioni e Marcelo Almeida, de São Paulo

NOALDO SANTOS

P

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rincipal braço técnico do programa Agro+, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Eumar Roberto Novacki, aos 40 anos, tem uma carreira em ascensão. Formado em direito com especialização em direito público, trabalhou com o ministro Blairo Maggi quando este ainda era governador do Estado do Mato Grosso, atuando como secretário-chefe da Casa Civil. Quando Maggi assumiu o Mapa, não demorou a trazer o “menino de ouro” (como é conhecido em alguns círculos). Novacki foi nomeado secretário-executivo do Mapa em 13 de maio de 2016. A AméricaEconomia observou os 311 pontos alterados pelo governo, como normativas, e os pontos de maior relevância foram analisados pelo secretário, o braço direito de Maggi no Mapa. Ele esclarece como o programa deve impulsionar o agronegócio em diversas frentes.


1 Desburocratização e informatização

AE – O que mudou, na prática, com a modernização do sistema de informações gerenciais do Mapa? ERN – O Sistema de Informações Gerenciais do Serviço de Inspeção Federal (SIG-SIF) já existia no Ministério da Agricultura. No entanto, além de não ser confiável, ele não tinha algumas funcionalidades. O novo SIG-SIF (versão 3.0) entrou em operação em janeiro de 2017 e o seu principal benefício é

a eliminação da maior parte da papelada para os processos de registro de produtos e de estabelecimentos que processam produtos de origem animal. Com a nova plataforma, o gestor da agroindústria poderá promover o registro, as atualizações e as modificações nos processos de registro e encaminhar solicitações e requerimentos ao Serviço de Inspeção de Produto de Origem Animal pela internet. O sistema é de fácil navegação e fará com que as agroindústrias economizem tempo com deslocamentos e gastos com burocracia e papelada.

Nova norma encurta período de permanência de produtos na zona alfandegaria por

15 dias

AE – Uma das medidas destacadas no Agro+ é a que envolve o sistema de credenciamento de estações quarentenárias, favorecendo a atuação no sistema de mais empresas. Quais os principais entraves do setor e por que as normas são necessárias? Empresas privadas já atuam no segmento? ERN – As estações quarentenárias são de altíssima importância estratégica. A medida [de atualizar o sistema de credenciamento] tomada pelo Mapa foi relacionada com as estações quarentenárias destinadas a vegetais e partes de vegetais em trânsito. Existem critérios científicos inegociáveis para estes ambientes, já que são espaços de controle de disseminação de pragas e de doenças de importância econômica, além de instrumento auxiliar da segurança fitossanitária nacional. Em locais com tantas restrições e procedimentos, são imperativas normas de funcionamento. O setor privado participava desse processo apenas em situações especiais. Com a nova norma, desde que obedeça a todos os procedimentos de credenciamento e estruturação, poderá participar de maneira mais efetiva do processo.

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AméricaEconomia – Em relação à revisão de procedimentos técnicos e administrativos nos portos, aeroportos e postos de fronteira, quais os principais entraves e burocracias nesses setores que foram alterados? Eumar Roberto Novacki – Através da Instrução Normativa (IN) nº 36/2006, o Ministério da Agricultura aprovou o Manual de Procedimentos Operacionais da Vigilância Agropecuária. Esse manual teve grande importância histórica para a atividade, principalmente por padronizar os procedimentos de vigilância agropecuária nos portos, aeroportos e postos de fronteira. Com o passar do tempo, percebemos que, apesar dos avanços trazidos, algumas exigências do manual complicavam muito os processos de importação e exportação de mercadorias. Nesse sentido, o ministro criou um grupo de trabalho para promover uma completa revisão e atualização dessas normas. Como exemplo das burocracias e entraves, podemos citar a reinspeção de produtos de origem animal produzidos por estabelecimentos que possuem Serviço de Inspeção Federal (inspeção permanente do Mapa). Assim, o contêiner que era lacrado pelo fiscal do Mapa no estabelecimento produtor, no porto era deslacrado por outra equipe de fiscais para coleta de nova amostra, o que retinha a partida na zona alfandegária por até 15 dias.

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Entrevista

“O Brasil, como grande exportador de produtos agropecuários, precisa ter normas claras, modernas e eficazes para assegurar as garantias sanitárias necessárias para seus parceiros ”

comerciais

AE – Foi proposto o estabelecimento, no âmbito da Secretaria de Defesa Agropecuária, de uma divisão de normatização. Isso é necessário? Quais os efeitos práticos dessa medida? ERN – A Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura é a principal instância produtora de normas dentro do Ministério. Com o advento da Organização Mundial do Comércio e a internalização pelos países membros do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS, na sigla em inglês), o grande balizador do mercado internacional de bens agrícolas passou a ser o atendimento ao SPS. O Brasil, como grande exportador de produtos agropecuários, precisa ter normas claras, modernas e eficazes para assegurar as garantias sanitárias necessárias para seus parceiros comerciais. A ideia de estruturar um ambiente que possa auxiliar a área técnica na elaboração dos atos normativos é uma reivindicação antiga tanto do setor privado como dos departamentos técnicos da própria Secretaria.

2 Setores específicos AE – A consulta pública sobre os requisitos e os procedimentos administrativos para o controle do envelhecimento de bebidas já foi realizada? Por que há a necessidade de criar regras mais modernas? ERN – A consulta pública é uma ferramenta formal que existe exatamente para ouvir toda a sociedade. Através da consulta pública, não só os produtores de bebidas envelhecidas são ouvidos, mas, também, instituições de pesquisa, universidades e os consumidores em geral. Enfim, todos podem opinar sobre qualquer ponto específico da proposta. Após o prazo estabelecido para consulta pública a equipe técnica do Mapa cataloga e analisa todas as sugestões apresentadas e, após um processo de 40 | AméricaEconomia

AE – A modernização do Sipeagro já foi realizada? Quais foram as melhorias? ERN – O Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro) é um sistema informatizado utilizado pelo Mapa para registrar estabelecimentos e produtos das áreas de bebidas, alimentação animal, medicamentos veterinários e recursos genealógicos. Apesar de o sistema já estar em funcionamento há mais de um ano, ele sempre teve muitos problemas, como, por exemplo, o reduzido número de casas decimais existentes nos campos destinados ao preenchimento dos ingredientes e aditivos utilizados na composição dos produtos, o que, em algumas situações, impossibilitava a correta descrição dos memoriais de composição de produtos. Determinamos uma readequação do sistema e mais de 600 melhorias foram feitas. Criamos também um canal de orientação e reclamação, para tirar dúvidas e apontar eventuais falhas do sistema.

sistematização, convoca todas as instituições que apresentaram sugestões para uma reunião de trabalho, ocasião em que o texto definitivo da norma é preparado para posterior publicação na forma de uma instrução normativa. Nesse caso, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) está cumprindo a etapa de análise e sistematização das propostas. Não se trata de implementar regras mais modernas, o que está ocorrendo é um maior detalhamento de regras já existentes. O envelhecimento de bebidas em madeira é um processo complexo que conjuga fatores como tipo de madeira empregada, volume do recipiente, temperatura e tempo de envelhecimento, e por esta razão há a necessidade de se estabelecer critérios – baseados em dados científicos – sobre o que pode ser definido como bebida envelhecida. Isso atenderá a um


pleito comum de todas as entidades representativas dos setores de bebidas envelhecidas.

Setor de bebida envelhecida passa por mudanças para

melhoria no processo

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AE – As normas relacionadas ao trânsito de animais dentro de área livre de peste suína clássica têm alguma relação com a questão da temperatura exigida (outro alvo do programa, mudar a exigência legal de congelamento da carne suína de -18ºC para -12ºC)? Quais outras mudanças serão realizadas? ERN – São questões absolutamente distintas. A Organização Mundial da Saúde Animal é a instituição internacional que reconhece se determinada região está ou não livre de uma enfermidade que ataque animais. Para se conseguir o status de “área livre”, a região deve passar por um processo longo e tem que atender a várias exigências. O trânsito de animais vivos, mesmo dentro de uma região considerada livre de doenças, tem que obedecer a vários protocolos. A

nova medida trouxe de maneira simplificada e de fácil entendimento aos produtores essas exigências, o que deve facilitar o trânsito de suínos dentro dessas áreas. Em relação à temperatura de congelamento, trata-se de uma exigência prevista na legislação brasileira para conservação da carne suína congelada. A norma então vigente no Brasil estabelecia que a temperatura adequada para a manutenção do congelamento das carnes suínas era igual ou inferior a -18°C. Com a evolução tecnológica e científica, porém, percebeu-se que esse limite era exagerado e a temperatura internacionalmente aceita passou a ser de -12°C. Nossos concorrentes tinham um custo agregado ao valor da carne suína congelada muito inferior ao dos produtores brasileiros. Ao tomar conhecimento dessa situação, o ministro Blairo Maggi determinou de imediato esse ajuste no nosso ordenamento jurídico.

Março | 41


Entrevista

“O programa

Pescador Legal

tem como principal objetivo a legalização da atividade pesqueira no país”

AE – A mudança do prazo de validade (de um para três anos) das autorizações de pesca para embarcações pode comprometer a fiscalização? ERN – Em absolutamente nada. O que se buscou com a medida foi prorrogar a validade de uma autorização, reduzindo trabalho, burocracia e custos aos profissionais envolvidos com a atividade pesqueira sem abrir mão dos mecanismos de controle já existentes. Com a medida, o proprietário de embarcações só precisará se dirigir à repartição para renovar essa licença após três anos da concessão inicial, prazo suficiente para se reavaliar as condições das embarcações e mesmo se a embarcação continua sendo utilizada para a pesca. AE – O que o programa Pescador Legal irá facilitar na atividade? ERN – O programa tem como principal objetivo a legalização da atividade pesqueira no país. Para a sua execução, a equipe técnica da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Mapa criou um minucioso plano de ação com várias etapas já

cumpridas e outras em andamento. O processo foi iniciado com a realização de uma análise e diagnóstico da situação do registro geral da atividade pesqueira, seguido pela construção de um modelo de recadastramento dos pescadores profissionais artesanais. AE – O programa também destaca a publicação de normas técnicas específicas para a produção integrada de vários produtos (entre eles trigo, arroz, inhame, feijão, dentre outros). Não existiam regras específicas para esse tipo de produção? ERN – Essas normas são absolutamente inéditas. Não se trata apenas de normas para a produção dessas culturas, são normas para produção integrada dentro do programa PI-Brasil, ou seja, são normas para uma produção de qualidade certificada, que deve garantir mercado e melhores preços para o produtor rural, já que os atributos desse tipo de produção garante diferencial competitivo aos produtos.

3 Fiscalização e aspectos fitossanitários AE – Como a nova norma pretende dar maior agilidade às solicitações de autorização de fabricação de partidas-piloto de medicamentos veterinários? ERN – A partida-piloto é uma parte representativa de um lote comercial que foi produzido sob as mesmas condições e que tem como finalidade permitir avaliar a reprodutibilidade do processo e o atendimento às especificações farmacotécnicas. O decreto nº 8.840, de 24 de agosto de 2016, trouxe, entre outras providências, a simplificação dos requisitos necessários para que as indústrias farmacêuticas possam produzir as partidas-piloto, visto que não há mais a necessidade de autorização prévia do Mapa, devendo apenas ser providenciada uma notificação à área técnica do Ministério 42 | AméricaEconomia

AE – Quais foram as principais alterações realizadas no campo das normas referentes à Permissão de Trânsito de Vegetais (PTV)? ERN – A PTV é um documento oficial que acompanha o trânsito de partidas de vegetais, partes de vegetais e produtos de origem vegetal e atesta que os mesmos foram produzidos em conformidade com as normas de defesa sanitária vegetal. Com a publicação da IN nº 28, de 24/08/2016, foram revistas as exigências de uso, emissão, controle, habilitação de responsável técnico, enfim, houve uma atualização geral sobre a utilização da PTV, bem como uma modernização da regra. AE – Dá para avaliar o impacto trazido com a mudança da norma que estabelece o


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Certificado Fitossanitário de Origem (CFO), documento que atesta a qualidade sanitária das plantas e dos produtos vegetais? ERN – O uso do CFO e do Certificado Fitossanitário de Origem Consolidado (CFOC) era disciplinado pela IN nº 55/2007. A função principal do CFO é atestar a condição fitossanitária de um lote ou partida de vegetal, parte de vegetal ou produto de origem vegetal em sua origem. Já o CFOC é o documento elaborado pela unidade centralizadora ou processadora de produtos vegetais que atesta a qualidade fitossanitária das cargas destinadas a outras Unidades da Federação ou países. A IN nº 33 de 24/08/2016 atualizou esses documentos, revendo todos os critérios relacionados à sua exigência, uso e controle, colocando o Brasil em sintonia com o que já é praticado nas regiões mais avançadas do mundo. AE – Quais pontos dos processos de registro de estabelecimentos e fabricação de produtos serão priorizados? ERN – Com o decreto n° 8.840, de 24 de agosto de 2016, foram promovidas alterações, modernizações e melhorias de vários pontos do decreto n° 5.053/2004, que regulamenta a fiscalização de produtos de uso veterinário e dos

estabelecimentos que os fabricam e comercializam, com 40 alterações no texto original. Como exemplo, cabe destacar a redefinição legal de “produto de uso veterinário”; as exigências relativas à apresentação de documentação no ato de concessão de registros de estabelecimento e os critérios para licença de funcionamento de estabelecimentos. AE – Já havia uma norma disciplinando a fabricação de produtos destinados à alimentação animal com medicamentos? O que a nova norma deve alterar? ERN – Na verdade, já havia a previsão legal da possibilidade de fabricação de produtos destinados à alimentação animal com medicamentos, por meio da IN nº 65 de 21/11/2006. O que aconteceu foi uma atualização desse ato com a IN nº 14 de 06 de julho de 2016. A nova norma estabeleceu critérios mais claros e modernos para a manipulação desses alimentos com medicamentos. Com ela, será possível produzir alimentos com medicamentos profiláticos, meta-profiláticos e de tratamento, como, por exemplo, medicamentos contra ectoparasitas. AE – O programa também colocou como prioridade a atualização das normas relativas à exportação de gado vivo. O que precisa ser alterado? Março | 43


Entrevista

ERN – O mercado mundial de gado vivo é extremamente promissor e o Brasil tem, ainda, uma participação muito modesta nessa modalidade de comércio. A ideia é tornar o Brasil apto a atuar como protagonista nesse mercado, simplificando e modernizando o arsenal normativo pátrio. Nesse sentido, o Departamento de Saúde Animal (DSA) fez

4 Mercado externo

produtos com qualidade nutricional diferenciada, obediência a padrões sanitário e fitossanitário, atenção às questões ambientais, enfim, a luta é muito dura no cenário internacional. As viagens do ministro já possibilitaram a abertura de importantes mercados na Ásia, a consolidação de alguns mercados já abertos e também a abertura do mercado norte-americano para a carne bovina desossada. O trabalho tem sido exaustivo, mas os resultados estão aparecendo. É importante mencionar que o trabalho do ministro seria em vão se os nossos produtos não fossem, realmente, competitivos. SHUTTERSTOCK

AE – Como o ministro tem participado do processo de abertura e consolidação de mercados internacionais para os produtos da agropecuária brasileira (outro ponto estabelecido pelo programa como prioridade)? ERN – O ministro Maggi tem viajado a vários países oferecendo produtos da agropecuária brasileira. O mercado internacional é muito competitivo e os países compradores exigem cada vez mais

uma grande oficina de trabalho em novembro do ano passado para discutir estratégias e modificações nas normas com vistas a melhorar a competividade brasileira. Em breve, após a validação e o aprofundamento das discussões com o setor, o Mapa deve promover os ajustes necessários nas normas relacionadas ao assunto.

“O mercado mundial de

gado vivo

é extremamente promissor e o Brasil tem, ainda, uma participação muito modesta nessa modalidade de comércio”

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Opinião | Especial Agronegócio

Pesquisa e inovação para um novo tempo

O

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Brasil é o único país no cinturão tropical do globo que foi capaz de conquistar a posição de potência agrícola. As tecnologias de manejo transformaram nossos solos pobres em terra fértil. A tropicalização dos cultivos, com ciclos diferenciados, nos permitiu aproveitar terras em todas as condições climáticas. Os manejos e as práticas sustentáveis que desenvolvemos constituem um arsenal de defesa ambiental. Com seu dinamismo empreendedor, os produtores souberam combinar esses conhecimentos e aproveitar as oportunidades de mercado. Eles conduziram a agricultura a patamares que tornaram as safras do Brasil essenciais para a segurança alimentar do país e do mundo. Este modelo inédito de agricultura baseada em ciência colocou o Brasil em destaque no mundo, como protagonista de uma verdadeira revolução

na produção de alimentos nos trópicos. Apesar dos avanços alcançados, a antecipação das demandas para alimentação e agricultura ao longo do século 21 indicam substanciais desafios para os sistemas de pesquisa e inovação brasileiros, com destaque para: a) o enfrentamento de novas pragas, patógenos e plantas invasoras; b) a busca do aumento da eficiência no uso do solo e da água; c) a necessidade de contínua redução de impactos negativos no meio ambiente; d) a crescente demanda por alimentos seguros e nutritivos, com funcionalidades que promovam a saúde e o bem-estar; e) o passivo social que ainda aflige o mundo rural brasileiro, em especial nas regiões mais pobres; f) a expectativa de produção crescente e sustentável de excedentes para exportação, essencial para a segurança alimentar e a paz no futuro.


