EXPANSÃO PORTUGUESA Peso das exportações já representa mais de 40% do PIB luso www.brasilamericaeconomia.com.br
No 482 ABR/2018
R$ 20,00
nº 482
ISSN 1414-2341
BRASIL
“A Quarta Revolução Industrial é uma transformação completa da sociedade”
KLAUS SCHWAB
BRASIL NÃO UTILIZA O SEU
POTENCIAL Criador do Fórum Econômico Mundial diz em entrevista exclusiva que o país não consegue multiplicar os seus tesouros ocultos
CIBERSEGURANÇA: QUANTO MAIS CONEXÕES, MAIS BRECHAS PARA OS CRIMES VIRTUAIS
Nesta edição AGRO
42 WORLD ECONOMIC FORUM
A promessa latino-americana O vice-presidente da Cargill para a América Latina, Jorge Calderón, afirma que o bloco será “a grande região do futuro”
CAPA
16
Klaus Schwab, fundador e presidente-executivo do Fórum Econômico Mundial
Criador de uma das mais importantes arenas de debates do planeta diz que o Brasil é um país que não aproveita o seu potencial NEGÓCIOS
30 32
Expansão e internacionalização Hub Fintech totalizou R$ 10 bilhões em volume transacionado em 2017 e espera dobrar seus resultados na América Latina
A era da experiência De acordo com o diretor-geral da HP Inc. para a América Latina, é preciso reinventar as tecnologias para torná-las simples
ENTREVISTA
36
Relações internacionais Segundo o secretário de Estado Adjunto e do Comércio de Portugal, Paulo Alexandre Ferreira, o país deve continuar expandindo os negócios para o exterior
12 | AméricaEconomia
AMÉRICA LATINA
50
Cenário em recuperação Para o economista-chefe da Deloitte México, a expectativa positiva sobre o desenvolvimento econômico da região depende em boa parte dos resultados eleitorais
ESPECIAL
56
Cibersegurança Malwares continuam atacando milhões de usuários, e o aumento de dispositivos conectados torna mais importante o investimento contra os crimes digitais
SERVIÇOS
66
Cliente digital Inteligência artificial, atendente virtual e facilidades no aplicativo estão entre as ações implementadas pela Sabesp
SEÇÕES
14 Editorial 24 Movimentos 26 Moderador 28 Tecnologia 40 Economia - Juan Jensen 48 Finanças - Mauro Miranda, CFA 52 Sociedade - Patrícia Villela Marino 62 Juventude - Joel Pinheiro 68 Relações internacionais - Brieuc Pont 72 Mobilidade - Jean-Pascal Tricoire e Francesco Starace 76 Página Verde - Jorge Pinheiro Machado 78 Opinião - José Renato Nalini
Editorial
AMÉRICAECONOMÍA INTERNACIONAL Publisher e Editor: Elías Selman C. Editor-Geral: Fernando Chevarría León Editor Executivo: Rodrigo L. Serrano Editores: Paulo Hebmüller (São Paulo), Jorge Cavagnaro (Guaiaquil), Lino Solís de Ovando (Santiago), Rery Maldonado (La Paz), Carolina Torres (Tegucigalpa). Editor-at-large: Samuel Silva Repórteres: Laura Villahermosa e Hugo Flores (Lima), Camilo Olarte (Cidade do México), Alejandro González (Bogotá), Hebe Schmidt (Madri) Colunistas fixos: John Edmunds, Jerry Haar, Susan Purcell Kaufman Designer: Sandra Florián AMÉRICAECONOMÍA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor: Andrés Almeida Pesquisadores Seniores: Fernando Valencia Analistas: Catherine Lacourt e Juan Francisco Echeverría Analista Peru: Carlos Alcántara AMÉRICAECONOMÍA.COM Subdiretor de Mídias Digitais: Lino Solís De Ovando Repórteres: Héctor Cancino, Fernando Zúñiga, Juan Toro, Cristian Yánez e Matías Kohler
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14 | AméricaEconomia
Paulo Hebmüller Editor-chefe
MARCOS SANTOS
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Presente e futuro na visão do criador do Fórum Econômico Mundial
O
mundo está mudando para uma realidade multipolar, em que novas potências trarão visões divergentes e por vezes conflitantes a respeito de como políticas de alcance global devem ser implementadas e conduzidas; a revolução tecnológica traz avanços tão rápidos que governos e indivíduos isoladamente não conseguem mais dar conta deles; a desigualdade é um problema grave na relação entre países e também dentro de cada sociedade – para Klaus Schwab, que há 47 anos criou o Fórum Econômico Mundial (FEM), esses são os três grandes desafios à frente da humanidade. Schwab esteve em São Paulo entre os dias 13 e 15 de março para conduzir os trabalhos da edição latino-americana do fórum. Os debates incluíram temas como migração, inovação na agricultura e a proliferação deliberada de notícias falsas e difamação na internet, entre muitos outros. O formato seguiu aquele que faz do evento anual de Davos, na Suíça – do qual participam regularmente os principais líderes políticos e empresariais do mundo –, a faceta mais conhecida do FEM, transformando-o ao longo das décadas numa das mais importantes arenas dos debates globais. Para seu criador, porém, “o que realmente importa é que, sob os eventos, corre um grande fluxo de iniciativas”. Sobre algumas delas, o próprio Schwab falou na entrevista exclusiva que concedeu à AméricaEconomia durante o FEM na América Latina. A revista foi um dos raríssimos órgãos de imprensa com quem o criador do fórum conversou, de forma extremamente atenciosa, nesta passagem por São Paulo. O resultado da entrevista está num texto especial de oito páginas que, temos certeza, provocará reflexões importantes e oportunas. Boa leitura.
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WORLD ECONOMIC FORUM / SEBASTIAN DERUNGS
Entrevista | Klaus Schwab, fundador e presidente-executivo do Fórum Econômico Mundial
16 | AméricaEconomia
A Quarta Revolução Industrial transforma completamente a sociedade Brasil é um país que não aproveita o seu potencial, diz em entrevista exclusiva o criador do fórum que se converteu numa das principais arenas dos debates globais Por Paulo Hebmüller, de São Paulo
“M
esmo que não pareça importante para aqueles cuja vida passa diariamente por uma série de pequenos mas significativos ajustes, a Quarta Revolução Industrial não consiste em uma pequena mudança – ela é um novo capítulo do desenvolvimento humano”, escreve Klaus Schwab em seu novo livro, Aplicando a Quarta Revolução Industrial (Edipro). A obra foi lançada na edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial (FEM), realizada em março em São Paulo. Mestre em Administração Pública e doutor em Economia e Engenharia, Schwab, nascido na cidade alemã de Ravensburg há 80 anos, é conhecido por ter criado em
Os grandes
desafios do mundo não podem ser resolvidos apenas por governos ou empresas
Abril | 17 Julho
Entrevista
Teremos um mundo cada vez mais multipolar e caracterizado por
conflitos
1971, com sua esposa, Hilde, o FEM – cuja faceta mais conhecida são os debates anuais realizados em Davos, na Suíça. “A seção latino-americana do FEM mostrou que existe grande alinhamento sobre uma ‘agenda de futuro’ tanto para países emergentes, como o Brasil, quanto para economias e sociedades maduras”, avalia Octavio de Barros, economista-sócio da Quantum4 Soluções de Inovação. Barros frequentou o evento de Davos nos últimos seis anos e colaborou para o encontro de São Paulo. Para além de um fórum de debates, o FEM é um conjunto de iniciativas nos mais diversos campos, explica Schwab. “A mensagem essencial é que os grandes desafios do nosso mundo não podem ser resolvidos apenas por governos ou empresas: precisamos cooperar para encontrar soluções comuns por meio de processos de trabalho colaborativos”, defende. Nesta entrevista exclusiva, concedida durante sua participação no evento de São Paulo, Schwab fala de alguns desses desafios, como a desigualdade, a ascensão de novas potências como a China e a necessidade de que os acordos globais sejam baseados em regras claras. Sobre o Brasil, afirma que é um país “que não utiliza o seu potencial” e “não consegue multiplicar os seus tesouros ocultos”. AméricaEconomia – Quais são os grandes desafios que o senhor identifica para a humanidade no futuro imediato?