Portanto, o Brasil precisará intensificar a sua produção agropecuária de forma sustentável, elevando a produtividade e a qualidade com tecnologias de baixo impacto ambiental, buscando reduzir riscos, poupar recursos, elevar renda e promover a inclusão produtiva dos agricultores mais pobres. O país precisará ainda fortalecer sua agenda de pesquisa agropecuária voltada para agregação de valor, diversificação e especialização da produção, para alcance de mercados mais sofisticados, competitivos e rentáveis no futuro. Esses desafios podem se tornar maiores frente a rupturas, como mudanças drásticas no comportamento da sociedade, aprofundamento das mudanças climáticas globais e avanço muito rápido no mundo da ciência e da tecnologia. Para responder a esses desafios, o Brasil lidera um grande esforço de geração e uso de tecnologias “poupa-recursos”, de baixa emissão de carbono, capaz de promover a sofisticação e a expansão sustentável da sua produção agropecuária. Expansão baseada mais em eficiência e ganhos na produtividade da terra, em sintonia com o novo Código Florestal Brasileiro. O Plano ABC – “Agricultura de Baixa Emissão de Carbono” é uma arrojada política pública que visa a ampliação da recuperação de pastagens degradadas, a integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o sistema de plantio direto (SPD), a fixação biológica de nitrogênio (FBN), florestas plantadas e o tratamento de dejetos animais. Os sistemas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) se destacam no âmbito da agricultura de baixa emissão de carbono do Brasil. A capacidade das pastagens de capturar e armazenar o carbono da atmosfera no solo, bem como as cadeias produtivas associadas (carne, leite, grãos e silvicultura), permitirão ao Brasil neutralizar gases de efeito estufa na produção de alimentos, gerando serviços ambientais, créditos de carbono e bem-estar animal, projetando a agricultura brasileira como uma das mais sustentáveis do planeta. Por isso, chama a atenção do mundo o potencial de intensificação sustentável da agricultura brasilei-

ra. Uma grande extensão de nossas áreas agrícolas pode ser utilizada de maneira segura 365 dias ao ano, produzindo, no mesmo espaço, grãos, proteína animal, fibras e bioenergia. E, diferentemente de qualquer grande produtor de alimentos no mundo, o Brasil mantém mais de 60% do seu território com cobertura vegetal natural. Esse protagonismo e as oportunidades de geração e disseminação de tecnologias capazes de promover a expansão sustentável da produção agropecuária dominarão a agenda da pesquisa agropecuária brasileira. Apesar dos avanços, não podemos esquecer que a agricultura está inserida em contextos cada vez mais dinâmicos e complexos, com crescente ampliação dos anseios da sociedade e dos mercados. O grande risco é que questões conjunturais e apenas preocupações do presente nos joguem na perplexidade, tolhendo a criatividade e a ousadia que precisaremos ter para a construção de uma trajetória de longo prazo para a nossa agricultura, com mais foco na inovação, na integração de esforços e na sustentabilidade. Infelizmente não é incomum, nas muitas discussões sobre a agricultura brasileira, predominar atenção apenas ao presente e ao passado, com pouca prioridade para discussão de trajetórias em direção ao futuro, que será certamente mais dinâmico e desafiador. A redução dos riscos e das incertezas nos muitos processos que movem o agronegócio brasileiro só será alcançada com planejamento sofisticado e tecnologias que nos permitam integrar e gerir sistemas cada vez mais complexos. Portanto, precisamos nos preparar para um futuro que nos exigirá cada vez mais criatividade e ousadia.

Chama a atenção do mundo o potencial de intensificação

sustentável da agricultura brasileira

Maurício Antônio Lopes Presidente da Embrapa

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Especial | Agronegócio

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Perguntas e respostas sobre a safra recorde de grãos Quantas toneladas de grãos o país vai produzir em 2017? • 221 milhões de toneladas de grãos é a previsão da safra no Brasil em 2017, ou seja, 20,3% a mais sobre 2016, quando o volume foi de 184 milhões de toneladas. É a maior safra da história? Por quê? • Sim. O setor começa a se recuperar de uma grande queda registrada em 2016, quando as condições climáticas atrapalharam e a área plantada diminuiu. Em 2017, deve acontecer o inverso. A área plantada deve crescer 4,9%. A safra recorde é positiva para a economia e para o produtor? • A safra cheia é boa para a economia, ou seja, a produção do agronegócio, contribui adicionalmente para manter a inflação baixa. Porém, esse

ESSE MESMO EXCESSO DE OFERTA QUE JOGA O PREÇO PARA BAIXO E SEGURA A INFLAÇÃO, SIGNIFICA QUE A RECEITA DO PRODUTOR NÃO SERÁ TÃO GRANDE

mesmo excesso de oferta que joga o preço para baixo e segura a inflação significa que a receita do produtor não será tão grande. Isso trará pressão na área de logística, o que também é um problema para o produtor em termos de margem. Não há uma resposta clara sobre isso, mas não está descartada a possibilidade de termos uma safra que é um clássico em economia, ou seja: a safra foi ótima, mas, para o agricultor não.

221 mi

de toneladas de grãos é a previsão da safra no Brasil em 2017

Quais são os grãos que puxam a produção? • Juntas, as produções de arroz, milho e soja, os três principais produtos da safra nacional, representam este ano 93,5% da estimativa da produção e 87,4% da área a ser colhida. Qual é o volume por região? • Em volume, a região Centro-Oeste deverá fechar a safra 2017 com uma produção estimada de 94 milhões de toneladas; o Sul com 79,9 milhões; o Sudeste, 21,6 milhões; o Nordeste, 18 milhões; e a região Norte, 7,8 milhões de toneladas. As respostas tiveram a colaboração de Felippe Serigati, professor doutor em economia pela Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP), professor e pesquisador do Centro de Agronegócio da FGV (GV Agro). Março | 49






HLB é a bola da vez 54 | AméricaEconomia

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Opinião | Especial Agronegócio


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história da cadeia produtiva da laranja mostra a recorrência de eventos que surgem como ameaças e, ao longo do tempo, são equacionadas e resolvidas com os conhecimentos gerados em instituições de pesquisa. Essa capacidade aflorou com a chegada, em períodos diferentes, de duas doenças classificadas como quarentenárias, o cancro cítrico e o HLB (greening), que mudaram as necessidades do setor. Há quase 40 anos, o reconhecimento de uma dessas pressões levou os citricultores a incorporarem a luta contra o cancro cítrico, apoiando o governo na política de erradicação da doença, o que culminou na criação do Fundecitrus. Essa decisão foi um marco positivo que mudou o sentido de tratar as doenças e pragas. Atualmente, foi preciso mudar a orientação técnica no combate ao cancro cítrico, o que levou o Fundecitrus a encampar a adoção da mitigação. Como consequência, foi alterada a instrução normativa federal e os Estados poderão se estruturar de acordo com a realidade da doença em seus territórios. Agora, a segunda doença se apresenta como um desafio científico, técnico, social e econômico. A ameaça do HLB é real, pois temos de enfrentar um agente infeccioso sistêmico que torna difícil o controle, levando à queda da produtividade e qualidade da fruta. Não bastasse essa característica, há a existência de um vetor, o psilídeo, com grande capacidade de infestação e crescimento em pomares sem controle químico. Os trabalhos do Fundecitrus permitiram o desenvolvimento de estratégias para a redução da velocidade de disseminação da doença. A ameaça, porém, se torna cada vez mais evidente, nos alertando para medidas mais amplas em busca da eficácia e para não corrermos o risco de simplificar o problema sem entender os componentes que dificultam seu controle e o seu impacto sobre a produtividade.

Algumas soluções que se mostram com potencial de resolver o problema de HLB demandam tempo e enfrentam a realidade de substituição das plantas nos pomares. Pesquisas trabalham na busca por resistência genética, repelência ao psilídeo, uso de feromônios que poderão contribuir com a evolução da citricultura. Para alcançar a solução mais eficaz é preciso entender os fatores que impedem o controle. É fundamental que seja estruturado um plano de caráter nacional com a adoção das técnicas já reconhecidas como eficientes, mas também incorporar na luta a compreensão de elementos que dificultam o combate. É preciso olhar o desafio com lentes mais abertas, considerando os componentes sociais, culturais e econômicos. A laranjeira ocupa espaço em todas as regiões, no campo e na cidade. Nesse conjunto temos mais de 6 mil hectares de pomares abandonados e outros tantos no caminho do abandono. Essa complexidade chama a atenção para a necessidade de um planejamento com a sociedade e os demais elos da cadeia em ações para o bem da citricultura. A situação dos pomares da Flórida serve de alerta para um enfoque mais abrangente no combate ao HLB. O desafio é grande, porém acreditamos que um novo caminho se abre para uma citricultura moderna e competitiva.

A ameaça do

HLB

é real, pois temos de enfrentar um agente infeccioso sistêmico que torna difícil o controle

Lourival Carmo Monaco Presidente do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus)

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Especial | Agronegócio

Faesp destaca gargalos Infraestrutura, carga tributária e inadequação nas leis tributárias são estruturais e impactam atividade produtiva

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Da Redação, de São Paulo

Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) apoia os governos estadual e federal, e o presidente do órgão, Fábio de Salles Meirelles, discursou durante o lançamento do Agro+ e do Agrofácil, em São Paulo. No entanto, ele elenca questões estruturais que impactam a atividade produtiva e que não podem ser esquecidas. São muitos temas que dispensam discussão e com baixa eficiência na resolução. Meirelles destaca, por exemplo, a deficiência de infraestrutura de transporte e armazenagem; a elevada carga

tributária (e os impostos em cascata); a inadequação da legislação trabalhista ao meio rural; a inapropriada estrutura de mercado que impede a comercialização por preço justo devido ao poder econômico das indústrias constituídas antes e depois da porteira; a injustiça e a insegurança jurídica na regulamentação do código florestal, na questão agrária e na demarcação de terras indígenas, dentre outros. Esses problemas impactam de forma variada as atividades produtivas e o dia-a-dia dos produtores,


graves problemas políticos, econômicos e sociais, mas o país tem vocação para ser um grande player internacional, atendendo à demanda global por alimentos”, diz. “Entre os principais problemas do agronegócio, vejo com preocupação a queda da arrecadação tributária no país. Ainda estamos em processo de recuperação, no qual o agronegócio é o alicerce. Debates sobre o setor são importantes para que se possa avançar em tecnologia e elevar cada vez mais a produtividade. As mudanças na política internacional tendem a ser positivas para o Brasil”, afirma. No primeiro semestre, projetava-se que, a partir da conclusão do processo de impeachment, a economia retomaria o crescimento, mas ele avalia que não. “A gravidade das sequelas foi mal avaliada e ainda não se pode afirmar que estamos em processo de recuperação. Os indicadores macroeconômicos, a continuada queda de arrecadação tributária e a projeção de déficit nas contas governamentais, agora agravadas pela realidade dos Estados e municípios, representam um grande desafio para a nossa economia”, afirma. A Faesp afirma que se mantém permanentemente atenta aos temas que podem impactar o desempenho da economia brasileira.

“Entre os principais problemas do agronegócio, vejo com preocupação a queda da arrecadação

tributária no país"

Fábio de Salles Meirelles, durante o lançamento do Agro+ e do Agrofácil, em São Paulo

MARCELO MOSCARDI

entrelaçando-se com as questões conjunturais e específicas de cada cadeia produtiva. “Se por um lado existem muitos obstáculos, por outro há a responsabilidade de abastecer a população brasileira e o desafio de contribuir para a redução da fome e da desnutrição no mundo, com sustentabilidade. A dinâmica de crescimento setorial, a renovação da sociedade e a constante evolução da agropecuária obrigam a refletir sobre o futuro, políticas públicas e instrumentos necessários para manter o agronegócio e a agropecuária nos trilhos do desenvolvimento sustentável”, diz o presidente da Faesp. Ele defende também uma política agrícola plurianual, com horizonte de quatro a cinco anos, programas setoriais permanentes, lastreados na elevação da produtividade, no ganho de eficiência, na segurança alimentar e na estabilização da renda no campo. Para a Federação, que reúne 238 sindicatos e 322 extensões de base, o que lhe garante presença na quase totalidade dos municípios paulistas, o agronegócio irá avançar ainda mais se seu protagonista, o produtor rural, seja ele pequeno, médio ou grande, abrigado em sindicatos rurais, cooperativas ou individualmente, for atendido em suas demandas. “Incentivado, o homem do campo gira toda a cadeia à sua volta. O Brasil continua enfrentando

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Opinião | Especial Agronegócio

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Crescer mais

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s produtores rurais brasileiros estão colhendo mais uma safra recorde de grãos, que deve superar 210 milhões de toneladas. Também teremos uma boa colheita de cana-deaçúcar e grande produção de carnes, bovina, de aves e de suínos. E não será ruim a safra nas culturas permanentes principais, café e laranja. São Pedro tem sido generoso até aqui. Como sempre acontece com altos volumes de produção, os preços caem, de modo que a renda do agropecuarista varia pouco: no ano passado tivemos preços ótimos de milho e soja porque o El Niño fez um estrago na produtividade destes grãos no norte do país. Em compensação, ficou caro produzir frangos e porcos. Já neste ano será barato aumentar a oferta destas carnes, muito demandadas nos mercados interno e externo. É sempre assim, os diferentes agentes econômicos, os elos das cadeias produtivas, não auferem renda equilibrada: quando está bom para um, fica ruim para o outro, e vice-versa. Mesmo assim, as safras aumentam ano após ano, empurradas por dois fatores centrais: uma tecnologia tropical sustentável admirada no mundo todo e mercados crescentes nos países emergentes, nos quais as populações e a renda per capita crescem mais que nos ricos. E nem se pode negar que algumas políticas públicas ao longo dos anos foram também favoráveis: aumentou o volume de recursos para o crédito rural, o Moderfrota fi-

HOJE, MAIS DA METADE DO VALOR DE NOSSAS EXPORTAÇÕES ESTÁ CENTRADA EM TRÊS PRODUTOS: SOJA, AÇÚCAR E CARNES. É FUNDAMENTAL DIVERSIFICAR ESSA PAUTA, COM EFETIVA PROMOÇÃO COMERCIAL

nanciou com vantagens a renovação do parque motomecanizado no campo, os novos papéis de comercialização negociados também em bolsa, as modernas legislações sobre transgênicos e orgânicos; enfim, tivemos empurrões esporádicos por parte do governo. Todavia, há alguns temas que precisam ser melhorados. Entre eles está a necessidade de uma infraestrutura logística que permita maior competitividade dos nossos produtores, depois que o produto sai das fazendas. Precisamos de um seguro rural digno do vigor de nosso agronegócio, que garanta renda estável, inclusive eliminando os desequilíbrios referidos acima. Precisamos de acordos bilaterais com grandes países consumidores com agregação de valor às matérias-primas. Hoje, mais da metade do valor de nossas exportações está centrada em três produtos: soja, açúcar e carnes. É fundamental diversificar essa pauta, com efetiva promoção comercial. E, sobretudo, manter a sustentabilidade da atividade, fator determinante da competitividade, com maciços investimentos em tecnologia. Podemos crescer muito mais, trazendo empregos, riqueza e renda para todos os brasileiros, além de fazer de nosso país o campeão mundial da segurança alimentar.

Os produtores rurais brasileiros estão colhendo mais uma safra recorde de grãos, que deve superar

210 mi de toneladas

Roberto Rodrigues Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas e Presidente do Lide Agronegócio

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Especial | Agronegócio

Crédito no campo

Banco do Brasil atua em várias frentes com propostas para oferecer crédito com agilidade. Volume de recursos é de R$ 101 bi para a safra 2016/2017

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Da Redação, de São Paulo

Banco do Brasil (BB), que tem o maior share do mercado de financiamentos para o setor de agronegócios, deve facilitar as linhas de crédito, como recomenda o atual governo. O presidente Michel Temer (PMDB) já explicitou publicamente a importância da abertura de créditos no setor para ajudar a alavancar a economia. O BB, que apesar de ter emprestado R$ 36,8 bilhões no segundo semestre do ano passado, perfazendo um número bem superior em relação ao primeiro semestre (cerca de R$ 10 bilhões), tem recursos em caixa, fala em agilidade e adota discurso linear ao de Temer. “Todas as ações do Banco do Brasil estão voltadas para agilizar os atendimentos, os processos internos e beneficiar o relacionamento com nossos clientes. Estamos em sintonia com as iniciativas que buscam aumentar a eficiência e tornar mais modernos e simples os processos para quem produz, como é o caso do Agro+, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”, afirma Tarcísio Hübner, vice-presidente de agronegócios do BB. O banco possui um projeto de inovação específico para o agronegócio, que visa a dar mais agilidade às operações de crédito rural e melhorar a experiência do cliente desde 2014. Em dezembro de 2016, a iniciativa foi rebatizada de “BB Agro Digital” – o nome anterior era “Projeto Plantar”.