DEVEMOS PROCURAR FORMAS DE EXPLORAR TODAS AS OPORTUNIDADE RELACIONADAS AO AVANÇO TECNOLÓGICO, MAS AO MESMO TEMPO ASSEGURAR QUE ELAS SEJAM ACEITAS PELA SOCIEDADE. A DESIGUALDADE PRECISA SER ENFRENTADA URGENTEMENTE 18 | AméricaEconomia
Klaus Schwab – Identifico três grandes desafios. O primeiro: estamos mudando de um mundo unipolar para um mundo multipolar, com a ascensão de potências políticas e econômicas como a China, a Rússia, a Índia e possivelmente o Brasil. Não é apenas um mundo multipolar, mas multiconceitual, porque diferentes governos têm diferentes perspectivas sobre como pactos de alcance global devem ser implementados. Será um mundo muito mais caracterizado por conflitos, fricções e diferentes interesses. O segundo desafio é a revolução tecnológica. Estamos numa era de avanços tão rápidos que governos e indivíduos não conseguem mais lidar com eles. Temos que procurar formas de explorar todas as oportunidades relacionadas ao avanço tecnológico, mas ao mesmo tempo assegurar que elas sejam aceitas pela sociedade. O terceiro desafio que vejo é a falta de inclusão. Temos definitivamente não apenas grandes diferenças entre países, mas também dentro dos países. Essa questão precisa ser enfrentada urgentemente. AE – Como o senhor vê especificamente o futuro da Quarta Revolução Industrial? KS – Há dois anos e meio escrevi o livro no qual descrevo essas noções [A Quarta Revolução Industrial, Edipro]. Olhando para trás, fico muito impressionado com a velocidade com que essa revolução se desenvolve. Por exemplo, há dois anos e meio não se falava de fato em blockchain, e coisas como carros autônomos ou uso intensivo de drones ainda pareciam ficção científica. A Quarta Revolução Industrial está entrando de forma muito acelerada na nossa realidade cotidiana. Em geral falamos só da indústria 4.0, ou seja, da digitalização dos processos de produção, mas essa revolução significa muito mais: significa a transformação não apenas da forma como fazemos negócios e como conduzimos a economia, mas também a transformação da sociedade – e possivelmente, como temos visto em alguns países, da política.
AE – O senhor considera que há um risco grande de desemprego por conta dessa revolução? KS – Sim. Como aconteceu em todas as revoluções no passado, teremos uma completa reformulação no mercado, porque muitas funções nas áreas de produção e serviços serão substituídas por robotização, inteligência artificial, digitalização etc. – mas também haverá novos empregos e funções. O FEM tem se ocupado desse tema. O desafio é não só como requalificar, mas como aprimorar esses trabalhadores, porque os novos empregos provavelmente vão requerer novos níveis de competência em relação aos antigos. Nos Estados Unidos, por exemplo, há de 5 milhões a 10 milhões de motoristas profis-
123RF
AE – Como fazer com que os benefícios de toda essa tecnologia alcancem as populações e os países mais pobres? KS – Devemos ver a Quarta Revolução Industrial como uma oportunidade para ajudar os países a dar um salto e ingressar numa nova era. O desenvolvimento de muitos países da África, por exemplo, foi prejudicado pela falta de comunicações ou eletricidade, para os quais eram necessários grandes investimentos. Hoje você pode criar um sistema de produção e distribuição de energia por meio de painéis solares, o que permite que uma pequena vila rural numa área remota tenha acesso não apenas a uma fonte de energia, mas também à comunicação wireless. Ao redor do mundo, o conhecimento provê soluções em saúde, inclusão financeira etc. Esse é o lado positivo. No lado negativo, a inteligência artificial e os drones, por exemplo, podem causar bastante dano se utilizados por pessoas mal-intencionadas. Temos que criar as estruturas necessárias – e o FEM criou um centro para a Quarta Revolução Industrial – para assegurar que estejamos conscientes das potenciais consequências negativas da tecnologia para a sociedade e para que possamos prever como lidar com elas.
sionais em táxis, caminhões, ônibus etc., e também o mesmo número de pessoas que trabalham como caixas no setor do varejo. Essas profissões podem desaparecer. Minha opinião é de que estamos nos movendo da economia de produção para uma nova forma que chamo de “economia do cuidado”: a produção será feita principalmente por robôs, por automatização e pela impressão 3D, e as pessoas encontrarão novas oportunidades em questões de cuidado, como tomar conta das populações mais velhas, sendo mentores dos jovens etc. Temos que desenvolver novas formas para a economia do amanhã, porque ela também será afetada diretamente pelo compartilhamento. Compraremos menos produtos: veja o Airbnb, ou o fato de que muitos jovens já não possuem carro próprio, mas utilizam apenas o Uber. Temos que pensar não na extrapolação
Robotização vai eliminar postos de trabalho, mas também haverá novos empregos e funções
Abril | 19 Julho
WORLD ECONOMIC FORUM / BENEDIKT VON LOEBELL
Entrevista
Novo livro de Schwab foi lançado na edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial, em São Paulo
20 | AméricaEconomia
do que vemos hoje, mas num contexto completamente novo que será moldado pela Quarta Revolução Industrial. AE – Como podemos enfrentar a questão da desigualdade, que de acordo com alguns estudos vem crescendo no mundo? KS – Quando criei o FEM, em 1971, tínhamos quatro bilhões de pessoas no mundo, e cerca de dois bilhões viviam na pobreza. Hoje somos mais de sete bilhões, e menos de dois bilhões vivem na pobreza. Fizemos um progresso substancial nos últimos anos, e não devemos nos esquecer disso. É claro, porém, que uma só pessoa vivendo na pobreza já seria demais. Apenas redistribuir renda não é suficiente nem sustentável. Na minha opinião, a chave para atacar a desigualdade é criar um sistema educacional no qual todos tenham a chance e a oportunidade de adquirir as habilidades para criar para
si um nível de vida decente, particularmente em relação às habilidades e competências requeridas na Quarta Revolução Industrial. A educação é a chave, e temos que prover aos jovens a capacitação necessária nesse novo mundo. Há alguns países que estão realmente transformando o seu sistema educacional, e acredito que o país mais adiantado a esse respeito é Singapura. AE – Muitos governantes e chefes de Estado participam regularmente do FEM. Em que medida os debates e ideias do fórum se transformam em políticas públicas nos diferentes países? KS – Em primeiro lugar, o impacto não vem apenas da participação de chefes de Estado ou de grandes lideranças empresariais. O que realmente importa é que, sob os eventos, corre um grande fluxo de iniciativas. O FEM tem hoje cerca de 800 colaboradores, com trabalhos em projetos específicos. O FEM foi reconhecido como uma organização internacional, o que significa que temos o mesmo status de organizações como a Cruz Vermelha Internacional ou o Comitê Olímpico Internacional e que podemos fazer acordos com governos. A mensagem essencial é que os grandes desafios do nosso mundo – meio ambiente, migração etc. – não podem ser resolvidos apenas por governos ou empresas: precisamos cooperar para encontrar soluções comuns por meio de processos de trabalho colaborativos. O FEM provê uma plataforma e a liderança para que esses esforços consigam resolver problemas de uma forma muito pragmática. Dou um exemplo de uma iniciativa do tipo: lançamos no mês de março, com líderes das áreas de viagens, turismo e saúde, uma plataforma para atuação imediata em caso de irrupção de uma nova doença infecciosa como SARS ou gripe suína. A ideia é criar instrumentos para reagir em termos de decisões, coordenação e comunicação. Quando houve o surto de gripe suína no México, em 2009, muitos países fecharam suas fronteiras, o que teve grande impacto na indús-
tria mexicana do turismo. Com uma plataforma como essa, podemos atuar de forma muito mais apropriada. Esse é apenas um dentre centenas de exemplos de esforços e trabalhos nos quais o FEM tem se envolvido. É dessa forma que as discussões que temos se traduzem em resultados muito práticos. AE – O senhor mencionou a questão da migração. Como governos e instituições podem trabalhar em conjunto para dar respostas à atual crise dos refugiados? KS – Em relação ao que está acontecendo na Europa, temos que cuidar dos refugiados sírios de acordo com o que está estabelecido na Convenção de Genebra. No caso dos migrantes econômicos, vindos principalmente da África, a melhor maneira de lidar com a questão é ajudar esses países no seu desenvolvimento e assegurar que essas populações não sintam que são forçadas a migrar para a Europa. Criamos no FEM uma iniciativa chamada Grow Africa, por meio da qual ajudamos países africanos a melhorar a produção agrícola com três objetivos: primeiro, ter uma produtividade maior; segundo, ser mais ambientalmente amigável; terceiro, assegurar a criação de empregos nas áreas rurais, porque há uma grande migração de pessoas saindo das áreas rurais para as favelas nas cidades. Quando falamos de refugiados, temos que olhar a raiz do problema e atacá-la. AE – Em alguns países há também o crescimento da xenofobia. Como lidar com esse problema? KS – Hoje, mais do que antes, as pessoas se sentem muito inseguras em relação ao futuro. Eu diria que não temos mais aquela divisão do passado entre o que era chamado de direita e de esquerda: a linha que nos divide está muito mais relacionada com aqueles que querem preservar o passado e se opõem à mudança e aqueles que aceitam a mudança. Porém, quando você aceita a mudança, tem que aceitar também as reformas
que a preparam. Em vários países, a questão dos refugiados é muito manipulada de uma forma populista: dizem às pessoas que, “se não tivéssemos esses estrangeiros aqui”, a vida delas seria muito melhor. AE – Um líder como Donald Trump nos Estados Unidos ajuda ou atrapalha nos esforços de cooperação global? KS – Quando esteve em Davos neste ano, o presidente Trump utilizou a frase “America first, but not alone” [em tradução livre, “os Estados Unidos em primeiro lugar, mas não sozinhos”]. Penso que cada país defende os seus próprios interesses, o que é muito natural. Muitos dizem que precisamos de mercados abertos; para mim, muito mais importante é que tenhamos um sistema global baseado em regras claras que não sejam determinadas unilateralmente. Os acordos que negociarmos têm que levar em contra o contrato social dentro dos países.