Custeio Digital De acordo com o banco, agora o produtor pode usar o Custeio Digital, função disponível no aplicativo da instituição para encaminhamento de propostas de contratação de custeio. A tecnologia dispensa a apresentação de projeto técnico, da certidão de ônus reais e de documentos já de posse do banco por conta de operações anteriores. Após a análise, o cliente passa na agência e assina o instrumento de crédito. GeoMapa Rural Entre outras medidas, o BB criou uma ferramenta que envia coordenadas geodésicas da área a ser plantada. O produtor precisa baixar o aplicativo, que promete agilidade no atendimento. Também lançado em 2016, o extrato das operações rurais permite o acompanhamento do saldo e a consulta do cronograma do financiamento pelos canais digitais do Banco do Brasil. Novos maquinários Uma das preocupações do setor de agronegócios é a perda no poder de compra de novos maquinários. Uma das soluções que o banco aposta para alavancar o segmento é o Investe Agro. Disponível desde 20 de janeiro, a linha utiliza recursos da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e permite o financiamento de itens que as demais linhas de investimento não englobam. É possível adquirir máquinas novas ou usadas, de fabricação nacional ou importadas, inclusive as máquinas da “linha amarela” (retroescavadeira, pá carregadeira), veículos de carga, embarcações e aeronaves – além de iniciativas para correção de solo, reforma de pastagens, aquisição de animais para criação e reprodução e em culturas de longa duração, como lavoura de cana-de-açúcar e de café. A linha possui taxas entre 11,25% e 12,75% ao ano e o prazo máximo para pagamento é de 60 meses. A rapidez na liberação dos recursos é outra vantagem. “É uma linha de crédito que vem para atender as necessidades dos vários segmentos do agronegócio. Com formato e operacionalização simplificados,

poderemos abranger mais itens financiáveis e com agilidade de contração, o que garante melhor experiência aos nossos clientes”, afirma Marco Túlio Moraes da Costa, diretor de agronegócios do BB. Pré-custeio A aquisição de insumos para a safra 2017/2018 pode ser um problema, visto que nem todas as áreas da agropecuária estão de vento em popa. Mas aqueles interessados em contratar pré-custeio, podem fazê-lo. A linha tem R$ 12 bilhões, ou seja, quantia 20% superior ao que estava no mercado na safra 2016/2017. Para os médios produtores, as taxas são de 8,5% ao ano e o teto de financiamento é de R$ 1,5 milhão. Os demais produtores rurais acessam o crédito com encargos de 9,5% ao ano até o teto de R$ 3 milhões, descontados os valores de recursos controlados já contratados no semestre anterior. Para os produtores que já utilizaram o teto de recursos controlados, o banco dispõe de recursos com taxas entre 11,55% e 12,75% ao ano, sem limite de valor financiável. A antecipação dos financiamentos de custeio para as culturas da safra de verão 2017/2018, a exemplo de soja, milho, arroz e café, permite melhores condições aos produtores para o planejamento de suas compras junto aos fornecedores e contribui para o incremento das vendas de sementes, fertilizantes e defensivos, proporcionando maior rentabilidade aos empreendimentos e produzindo reflexos positivos em toda a cadeia produtiva.

O Investe Agro possui taxas entre 11,25% e 12,75% ao ano e o prazo máximo para pagamento é de

60 meses

O INVESTE AGRO UTILIZA RECURSOS DA LETRA DE CRÉDITO DO AGRONEGÓCIO (LCA) E PERMITE O FINANCIAMENTO DE ITENS QUE AS DEMAIS LINHAS DE INVESTIMENTO NÃO ENGLOBAM Março | 61


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Opinião | Especial Agronegócio

Engenharia Genética de Precisão: a próxima fronteira tecnológica da agricultura

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62 | AméricaEconomia

istoricamente, a base genética disponível para o melhoramento de plantas sempre foi limitada pela barreira entre as espécies. Isso quer dizer que não era possível introduzir uma característica de uma espécie em outra. Características novas, que não fossem expressas pelo conjunto dado de genes do organismo, só poderiam ser

desenvolvidas por meio de radiação ou mutação, com o inconveniente da imprevisibidade desse processo. Muitos alimentos que consumimos hoje são resultantes de melhoramentos genéticos usando esse método. A transgenia veio revolucionar esse cenário, abrindo caminho para o desenvolvimento de plantas que


possuem características novas obtidas por meio de processos mais precisos. No fim do século passado, um trabalho iniciado uma década antes foi publicado na revista Nature e celebrado por pesquisadores do mundo todo: o primeiro sequenciamento do genoma de uma planta – a Arabidopsis thaliana. Hoje, 17 anos depois, com a utilização da Nova Geração de Sequenciadores de DNA e poderosos programas de bioinformática e modelagem computacional, os cientistas podem comemorar o sequenciamento de genomas a cada semana. Toda essa informação genética gerada pelas tecnologias de sequenciamento de alto desempenho é agora a base para uma nova revolução que lança mão de novas estratégias de engenharia genética, visando a expandir as possibilidades do que é possível em termos de introdução de características em plantas. Até recentemente, as ferramentas de engenharia genética disponíveis permitiam unicamente alterações de blocos maiores de sequências de DNA, inseridos de forma aleatória no genoma da espécie-alvo. Avanços na área agora permitem a obtenção de novas variações a partir de modificações dirigidas a uma determinada região do genoma alvo, incluindo mutações específicas, inserções e substituições de genes e/ou blocos de genes. Essas técnicas são alternativas poderosas para o desenvolvimento de plantas com alto valor agronômico e/ou alto valor agregado para a indústria ou medicina. Existem vários exemplos do uso da engenharia genética de precisão em plantas-modelo, entretanto, aplicações em espécies cultivadas começaram a aparecer recentemente. Em Canola, pesquisadores utilizaram a técnica de Mutação Direcionada por Oligonucleotídeos (pequenos fragmentos de DNA; do inglês, oligonucleotide-directed mutagenesis) para gerar plantas resistentes a herbicidas. Na soja, a técnica dos “dedos de zinco” (Zinc Finger) foi usada para induzir com sucesso mutações em um gene específico da oleaginosa. Mutações direcionadas a uma determinada parte do genoma do arroz foram

mediadas pela estratégia TALEN (Transcription Activator-like Effector Nucleases), originando uma planta resistente a uma bactéria que causa grandes perdas aos rizicultores. Além dessas abordagens, outras têm sido utilizadas para melhorar diversas plantas, com o diferencial de poder criar um indivíduo que tem uma nova variação genética, mas que não possui um gene de uma outra espécie. Esses vegetais melhorados são idênticos aos que lhes deram origem, indicando que as mutações não resultaram em características adversas. A engenharia genética de precisão permite uma grande variedade de alterações específicas nos genomas vegetais e, exatamente por esse imenso potencial, as variedades obtidas por esses métodos poderão ser regulamentadas pelos órgãos governamentais competentes de forma diferente das plantas transgênicas tradicionais. Autoridades em todo o mundo estão analisando as tecnologias e se posicionando sobre como regulamentá-las. E dado que cada inovação terá suas especificidades, a abordagem proposta no Brasil, da análise caso a caso, pode ser considerada um modelo de análise de biossegurança. A engenharia genética de precisão está se consolidando como uma das áreas de maior interesse na pesquisa genética avançada e seu potencial na agricultura é enorme. Se o Brasil quiser manter sua competitividade e posição de destaque globais nesse setor, é necessário analisar a biossegurança, incentivar a pesquisa e estimular a adoção em uma velocidade igual ou maior do que a observada para as inovações agrícolas hoje em uso no campo. Um futuro promissor depende de decisões adequadas no presente.

A transgenia veio revolucionar esse cenário, abriu caminho para o desenvolvimento de

plantas

que possuem características novas obtidas por meio de processos mais precisos

Alexandre Nepomuceno Engenheiro agrônomo, pós-doutor em Biologia Molecular e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)

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Especial | Agronegócio

O agro é fácil em SP Cotidiano de produção no campo ganha série de modernizações para continuar batendo recordes

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Da Redação, de São Paulo

setor agropecuário paulista ganhou um novo auxílio com o objetivo de desfazer seus gargalos e ampliar a sua produtividade com a apresentação, em fevereiro, em São Paulo, do Programa de Modernização e Desburocratização da Agricultura (Agrofácil SP), do governo do Estado executado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento. O agronegócio é responsável por aproximadamente 17% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado e por 25% do total brasileiro e um dos grandes focos do governo de São Paulo é facilitar a vida dos produtores. “É uma prioridade para

o governador Geraldo Alckmin”, afirma o titular da pasta da Agricultura, Arnaldo Jardim. A apresentação foi feita em conjunto com o lançamento por parte do governo federal da etapa paulista do Plano Agro+ SP, que também propõe simplificar e desburocratizar o agronegócio em âmbito nacional. Estado e Ministério querem oferecer mais condições de trabalho ao setor mais estável da economia brasileira nos últimos anos. Em 2016, as exportações paulistas somaram mais de US$ 46 bilhões. O agronegócio paulista exportou


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US$17,92 bilhões, que corresponde a 38,8% do total das exportações paulistas e 21,1% do total das exportações do agronegócio brasileiro. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2015, última divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no país são 1,5 milhão de empregos formais, principalmente nos segmentos da cana-de-açúcar, cultivo de laranja e carne bovina. Só São Paulo empregou 21,8% desse total, com 329 mil vagas formais até 2015, com destaques para o setor sucroenergético, que gerou 70.110

empregos, e o de laranja, que é responsável por 14,3% dos empregos do setor no Estado. O Agrofácil SP reúne uma série de medidas de facilitação do cotidiano produtivo que já vinham sendo executadas pela pasta estadual – além de novidades como a simplificação da emissão de decretos, licenças ambientais e declarações de conformidade. A internet também se torna ferramenta importante ao permitir a emissão online da Permissão de Trânsito de Vegetais (PTV) e da Guia de Trânsito Animal (GTA), agora estendida também para pescados.

O agronegócio paulista exportou

US$17,92 bi

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JOÃO LUIZ

Especial | Agronegócio

Em 2015, foram 1,5 milhão de empregos formais no agronegócio brasileiro, principalmente nos segmentos da canade-açúcar, cultivo de laranja e carne bovina

66 | AméricaEconomia

A compra de sementes, mudas e matrizes tratadas passou a ter como novidade a opção de pagamento com cartão para facilitar o processo e a vida dos produtores, em especial os familiares. Também via web, a Secretaria de Agricultura passou a fornecer suporte eletrônico, assim fica mais fácil o acesso de agricultores familiares aos editais de compras públicas de alimentos – participando de iniciativas como o Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social (Ppais) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). De acordo com a Secretaria, o Agrofácil SP promoverá também a simplificação do aces-

so a linhas de crédito rural pelo Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (Feap), do governo paulista, e o fortalecimento da pecuária de leite no Estado. “O agronegócio brasileiro vive um bom momento. É o mais competitivo do mundo e tem ajudado a impulsionar outros setores como a indústria, com as fábricas de máquinas agrícolas e a prestação de serviços. Por isso, é preciso desburocratizar o segmento, reduzir o custo Brasil e poupar tempo para facilitar a vida do agricultor e fazer a agricultura crescer ainda mais”, afirmou Geraldo Alckmin.


Na área ambiental Além da parceria com o governo federal, um levantamento das câmaras setoriais da pasta estadual permitiu identificar outros pontos que demandavam simplificação dos processos, reunidos no Agrofácil. “Na área ambiental, ajustamos os procedimentos para que a própria Secretaria conceda a declaração de conformidade quando a atividade significar um baixo impacto ambiental”, lembrou Arnaldo Jardim. De acordo com o secretário, os avanços se estendem à aquicultura, por meio de uma parceria entre o Instituto de Pesca (IP) e a Fundação Florestal para normatizar os parques aquícolas. “Já na área de sanidade, o Agrofácil traz medidas para agilizar o controle de pragas e doenças e a emissão das guias de transporte para caprinos, ovinos e peixes. Todas as variedades de espécies estão contempladas, assim como o transporte de mudas e sementes será simplificado. Somente nos últimos dois anos, com o sistema de Gestão de Defesa Animal e Vegetal (Gedave), evitou-se a emissão em papel de 2 milhões de guias”, ressaltou o secretário, adiantando que o sistema eletrônico também permitirá o controle dos agroquímicos produzidos. O terceiro ponto em que se baseia o programa é a simplificação no acesso dos produtores às linhas de financiamentos e aos programas como o Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável – Microbacias II – Acesso ao Mercado, executado pela pasta por meio da Coordenadoria de Assistência Principais grupos das exportações paulistas: • Complexo sucroalcooleiro (11% de exportações de álcool) • Carnes (79,4% de carne bovina) • Sucos (98,1% de suco de laranja)

Agro de SP em números Principal produtor nacional de: Laranja - 74% Amendoim - 90% Cana-de-açúcar - 53,4% Ovos - 39% Borracha natural - 56,5%

Técnica Integral (Cati). O objetivo é oferecer normas mais simples, para otimizar a concessão de aval e a diminuição de prazos para análise de documentação. “Quando se tem essa postura de simplificar, facilitar alguns atalhos, mantendo toda a regularidade, mas com passos acontecendo mais rapidamente, isso só pode vir a facilitar. Esperamos até por parte do Microbacias II algumas ações do secretário nesse sentido de facilitar. A obtenção de certidões e atestados, documentos que são exigidos por lei, passa a ser simplificada. Esperamos que esse processo venha facilitar bastante o nosso trabalho”, avaliou João Brunelli, titular da Cati. Responsável por movimentar cerca de R$ 300 bilhões ao ano, o setor cooperativista paulista viu com bons olhos as iniciativas apresentadas pela Secretaria de Agricultura. Para Edivaldo Del Grande, presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), “com certeza esse é um benefício muito grande para o nosso país, essas ações são fundamentais. Nós somos extremamente competitivos, somos uma das melhores agriculturas do mundo. Nós precisamos melhorar as condições”. As iniciativas podem ser consultadas e acompanhadas pelo site da Secretaria de Agricultura: www. agricultura.sp.gov.br.

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O setor cooperativista paulista movimenta cerca de

R$ 300 bi ao ano

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Entrevista | Arnaldo Jardim, secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo

União de forças Da Redação, de São Paulo

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lançamento simultâneo do Agro+ e do Agrofácil coloca a gestão de Geraldo Alckmin ao lado do governo federal. O titular da pasta da Agricultura em São Paulo, Arnaldo Jardim, homologa o discurso do ministro Blairo Maggi de que é preciso destravar a burocracia para aumentar a produtividade da agricultura brasileira. Para tanto, aposta na união dos dois programas. Confira a entrevista.

JOÃO LUIZ

AméricaEconomia – O que falta para arredondar a agricultura paulista? Arnaldo Jardim – Os atuais desafios do setor agropecuário paulista são manter a diversidade da estrutura fundiária e de produção, aumentar a produtividade agrícola e a eficiência logística e diminuir o desperdício. O Estado de São Paulo é o centro tecnológico do agronegócio brasileiro, reunindo as principais indústrias de máquinas, equipamentos e insumos agrícolas. Há ainda os institutos de pesquisa, que têm desenvolvido importantes inovações. É preciso viabilizar ainda mais essa geração de conhecimentos para que o produtor, seja grande, médio, pequeno ou agricultor familiar, possa aumentar a produtividade no campo sem aumentar as áreas cultivadas. Por meio dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), criados em 2016 pelo governo estadual no âmbito dos institutos de pesquisa, o desenvolvimento de novas tecnologias poderá ser viabilizado a partir da parceria entre os setores público e privado. Também é necessário desburocratizar o setor, com normas e legislações simplificadas para possibilitar que as atividades agropecuárias sejam ampliadas e aperfeiçoadas.

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AE – Quais são os gargalos que podem ser resolvidos pelo Agro+? AJ – O Agro+, etapa paulista do programa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-


AE – Por que o Estado de São Paulo lança agora o programa Agrofácil? AJ – Para facilitar a vida do produtor rural e aumentar a produtividade, gerando mais renda no campo e valor aos produtos agropecuários. São medidas que já estão em andamento, formuladas com base em um diagnóstico feito pelos técnicos da Secretaria a pedido do governador Geraldo Alckmin desde o início de nossa gestão. Trata-se de um novo conceito de agropecuária no Estado, com procedimentos e normas que simplificam a rotina do produtor. Assim, a obtenção de guias de transporte animal e vegetal se torna mais ágil e fácil com o Sistema de Gestão de Defesa Animal e Vegetal (Gedave), que também está disponível para o transporte de pescados. O agricultor familiar que tem interesse em participar dos processos de compras públicas de alimentos nos municípios pode acessar um sistema eletrônico para esclarecer todas as dúvidas e reunir as informações necessárias para aderir ao processo.