A divisão que existe hoje é entre os que aceitam e os que não aceitam a
mudança
AE – Como o senhor vê o papel da China como uma nova liderança política e econômica global? KS – O papel da China vai crescer, e o país vai estender sua influência, como vimos na iniciativa One Belt, One Road. A China realmente reconheceu a importância da Quarta Revolução Industrial, e o presidente Xi Jinping sublinhou isso quando esteve em Davos no ano passado. Muitos tinham a percepção de que a China era um país em desenvolvimento, e em certos aspectos ainda
MUITOS DIZEM QUE PRECISAMOS DE MERCADOS ABERTOS; PARA MIM, MUITO MAIS IMPORTANTE É QUE TENHAMOS UM SISTEMA GLOBAL BASEADO EM REGRAS CLARAS QUE NÃO SEJAM DETERMINADAS UNILATERALMENTE
Abril | 21 Julho
Entrevista
“Fiquei impressionado com a Embraer. Por que não multiplicar esses tesouros ocultos que o
Brasil tem?”
é, mas ela se tornou um competidor formidável e possivelmente uma liderança em muitas das novas áreas da tecnologia. AE – Como o senhor avalia o Brasil na atualidade? KS – Estive pela primeira vez no país na década de 1970, quando o Brasil passava por um grande crescimento e todos falavam do chamado “milagre econômico”. Voltei muitas vezes, e então já ouvia expressões como “a década perdida” [os anos 1980]. O Brasil é um país muito criativo, com empreendedores muito bons, recursos naturais, agricultura, muito potencial como destino turístico etc. Eu diria que o Brasil não utiliza o seu potencial. Conhecemos as razões, várias delas discutidas aqui no fórum: burocracia, corrupção, obviamente a desigualdade etc. Mas penso que algum progresso tem sido feito, como a reforma trabalhista e o combate à corrupção com a Operação Lava Jato. Tenho muita esperança de que seja eleito um presidente para os próximos quatro anos que realmente reconheça que, para realizar de forma completa o seu potencial na era da Quarta Revolução Industrial, o Brasil não pode voltar para conceitos ultrapassados do populismo, mas tem que continuar a fazer reformas como as da Previdência, do sistema educacional e outras. Acredito que o Brasil poderia ter uma taxa de crescimento de 5% a 8% ao ano. A Índia, onde as decisões também são difíceis, alcançou um crescimento além de 7%. Eu me pergunto por que isso não é possível no Brasil, que tem mais condições do que a própria Índia, porque tem mais recursos naturais e potencialidades fantásticas. Visitei, por exemplo, a Embraer e fiquei muito impressionado com a sua produção. Por que não multiplicar todos esses tesouros ocultos que o Brasil tem? AE – Alguns setores têm muita esperança nos resultados do tratado de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, cujas nego-
22 | AméricaEconomia
ciações já levam quase duas décadas. Como o senhor vê o papel desses acordos? KS – Penso que não são apenas tecnicalidades que fazem com que esses acordos levem tanto tempo para ser resolvidos: há também uma falta de vontade política comum. Espero que o acordo seja assinado nos próximos meses, o que vai estimular muito o comércio e as relações industriais entre a Europa e a América Latina. A assinatura desse tratado seria muito importante, e um sinal muito encorajador, num mundo com um número crescente de guerras comerciais. AE – O senhor acredita que o diálogo entre instituições como o FEM e outras organizações internacionais é um caminho que pode ajudar a encontrar soluções para os grandes problemas da atualidade? KS – Como disse antes, as grandes questões do futuro, como o problema das emissões de CO2 , não podem ser resolvidas apenas pelos governos. Claro que é importante haver um acordo como o Tratado de Paris, mas no fim das contas a sua implementação tem que ser feita principalmente pelo meio empresarial e econômico. A Quarta Revolução Industrial pode fazer uma tremenda diferença nesse ponto. A tecnologia será necessária para ajudar na solução dos problemas ambientais a tempo para que se alcancem os objetivos estipulados na Agenda 2030, mas isso exige cooperação de governos, setor privado e sociedade civil. Às vezes digo que o FEM é a organização internacional do século 21, por três razões. A primeira é que somos completamente não políticos. Temos uma junta diretiva muito ativa, com representantes de organizações internacionais e líderes empresariais, mas sem influências políticas de governos. A segunda razão é que temos um estafe muito qualificado, mas não procuramos pelas soluções por nós mesmos: oferecemos uma plataforma e convidamos as pessoas mais capacitadas para discutir cada tema e debater as soluções. A terceira é
que, no mundo complexo de hoje, não podemos pensar em soluções isoladamente. Temos que colocar cada questão dentro de um ecossistema mais amplo. Se você quer tratar de cibersegurança, por exemplo, tem que olhar para o desenvolvimento de tecnologias como o 5G e ao mesmo tempo analisar as questões legais, entre outros aspectos. Você precisa de muitos atores diferentes que têm que estar juntos para que de fato se resolva um problema de múltiplas dimensões.
Pelé recebe o prêmio Global Citizen no FEM ao lado de Marisol Argueta, do comitê executivo do fórum na América Latina; do governador Geraldo Alckmin; do presidente Michel Temer; de Hilde e Klaus Schwab; e do prefeito João Doria
BETO BARATA/PR
AE – O senhor é otimista em relação ao nosso futuro? KS – Sim, sou muito otimista, porque a humanidade pode moldar a mudança. Em geral olhamos apenas para o curto prazo: os governos estão mais e mais absorvidos pelo gerenciamento de crises e não têm tempo para, de uma forma
construtiva, desenvolver visões do futuro e preparar a população para ele. Olhando novamente para 1971, temos que ver o importante progresso que fizemos em questões-chave como redução da pobreza, melhoria da educação, redução do analfabetismo, aumento da expectativa de vida, melhoria das condições de saúde e redução da mortalidade materna. Estou certo de que continuaremos a fazer progresso. Pela primeira vez na história a humanidade tem a capacidade, e ao mesmo tempo o risco, de se autodestruir. Podemos fazer isso por meio de uma guerra nuclear, de curta duração e efeito imediato, mas podemos fazer também no longo prazo – por exemplo, se não tomarmos conta do meio ambiente. Mas acredito nas forças construtivas da humanidade. Apesar de todos os desafios, creio que temos a capacidade de fazer o que é certo.
Abril | 23 Julho
FOTOS: 123RF
Movimentos
O novo mercado da gasolina no México A ExxonMobil começa a operar os primeiros postos sem combustíveis processados pela Pemex, assinalando o fim de um monopólio de 78 anos
O
posto da ExxonMobil na cidade de Querétaro vende diesel e gasolina produzidos nas suas próprias refinarias do Texas e importados por trem. É a primeira estação de serviço a vender o próprio combustível – desde o final do ano passado muitos dos grandes painéis luminosos verdes dos postos da estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), que faziam parte da paisagem urbana do país, foram substituídos por 30 marcas que agora detêm 19% do mercado (cerca de 2,6 mil postos). A reforma energética aprovada em 2014 abriu a possibilidade de que empresas nacionais e estrangeiras começassem a operar no varejo de combustíveis do país e em outras áreas do ramo do petróleo. Empresas tradicionais como a Gulf, a Chevron e a Texaco competem agora com outros concorrentes sem a mesma experiência em hidrocarbonetos, mas com know how no mercado de varejo: Oxxo Gas, Petro 7 – da cadeia Seven Eleven –, Costco e até Walmart pretendem se valer de seus conhecimentos no ramo para atuar no novo negócio. A Exxon prevê que terá 50 postos com combustível próprio até o final deste trimestre e pretende investir US$ 300 milhões em logística, produtos e marketing ao longo dos 24 | AméricaEconomia
próximos dez anos. Assim como ela, outras companhias se preparam para fazer o mesmo – mas, com uma logística de importação que não pode usar a infraestrutura da Pemex, as coisas ficam mais complicadas. “Cada barril de gasolina estrangeira que entra no país por trem custa seis vezes maior do que se entrasse por dutos”, afirma um relatório da Comissão Reguladora de Energia (CRE) apresentado em junho de 2017. “A recente reforma energética apresenta uma oportunidade única no mercado mexicano para ajudar a satisfazer a crescente demanda por combustíveis e por um serviço mais competitivo”, afirmou Martin Proske, diretor da ExxonMobil México, quando assumiu o posto no país. De acordo com Guillermo García Alcocer, presidente da CRE, nos próximos cinco anos o número de postos vai dobrar. “A liberação dos preços da gasolina no país promove investimentos e a competição no setor, o que se traduzirá em melhores serviços para os consumidores mexicanos”, disse numa coletiva à imprensa. AméricaEconomía Internacional
Um belo sorriso
Brasil lidera produção da indústria odontológica na América Latina e é vice mundial em pesquisa científica do setor
DIVULGAÇÃO
A
produção da indústria odontológica brasileira teve em 2017 um volume de exportação 2,82% superior ao registrado no ano anterior, totalizando US$ 87 milhões. Porém, ainda está quase 26% abaixo do pico de exportações atingido em 2014 – considerado o melhor ano do setor –, quando chegou a US$ 117 milhões. “É fato que, tanto para exportações quanto para importações, os melhores anos foram 2013 e 2014. Já nos dois anos subsequentes, a predominância foi de queda. Em 2017, houve uma recuperação de quase 34% nas atividades de comércio exterior”, explica o superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), Paulo Fraccaro. O Brasil é o país de maior volume em consumo interno da América Latina – e, quando se trata de consumo interno e mercado externo, é seguido pelo México, grande exportador de produtos odontológicos para os Estados Unidos. Segundo o Scimago Journal & Country Rank, um dos principais parâmetros de influência científica de periódicos acadêmicos mundial, a produção científica brasileira é líder latino-americana, sendo responsável por 84% do total produzido no bloco, e ocupa o segundo lugar em escala mundial, respondendo por 9% de tudo o que a odontologia gera em termos de pesquisa científica. O primeiro lugar é dos Estados Unidos, com 21%. De acordo com dados do Conselho Federal de Odontologia (CFO), o Brasil é o líder em escala global em número de cirurgiões-dentistas, com mais de 290 mil profissionais em atividade. As cerca de 220 faculdades espalhadas pelo território nacional formam, de acordo com o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp), cerca de 9 mil novos profissionais a cada ano. Para o superintendente da Abimo, entre os principais desafios do setor estão as indefinições de ordem política e econômica que o país atravessa, tais como as reformas tributária, previdenciária e administrativa, além de um cenário de incertezas em relação às próximas eleições. Mais estabilidade traria maior confiança para novos investimentos por parte das empresas do segmento odontológico, incluindo as novas tecnologias, avalia. “Devemos ter um crescimento de 3% a 5% em 2018, mas o percentual ainda é bastante modesto em vista dos dois dígitos que o segmento de saúde mantinha até 2015. Existe ainda uma dificuldade em totalizar os números nacionais do setor devido à falta de colaboração da maioria das empresas, que preferem não divulgar seus dados financeiros”, comenta Fraccaro. AméricaEconomia Brasil Paulo Fraccaro, superintendente da Abimo Janeiro | 25
Moderador
América Latina atrasada
FOTOS: 123RF
O
relatório Promoção de uma Transição Energética Efetiva, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, apresentou o Índice de Transição 2018 e avaliou a atual condição dos sistemas de energia de 114 países. O principal resultado revela que o mundo parou de avançar em direção à sustentabilidade ambiental: foi registrada uma melhoria de apenas 1,8% por ano durante os últimos cinco anos, quando a meta exigida pelos objetivos para o clima no Acordo de Paris é de 3%. Entre os países da América Latina, Uruguai (13º lugar no ranking, de acordo com o relatório), Costa Rica (20º), Chile (24º) e México (28º) registraram o melhor desempenho. Embora a região esteja em linha com a média global, muitos países estão atrasados para iniciar o processo de transição. As principais áreas que precisam de melhoria são a inovação, o capital humano, a segurança de investimentos e as estruturas institucionais efetivas. A Colômbia (32º), o Brasil (38º) e a Rússia (70º) possuem sistemas energéticos robustos devido à fartura de seus recursos naturais, mas apresentam um baixo nível de preparo como resultado da falta de capital humano e dos desafios apresentados por suas instituições e estruturas regulatórias.
Fusões e Aquisições crescem 3,6% no Brasil em 2017
O
número de fusões e aquisições cresceu 3,6% em 2017 no Brasil, totalizando 143 operações, ante 138 em 2016. Foram movimentados R$ 138,4 bilhões em transações, de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Alta dos preços dos combustíveis
O
s custos da indústria brasileira com energia subiram 4,3% no último trimestre de 2017 em relação ao terceiro trimestre, com o ajuste sazonal. O aumento foi puxado pela alta de 11,1% do óleo combustível, provocada pela evolução dos preços internacionais do petróleo. O preço da energia elétrica teve uma alta de 2,8%, informa o Indicador de Custos Industrial, divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
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Conforme o estudo trimestral, os custos com energia e com os produtos intermediários nacionais e importados foram os responsáveis pelo aumento de 1,6% no indicador de custos industriais do último trimestre de 2017 na comparação com o período imediatamente anterior, descontados os efeitos sazonais. O indicador de custos com intermediários domésticos subiu 3% e o de intermediários importados cresceu 3,7%. A CNI observa que, mesmo com aumentos expressivos, a energia e os insumos importados têm participação menor no custo da indústria.
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O animal econômico
Delfim Netto Três Estrelas, 416 págs., R$ 79,90
Intervenção do Estado na economia, Plano Cruzado, capitalismo, comunismo, social-democracia, poder, Marx, Keynes, desenvolvimento, Consenso de Washington etc. – difícil imaginar um tema da esfera política ou econômica, seja nos diferentes governos brasileiros ou no cenário global, que não tenha sido objeto dos artigos de Delfim Netto na coluna que assina na Folha de S. Paulo desde 1986. Uma seleção de 182 desses textos está no livro O animal econômico. Em 1987, por exemplo, durante o mandato de José Sarney, Delfim escreveu: “Frequentemente ouço dizer que eu falei que ‘primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir’, o que eu não falei, por ser uma solene bobagem dentro de uma economia de mercado. Aliás, o desenvolvimento brasileiro mostra que, quando o bolo cresceu, todos melhoraram, mas uns melhoraram mais do que os outros, o que piora o índice que mede a distribuição de renda, quando comparado com o ideal de uma distribuição igualitária”. Delfim Netto completará 90 anos no mês de maio. É Professor Emérito da USP, foi ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento em três governos da ditadura militar, além de deputado federal por cinco mandatos consecutivos. Mindware - Ferramentas para um pensamento mais eficaz Richard E. Nisbett Editora Objetiva, 352 págs., R$ 54,90
Existem inúmeros conceitos que podem nos ajudar a pensar de maneira mais efetiva sobre nosso próprio comportamento e o mundo que nos cerca. Mas, por uma série de fatores, ainda não conhecemos muitos deles. Em Mindware, o psicólogo Richard Nisbett apresenta de forma acessível vários desses conceitos científicos e filosóficos que podem mudar o modo como solucionamos os problemas do cotidiano e também como aplicá-los em relação aos obstáculos do dia a dia. O resultado? Um guia prático e esclarecedor sobre as mais poderosas e úteis ferramentas de raciocínio já desenvolvidas.