Com o programa, o produtor tem mais comodidade para realizar a compra de sementes convencionais e orgânicas a preços até 80% menores pelo sistema informatizado do Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes (DSMM) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). Os pequenos produtores têm maior incentivo para ingressar na aquicultura com a simplificação do licenciamento ambiental e da obtenção da Declaração de Conformidade da Atividade Agropecuária (DCAA). As medidas também visam a impulsionar a pecuária de leite, o acesso ao crédito rural e a inovação tecnológica por meio da parceria entre os setores público e privado.

“É preciso viabilizar ainda mais essa geração de conhecimentos para que o produtor, seja grande, médio, pequeno ou agricultor familiar, possa aumentar a produtividade no campo sem aumentar as áreas

cultivadas ”

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mento (Mapa), será importante para modernizar a legislação e a normatização de processos referentes ao sistema produtivo em âmbito nacional como, por exemplo, a agilidade na obtenção do selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) dos produtos de origem animal e vegetal. O programa tem o potencial de ajudar demandas da administração estadual paulista junto às esferas federais, visto que muitas medidas para facilitar as rotinas do agronegócio paulista dependem de ações de competência federal, como as referentes à defesa agropecuária, licenciamento fitossanitário, zoneamento rural, delimitação de regiões geográficas, facilitação de desembaraços para exportação e registros de produtos. Em São Paulo, o Programa de Modernização e Desburocratização da Agricultura (Agrofácil SP), já em andamento, busca agilizar e simplificar os procedimentos estaduais de defesa sanitária, financiamentos, licenciamentos, emissões de declarações e guias rotineiras, bem como o acesso dos produtores à tecnologia.

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Entrevista

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AE – O governo tem incentivado a cultura da soja no Estado. Qual é a pretensão do governo com a produção? AJ – A sojicultura ocupa atualmente 848 mil hectares no Estado de São Paulo. Somando a essa área os 2 milhões de hectares de pastagens degradadas e áreas de reforma dos canaviais, estima-se que mais de 3 milhões de hectares da área paulista possam ser ocupados por culturas

como a soja ou o amendoim, que remuneram o produtor e melhoram as condições do solo quando associadas ao plantio direto na palha da cana-de-açúcar. A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) da SAA, que reúne os institutos de pesquisa, desenvolveu técnicas sustentáveis de manejo conservacionista na reforma da cana crua com soja, processo utilizado para aumentar a produtividade canavieira. A técnica permite reduzir em até 10 vezes a erosão do solo, em até 72% o consumo de diesel e em até oito vezes a emissão dos gases causadores do efeito estufa. As perspectivas para o setor são muito boas. Ainda que a produção paulista de soja em 2015 tenha representado apenas 3% da produção nacional, há uma expectativa de alta para a safra brasileira alicerçada nas exportações, no comportamento da produção de proteína animal e no mercado de óleos vegetais, bem como de produção de biodiesel. AE – Como tornar o agronegócio de SP mais competitivo fora do país, ampliando a exportação sem depender do fator cambial? AJ – A preocupação com a sanidade dos alimentos é um fator que pode abrir o mercado exportador para o Brasil. A incidência de influenza aviária em países das Américas, Europa, Ásia e, mais recentemente, no Chile, exige uma série de medidas para a biosseguridade necessárias ao fornecimento de proteína animal para o mundo. O Brasil encontra grande possibilidade de expansão comercial ao reforçar suas ações de vigilância sanitária, em atuação conjunta do poder público com a iniciativa privada. Neste sentido, temos buscado adotar medidas para a compartimentação da avicultura industrial junto às principais casas genéticas do mundo situadas em São Paulo, atingindo toda a cadeia produtiva, ou seja, a granja de reprodução, incubatórios, granjas de corte e de postura, abatedouros, fábricas de ração e de materiais para cama de aviários. Com esse projeto, o setor avícola paulista deverá se tornar mais

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efetivo na detecção e no combate a eventuais problemas sanitários. Na prática, mesmo no caso de surtos de determinadas enfermidades no Estado ou em uma região, a empresa compartimentada pode continuar a exportar. Da mesma forma, se houver algum problema em uma determinada instalação, apenas a empresa é interditada e não toda uma região ou Estado, preservando as exportações. Na cidade de Descalvado, mantemos o Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio Avícola (CAPTAA), que tem o Certificado de Acreditação (CGCRE) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), ou seja, está apto a emitir análises com o selo do Inmetro. Nesta mesma linha, o Estado de SP está certificado como área livre de peste suína clássica pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), assegurando também a procedência da carne suína. O reconhecimento é um indicador de qualidade da cadeia produtiva, possibilitando atender a mercados mais exigentes, como Japão e Rússia, que exigem esse reconhecimento. AE – A produção de laranja continua puxando a agricultura no Estado de São Paulo. Que tipos de incentivos o governo paulista acredita que são necessários para aumentar a produção? AJ – O Estado de São Paulo abriga o maior parque citrícola do mundo e é responsável por mais de 50% da produção mundial de suco de laranja, gerando uma receita de US$ 2 bilhões ao ano. O setor exporta aproximadamente 98% do suco que produz e responde por 80% de participação no mercado mundial em valores monetários. A citricultura paulista é muito importante para o agronegócio do Brasil e mundial. Números tão representativos demandam cuidados de mesmo porte para manter a qualidade dos frutos e a sanidade das plantas, pois elas sustentam cerca de 60 mil empregos diretos e estão presentes em quase metade dos municípios do Estado. A

“AINDA QUE A PRODUÇÃO PAULISTA DE SOJA EM 2015 TENHA REPRESENTADO APENAS 3% DA PRODUÇÃO NACIONAL, HÁ UMA EXPECTATIVA DE ALTA PARA A SAFRA BRASILEIRA ALICERÇADA NAS EXPORTAÇÕES, NO COMPORTAMENTO DA PRODUÇÃO DE PROTEÍNA ANIMAL E NO MERCADO DE ÓLEOS VEGETAIS, BEM COMO DE PRODUÇÃO DE BIODIESEL” busca pela sanidade é uma das principais ações para manter e ampliar a produção do parque citrícola paulista, com soluções para combater e evitar pragas e doenças que afetam a cultura, como o greening, a pinta preta, o amarelinho e o cancro cítrico. O apoio da Câmara Setorial de Citros, Comissão Técnica de Citricultura e entidades como o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) resultou na publicação de uma nova instrução normativa pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que permitirá que os produtores adotem o Sistema de Mitigação de Risco (SMR) para o controle do cancro cítrico. Trata-se de uma proteção formal das medidas fitossanitárias e o controle de disseminação de doenças será ampliado, habilitando as propriedades a comercializar suas frutas in natura para outros mercados que reconheçam nossas medidas fitossanitárias. AE – No ano passado, as exportações paulistas tiveram um crescimento de 12,8%, atingindo US$ 17,92 bilhões, enquanto as importações setoriais caíram 10%, somando US$ 4,52 bilhões. Com a oscilação cambial, não é provável que os produtores tenham prejuízos? AJ – Em primeiro lugar, a posição do câmbio frente ao real (valorização ou desvalorização) não guarda qualquer relação com a obtenção de

Governo acredita que programa de Mitigação de Risco vai ajudar a proteger as plantações

citrícolas em SP

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Entrevista

“Dizer de antemão que em

2017

a oscilação cambial trará prejuízos aos produtores é algo presunçoso”

lucro ou a realização de prejuízo na propriedade rural, pois os fatores determinantes nesse quesito circunscrevem-se em aspectos como eficiência da gestão do empreendimento, intensidade de adoção de tecnologia agronômica e planejamento da comercialização. A produção agropecuária é setor tomador de preços no mercado que, em geral, se formam em bolsas de valores. Existem mecanismos contratuais de proteção de preços (futuros, opções, mercado a termo) que já são de uso corrente entre os grandes produtores de grãos, café e boi gordo. Ademais, muitos já comercializaram parte da safra 2017/18 celebrando contratos na safra anterior. Ainda que se considere todos os aspectos listados, a volatilidade das cotações, associada às variações na paridade cambial, interfere no planejamento econômico das exportações. Entretanto, dizer de antemão que em 2017 a oscilação cambial trará prejuízos aos produtores é algo presunçoso. Se, porventura, o dólar se valorizar em virtude da política fiscal expansionista adotada pelo presidente Donald Trump, os preços das commodities em reais poderão se elevar, melhorando o faturamento dos produtores. Caso contrário, se o real ganhar valor frente ao dólar, melhorando as condições da economia brasileira com atração de investimentos estrangeiros diretos, os preços recebidos pelos agricultores tenderão a se ajustar em patamar inferior. Porém, seus custos também cairão, pois parte deles são precificados em dólares e, com maior poder de compra do real, isso se transmite à ponta da produção. AE – Quais são as áreas de maior oportunidade hoje, no agronegócio? AJ – Na Secretaria, buscamos apoiar o produtor, especialmente o pequeno e o agricultor familiar, que precisa de oportunidades para crescer e desenvolver o seu negócio com autonomia. As ações da pasta para 2017 visam a incentivar culturas como a pecuária de leite, fruticultura, oleri-

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cultura e piscicultura, que podem agregar renda e valorizar o setor. Na área tecnológica, a agricultura de precisão e a utilização do big data no agronegócio são ferramentas que proporcionam maior modernidade ao segmento, pois o aperfeiçoamento da operacionalização das máquinas e a combinação de informações referentes às técnicas de manejo e aplicação de insumos e defensivos agrícolas podem auxiliar o produtor a ter melhores resultados no campo. AE – Quais são os pontos essenciais da burocracia que travam o mercado? O senhor pode precisar o cronograma de trabalho? AJ – Um dos principais entraves para o setor produtivo, em especial aos pequenos e agricultores familiares, são os procedimentos para regularizar as atividades e registrar produtos, por exemplo, oriundos da agroindústria familiar. A simplificação de legislações e processos burocráticos é um dos focos dos programas Agro+ e Agrofácil, que propõem, entre as medidas, a revisão de normas e adoção de sistemas eletrônicos para tornar mais céleres os trâmites para as diversas cadeias produtivas. As medidas do Agrofácil já estão sendo implantadas ao longo dos últimos anos, pois uma das principais orientações do governador é o apoio ao pequeno produtor e ao agricultor familiar, fornecendo estrutura, acesso a tecnologia e redução de entraves burocráticos. Somam-se a isso os altos juros impostos ao produtor, a taxa cambial, a infraestrutura logística e a necessidade de elaboração de um plano plurianual de safra, que favorecerá o planejamento da atividade agropecuária por parte dos produtores. AE – Não parece existir uma cultura de fomento a novos agricultores no país, concorda? AJ – É preciso valorizar o profissional da agropecuária, que contribui para o fortalecimento do setor e para ampliar a competitividade, de forma econômica e ambientalmente


AE – Como o senhor avalia a agricultura no país considerando a importância das commodities para a nossa balança comercial e questões como o escoamento de produção, pesquisa e infraestrutura? AJ – De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura, as mudanças climáticas aumentam o desafio de alimentar uma população mundial que deve superar os 9 bilhões em 2050. Isso aumenta a responsabilidade de países como o Brasil, considerado o celeiro do mundo, de ampliar a sua produção de alimentos e produtos da agropecuária. Somos importante fornecedor de commodities para o mundo, porém com os avanços tecnológicos e mão de obra especializada, temos o potencial de fornecer produtos com maior valor agregado, resultando em crescimento econômico para o país.

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sustentável. Valorizar não apenas quem tem conhecimento, quem se especializa em universidades, mas também os responsáveis pelo trabalho braçal. É preciso incentivar o pequeno produtor, que é responsável por cerca de 80% da produção. O governo paulista tem atuado no sentido de promover condições para que o produtor se desenvolva. Uma das iniciativas de maior destaque nessa área é o Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável (Microbacias II), executado pelas secretarias de Agricultura e Abastecimento e de Meio Ambiente, que permite a subvenção de até 70% na compra de equipamentos, a formalização e a estruturação para acessar o mercado e o aumento de produtividade, renda e emprego no campo. As transformações são visíveis: o projeto tem tirado trabalhadores da informalidade, mantendo o jovem no campo com a perspectiva de gerir os negócios da família e ajudando a combater a prostituição e a criminalidade ao oferecer uma alternativa de emprego e renda à população rural.

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Especial | Agronegócio

Mitigar o cancro

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Da Redação, de São Paulo

território do Estado de São Paulo foi delimitado e oficializado como área sob Sistema de Mitigação de Risco (SMR) em relação à praga do cancro cítrico, de acordo com a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento. O objetivo é reduzir o potencial de inóculo visando à proteção de áreas ainda sem a ocorrência do cancro cítrico; permitir o trânsito de frutos cítricos oriundos de áreas de ocorrência da praga; e permitir a exportação de frutos cítricos vindos de áreas de ocorrência para países que reconheçam o SMR como medida fitossanitária. O sistema chega ao Estado por meio da resolução SAA-10, assinada pelo secretário de Agricultura e Abastecimento paulista, Arnaldo Jardim, instituindo os procedimentos fitossa-

nitários que passam a vigorar a partir de 4 de março de 2017. “Com a adoção desta estratégia, os produtores localizados em áreas afetadas poderão comercializar frutas in natura, tanto no mercado interno como no mercado internacional, desde que adotem as medidas previstas pela legislação, devidamente atestadas em um certificado fitossanitário de origem”, informou o engenheiro agrônomo da Secretaria Marcelo Jorge Chaim, que junto à Defesa Agropecuária responde pelo Grupo Técnico de Defesa Sanitária Vegetal. O secretário de Agricultura e Abastecimento destacou que houve a preocupação, ao adotar o SMR em São Paulo, sobre um amplo debate com o setor produtivo, para que abrangesse assuntos de importância geral. “É um setor muito relevan-


te para o agronegócio paulista e, por isso, o interesse era buscar soluções que promovessem seu desenvolvimento”, afirmou. Mário Sergio Tomazela, coordenador-adjunto da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA), lembra que, em novembro de 2016, foi realizado o seminário internacional sobre a mudança da legislação com a participação de técnicos agrícolas, citricultores, representantes das indústrias e do governo para conhecer as ações de combate ao cancro realizadas em países como Argentina, Paraguai e Uruguai e trocar experiências para enfrentar com eficiência a doença que ataca a citricultura paulista. Após esse encontro, foram realizados workshops regionais em Araraquara, Avaré e São José do Rio Preto. Os critérios e procedimentos a serem adotados para implantação e a manutenção do SMR para cancro cítrico ainda serão definidos em normas específicas. Nova estratégia Em setembro de 2016, o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a Instrução Normativa (IN) nº 37, que estabeleceu medidas para o controle do cancro cítrico em todo o Brasil, abrindo a possibilidade para Estados com a incidência da praga adotarem novas estratégias de controle que não fosse exclusivamente a erradicação da planta doente. A legislação do Mapa atendeu à reivindicação da Secretaria de Agricultura e Abastecimento

paulista, por meio da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, juntamente com a Comissão Técnica de Citricultura e a Câmara Setorial da pasta, resultando na instrução normativa. A conduta estabelecida pela Defesa Agropecuária até então era a eliminação da planta contaminada e pulverização com calda cúprica na concentração de 0,1% de cobre metálico, de todas as plantas de citros que estiverem em um raio perifocal de, no mínimo, 30 metros medidos a partir da planta eliminada contaminada – procedimento que deve ser repetido a cada brotação. O citricultor realizava, no mínimo, uma vistoria trimestral em todas as plantas de citros da propriedade, com o objetivo de identificar e eliminar aquelas que apresentem sintomas da doença. Estas inspeções eram informadas à pasta, por meio de relatórios semestrais, assim como já é feito para o greening (HLB). JOÃO LUIZ

Cancro Cítrico O primeiro registro de cancro cítrico em São Paulo ocorreu em 1957. A doença ataca todas as variedades e espécies de citros, provocando lesões em folhas, frutos e ramos, e quando em altas severidades pode provocar a queda de frutos e folhas com sintomas. As lesões podem ter variações nas suas características, podendo ser confundidas com outras doenças e pragas.

Dados do sistema Gedave, com base nas informações fornecidas pelos produtores, mostram que em 2016 foram erradicadas 50.871 plantas cítricas com sintomas de cancro cítrico.

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Especial | Agronegócio

O suco e o superávit paulista

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Da Redação, de São Paulo

o ano de 2016, o agronegócio no Estado de São Paulo registrou um superávit de US$ 13,4 bilhões, uma alta de 23,4% em relação ao resultado da balança comercial de 2015, quando houve um déficit de US$ 18,13 bilhões, de acordo com Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Os sucos tiveram um acréscimo de 0,87% nas exportações, foram o terceiro produto na pauta de exportação do agronegócio paulista no ano passado e geraram US$ 1,81 bilhão – dos quais 98,1% são referentes ao suco de laranja, – ficando atrás apenas dos produtos do complexo sucroalcooleiro (US$ 7,78 bilhões) e das carnes (US$ 2,01 bilhões), e à frente dos produtos florestais (US$ 1,52 bilhão) e do complexo soja (US$ 1,34 bilhão).

Esses cinco agregados representaram 81,4% das vendas externas do agronegócio paulista. Apesar da classificação de grupos se manter a mesma do ano anterior, eles passaram a ser 3,6% mais representativos no total do comércio externo brasileiro do que em 2015.


Em 2016, os sucos tiveram um acréscimo de 0,87% em relação ao ano anterior nas exportações, gerando

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US$ 1,81 bi

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negócio, uma vez que os demais setores, com exportações de US$ 100,31 bilhões e importações de US$ 123,92 bilhões, produziram no período um déficit de US$ 23,61 bilhões”, afirma o pesquisador da Secretaria, que atua no IEA, José Roberto Vicente. Dentre os produtos brasileiros, os que tiveram maior representatividade foram o complexo soja (US$ 25,42 bilhões); as carnes (US$ 14,21 bilhões); o complexo sucroalcooleiro (US$ 11,34 bilhões); os produtos florestais (US$ 10,24 bilhões); e o café (US$ 5,47 bilhões). Os sucos de frutas representam o oitavo grupo do agronegócio brasileiro nas exportações até setembro, com US$ 2,1 bilhões, o que demonstra um aumento de 2,67% em relação ao mesmo período do ano passado, mas ocupa uma fatia de 2,48% das exportações do agronegócio brasileiro.

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No ano passado, as exportações paulistas tiveram um crescimento de 12,8%, atingindo US$ 17,92 bilhões, enquanto as importações setoriais caíram 10%, somando US$ 4,52 bilhões. No cenário brasileiro, o agronegócio registrou um superávit de US$ 71,30 bilhões, com exportação de US$ 84,93 bilhões e importações de US$ 13,63 bilhões. O resultado foi 5,1% inferior ao do ano passado, quando o saldo da balança comercial foi de US$ 75,15 bilhões. “O comércio exterior brasileiro só não foi deficitário devido ao desempenho do agro-

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Especial | Agronegócio

Águas calmas

Atividade aquícola em território paulista ganha com sistema online de permissão de trânsito e declaração de conformidade

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Da Redação, de São Paulo

emissão de documentos e licenças para que os pequenos produtores possam exercer a aquicultura em território paulista foi facilitada com o lançamento da Guia de Trânsito Animal eletrônica (e-GTA) e a emissão da Declaração de Conformidade da Atividade Agropecuária (DCAA) para a atividade, simplificando o licenciamento ambiental. A iniciativa faz parte do Programa de Desburocratização e Modernização da Agricultura (Agrofácil SP). A partir de agora, a emissão da e-GTA para a movimentação dentro do Estado de animais aquáticos (peixes, crustáceos, moluscos, inverte-

brados e corais) pode ser feita por meio do sistema informatizado de Gestão de Defesa Animal e Vegetal (Gedave) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Assim, a guia é liberada online pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA), sem a necessidade de o produtor se dirigir a uma unidade oficial de defesa. Além da e-GTA, o criador poderá emitir a Declaração de Conformidade da Atividade Agropecuária (DCAA), no site da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), para a aquicultura, dispensando o licenciamento am-


sam apenas da obtenção da DCAA para instalar e operar seus empreendimentos no Estado”. Movimentação Dados do Gedave mostram que, no Estado, estão cadastradas 874 propriedades voltadas à produção de animais aquáticos. Em 2016, foram emitidas 6.525 GTAs, com a movimentação de 22,2 milhões de animais e 12,8 milhões de quilos para abate.

Em São Paulo, estão cadastradas

874

propriedades voltadas à produção de animais aquáticos

FOTOS: JOÃO LUIZ

DCAA Desde o dia 17 de fevereiro de 2017, os piscicultores, ranicultores e criadores de mariscos, ostras, algas, entre outros animais aquáticos, podem acessar, pelo site da Cati, o formulário para fazer a Declaração de Conformidade da Atividade Aquícola (DCAA). Ela já existia para várias atividades agropecuárias, como produção de milho e soja, e foi estendida a estabelecimentos que realizam atividade de piscicultura e pesque e pague.

biental para que pequenos produtores instalem e operem seus empreendimentos, como já ocorre em outras atividades. O decreto, nº 62.243, assinado pelo governador Geraldo Alckmin, ou o Decreto da Aquicultura, como é chamado, também estabeleceu critérios para o cultivo de espécies aquáticas alóctones e exóticas e híbridos, dividindo a permissão de cultivo por bacias hidrográficas e observando os sistemas de cultivo que devem ser seguidos com o objetivo de mitigar possíveis impactos ambientais. De acordo com Luiz Marques da Silva Ayroza, diretor do Instituto de Pesca (IP), trata-se de “um passo importante para a simplificação das atividades de aquicultura no Estado, pois, com as novas regras, os pequenos produtores preci-

e-GTA em números

• 874 propriedades estão cadastradas em SP • Em 2016, foram emitidas 6.525 GTAs • A movimentação foi de 22,2 milhões de animais e 12,8 milhões de quilos para abate

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Especial | Agronegócio

De olho O 80 | AméricaEconomia

Da Redação, de São Paulo

Estado de São Paulo aperfeiçoou o monitoramento dos defensivos agrícolas vendidos em seu território, segundo a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O controle é executado pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA), por meio do sistema eletrônico de Gestão de Defesa Animal e Vegetal (Gedave), que faz parte do Agrofácil SP. O objetivo é impedir o comércio e o uso de produtos ilegais, que podem causar danos ao meio ambiente e a quem os aplica. Desde o final de 2016, o sistema está no ar e deve melhorar a fiscalização, que até então era realizada nas propriedades (veja números no box). A tecnologia da informação é a aliada para acompanhar todo o fluxo de utilização destes

produtos – que são importantes para a produção agrícola, mas que, se utilizados de forma inadequada, podem trazer sérios problemas à saúde humana e ao meio ambiente. A medida é importante também porque contribui com a qualidade dos alimentos que chegam à mesa da população. Com o monitoramento, o produtor deverá cadastrar as culturas que desenvolve em sua propriedade. O lojista deve informar qual a quantidade e os tipos de defensivos adquiridos por seu estabelecimento. O não cumprimento impede a comercialização do produto, ou seja, quem não informar fica impedido de vender ou comprar. “Todo agroquímico que entrar no Estado de São Paulo para venda


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pelos meios legais vai estar registrado e será rastreado”, afirma o engenheiro agrônomo Rafael de Melo Pereira, responsável pelo Centro de Fiscalização de Insumos e Conservação do Solo da CDA. Segundo a Secretaria, são feitas fiscalizações em lojas e propriedades a fim de identificar o uso de produtos clandestinos, que chegam a ser até 60% mais baratos. Porém, a economia é apenas financeira, já que, por não serem aprovados pelo governo brasileiro, não oferecem segurança em seu uso – podendo prejudicar tanto o meio ambiente quanto o agricultor que o manipula. O Estado tem aproximadamente 2.000 produtos registrados para uso nas lavouras, com um pool de 193 empresas fabricantes e 1.650 canais de distribuição destes produtos com cadastro na CDA da Secretaria.

“Trata-se de um número expressivo, por isso a preocupação em monitorar a comercialização e utilização destes produtos, além do fato de ser uma das competências legais da Coordenadoria de Defesa Agropecuária. Desta forma, esperamos garantir à população alimentos melhores, maior oferta e um uso mais consciente destes produtos”, diz Fernando Gomes Buchala, coordenador da Defesa Agropecuária.

O Estado tem aproximadamente

2 mil

produtos registrados para uso nas lavouras

Em operação “O sistema Gedave inicia o monitoramento no momento que a indústria gera um saldo de um produto a um distribuidor”, explica Pereira. Algumas informações neste ponto são relevantes, como quantidade, tipo de embalagem, lote e data de validade. Elas acompanharão o produto até o retorno da embalagem vazia, no sistema de logística reversa. Estes procedimentos são imputados no programa de forma simples e intuitiva, não havendo necessidade de um conhecimento amplo de informática. O sistema prevê uma série de funcionalidades, além do monitoramento e do sistema de relatório das atividades, para fins de auditoria do processo. O principal benefício para o produtor é a confiabilidade de estar adquirindo um produto de qualidade em um distribuidor devidamente registrado junto à Defesa Agropecuária, com o controle da comercialização. O sistema vai desburocratizar muitos processos que hoje são demorados, como a devolução de restos de produtos, descarte de embalagens, entre outros. “Com

Fiscalização em números Em 2015, a CDA realizou 454 fiscalizações em propriedades, 911 em revendas de defensivos, 105 em empresas prestadoras de serviço de aplicação e 33 em postos ou centrais de recebimento de embalagens vazias e 150 autos de infração foram lavrados.

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Especial | Agronegócio

poucos cliques, o produtor realizará todo um Além disso, existe o receituário agronômiprocesso que hoje demoraria pelo menos 120 co, que será eletrônico, dentro do sistema. O dias, como é o caso da solicitação de recolhimen- produtor terá acesso a um leque de profissioto de produtos vencidos”, explicou Pereira. nais aptos a receitar um produto para sua cultura, de acordo com a sua necessidade. Isso se Como consultar traduz em segurança. O produtor terá vários tipos de consulta O acesso ao Gedave é feito pelo endereço: https: no sistema Gedave, como, por exemplo, se um //gedave.defesaagropecuaria.sp.gov.br/ agroquímico tem registro para uma determinada cultura, se o estabelecimento comercial ou empresa aplicadora está regular com o Estado. • O Estado tem aproximadamente 2.000 “Isso aumenta a confiabilidade e reverte em produtos registrados benefícios para o produtor, que pode garantir • Um pool de 193 empresas fabricantes em um eventual questionamento que ele pro• 1.650 canais de distribuição destes produz utilizando de forma correta estes tipos de dutos com cadastro na CDA produtos, adquire em local registrado e garante que seus produtos têm baixo risco de contamiFonte: Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado nação”, enfatizou Arnaldo Jardim. de São Paulo

JOÃO LUIZ

Governo muda sistema de fiscalização

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A Argentina é o principal

exportador

mundial desse fruto seco 84 | AméricaEconomia

m 2011, os executivos da empresa argentina Newsan coçavam a cabeça: no seu plano para evitar a fuga dos escassos dólares, o governo de Cristina Kirchner pediu (como a todas as outras companhias que importavam grandes quantidades de insumos) à empresa para “compensar” os dólares que saíam do país e passar a fazer suas compras com verbas oriundas de exportações. O problema é que a Newsan era uma empresa voltada para a montagem de equipamentos eletrônicos, criava diversos produtos em oito localidades. O que poderia exportar, assim, do nada? Como a necessidade é a mãe das invenções, seus executivos chegaram à conclusão de que

uma coisa era produzida na Argentina em abundância e o mundo inteiro comprava: alimentos. Foi criada, assim, a NewsanFood. O nicho que encontraram foi o da pesca: não havia então nenhum grande grupo econômico focado nessa área. Seis anos depois, com quatro navios próprios e outros seis alugados com exclusividade, a empresa vende a mais de 65 países e é a 22ª maior exportadora do país. Com a mudança no governo, já não há necessidade de “compensar” nada, a empresa segue em alta e, nesse início de 2017, tenta crescer longe do mar, na mediterrânea província de Córdova. Exportaram 1,5 mil toneladas de amendoim em 2015, cerca de 20 mil toneladas em 2016 e devem crescer ainda mais. A Argentina é o principal exportador mundial desse fruto seco, com cerca de 350 mil hectares de plantações, em sua maioria na região citada. Em anos ruins, como 2016, a produção se situa na faixa de 600 mil a 800 mil toneladas e, nos anos bons, fica próxima a 1,2 milhão de toneladas. Do total produzido, 80% é exportado e 95% possui algum valor agregado – em 2016, a soma total da produção chegou a US$ 800 milhões. As “três grandes” Olega, Aceitera General Deheza (AGD) e Prodeman dominam o mercado; outras quatro, que produzem de 30 mil a 50 mil toneladas anuais, estão na segunda divisão. Nesse grupo é onde a Newsan está começando a se posicionar, aproveitando as compras cada vez maiores da União Europeia, onde no primeiro semestre de 2016, a demanda total cresceu 41% em relação ao mesmo período do ano anterior. Mas nem tudo são rosas. Embora nos Estados Unidos (EUA) sejam cultivadas 45 variedades, a Argentina planta apenas uma, um fator que fragiliza a monocultura. No entanto, há planos para diversificar a produção com pelo menos três variedades próprias. O outro é o consumo interno que, embora esteja crescendo, é de apenas 200 gramas per capita (contra 4 kg nos EUA). AméricaEconomia Internacional


50% É

o percentual de brasileiros entrevistados que dizem que confiariam suas contas ou serviços financeiros nas mãos de Facebook, Amazon ou Google se essas empresas oferecessem produtos bancários. A pesquisa, realizada pela Accenture, colocou os brasileiros acima dos indonésios (47%) e italianos (42%), que aparecem na sequência entre os que mais confiam nas empresas da internet em aspectos financeiros. Em nível global, 31% das 32.715 pessoas consultadas se declararam confiantes no sentido de fazer a troca e 29% afirmaram que contratariam serviços de seguros com essas três empresas se elas os oferecessem.

Tanto a Amazon como o Facebook e o Google gozam do prestígio que garante a sua universalidade e do fato de não possuírem históricos de abusos e mudanças nas suas políticas de custos, como no caso do setor bancário. Serão bancos algum dia? Atualmente, Facebook e Google já permitem a movimentação de dinheiro entre seus usuários. Trata-se de um negócio global de cerca de US$ 500 bilhões por ano e explica por que o Facebook colocou David Marcus como o responsável pelo Facebook Messenger: ele é o ex-presidente do PayPal. Ainda assim esse cenário parece improvável, embora a venda de publicidade personalizada e big data permita que essas empresas pensem grande. De qualquer forma, se a Amazon ou o Google contratarem um ex-Deutsche Bank ou Goldman Sachs para chefiar uma unidade “menor”, vai ter chegado o momento de se preocupar. AméricaEconomia Internacional

Em nível global,

31%

das 32.715 pessoas consultadas se declararam confiantes no sentido de fazer a troca

Março | 85


123RF

Movimentos

Atentos a estar desatentos

A

Em escala global, o total de visualizações de vídeos cresce a uma taxa anual de

2%

86 | AméricaEconomia

capacidade de atenção, a menos que se trate de um seguidor ardoroso de Fidel Castro, nunca foi uma habilidade humana muito destacada, mas o século 21, com sua oferta interminável de espetáculos, cada um mais bizarro que o outro, criou gerações que poderíamos chamar de “apaixonados por reticências”. Por isso, se você quer que a publicidade de sua empresa, vídeo, projeto ou música tenha seguidores, faça-os curtos. Essa é a recomendação implícita do informe “Tendências Digitais 2017”, da comScore, uma pesquisa baseada nos hábitos de consumo dos usuários latino-americanos e nos últimos estudos regionais e globais, baseados na observação de 40 mercados digitais. “Os usuários com mais de 55 anos consomem

uma maior quantidade de minutos dos vídeos que os mais jovens, que veem mais vídeos, mas de menor duração”, aponta o relatório. Nesse caso, porém, menos pode ser mais, já que “em escala global, o total de visualizações de vídeos cresce a uma taxa anual de 2%”, mais pronunciada no caso dos smartphones. Em relação aos desktops, os usuários mais jovens consomem um percentual menor de minutos de publicidade em relação a usuários mais velhos. Mas essa não é a única tendência a se refletir. Embora vivamos em uma época de smartphones e tablets, o velho computador de escritório continua vivo: “as conexões feitas por desktop cresceram em nível global, sobretudo na América Latina, onde houve uma alta de 11% de usuários únicos de desktops em 2016”. Por outro lado, os “Estados Unidos tiveram uma alta de 1%, enquanto a média mundial é de um crescimento de 4%”. Ou seja, não há ganhadores, mas uma coexistência pacífica, se considerarmos as plataformas mais utilizadas: “as conexões multiplataforma manterão sua força na América Latina: por volta de 40% dos usuários da região se conectam por meio de um ou mais dispositivos”. Tudo indica que a tendência de crescimento deve se manter em 2017, sobretudo diante da influência dos millenials, porque “eles têm uma preferência pelos dispositivos móveis, às vezes de forma quase exclusiva”. Nesse aspecto, as métricas de países como Canadá ou Inglaterra demonstram que o tipo de aparelho escolhido tem relação direta com a idade do usuário. Enquanto os jovens entre 18 e 24 anos usam, sobretudo, aparelhos móveis, os que têm mais de 35 anos passam mais tempo no desktop. Mas não há motivos para animação. Os millenials, que permitiram a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos com sua passividade, qualquer dia desses vão despertar e se revoltar quando perceberem que a vida virtual não é tão cool quando um robô rouba seu trabalho e, quem sabe, até a sua esposa. AméricaEconomia Internacional



Moderador

FOTOS: DIVULGAÇÃO

O avanço da rede AccorHotels pela América Latina

AccorHotels afirma que está muito próxima de alcançar a meta de ter 500 hotéis na América do Sul até 2020. “A nossa expectativa para este ano é abrir cerca de 40 hotéis na América do Sul, o que permite manter o ritmo de crescimento da empresa”, disse Patrick Mendes, CEO da AccorHotels na América do Sul. A operação tem 289 hotéis atualmente na região, dos quais 252 estão no Brasil. Outros 173 encon-

Fome de frango e negócios 3G Capital, dos brasileiros Jorgeeee Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, bateu o martelo e comprou a rede Popeyes Lousiana Kitchen, de frango frito. A aquisição, por US$ 1,64 bilhão, foi feita pelo 3G junto com o fundo Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett. O 3G também é controlador do Burger King, rival da marca recém-adquirida Popeyes.