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Para quem deseja ingressar ao mundo do empreendedorismo, em Projeto Startup: da ideia ao primeiro milhão os autores João Magalhães e Gustavo Teixeira explicam passo a passo da criação de uma empresa. A obra desenha etapa por etapa do processo, de forma clara e didática. Para quem pensa em ter sua própria startup, mas não sabe por onde começar, o livro faz o papel de auxiliar, com exemplos práticos.
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Livros
Tecnologia
Sistemas
A
Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) lançou dois mecanismos de acessibilidade para sistemas de cartões para dar mais autonomia e segurança a pessoas com deficiência visual. Os sistemas foram desenvolvidos na entidade por empresas de cartão e fabricantes dos terminais de pagamento, com participação da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal e da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB). Um deles é o Pay voice, um app disponível para Android e iOS que faz a leitura das informações
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acessíveis
da transação por meio da câmera do celular. Ao reconhecer os caracteres, o software gera um áudio que descreve o valor digitado para que o usuário se certifique de que o dado está correto antes de digitar a senha. O outro é uma película com identificação tátil para ser fixada na superfície dos terminais de pagamento com teclado touchscreen. As máquinas que já estão no mercado sem a película serão adaptadas, e as novas já serão fabricadas com a novidade. AméricaEconomia Brasil
Mais de 71 mil transações digitais por hora D
e acordo com o Score Digital, modelo estatístico desenvolvido no Brasil pela Visa Consulting & Analytics, quatro em cada dez brasileiros portadores de cartão Visa são digitais e mais de 71 mil compras digitais aconteceram por hora no país em 2017 – um aumento de 25% em relação aos dados de 2016. Entre as justificativas para esses dados estão o aumento do número de brasileiros ativos no comércio eletrônico e a popularização de aplicativos de filmes, transporte e música, o que gera crescimento do consumo digital exponencialmente em números de consumidores e de transações. O Score Digital utiliza os dados transacionais da rede de pagamentos da empresa VisaNet e analisa intensidade de uso, variedade de comércios online, amplitude de valores gastos e evolução versus tempo, entre outras informações. AméricaEconomia Brasil
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Oferecimento:
R$ 24 bilhões É
o montante anunciado pela Telefônica Brasil, detentora da marca Vivo, para seu programa de investimento no país entre 2018 e 2020, com principal foco na expansão e qualidade das redes móvel e fixa. Além disso, haverá investimento de mais R$ 2,5 bilhões para o plano de aceleração da fibra ótica para o mesmo triênio. O anúncio foi feito durante o Investor Day da companhia, na sede da Bolsa de Valores de Nova York, em março.
AméricaEconomia Brasil
Banda larga de alto desempenho
E
m março, quatro novos satélites O3bmédia órbita (MEO) da SES foram lançados com sucesso e irão atender à crescente demanda de banda larga de alto desempenho na América Latina, com maior capacidade e cobertura para o mercado de telecomunicações, nuvem, mercados marítimos, de energia e governamentais. Os novos satélites de banda Ka se juntarão à constelação existente da SES de 12 satélites MEO, orbitando aproximadamente a 8.000 km da Terra – proximidade quatro vezes maior do planeta em relação aos satélites geoestacionários (GEO), oferecendo conectividade com baixa latência e desempenho semelhante ao da fibra ótica.
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Acesso à rede em áreas remotas A
Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de sua Comissão Interamericana de Telecomunicações (CITEL), e a Internet Society (ISOC), organização sem fins lucrativos, firmaram um acordo de colaboração para promover a criação de novas redes comunitárias que fornecem acesso à internet em zonas rurais e áreas remotas de todo o continente americano. O acordo é assinado em resposta aos compromissos da Aliança TIC 2030 Américas, firmados em Santo Domingo (República Dominicana), em 2016. As principais metas que devem ser alcançadas até 2020 são: 1. Desenvolver pelo menos 15 redes comunitárias de internet em áreas rurais e remotas das Américas; 2. Fornecer treinamento técnico a 150 habitantes dessas localidades, com o objetivo de que eles estejam aptos a construir redes comunitárias de internet e a promover seu uso em outras regiões; 3. Certificar-se de que ao menos três países da região irão adotar políticas que criem ambientes para habilitar e facilitar o fornecimento de acesso à internet, por meio das redes comunitárias; 4. Criar um evento regional para aumentar a conscientização sobre a importância da implementação das redes comunitárias e compartilhar experiências de melhores práticas para realizá-las. AméricaEconomia Brasil
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Negócios | Meios de pagamento
Expansão e internacionalização
Oferecendo soluções disruptivas para o mercado, a Hub Fintech totalizou R$ 10 bilhões em volume transacionado em 2017 e espera dobrar seus resultados com novos investimentos na América Latina
C 30 | AméricaEconomia
Por Felix Ventura, de São Paulo
riar inovações na área de serviços financeiros a partir de processos amplamente embasados em tecnologia. É dessa forma que um universo de novas empresas vem revolucionando os meios de pagamentos digitais com o propósito de facilitar as transações comerciais, tornando-as mais intuitivas, aumentando a disponibilidade dos serviços e principalmente reafirmando a tendência do uso de aplicativos mobile. Nesse cenário, a Hub Fintech, fundada em 2012 com o nome de Vale Presente, desponta como uma das mais relevantes companhias que atuam no segmento de serviços e soluções disruptivas para o mercado de meios de pagamento, com foco nas modalidades de loyalty, mobilidade, aplicativos, marketplace e financial
services. A empresa, cujo investimento inicial foi de R$ 150 milhões e que já foi avaliada em mais de R$ 1 bilhão, pertence a um seleto grupo de companhias chamadas de “startups unicórnio”: são aquelas que começaram pequenas e obtiveram uma trajetória de sucesso exponencial tão impressionante que suas histórias podem ser comparadas aos contos lendários. Em 2017, a companhia acumulou R$ 10 bilhões em volume financeiro transacionado. Atualmente, possui uma carteira avaliada em cinco mil clientes, mais de 1 milhão de cartões ativos e cerca de 250 funcionários, além de deter a competência para autorizar mais de 500 transações de compra por segundo, o que corresponde à capacidade instalada das maiores adquirentes do Brasil.
Convergência Como aposta para 2018, o diretor-geral destaca o segmento de loyalty, que deve dobrar em participação, especialmente em função das novas leis trabalhistas, que permitem uma maior segurança às empresas para o pagamento de gratificações aos funcionários sem incidência de FGTS e INSS. O segmento representa aproximadamente 15% do volume de transações. Brito avalia que ao menos 45% dos negócios da companhia estão relacionados ao segmento de mobilidade e marketplace, que simbolizam o maior potencial de crescimento. Os 40% restantes dizem respeito à modalidade de financial services. “Não existe mais a distinção entre o e-commerce e o comércio físico. O que existe é o mundo omnichannel, e nele se caminha por meio de soluções digitais baseadas na convergência de todos os canais utilizados por uma empresa”, comenta.