88 | AméricaEconomia

SHUTTERSTOCK

A

tram-se em pipeline, o que praticamente garante o cumprimento da meta de 2020, diz a companhia. Em 2016, a receita global da companhia registrou alta de 2,2% L/L comparada a 2015. A região das Américas cresceu 4,7%. Três países na região se destacaram em 2016: Colômbia, Chile e Peru. Na Colômbia, são sete hotéis em operação e outros dez em desenvolvimento. O Chile atualmente possui oito hotéis em operação e 14 em implantação, totalizando 22 unidades até 2020. No Peru, há cinco hotéis em operação e 11 em implantação, incluindo a chegada das marcas Ibis Styles, que tem arquitetura, decoração e estilo únicos, e o MGallery by Sofitel, marca Upscale da AccorHotels.


Oferecimento:

Pioneirismo na economia compartilhada A

inda embrionário no Brasil, o mercado de economia compartilhada ganha força e deve se expandir nos próximos anos. A marca Ducati é a primeira do ramo de motocicletas a entrar nesta nova modalidade de venda, através da Class1One. Empresa dedicada ao desenvolvimento do sistema fractional ownership, que visa ao compartilhamento de bens de lazer de luxo por vários proprietários e é voltada para marcas de valor agregado superior nos mercados premium de motocicletas, carros, helicópteros, aviões e barcos, além de imóveis no Brasil e no exterior. “A Class1One é a primeira companhia do mundo com uma proposta de oferecer um portfólio variado de ativos com serviços e gestão. Vamos operar nas principais cidades, em quatro continentes, prestando um atendimento exclusivo para

os clientes mais exigentes. Contamos com uma coleção de ativos personalizados a serem compartilhados entre poucas famílias ou empresas e que são cuidadosamente selecionados por serem referências no mercado de luxo. Países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido já exploram este mercado nos segmentos de barcos e helicópteros, mas em motocicletas o Brasil é pioneiro”, diz Jorge Muzy, presidente da Class1One. Para o presidente da Ducati no Brasil, Diego Borghi, este novo formato de comercialização é totalmente inédito no mundo das duas rodas no Brasil. “Tenho certeza que estamos inaugurando um nicho interessante de mercado. São pessoas que querem ter um modelo Ducati, mas têm pouco tempo para o lazer ou simplesmente não querem imobilizar uma alta parcela do seu capital de investimento”, explica.

O sistema fractional ownership permite compartilhar itens de

luxo

do mercado premium de lazer

Março | 89


Opinião | Economia

A meta de inflação vai ser reduzida?

D

esde 2005 a meta de inflação no Brasil é de 4,5%. Considerando que o mesmo patamar foi definido para 2018, serão 14 anos com a mesma meta. Destes 12 anos já ocorridos com a atual meta, cumprimos uma inflação próxima ao centro por apenas duas vezes, em 2007 (4,5%) e em 2009 (4,3%). Apenas uma vez a inflação ficou sensivelmente abaixo do centro (em 2006, com taxa de 3,1%). Nos demais nove anos, a inflação ficou mais alta, sobretudo nos últimos sete anos (2010 a 2016), sempre perto do teto de 6,5%, com exceção de 2015, quando o IPCA estourou o teto e atingiu 10,7%. Este ano voltamos a ter um quadro inflacionário bem-comportado, e pela terceira vez, desde que a meta é 4,5%, teremos uma taxa perto do centro da meta,

ou ligeiramente abaixo dela. Diante deste quadro, com a volta de uma diretoria ao Banco Central que se preocupa em deixar a inflação no centro da meta, começou um debate sobre uma possível redução da meta para 2019, para 4,25% ou 4%. Uma das razões desta discussão é que a meta de inflação no Brasil pode ser considerada alta. A maior parte dos países emergentes que utilizam o sistema de metas de inflação busca uma taxa de 3% ao ano. Os países desenvolvidos, em sua maioria, buscam uma taxa ainda mais baixa, de 2% ao ano. Assim, com a normalização da nossa economia, é natural que o Brasil possa caminhar para taxas mais baixas no longo prazo. Esta decisão para 2019 será tomada em junho pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Decidem pela meta três membros do governo, o presidente do Banco Central, o ministro da Fazenda e o ministro do Planejamento. Sabe-se, entretanto, que a opinião do presidente da república costuma ser determinante no voto dos três membros do CMN. Cabe

S

assim, aos ministros, tratar de convencer o presidente de qual é a melhor decisão. Temos hoje uma situação de que o Banco Central parece ser favorável à redução da meta. De fato, em termos técnicos, parece ser um bom momento. A inflação em junho estará perto ou abaixo

ca monetária mais restritiva (ou menos expansiva) em 2018, justamente um ano de eleições presidenciais. Assim, por mais que ao Banco Central faça sentido trazer o debate e as argumentações de racionalidade econômica para a redução sejam fortes, em termos po-

UMA DAS CONSEQUÊNCIAS VISÍVEIS DESTE BAIXO CUSTO COM A REDUÇÃO DA META SERÁ UM RÁPIDO AJUSTE DAS EXPECTATIVAS DE INFLAÇÃO FEITAS PELO MERCADO FINANCEIRO PARA O NOVO PATAMAR DESEJADO PELO GOVERNO, NUM CONTEXTO EM QUE TEMOS ALTA CREDIBILIDADE DO BANCO CENTRAL

de 4%, e uma redução num contexto de inflação baixa gera menores custos para a mudança. Uma das consequências visíveis deste baixo custo com a redução da meta será um rápido ajuste das expectativas de inflação feitas pelo mercado financeiro para o novo patamar desejado pelo governo, num contexto em que temos alta credibilidade do Banco Central. Mas isso não quer dizer que não existem custos para reduzir a meta. E estes custos significam ter uma políti-

líticos não parece fazer sentido reduzir a meta de inflação neste momento. E como temos outros dois votos, dos ministros da Fazenda e do Planejamento, que devem levar em consideração estes custos políticos, não parece provável a mudança de meta neste momento. A discussão é saudável e bem-vinda, mas antes de mudar a meta seria prudente esperar o cumprimento por um ou dois anos, dado que faz sete anos consecutivos que não cumprimos nossa meta de inflação.

Juan Jensen - Doutor em economia pela USP, sócio da 4E Consultoria e professor do Insper (jensen@4econsultoria.com.br) 90 | AméricaEconomia

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Tecnologia

DIVULGAÇÃO

O clássico voltou

A HDM Global, que tem os direitos de uso da marca Nokia, relançou o clássico Nokia 3310 – o famoso telefone celular “inquebrável” lançado pela primeira vez há 17 anos. Com um toque moderno e um novo design colorido, o aparelho conserva sua característica de alta durabilidade, com autonomia de bateria de 22 horas de conversação e até um mês no modo de espera. Com uma tela de 2,4 polegadas, curva e polarizada, o celular conta com uma câmera de 2 MP e flash LED, entrada para dois chips e conectividade 2G para chamadas e mensagens de texto – além do clássico game Snake, na versão com gráficos coloridos. O Nokia 3310 será vendido a um preço médio de € 49 (aproximadamente R$ 160), e ainda não há previsão de lançamento do produto no Brasil. AméricaEconomia Brasil

O relatório Mídias Sociais 360° - #MS360FAAP, elaborado pelo Núcleo de Inovação em Mídia Digital (NiMD) da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) em parceria com o Socialbakers, chegou à conclusão de que facilidade de uso, rapidez e comunicação direta por meio de imagens são os quesitos essenciais para que as marcas brasileiras fiquem em evidência das redes sociais – Facebook, Instagram, Twitter e YouTube. Destas mídias, o Instagram apresentou um crescimento acentuado no último trimestre, principalmente em relação ao mesmo período do ano anterior. Em 2015, a média de novos seguidores era de 78.541. Em 2016, o número foi para 88.590. As marcas contavam com uma média de 324.246 seguidores em 2015 e, em 2016, o número chegou a 733.510 em média – um crescimento superior a 120%. “Entendemos que a simplicidade do Instagram, a agilidade do seu uso e, especialmente, a comunicação feita primordialmente por imagens, em contraponto ao texto, estão fazendo com que esta plataforma ganhe cada vez mais relevância junto aos consumidores”, explica o professor Thiago Costa, coordenador da pós-graduação em Comunicação e Marketing Digital da Faap e um dos pesquisadores do projeto #MS360FAAP. AméricaEconomia Brasil

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SHUTTERSTOCK

Instagram em evidência


FOTOS: PAL-V

Oferecimento:

Um carro que voa Ou um helicóptero que anda no asfalto – fica a critério do cliente. O PAL-V Liberty dá start à era dos carros voadores para satisfazer os clientes mais exigentes. Com uma série de tecnologias patenteadas, as dimensões do veículo não ultrapassam as de um carro popular – característica ideal para circular no tráfego cotidiano da cidade, mas com um toque de superioridade na questão de mobilidade. O modelo é equipado com um Sistema de Conversão Semiautomático (Sacs) que leva apenas de três a cinco minutos para mudar do modo de voo para modo de condução e vice-versa. O mastro se dobra e se desdobra automaticamente. A configuração do cockpit também muda de modo independente. Ao decolar, o piloto simplesmente puxa a cauda e desdobra as

pás do rotor e a hélice. Durante a condução, a hélice é guardada no corpo para proteção e as lâminas são armazenadas no topo. Os primeiros modelos PAL-V Liberty no mercado serão limitados, na versão Pioneer Edition. Em todo o mundo, serão vendidos apenas 90 unidades no valor de € 499 mil (cerca de R$ 1,6 milhão). Após a entrega dos modelos Pioneer Edition, o PAL-V iniciará a entrega da versão PAL-V Liberty Sports. Os valores deste modelo chegam a € 299 mil (aproximadamente R$ 987 mil). AméricaEconomia Brasil

Março | 93


Negócios | Segurança cibernética

Empresas brasileiras dizem estar blindadas de ciberataques, mas não é bem assim Diferença entre a média global pode representar falta de percepção por parte das companhias 94 | AméricaEconomia


SHUTTERSTOCK

Por Beatriz Santos, de São Paulo

S

egundo o Relatório Global de Fraude e Risco, publicado pela consultoria de risco Kroll, os executivos brasileiros relataram uma incidência relativamente menor de ciberataques no último ano em comparação com a taxa mundial. No Brasil, 76% sinalizaram ao menos um evento, enquanto no mundo a avaliação sobe para 85%.

Isso significa que os brasileiros estão realmente se blindando dos ataques cibernéticos com tanta eficiência? Pode ser que não. Em conversa com a AméricaEconomia, Fernando Carbone, diretor sênior do escritório da consultoria no Brasil e especialista em Segurança Cibernética, afirma que, embora os números da pesquisa aparentem ser bastante positivos, uma análise verificou que a cifra pode significar a falta de percepção destes ataques por parte das empresas brasileiras. “Os números podem, na verdade, representar a falta de consciência situacional em detectar esses incidentes. A companhia pode fazer parte de uma estatística que mostra que existe uma janela de exposição de quase um ano em que não foi possível detectar os comprometimentos, as invasões, os ataques. Até porque as ameaças hoje são bastante avançadas, isso dificulta um pouco essa questão de detecção”, afirma o diretor. Outro fator que pode corroborar para que esta diferença entre a média global seja maior é a perda de credibilidade da empresa ao declarar que sofreu algum ataque cibernético. “Nos Estados Unidos e

No Brasil,

24%

dos respondentes afirmaram não terem detectado nenhum tipo de ataque nos últimos 12 meses

“OS NÚMEROS PODEM REPRESENTAR A FALTA DE CONSCIÊNCIA SITUACIONAL EM DETECTAR ESSES INCIDENTES. A COMPANHIA PODE FAZER PARTE DE UMA ESTATÍSTICA QUE MOSTRA QUE EXISTE UMA JANELA DE EXPOSIÇÃO DE QUASE UM ANO EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL DETECTAR OS COMPROMETIMENTOS. ATÉ PORQUE AS AMEAÇAS HOJE SÃO BASTANTE AVANÇADAS” Março | 95


Negócios

“Em relação a outros países, o que falta no

Brasil é uma maior maturidade em relação ao tema”

turidade em relação ao tema. “Os Estados Unidos têm uma visão muito mais difundida sobre cibersegurança dentro das organizações, entendem que o assunto já é um componente dentro da avaliação de risco corporativo. Isso ainda falta no Brasil, saber que segurança cibernética é um assunto importante e deve fazer parte da gestão de risco corporativo de uma organização”, finaliza o especialista.

Europa, por exemplo, existe uma lei que obriga as empresas que tiveram qualquer tipo de comprometimento a tornar essa informação pública. Aqui nós não temos essa lei, então é bastante natural que as companhias que detectaram algum tipo de comprometimento não divulguem por uma questão de impacto na reputação”, explica Carbone. Em relação a outros países, na opinião do diretor, o que falta por aqui é uma maior ma-

Ciber incidentes sofridos nos últimos 12 meses 41%

Ataques por vírus/worms

34%

Violação de dados resultando em perda de dados de clientes ou funcionários

29% 22%

Não houve fraudes nos últimos 12 meses

24% 16%

Eliminação ou perda de dados devido a problemas do sistema

21%

Perda de equipamento com dados sensíveis

18% 18%

Ataque de phishing baseado em e-mail

15%

Exclusão de dados por parte de um administrador malicioso

15%

26%

12%

Exclusão ou corrupção de dados por malware ou problema do sistema

9%

Violação de dados resultando em perda de IP / segredos comerciais / P & D

9%

Fraude de transferência bancária

9%

Ataque de negação de serviço (DoS)

9%

Global

16% 22% 19%

14% 13%

Roubo de dados de clientes ou funcionários

6%

Roubo de IP / segredos comerciais / P & D

6%

96 | AméricaEconomia

Brasil

18%

Alteração dos dados do cliente

Fonte: Relatório Global de Fraude e Risco 2016/17 | Kroll

24%

19%

17%


Opinião | Finanças

N

a economia brasileira, a cultura do investimento a curto prazo é nossa velha conhecida. Depois de um período de má gestão macroeconômica e de heterodoxia nos planos econômicos, o financiamento de longo prazo se consolidou nas mãos do setor público e de organismos multilaterais, em detrimento de fontes privadas de recursos. Quando, em 2011, a Lei nº 12.431 criou as chamadas debêntures de infraestrutura, o mercado brasileiro recebeu bem a novidade. Com centenas de bilhões de reais em necessidade de financiamento para o setor, esses instrumentos (obrigatoriamente de prazo mais longo) permitiriam a captação de poupança privada e desonerariam o balanço de instituições públicas como o BNDES.

Mas o resultado dessa iniciativa tem ficado muito aquém do esperado. Até o início de fevereiro, apenas R$ 19,3 bilhões haviam sido captados por meio dessas debêntures. Oferecer alíquota zero de imposto de renda sobre os rendimentos dos títulos para pessoas físicas e investidores estrangeiros não foi suficiente para fazer com que esse instrumento decolasse e a necessidade de financiamento a projetos de infraestrutura fosse equacionada. O governo federal precisa reposicionar esse instrumento para que vejamos um aumento do volume das operações. O foco do instrumento deve ser redirecionado para os investidores institucionais. Dois aspectos vêm à mente nessa discussão. O primeiro tem a ver com a adequação (suitability) desse instrumento aos objetivos de investimento de pessoas físicas. Um instrumento de prazo muito longo (entre cinco e 18 anos até o vencimento), com diversos riscos e com mercado secundário restrito não atende a requisitos básicos de suitability para investidores individuais. De qualquer maneira, não será do bolso de pessoas

físicas que virá o grande volume necessário para ampliar a infraestrutura do Brasil. Mas esse é um tema para uma próxima coluna. O segundo aspecto está relacionado à alíquota zero do imposto de renda – que, na prática, é um subsídio estendido às pessoas físicas. Na atual configuração, emissores conseguem obter financiamento a um custo mais baixo, e investidores individuais aceitam uma remuneração menor dada a ausência de imposto. Mas essa estrutura afasta outros investidores, principalmente os institucionais, alguns até já imunes ao imposto de renda e que não têm interesse pela baixa remuneração oferecida (artificialmente) por esses papéis. Uma reforma legal pode transformar esse mecanismo em um subsídio diretamente oferecido à empresa ou projeto emissor das debêntures de infraestrutura. Se assim for, o emissor continuará obtendo custo de financiamento similar, mas o papel passa a ter uma remuneração mais atraente para investidores com maior capacidade de investimento. Com quase R$ 800 bilhões em ativos, interesse

SHUTTERSTOCK

Reposicionando as debêntures de infraestrutura por ativos de longo prazo e apetite por papéis com valor nominal atualizado pelo IPCA, os fundos de pensão constituem o público-alvo mais óbvio. Fundos de crédito privado também participariam em maior volume e eles têm, em qualquer caso, mais capacidade de gerir o risco dos ativos, incluindo risco de construção, risco de crédito e risco de liquidez do que pessoas físicas. Essa reforma relativamente simples destravaria o produto, reposicionaria a fonte dos recursos e permitiria o aumento no volume das operações no mercado. A legislação e as debêntures de infraestrutura precisam ser reformadas para que esse instrumento cumpra efetivamente o papel para o qual foi criado. Sem isso, corre-se o risco de torná-lo apenas mais um instrumento subutilizado na já inchada lista de títulos de renda fixa do mercado brasileiro. As opiniões apresentadas nesta coluna não representam, necessariamente, a visão das entidades ao qual o autor está associado.

Mauro Miranda - Presidente da CFA Society Brazil Março | 97


Negócios | Academias

Um treino de esforço Com um faturamento de US$ 2,4 bilhões em 2016, o mercado brasileiro de fitness demonstra resistência aos reveses de um cenário econômico bastante desafiador

M 98 | AméricaEconomia

Por Felix Ventura, de São Paulo

ais de 31 mil academias espalhadas por todo o país. O mercado brasileiro de fitness exibe uma série de predicados que indica um crescimento gradual e consistente, capaz de sustentar o peso das adversidades econômicas que comprime os mais diversos setores da cadeia produtiva no Brasil. Na série histórica que considera os sete últimos

anos em totais de faturamento, o setor passou de US$ 1,2 bilhão em 2010 para US$ 2,4 bilhões em 2016, dobrando sua performance em captação de receitas no período, segundo a Associação Brasileira de Academias (Acad). No comparativo 2015/2016, os resultados de faturamento foram exatamente idênticos, mostrando que o treino de


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força para resistir ao cenário dos grandes desafios econômicos está sendo praticado com afinco. A região Sudeste concentra a maior parte do número de academias brasileiras com 51,86%, seguida pela região Nordeste (19,51%), Sul (16,80%), Centro-Oeste (8,03%) e Norte (3,80%). De acordo com dados da International Health, Racquet & Sportsclub Association (Ihrsa), o Brasil é o segundo colocado em número de academias no ranking mundial, atrás apenas dos Estados Unidos (EUA), quarto em volume de clientes e décimo em faturamento. “Ainda que o cenário político-econômico do país seja incerto, um número muito expressivo de academias tem se mantido neste concorrente mercado que é o fi-

Ano 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010

Faturamento (US$) 2,4 bilhões 2,4 bilhões 2,5 bilhões 2,4 bilhões 2,3 bilhões 2,0 bilhões 1,2 bilhões

Academias 31.809 mil 31 mil 30 mil 23 mil 22 mil 18 mil 15 mil

Clientes 8,0 milhões 7,9 milhões 7,6 milhões 7,2 milhões 6,7 milhões 5,4 milhões 4,7 milhões

tness brasileiro. A crise chegou às salas de musculação e centro aquáticos, bem como às empresas de todo porte neste setor, mas mesmo que alguns negócios tenham sofrido ajustes, as academias têm se mantido firmes no propósito de atender da melhor forma seus clientes. Ainda há espaço para crescimento, uma vez que menos de 5% dos brasileiros estão matriculados em uma academia. O importante é o crescimento da economia como um todo e no nosso ramo a resposta pode ser rápida”, explica Gustavo Borges, presidente da Acad. Março | 99

Fonte: ACAD

Mercado brasileiro de fitness


Negócios

treinamento funcional. Falar de rentabilidade em cada um destes modelos é difícil, o maior crescimento está no low cost e nos estúdios. Academias que ficam no meio do caminho entre este grupo e as high end sofrem mais”, comenta Borges.

Gustavo Borges, presidente da ACAD

100 | AméricaEconomia

Atualmente, o mercado de academias está segmentado em três modelos de negócios: academias tradicionais (com muitos equipamentos e vários tipos de aulas coletivas), academias de baixo custo (poucos professores, muitos equipamentos e sem aulas coletivas) e o mais recente que são as academias boutiques/estúdios (atuam com uma só modalidade). “Uma tendência internacional que já chegou por aqui, ainda não fortemente estabelecida, são os estúdios especializados. Na Europa e nos Estados Unidos são cada vez mais populares as academias pequenas com foco em apenas uma atividade, como os estúdios de bike e spinning, os de crossfit ou de

Fitness Brasil: educação e oportunidades Pontos de convergência entre a indústria de equipamentos e serviços e os proprietários, gestores de academias, clubes, estúdios e condomínios, eventos como o Fitness Brasil, considerado o maior congresso do mundo destinado aos profissionais de educação física com inúmeras palestras e cursos em diversas áreas, são propulsores fundamentais para fomentar oportunidades no setor. “O momento de transformações que o mundo passa nos mostra que temos de estar atentos a novos modelos de negócios, mesmo em atualizações em nossos próprios produtos. O foco das feiras é, sem dúvida, networking e negócios. Tivemos eventos que cresceram, como o Fitness Business Tour, e que decresceram, como a Fitness Brasil Internacional e a Ihrsa Fitness Brasil. No geral, o resultado de 2016 em relação a 2015 foi de uma queda por volta de 20% no volume de transações. Para 2017, estamos em um processo de renovação do modelo em alguns eventos, visando retomar a performance de 2015. Acreditamos que a partir do segundo semestre de 2017 estaremos em plena recuperação, tudo, é claro, dependendo da economia”, diz Waldyr Soares, presidente e fundador da Fitness Brasil. Mesmo apesar de uma leve contração no fluxo de negócios, para Soares, este segmento também sofre as consequências do atual momento econômico do Brasil de modo menos acentuado que em outros setores. “Na indústria nacional do fitness, o que se percebe é que as empresas estão descapitalizadas e com problemas para investir em novos projetos. Quanto às marcas globais, depois de nos úl-


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timos 5 anos viverem momentos de expansão e vendas com investimentos, agora estão aguardando a retomada do mercado, que vem acontecendo de maneira muito lenta. Na verdade, os mais estruturados e com capacidade financeira são os que vão aproveitar melhor o momento”, pontua Soares.

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

País Estados Unidos Reino Unido Alemanha Espanha Japão França Itália Canadá Austrália Brasil

Faturamento (US$) 24,2 bilhões 6,7 bilhões 6,2 bilhões 5,2 bilhões 5,1 bilhões 3,4 bilhões 2,8 bilhões 2,6 bilhões 2,5 bilhões 2,4 bilhões

Top 10 - Clientes

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Waldyr Soares, presidente e fundador da Fitness Brasil

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

País Estados Unidos Alemanha Reino Unido Brasil Canadá França Itália Espanha Japão China

nº de Clientes 55,3 milhões 9,4 milhões 8,8 milhões 8,0 milhões 6,6 milhões 5,2 milhões 5,1 milhões 4,9 milhões 4,2 milhões 3,8 milhões

Top 10 – Número de academias 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

País Estados Unidos Brasil Alemanha Argentina México Itália Coreia do Sul Reino Unido Canadá Japão

nº de Academias 36.180 mil 31.809 mil 8.332 mil 7.900 mil 7.826 mil 7.300 mil 6.839 mil 6.312 mil 6.156 mil 5.979 mil Março | 101

Fonte: ACAD/ The IHRSA Global Report 2016

Top 10 - Faturamento


Negócios

crescimento no Brasil com dados que apontam penetração de 4% no mercado brasileiro de academias, enquanto nos Estados Unidos essa taxa é de 14% e, em Nova York, é de 33% segundo a Ihrsa, ou seja, ainda há bastante espaço para crescer neste mercado”, avalia. SHUTTERSTOCK

Grupo Bio Ritmo: expansão na América Latina Com uma marca que ultrapassa 1 milhão de alunos e faturamento de R$ 1 bilhão, o Grupo Bio Ritmo, formado pela rede de academias Bio Ritmo e Smart Fit, consolidou-se atualmente como a maior empresa de fitness da América Latina em menos de 20 anos de atuação. Seu presidente e fundador Edgard Corona foi eleito o empreendedor do ano em dezembro de 2016 pela consultoria Ernst & Young (EY) e irá representar o Brasil no World Entrepreneur of the Year 2017, em Mônaco. O grupo foi apontado, em um relatório elaborado pela Ihrsa, como a companhia que mais cresceu no segmento em espectro mundial nos últimos dez anos. “O mercado de fitness apresenta forte potencial de

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Edgard Corona, presidente e fundador do Grupo Bio Ritmo

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Presentes nas cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA) em 30 endereços, as academias da rede Bio Ritmo trabalham o conceito de atendimento personalizado e desenvolvem programas exclusivos para seus clientes, enquanto a Smart Fit, com mais de 320 unidades distribuídas em diversos Estados brasileiros, inclusive em alguns países da América Latina, se enquadra na categoria low cost, sem abrir mão de modernos aparelhos e facilidades de integração que possibilitam aos alunos um ótimo aproveitamento no uso das unidades da rede. “Reconhecemos que o cenário econômico é bastante desafiador, mas, independentemente disso, a inovação faz parte do nosso DNA. A bandeira Smart Fit segue com forte expansão e a previsão é que, em 2017, sejam inauguradas 40 novas unidades no Brasil, 30 unidades franquias, 40 lojas no México, 15 na Colômbia, dez academias no Peru, além de cinco no Chile e três na República Dominicana”, conta Corona. Competition: aposta no alto padrão Criada em meados da década de 1980, com sua primeira unidade inaugurada no bairro de Higienópolis, na cidade de São Paulo, a Competition possui hoje três unidades espalhadas pela capital e aposta em uma variada oferta de atividades com excelência e personalização no atendimento de alto padrão, reunindo em seu portfólio mais de 100 modalidades, sendo 16 delas olímpicas. A rede de academias ainda possui diferenciais como atividades relacionadas ao circo, ciclismo indoor com realidade virtual e quadra para a prática de badminton. “Um dos indicativos sobre o potencial de crescimento do setor é o aumento do interesse por qualidade de vida no Brasil, principalmente porque a atividade física, que antes era ligada somente ao fator estético, agora está vinculada à saúde e ao bem-estar”, afirma Flávia Brunoro, diretora operacional da Competition.

Para Brunoro, as grandes mudanças em termos de modelo de negócio estão nas academias de baixo custo e de nicho (bike, funcional, crossfit, entre outras). “Vejo também que as academias de grande porte (full-service) estão incrementando cada vez mais o atendimento ao cliente – acompanhamento e foco nos resultados – com grande investimento na equipe de colaboradores que, por fim, tem o objetivo de oferecer um serviço personalizado para aumentar a retenção. É preciso atentar de alguma forma para os fatores que representam problemas à expansão dos negócios do setor, principalmente com um cenário político e econômico que restringe os investimentos em saúde, em especial do público adulto, uma grande concorrência em número de academias que travam uma verdadeira guerra de preços e também com os custos de pessoal”, completa.

“A atividade física, que antes era ligada somente ao fator estético, agora está vinculada à saúde e ao

bem-estar ”

Flavia Brunoro, diretora operacional da Competition Março | 103


Negócios

DIVULGAÇÃO

SoulBox: aroma de exclusividade Um projeto arquitetônico exclusivo em 500 metros quadrados de um espaço milimetricamente planejado. Estúdios especializados em modalidades específicas, como o SoulBox, chegam com uma proposta inovadora e fazem parte de uma tendência crescente no Brasil. Com recursos luminotécnicos inéditos e aulas que mesclam artes marciais com treinamento funcional, a alta tecnologia envolvida em todos os processos do empreendimento é atributo essencial para o seu negócio. “O segmento fitness é bem peculiar e sazonal, enquanto as academias lotam nas estações quentes, no inverno, mesmo com o clima ameno, a frequência cai, em alguns casos, mais do que 50%. Inauguramos oficialmente no início de janeiro deste ano, mas iniciamos a pré-venda das aulas em dezembro, alcançando a marca de mais de 4.000 aulas

Renata Vichi, sócia da SoulBox 104 | AméricaEconomia

“A VENDA DE PACOTES COM NÚMERO DEFINIDO DE AULAS JÁ CONSISTE EM UM GRANDE DIFERENCIAL QUANTO À ADESÃO DOS TRADICIONAIS PLANOS MENSAIS, SEMESTRAIS E ANUAIS OFERECIDOS POR GRANDE PARTE DAS ACADEMIAS”, AFIRMA RENATA VICHI vendidas. Embora não tenhamos, de fato, um número de faturamento em 2016, ter iniciado as vendas da SoulBox em um período de festas e conseguir vender todas as aulas, para alunos que nem conheciam a nossa estrutura porque não tínhamos aberto o espaço ao público, superou todas as nossas expectativas. Para 2017, nossa estimativa é fechar o ano com R$ 3 milhões de faturamento”, diz Renata Vichi, sócia da SoulBox. A venda de pacotes com número definido de aulas já consiste em um grande diferencial quanto à adesão dos tradicionais planos mensais, semestrais e anuais oferecidos por grande parte das academias. A mensuração dos resultados obtidos pelos alunos é feita através de um bracelete eletrônico que monitora os movimentos, potência dos golpes e também o gasto calórico, enviando os registros para uma central de dados. “As pessoas estão cada dia mais seletivas com seus fornecedores e isso é muito bom, dá espaço competitivo no mercado para quem quer primar pela excelência no atendimento e na exclusividade de oferta, o que permite também praticar valores diferenciados. Fomos muito conservadores nas nossas expectativas, mas tínhamos convicção de que o empreendimento seria certeiro. Nos munimos de pesquisas profundas, tanto sobre o setor quanto sobre o nosso target de consumidor, nos atentamos aos detalhes e realmente nos empenhamos para oferecermos um serviço exclusivo”, observa Vichi.



Negócios | Serviços

Muito a expandir

O mercado brasileiro de outsourcing ou, para muitos, da terceirização, ainda tem muito a realizar. Uma de suas vertentes, o Business Process Outsorcing, faturou R$ 5 bilhões em 2016

106 | AméricaEconomia


STOCK SHUTTER

Por Felix Ventura, de São Paulo

S

ão dois grandes indicadores da atividade econômica de um país: a contingência de empregados ativos e as notas fiscais emitidas. E a estes fatores também estão relacionadas as principais métricas de volumetria no outsourcing dos processos de negócios. Em muitos meios, o termo outsourcing representa a tradução fiel daquilo que conhecemos por terceirização, sendo costumeiramente empregado na rotina das negociações, mas algumas diferenças conceituais também costumam se aplicar sobre o assunto.