O mundo omnichannel procura soluções digitais baseadas na convergência de todos os
Existe um interesse contínuo por investimentos em plataformas e processadoras que, segundo Brito, garante o alinhamento com o mercado. Como exemplo, no ano de 2016 foi desenvolvida uma solução para o aplicativo de mobilidade 99 que permitiu aos motoristas conveniados receber de forma instantânea os créditos logo após o término das corridas. A empresa possui mais de 50 desenvolvedores entre especialistas, desenvolvedores de aplicativos e criadores de plataformas, e está reformulando os seus padrões de experiência do usuário – do inglês user experience (UX). “Analisando o perfil dos nossos clientes, grande parte do segmento de mobilidade realiza gastos em empresas do setor automotivo, como compra de autopeças, serviços de oficina e gasolina, mas percebemos que o segmento de alimentos e restaurantes responde pela maior fração do movimento de transações”, afirma o diretor-geral. “Há também outros nichos específicos, como o de construção e de investimentos para pequenas empresas que adquirem mobiliário e computadores e que também têm participação em nossos negócios”.
canais
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De acordo com Alexandre Brito, diretor-geral da Hub Fintech, a empresa foi se posicionando ao longo do tempo como uma provedora de serviços business to business (B2B), voltada para a transação comercial entre empresas, e vem crescendo a uma média anual de 100%. A partir de 2015, houve um reposicionamento da marca Vale Presente com o início operacional da Hub Fintech entre vários outros empreendimentos da marca, o que representou um salto nos resultados. A companhia espera ter em 2018 o seu melhor ano, conservando a expectativa de dobrar a sua performance. O processo de internacionalização é uma meta da empresa, que ainda neste ano pretende ter uma operação efetiva entre os países da América Latina. “Temos mapeado países como Argentina, Colômbia, Chile e Peru. Essa ação contribui para aumentar a nossa capilaridade diante de players globais que passarão a nos considerar não apenas como uma solução local, e sim regional. No momento a Hub Fintech está focada em obter as licenças necessárias para operar nesses países, bem como no processo de adaptação às regulações locais”, diz Brito.
Alexandre Brito, diretor-geral: não existe mais distinção entre o comércio físico e o eletrônico Abril | 31
Negócios | TI
A era da experiência É isso o que os consumidores querem, diz o diretor-geral da HP Inc. para a América Latina – e por essa razão é preciso reinventar as tecnologias para torná-las simples
N 32 | AméricaEconomia
Por Beatriz Santos, de São Paulo
a era digital, em que quase tudo está ao alcance do smartphone ou salvo na nuvem, a impressão em papel parece obsoleta. Apenas parece, e os números da HP Inc. mostram um mercado em expansão para esse serviço. Na América Latina, o volume de produção da divisão de impressões para escritórios e lar da companhia gira em torno de US$ 20 bilhões.
Observando esse mercado, a empresa mirou num viés crescente em toda a região: a grande penetração de smartphones. Hoje, são cerca de 250 milhões de aparelhos em utilização na América Latina – no Brasil, o alcance ultrapassa 50% da população. “O grande desafio é que existem muitas informações, documentos e imagens de alto valor presos aos nossos smartphones. Normalmente, se quiser imprimir
Revolução na indústria No primeiro trimestre deste ano, a companhia cresceu 14% no comparativo com o ano
Cada vez mais se consolida a impressão em
passado, apenas na divisão de impressões. Pela primeira vez a taxa leva em consideração as vendas dos negócios de impressão da Samsung, após a aquisição concluída em 1º de novembro de 2017. “Tirando os números da Samsung em nível global, ainda tivemos um crescimento de 9%. Isso é muito relevante. O negócio de impressão é um segmento que está maduro, mas tem um crescimento muito forte”, afirma. O segmento de impressões tem se desenvolvido muito além daquelas tradicionalmente feitas em casa ou no trabalho. Nos últimos anos, consolida-se cada vez mais uma nova ferramenta aliada da indústria: a impressora 3D. Com um equipamento como esse, dependendo de quais forem os materiais utilizados, é possível reduzir o inventário de uma empresa quase a zero, pois pode-se manufaturar ao lado de uma linha de produção. “Daqui a aproximadamente 15 anos, a transformação do fluxo de negócio de manufatura vai ser muito diferente. Se eu tivesse uma companhia de logística global, ficaria preocupado”, diz o executivo. “Hoje, para uma empresa adquirir uma determinada quantidade de peças fabrica-
3D
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algum documento do seu celular ou e-mail, você precisa acessá-lo no computador”, explica Alfredo Cors, diretor-geral da Categoria Impressão para a América Latina da HP Inc. A companhia tem investido bastante em pesquisa e desenvolvimento para a experiência de impressão móvel. “Temos um estudo que aponta que cerca de 30% das páginas impressas em casa ou no escritório foram enviadas pelo celular direto para a impressora, sem passar por um computador. Nosso estilo de vida está mudando e a impressão móvel é o must”, avalia o diretor. Uma das novidades da empresa é o aplicativo HP Smart. O app inclui ferramentas para imprimir, digitalizar, verificar os níveis de tinta e configurar uma impressora da marca numa rede sem fio, utilizando conexão Bluetooth. “Não há outra plataforma de impressão no mercado que seja tão simples de imprimir a partir do celular quanto o HP Smart. A experiência é simples e tem valor para o usuário, tanto nos negócios quanto para o lar”, diz Cors. A empresa lançou também a HP Sprocket, uma impressora fotográfica que permite criar fotos instantâneas adesivas 5cm x 7cm de qualquer lugar, via dispositivo móvel. “Quantas vezes você já imprimiu algo do Facebook, do Instagram ou do Snapchat? É muito complexo. A Sprocket foi pensada para a impressão de fotos do seu celular ou das redes sociais. Você manda do seu smartphone direto para a mini-impressora e ainda pode editar na hora de maneira muito simples”, explica. “Estamos reinventando as tecnologias para fazê-las simples e para criar experiências para o consumidor. Passamos da era da informação para a era da experiência”, considera Cors. “Os nossos consumidores não estão procurando novas tecnologias: estão procurando experiência, e é o que a Sprocket e o app HP Smart trouxeram para o mercado – uma experiência diferente”.
Alfredo Cors: “se eu tivesse uma companhia de logística global, ficaria preocupado” Abril | 33
Negócios
Mandar uma peça de um país a outro vai levar
milissegundos
das na China, por exemplo, ela freta um contêiner, que pode ser enviado para qualquer lugar do mundo. Com a tecnologia de impressão em 3D isso não se faz mais necessário. Vai ser uma transformação que reduz os custos e desperdícios, além de ter um impacto ambiental muito positivo e otimizar o tempo”. Cors explica que o processo de mandar uma peça de um país a outro acontecerá em milissegundos, porque haverá apenas a necessidade de transferir o desenho digital para que uma impressora 3D manufature o produto. “Se a sua concorrência consegue desenvolver produtos na metade do seu tempo, acabou. Não tem força da marca que consiga aguentar isso para sempre. É preciso ter inovação”.
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Segurança da informação Quantos ataques hackers são concluídos por dia no mundo? Esses “invasores” estão o tempo todo tentando encontrar brechas em sistemas e servidores para conseguir dados e informações. É como um jogo, um desafio para eles, e o mercado clandestino de informações gera bilhões de dólares em prejuízo por ano no mundo todo, principalmente num cenário em que há uma infinidade de dados em nuvem. Por essa razão, segurança da informa-
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ção é pauta de extrema importância no mundo corporativo – e não é diferente na HP Inc. “Nossas impressoras, para todos os efeitos práticos, são quase computadores, porque têm sistema operacional, memória, portas de entrada e saída, disco rígido e são conectadas à rede. Então temos que ter o mesmo nível de segurança dos nossos computadores. Posso dizer que é o mais alto nível de segurança do mercado”, afirma Cors. É possível monitorar e controlar mais de 256 parâmetros nas impressoras empresariais da HP em três níveis de segurança. Outro sistema disponível diz respeito à confidencialidade de documentos impressos em empresas que compartilham a mesma impressora entre departamentos distintos. Funciona assim: um documento confidencial enviado para a máquina só é impresso após o usuário digitar um código para liberar o serviço. Região está atrasada Alfredo Cors afirma que, de todos os mercados e países da América Latina, nenhum tem a capacidade de inovação tecnológica do Brasil. “Procure por alguma empresa de aeronáutica na América Latina: provavelmente você só irá encontrar a Embraer”, exemplifica. Há vários anos, a HP instalou um polo de Pesquisa e Desenvolvimento em Porto Alegre, que gera softwares e aplicativos para a HP Global, não somente para o mercado brasileiro ou latino-americano. O executivo afirma que, em relação à impressão 3D, a América Latina toda está dois passos atrás da Europa, onde já se começa a criar legislação para essa nova realidade. “No Brasil paga-se imposto sobre bens e serviços, mas daqui a pouco o país vai começar a importar dados também. Como isso tudo vai ser gravado e monitorado é um desafio para os governos, que deverão gerenciar e legislar nesse novo ambiente. Podemos dizer que a Europa Ocidental está um passo adiante do mundo neste quesito, os Estados Unidos estão um pouco atrás e a América Latina, dois passos atrás”, conclui.
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Entrevista | Relações internacionais
Uma economia cada vez mais aberta Peso das exportações ultrapassa 40% do PIB de Portugal, e o caminho é continuar expandindo os negócios para o exterior, afirma o secretário de Estado Adjunto e do Comércio do país
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Por Paulo Hebmüller, de São Paulo
ltos indicadores de confiança: eis uma das chaves para compreender o bom momento vivido pela economia de Portugal, traduzido em números como queda no desemprego, maior crescimento do PIB desde 2000 e menor déficit fiscal das últimas quatro décadas. “Temos a melhor perfor-
mance do investimento empresarial deste século. Isso significa um impacto positivo sobre o crescimento do PIB, mas significa sobretudo a criação de potencial de crescimento no longo prazo”, diz Paulo Alexandre Ferreira, secretário de Estado Adjunto e do Comércio de Portugal. Ao mesmo
AméricaEconomia – Este é um momento particularmente bom para a economia portuguesa: o desemprego está em 7,9%, a menor taxa desde 2004, e o crescimento em 2017 foi de 2,7%, o maior desde 2000. Como o senhor avalia esse cenário e a que ele se deve? Paulo Alexandre Ferreira – O bom momento tem várias dimensões. Deve-se sobretudo à política do governo, desenvolvida nos dois últimos anos, que trouxe confiança. Os indicadores de confiança, seja para consumidores, indústria, comércio e serviços, têm atingido recordes históricos. Com isso há mais propensão por parte das famílias para consumir e por parte das empresas para investir, criar emprego e internacionalizar-se. Há também um bom desempenho das exportações: atingimos um valor superior a 40% em termos do peso das exportações no nosso PIB, outro recorde histórico. Caminhamos para que na próxima década esse peso atinja 50% do PIB. Outra dimensão que destaco passa pelo incremento do investimento, sobretudo o empresarial: temos agora a melhor performance do investimento empresarial deste século. Isso significa, no curto prazo, um impacto positivo sobre o crescimento do PIB, mas significa sobretudo a criação de potencial de crescimento no longo prazo. As nossas indústrias estão se adaptando às novas tecnologias e aos processos baseados no digital, o que nos traz mais segurança para que consigamos competir de igual para igual com outras economias. Em cima de tudo isso há um ambiente de estabilidade macroeconômica e financeira que o governo também vem conseguindo assegurar. Em 2017 atingimos o déficit fiscal mais baixo dos úl-
timos quarenta anos. Isso transmite segurança aos agentes econômicos quanto às políticas públicas em termos de despesas orçamentárias. AE – O investimento estrangeiro direto tem crescido também? PF – Sim. Em 2017 tivemos uma taxa quatro vezes maior do que em 2016. Há empresas que já desenvolvem atividades em Portugal e que querem aprofundá-las, como a Bosch e a Siemens. A Mercedes-Benz vai instalar no país um centro de competência em nível mundial, assim como o Google. Também há empresas de serviços financeiros, como BNP Paribas e Euronext, se instalando ou ampliando suas atividades. São empresas de países desenvolvidos que veem em Portugal uma fonte de competência e que tiram partido dos bons recursos humanos que criamos. Na faixa etária dos 25 a 35 anos, por exemplo, Portugal conseguiu formar mais engenheiros de informática do que a Alemanha. AE – Esse bom momento tem levado muitos brasileiros a Portugal por conta da crise no Brasil. Esse movimento tem sido mais expressivo do que em anos anteriores? PF – Sim, é mais expressivo. O senhor cônsul-geral de Portugal em São Paulo, Paulo Lourenço, me disse que têm sido emitidos muitos vistos para
Governo assegura ambiente de
estabilidade macroeconômica e financeira
Ferreira: brasileiros estão empreendendo nas áreas de serviços e novas tecnologias
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tempo, o país recebe investimentos de grandes multinacionais e fortalece a internacionalização das companhias locais. Ferreira recebeu América Economia na residência do cônsul-geral de Portugal em São Paulo, onde veio participar da edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial, em março, para a entrevista exclusiva a seguir:
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Entrevista
empreendedores ligados às áreas de serviços e de novas tecnologias. Espero que esse movimento, que tem se acentuado, não seja só uma questão de crise no Brasil – pode ter-se iniciado com ela, mas, a partir do momento em que os brasileiros têm um primeiro contato com Portugal, logicamente se apercebem das potencialidades do país. Isso cria uma ligação que não tem a ver com crise, mas com fatores endógenos de Portugal que permitem uma relação mais duradoura.
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AE – Há alguma política específica para recepção dos brasileiros? PF – Não. As políticas desenvolvidas pelo governo de forma transversal beneficiam quem nos procura, sejam brasileiros ou de outras nacionalidades. Temos políticas orientadas, por exemplo, para a criação de um ecossistema favorável para startups e um intenso fomento à inovação nas empresas. Mas, no caso dos brasileiros, certamente a questão da língua cria uma empatia imediata.
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AE – Havia uma expectativa de que as negociações do tratado de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia fossem concluídas no ano passado, o que não aconteceu. Como o senhor avalia o andamento dessas negociações? PF – Portugal desde o primeiro momento tem sido um forte impulsionador desse acordo e participa do processo de decisão enquanto Estado-membro da União Europeia, mas as negociações são conduzidas pela Comissão Europeia. Daquilo que é público, quer do lado do Mercosul, quer do lado da União Europeia, há uma enorme vontade das partes de chegar a um acordo e criar essa área de livre-comércio. O acordo beneficiará não só as empresas, mas os cidadãos de ambos os blocos: mais comércio significará mais bem-estar e competitividade para as nossas empresas. AE – Quais são os principais entraves para a conclusão? O agronegócio do Brasil, por exemplo, tem um peso relevante? PF – Não vou tecer comentários sobre questões específicas. Estive em Buenos Aires em dezembro [na reunião da Organização Mundial do Comércio], e a expectativa era de que pudesse ter havido um fecho político para o acordo. Não aconteceu, mas o que eu noto é que as partes continuam fortemente empenhadas em concretizá-lo. Existe a noção clara de que aquilo que aproxima os blocos econômicos é mais forte do que aquilo que ainda os separa. AE – Algumas análises apontam que o eixo político e econômico da União Europeia foi deslocado para o Leste, com a entrada de novos integrantes. Para Portugal, o acordo representaria uma oportunidade de revalorizar a chamada dimensão atlântica como porta de entrada para o comércio com a Europa? PF – Portugal vê-se como um ponto fulcral de ligação entre a Europa, a América – sobretudo a América Latina – e a África. Existindo o
PORTUGAL É UMA ECONOMIA ABERTA AO MUNDO HÁ CENTENAS DE ANOS. É PRECISO CRIAR UM CONTEXTO MAIS SIMPLES DE ATUAÇÃO DAS EMPRESAS PARA QUE ELAS POSSAM SE INTERNACIONALIZAR. O GOVERNO JÁ INVESTIU CERCA DE € 180 MILHÕES PARA INCENTIVAR OS EMPRESÁRIOS A FAZÊ-LO. MAIS DE 90% DA NOSSA PRODUÇÃO DE CALÇADOS SÃO PARA EXPORTAÇÃO
acordo, naturalmente essa chamada dimensão atlântica seria reforçada, mas eu não a colocaria como contraponto em relação ao Leste da União Europeia, porque as coisas valem por si mesmas. Porém, de fato o acordo fortaleceria a posição de Portugal nesse contexto, sobretudo tendo do outro lado do Atlântico um parceiro como o Brasil, com o qual as relações bilaterais já são mais estreitas. AE – Como o senhor definiria as principais atribuições da sua secretaria? PF – Portugal é uma economia aberta ao mundo há muitas centenas de anos. Olhar para o comércio, seja com a União Europeia, seja com o resto do mundo, não cabe só ao Ministério da Economia, mas é algo que une várias áreas do governo português. O governo lançou recentemente uma política para reforçar a área de comércio internacional e da internacionalização do país. É preciso criar um contexto mais simples de atuação das empresas para que possam se internacionalizar – por exemplo, dando financiamento para que elas ganhem escala. É preciso criar relações para quem ainda não as tem e capacitação, sobretudo dos empresários, para que, quando confrontados com a oportunidade de internacionalização, saibam o que fazer.