No Brasil, a definição de outsourcing muitas vezes está relacionada às áreas estratégicas de negócios, principalmente tecnologia da informação, recursos humanos e contabilidade, enquanto que a terceirização pode estar mais ligada ao expediente dos serviços gerais como portaria, segurança e limpeza, atividades que se distanciam do core business das empresas. Existe, porém, um ponto de convergência acerca de tais considerações: o essencial não está apenas centralizado na redução de custos, embora o quesito seja bastante relevante, mas, sim, na excelência e transparência que se transferem à empresa contratante que busca por soluções em serviços com amplo suporte em inovações tecnológicas e alto padrão de automação aplicado. De acordo com a Associação Brasileira de Provedores de Serviços de Apoio Administrativo (Abrapsa), em 2016, a soma das receitas do mercado de Business Process Outsourcing (BPO) no Brasil foi da ordem de R$ 5 bilhões, sendo que o market share de seus associados, que representa 10% deste total, registrou a marca de R$ 500 milhões, margem 20% inferior que a auferida em 2015. “O BPO de processos de negócios se caracteriza e se diferencia das demais vertentes do outsourcing pela responsabilidade civil e pela garantia na entrega dos níveis de serviço acordados em contrato específico para a prestação de serviços de execução operacional. Desta forma, o BPO não é outsourcing de software e aplicativos, de infraestrutura computacional e de comunicação, ou ainda de mão de obra, mesmo que especializada, como, por exemplo, call centers. Ele proporciona alto desempenho aos processos de negócios dos clientes por meio das boas práticas de gerenciamento da execução operacional, tecnologia aplicada e de um modelo de governança”, explica Luiz Henrique de Oliveira, presidente da Abrapsa. Em mercados globalizados, o outsourcing desempenha papel fundamental ao considerar inúmeros casos de sucesso ao redor do mundo como, por exemplo, Estados Unidos (EUA) e

Receita do mercado de outsourcing chega a

R$ 5 bi em 2016

Março | 107


Negócios

O grupo italiano AlmavivA investiu no Brasil cerca de

R$ 250 mi nos últimos quatro anos

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Europa, localidades onde se registra níveis elevados de adesão às práticas da terceirização. O grupo italiano AlmavivA, terceiro entre os maiores players em centrais de atendimento a clientes do Brasil e que também atua em mais oito países, é especializado em customer relationship management (CRM) e investiu cerca de R$ 250 milhões no país nos últimos quatro anos. “É possível que no cenário brasileiro a ausência de um marco legal de terceirização acabe por diminuir o apetite de empresas por esse modelo de gestão. Vejo que a terceirização deve ser considerada por questões de especialidade, não apenas por custo. Nada mais natural, portanto, que terceirizar a atividade com especialistas no assunto, que têm investimentos frequentes na renovação de seus parques tecnológicos, que desenvolvem processos com mais autoridade, que têm flexibilidade para aumentar e diminuir operações de atendimento dependendo da demanda. Além disso, é de fundamental importância que as pessoas entendam que a precarização do trabalho frequentemente evocada nestas questões não é responsabilidade da terceirização e sim de empresários que agem de má-fé, em qualquer setor e de qualquer atividade, terceirizada ou não. No mundo da formalidade e da legalidade, isso jamais deveria existir”, comenta Luis Alcubierre, diretor de comunicação e marketing da AlmavivA do Brasil. Com operações na América Latina e Estados Unidos, o Grupo Assa é uma companhia de Digital Business Transformation (dBT) e, em 2016, ficou novamente entre as melhores consultorias de outsourcing do mundo no ranking “The Global Outsourcing 100®” promovido pela International Association of Outsourcing Professionals (Iaop) que tem o objetivo de orientar as empresas em suas decisões de terceirização. “A inclusão no ranking é muito importante, pois nos posiciona na liderança em Application Management Services que é um dos serviços pilares de nossa oferta. Em termos de

Brasil, houve uma queda de cerca de 10% na representatividade do país em relação ao Grupo Assa global devido à redução nas receitas advindas de empresas locais. Por outro lado, esta queda foi bastante contrabalanceada pelo aumento da representatividade de nossos clientes mundiais, que saltaram de 35% do faturamento total do grupo para 49%, mostrando um aumento no número de clientes multinacionais com operações no Brasil. Nossa aposta é que os outsourcings de TI tenham um crescimento de pelos menos dois dígitos, por um motivo simples: em um cenário economicamente desafiador, as empresas vão seguir buscando reduções de custo com foco naquilo que realmente agrega valor ao seu negócio principal, e o outsourcing se encaixa perfeitamente nesta estratégia”, avalia Fernando Gamboa, diretor sênior do Grupo Assa. O administrador e consultor do Grupo Bridge, Felipe Urbano, conta que em suas idas aos Estados Unidos para o aperfeiçoamento em modelos de gestão, uma referência muito presente é a disseminação do conceito de trabalho em rede, onde se procura soluções conjuntas em prol de um único objetivo, reduzindo as distâncias entre fornecedores e parceiros que fazem parte desta mesma rede. “Penso que as empresas nos EUA e na Europa, onde a prática da terceirização se dá em índices muito mais altos que no Brasil, descobriram isto mais rápido por uma série de pressões”. Para ele, “empresas que pensam e têm escala global são lançadas a outros tipos de desafios”. O especialista cita que é uma história bem conhecida o fato de a maior empresa de frotas do mundo não ter sequer um carro. Esta é a perfeita consciência de que não se pode funcionar sozinho”. O Uber conta com uma cadeia de fornecedores terceirizados para tocar o seu negócio e, neste mundo de organizações exponenciais, isso parece ser um caminho sem volta em termos de tendência. De certa forma, isso ainda é algo a se resolver no Brasil por questões de limitação na legislação, porém, mesmo as empresas que compõem este cenário que


“EM UM CENÁRIO ECONOMICAMENTE DESAFIADOR, AS EMPRESAS VÃO SEGUIR BUSCANDO REDUÇÕES DE CUSTO E FOCO NAQUILO QUE REALMENTE AGREGA VALOR AO SEU NEGÓCIO PRINCIPAL, E O OUTSOURCING SE ENCAIXA PERFEITAMENTE NESTA ESTRATÉGIA”, DIZ FERNANDO GAMBOA, DO GRUPO ASSA

SHUTTERSTOCK

parece árido estão colhendo os frutos de uma boa relação com os serviços de terceirização e outsourcing, porque entendem que quanto mais propagam a sua identidade e cultura para outros lugares, elas estão ganhando mais parceiros de negócios”, observa Felipe Urbano. A MRA Automotive, empresa especializada em desenvolvimento e gestão de negócios automotivos, tem como escopo terceirizar atividades comerciais da indústria de autopeças, tanto no segmento de reposição quanto no de Original Equipment Manufacturer (OEM) e atua na área de customer service dos clientes, fazendo planejamento e gestão de produtos, além de marketing e trade marketing. Apesar de estrear no mercado em junho de 2016, teve um faturamento médio no último trimestre do mesmo ano de R$ 3,2 milhões e conserva uma expectativa de crescimento para 2017 da ordem de R$ 5,5 milhões,

representando um incremento aproximado de 72%. “A maior demanda que tivemos inicialmente foi pelo mercado brasileiro. A partir do início de 2017 estruturamos a área de internacionalização com foco na América Latina. A terceirização dos departamentos comerciais aumenta o poder de barganha das empresas perante os distribuidores. Isso porque, com um portfólio variado, todas as empresas ganham mais poder de negociação no mercado. A proposta de negócio é atraente porque agrega valor sem aumento de custo, com foco na especialização. Isso permite à empresa se concentrar no seu core business enquanto que a atividade core da MRA é fazer crescer os volumes de vendas, portanto tudo a ver com as necessidades atuais e futuras da indústria“, dizem Mario Morelli e Marcelo Rosa, sócios diretores da MRA Automotive. Março | 109


Opinião | Justiça

O

Brasil enfrenta situação dramática e muito mais grave do que a superficialidade com que se costuma observar o quadro pode imaginar. A despeito de sinais concretos de que a República deteve a hemorragia, ainda não é o momento do ufanismo leviano de praxe. A fragilidade é extrema. Qualquer recidiva será fatal. A sociedade se mostrou mais sábia e mais responsável do que o Estado. As famílias sentiram na carne a redução de sua capacidade de consumo. Procederam a cortes substanciais. Diminuiu-se o gasto naquilo que não era essencial e, depois disso, até no essencialíssimo. Essa contenção é um dos fatores que impedem acelerada retomada do desenvolvimento. O consumo interno arrefeceu. O número

de desempregados é muito maior do que as estatísticas mostram. A indústria escasseou estoques e não tem condições de se aparelhar para oferecer produtos mais modernos e, ao mesmo tempo, mais baratos. Para superar sólidas barreiras, o Brasil terá de atrair investimento externo. E este não se aventurará em terra insegura. Se o Parlamento produzir as reformas imprescindíveis, a começar pela previdenciária, em seguida pela trabalhista, após a tributária e, se houver juízo, a política, a sinalização será eficiente. Mas se as profundas alterações estruturais do Estado são urgentes e necessárias, elas não se mostram suficientes. Aí vai entrar a sensatez da população. O que a sociedade pensa de motins, de revoltas, de greve em serviços essenciais, quando ela se sacrificou e continua a se sacrificar, em virtude de desmandos que foram cometidos por detentores de função pública? Desde 1988, há quase 30 anos, o Brasil espera a edição de leis que regulem a greve no serviço públi-

SHUTTERSTOCK

Mais juízo e mais prudência co. Como outros temas nevrálgicos e complexos, o enfrentamento foi evitado na instância adequada. O Parlamento é a “caixa de ressonância das aspirações populares”, como dizia Montesquieu, o formatador da sempre lembrada tese da separação de funções.

passou da hora de se discutir o tema e de produzir aquilo que é fundamental ao Estado de Direito: a lei. A inexistência de norma é nefasta, como comprovam os acontecimentos de fevereiro no Espírito Santo, com irradiação para o Rio de Janeiro e sinal de

EM RELAÇÃO À GREVE DO FUNCIONALISMO, JÁ PASSOU DA HORA DE SE DISCUTIR O TEMA E DE PRODUZIR AQUILO QUE É FUNDAMENTAL AO ESTADO DE DIREITO: A LEI. A INEXISTÊNCIA DE NORMA É NEFASTA Um dos fenômenos contemporâneos é a omissão do Legislativo, que deveria ser o poder mais relevante, pois é o elaborador das regras do jogo, com transferência de suas responsabilidades para o Judiciário. Mas em relação à greve do funcionalismo, já

alerta para outros Estados da Federação. Conclama-se a nacionalidade como um todo a se portar com juízo e prudência. Matérias-primas que, assim como a ética, parecem faltar no estoque cívico tupiniquim.

José Renato Nalini - Desembargador aposentado, ex-presidente do TJ-SP e do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo 110 | AméricaEconomia



Direito de Família

Usos e frutos

SHUTTERSTOCK

É

112 | AméricaEconomia

muito comum ouvir alguém mencionar que detém os usos e frutos de alguma propriedade, não é mesmo? Na realidade, essas pessoas estão se referindo a uma figura jurídica largamente utilizada nos dias de hoje. O usufruto é um instrumento legal que deixa muita gente confusa. Uma pessoa tem a propriedade de um imóvel, outra tem a posse. Quem tem a posse – na linguagem jurídica, o usufrutuário – pode desfrutar do imóvel, isto é, morar, alugar, arrendar... Quem detém a propriedade – em termos legais, o nu-proprietário – não pode fazer nada. E nenhum dos dois pode vender ou penhorar o imóvel. Então, para que serve tudo isso? Boa pergunta. Vamos à resposta. O usufruto pode ser vantajoso em diversas situações. Suponha que você queira dar seu apartamento para o seu filho. Mas como ninguém pode prever o futuro e, por via das dúvidas, é melhor não arriscar, você também gostaria de ter a garantia de que poderá continuar habitando o imóvel até o fim de seus dias. O que fazer? Simples. Você transfere a propriedade do apartamento para seu filho, mas fica com o usufruto. Isso significa que, na prática, ele só poderá fazer alguma coisa com o imóvel (como por exemplo, vendê-lo ou morar nele) quando o usufruto se extinguir. E ele se extingue quando o usufrutuário morrer, se for um usufruto vitalício, ou após um prazo predeterminado, se for um usufruto temporário. Além disso, também é possível extingui-lo se o usufrutuário infringir certas condições, como por exemplo, danificar o imóvel ou permitir que ele se deteriore. Contudo, é importante frisar que a simples decisão do nu-proprietário não basta para extinguir o usufruto. Ou seja, se você se arrepender – ou porque preci-


UMA PESSOA TEM A PROPRIEDADE DE UM IMÓVEL, OUTRA TEM A POSSE. QUEM TEM A POSSE – NA LINGUAGEM JURÍDICA, O USUFRUTUÁRIO – PODE DESFRUTAR DO IMÓVEL, ISTO É, MORAR, ALUGAR, ARRENDAR sa de dinheiro e quer vender o imóvel, ou por qualquer outro motivo – não terá como voltar atrás, a menos que o usufrutuário esteja disposto a renunciar a este benefício. Se não estiver, não há como obrigá-lo. Outro detalhe que convém não esquecer: eventuais rendimentos provenientes do imóvel, como o aluguel de uma casa ou o arrendamento de uma propriedade rural, cabem apenas ao usufrutuário. Visto por esse ângulo não parece tão complicado, mas algumas situações criam uma série de dúvidas. Certa vez, me foi trazida a seguinte questão: uma senhora deu o usufruto vitalício de sua casa para a neta. A filha dessa senhora queria saber se, quando a mãe falecesse, ela, como herdeira, ficaria com o imóvel. A resposta é: sim e não. O usufruto não se extingue com a morte do nu-proprietário. Sendo assim, a filha ficaria com a propriedade do imóvel na condição de nu-proprietária. E a neta continuaria como usufrutuária. Em resumo, a filha herdaria a casa, mas não poderia desfrutar dela. Outra questão complexa surgiu quando uma jovem me procurou dizendo que tinha herdado um apartamento do pai. O usufruto, porém, foi concedido à sua tia. A tia permitiu que a moça morasse no imóvel por algum tempo, e depois disse que o queria de volta. Indignada, a garota me perguntou: “Ela tem o

direito de me despejar? Eu sou a proprietária do imóvel...” Acontece que ela não era a proprietária – era a nu-proprietária. E não há nenhuma lei que obrigue o usufrutuário a permitir que o nu-proprietário habite o imóvel. Se a tia a deixou morar no apartamento, foi porque quis. E se lhe pediu para sair, estava apenas exercendo o seu direito de usufrutuária. Cabe, ainda, esclarecer um aspecto que faz com que muitos usufrutuários dêem com os burros n’água. O usufruto não pode ser transmitido como herança. Alguns usufrutuários pensam que, se o nu-proprietário falecer, eles herdarão o imóvel. Nada disso. Eles continuarão como usufrutuários. A propriedade do imóvel, porém, irá para os herdeiros do falecido. E se o usufrutuário falecer, o usufruto não será passado para os herdeiros dele – será simplesmente extinto. Por fim, concluo com mais algumas dúvidas frequentes: O usufruto só pode ser concedido para parentes ou herdeiros? Não. O proprietário pode concedê-lo a quem ele quiser. Se o usufrutuário tiver uma súbita melhora em seu padrão de vida e não precisar mais do imóvel, o usufruto pode ser extinto? Não, a menos que o usufrutuário concorde em renunciar ao imóvel. Se o padrão de vida do nu-proprietário subitamente piorar e ele não tiver mais onde morar, é possível reverter o usufruto? A resposta é a mesma: não, a menos que o usufrutuário concorde. É possível ceder um imóvel em usufruto a mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Sim. Esse procedimento recebe o nome de usufruto simultâneo.

O usufruto não pode ser transmitido como

herança .

Alguns usufrutuários pensam que, se o nu-proprietário falecer, eles herdarão o imóvel

Se o usufrutuário falecer, o usufruto não será passado para os

herdeiros

dele, será simplesmente extinto

Ivone Zeger Advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro Efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB-SP

Março | 113


Opinião | Recursos Humanos

A

ssistindo a um jogo de futebol com um amigo, ele fez o seguinte comentário se referindo a um badalado jogador internacional: – Não sei como podem considerar esse moço um bom jogador. Ele não dribla, não cabeceia bem e tem dificuldades para jogar coletivamente. Se ele é considerado craque é porque já não se fazem craques como antigamente. Talvez meu amigo seja apenas um saudosista do futebol do passado. Mas comentários assim são ouvidos em muitas outras áreas. Quem não conhece alguém que vive dizendo que as músicas de hoje em dia são muito inferiores às belas musicas de décadas atrás? E quando o assunto é gestão de pessoas, qual será a avaliação que devemos fazer? Serão os gestores atuais

mais ou menos competentes do que os gestores mais experientes? A gestão de pessoas feita atualmente é melhor hoje ou, parafraseado meu amigo, pode-se afirmar que “já não se fazem gestores como antigamente”? Quando sou indagado com questões como essas, gosto logo de esclarecer que não se deve confundir estilo de gestão com idade cronológica. Conheço muitos gestores com mais de 50 anos com ideias e métodos muito mais alinhados com os tempos atuais do que outros, muito mais jovens, mas com postura mais anacrônica. Adequação às necessidades atuais e utilização de recursos mais eficientes são características de bons gestores, seja qual for a sua data de nascimento. Feito esse primeiro e importante esclarecimento, o que de fato mudou na gestão de pessoas ao longo dos últimos anos? Existe uma frase que era ouvida com alguma frequência antigamente e que, ainda bem, hoje em dia soaria como algo absurdo: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.” Se há uma

Elmano Nigri - Presidente da consultoria Arquitetura Humana 114 | AméricaEconomia

característica que deve ser valorizada sempre, mas que nem sempre foi assim, é a coerência. A época dos gestores que exigiam comprometimento dos colaboradores, mas agiam de maneira contrária ao que pregavam já passou. Ser coerente é um dos principais atributos de um líder antenado com seu tempo. Uma boa liderança é exercida pelo exemplo. As palavras devem caminhar em harmonia com as ações. Outro fator que passou a ser mais valorizado de um tempo pra cá é a noção de que o principal valor de uma empresa é o capital humano. Gestor de pessoas deve gostar de...pessoas. Parece ób-

SHUTTERSTOCK

Já não se fazem gestores como antigamente? gestores reconhecem no ser humano a principal razão de existir de uma empresa. Vejo com muita satisfação o empenho dos líderes em conhecer melhor o perfil comportamental dos seus funcionários, saber quem são, como pensam e como a empresa pode utilizar cada um na área em que realmente possam se sentir mais úteis e mais felizes. O bem-estar dos colaboradores é uma preocupação constante nas melhores empresas. Pensar que tudo no passado era excelente é tão

ADEQUAÇÃO ÀS NECESSIDADES ATUAIS E UTILIZAÇÃO DE RECURSOS MAIS EFICIENTES SÃO CARACTERÍSTICAS DE BONS GESTORES, SEJA QUAL FOR A SUA DATA DE NASCIMENTO vio, mas nem sempre foi assim. Em um passado não tão distante, projetos, métodos operacionais e metas a serem alcançadas eram consideradas as coisas mais importantes de uma corporação. Essa percepção mudou. Os bons

insensato como achar que tudo que é moderno é ruim. Um bom gestor é aquele que não despreza os ensinamentos do passado, aproveita as lições do presente e está preparado para construir um futuro ainda melhor.




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