AE – Essa política vem surtindo efeito nesses seus quase dois anos e meio no cargo? PF – Temos vários casos de sucesso na capacitação de nossos agentes econômicos para a internacionalização. Mais de 90% da produção de calçados em Portugal são para exportação – e exportamos com valor agregado. Esperamos que esse exemplo seja alargado para outros setores, e para isso mantemos um constante diálogo com as associações empresariais, que sabem quais são as oportunidades e os desafios. Até janeiro deste ano, colocamos no terreno cerca de € 180 milhões para incentivar nossos empresários a se internacionalizar. AE – Há também a inovação do livro de reclamações eletrônico. Como ele funciona? PF – Esse é um projeto que me é muito caro. Em Portugal, quando sente que alguma coisa na relação com o prestador de serviço não vai bem, o consumidor pode reclamar, e a forma como se fazia isso era escrevendo num livro de reclamações. Em julho do ano passado lançamos a possibilidade de o consumidor poder reclamar utilizando os meios digitais de sua casa, em contraponto àquilo que tinha que fazer antes, ou seja, ir ao estabelecimento para preencher uma folha de papel. O cidadão que não tinha tempo de ir pessoalmente muitas vezes não via garantidos os seus direitos. Lançamos o projeto no ano passado, a título experimental, para o que chamamos de serviços públicos essenciais: comunicação – celulares, TV a cabo, internet etc. –, serviços postais, energia e água. Esse processo está funcionando muito bem e vamos ampliar no segundo semestre para outros setores de atividade. Gosto de destacar que isso é bom para os consumidores, porque facilita a resolução dos problemas, mas também é bom para os operadores econômicos, porque têm um feedback mais imediato e podem ver como melhorar sua relação com o consumidor e como prestar melhores serviços.
Há uma enorme vontade de fechar o
acordo entre União Europeia e Mercosul
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Economia
A
taxa Selic, taxa básica de juros no Brasil, atingiu 6,50% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, sendo este o menor patamar não somente desde a implantação do regime de metas para inflação em 1999, mas também da história, desde que a taxa Selic foi criada, em 1986. A taxa ainda deve ser reduzida mais uma vez no próximo encontro do Copom, para 6,25%, conforme indicações do Banco Central, mantendo-se nesse patamar ao longo dos próximos meses. Apesar de a taxa de juros básica estar no menor patamar da história, seus efeitos sobre o mercado de crédito têm sido limitados, mesmo num contexto em que as famílias já reduziram fortemente seu endividamento para patamares de 2007,
quando excluído o crédito imobiliário, ou de 2011, incluindo todas as modalidades de crédito. A principal razão é que o crédito continua caro, pois os spreads – a diferença entre os custos de captação dos bancos e as taxas a que estes emprestam – seguem muito elevados. As razões para spreads elevados são muitas, mas certamente a incerteza sobre o resultado eleitoral é dos itens que mais pesam. A depender de quem ganhe as eleições, podemos ter continuidade no ajuste do atual desequilíbrio fiscal via contenção de despesas e/ou via aumento de receitas. Se não resolvermos o desequilíbrio fiscal dessa forma, a emissão monetária passa a ser uma alternativa, mas que traz consigo o aumento da inflação. Assim, se o próximo presidente for um reformista, os spreads vão cair rapidamente e em grande magnitude, fazendo com que o mercado de crédito volte e funcionar e a taxa Selic de 6,25% passe a ter efeito grande sobre a economia. Nesse cenário, caberá ao Banco Central subir a taxa Selic para limitar a velocidade de expansão do crédito e seus impactos na inflação.
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Queda de juros é temporária e tem efeitos limitados
Se o próximo presidente for um populista e adotar a emissão monetária para lidar com os gastos crescentes, os spreads vão subir ainda mais devido ao aumento de risco. A taxa Selic pode até tardar um pouco a subir, mas dian-
força para voltar a financiar a dívida pública. Resumidamente, a taxa Selic de 6,50% ou 6,25% não está gerando o efeito que teria em condições normais da economia e ficará neste patamar por apenas alguns meses, provavelmente até o início de 2019. Depois, a taxa volta a
O CRÉDITO CONTINUA CARO, POIS OS SPREADS – A DIFERENÇA ENTRE OS CUSTOS DE CAPTAÇÃO DOS BANCOS E AS TAXAS A QUE ESTES EMPRESTAM – SEGUEM MUITO ELEVADAS. AS RAZÕES PARA ISSO SÃO MUITAS, E A INCERTEZA SOBRE O RESULTADO ELEITORAL É UM DOS ITENS QUE MAIS PESAM
te da recusa dos poupadores em financiar a dívida pública com uma taxa de juros real negativa (pois certamente a inflação subirá para além de 6%), o Banco Central não terá outra opção que não seja voltar a subir a taxa Selic com
subir: pouco, se tivermos na presidência um reformista que encaminhe adequadamente o desequilíbrio fiscal, ou muito, se tivermos na presidência um populista que não encaminhe corretamente o desequilíbrio fiscal.
Juan Jensen - Doutor em economia pela USP, sócio da 4E Consultoria e professor do Insper (jensen@4econsultoria.com.br) 40 | AméricaEconomia
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Negócios | Agro
A promessa latino-americana
W 42 | AméricaEconomia
Por Felix Ventura, de São Paulo
illiam Wallace Cargill não poderia imaginar, ao comprar um pequeno armazém de grãos na cidade de Conover (Iowa, Estados Unidos) em 1865, que a companhia Cargill-MacMillan viria a ser considerada a maior empresa de capital privado do mundo. Sediada na cidade norte-americana de Minneapolis, estado de Minnesota, a companhia concentra suas atividades na produção e processamento de alimentos, com operação em 70 países e mais de 150 mil funcionários ao redor do globo.
De acordo com o último Relatório de Sustentabilidade divulgado pela empresa, em 2016, a companhia alcançou a margem de US$ 107 bilhões em vendas, montante que abrange todos os ramos de compra, processamento e distribuição de grãos e outras commodities a fabricantes de produtos alimentícios para consumo humano e animal. A empresa também atende a usuários de produtos industriais energéticos, salinos, de amido e siderúrgicos com base no desenvolvimento sustentável a partir de matérias-primas
O vice-presidente da Cargill para a América Latina, Jorge Calderón, afirma que o bloco será “a grande região do futuro” para a produção agrícola e fala sobre os investimentos no Brasil e nos países vizinhos
agrícolas, além de fornecer soluções financeiras e de gestão de risco para clientes dos setores agrícola, de alimentos, financeiro e energético. No Brasil, a divisão Cargill Alimentos – que integra os resultados de Cargill Agrícola S.A. e Nutrição Animal – obteve a receita líquida de R$ 33 bilhões em 2016, mantendo operações em 176 municípios e quase dez mil funcionários. Os investimentos no país foram da ordem de R$ 775 milhões em infraestrutura logística e portuária, com uma base de aproximadamente de 22 mil agricultores engajados em programas de boas práticas agrícolas. A
companhia opera no país desde 1965 e mantém sua sede em São Paulo. O vice-presidente da Cargill para a América Latina, Jorge Calderón, explica que a empresa trabalha com uma estrutura dividida em unidades de negócios que possuem relativo grau de autonomia entre elas, exatamente por atuar em diferentes áreas de negócios, nas quais nem sempre há conexão direta entre as partes. A companhia opera em 16 países latino-americanos, incluindo toda a América Central, com exceção do Panamá, onde é utilizada somente a infraestrutura do canal para o escoamento de seus produtos. O foco de negócios está concentrado no modelo business to business (B2B). “Mais de 50% da soja, do sorgo e do milho consumidos no mundo são provenientes dos países da América Latina, em especial do Brasil e da Argentina. Temos também algumas linhas de produtos business to consumer (B2C), que tradicionalmente não são os que mais impulsionam os negócios da Cargill, embora façamos a administração de 16 marcas muito importantes no bloco latino-americano referentes à alimentação humana e animal”, esclarece Calderón. Crescimento Todos os planos de negócios da empresa são elaborados sob uma vigência de cinco anos em que estão incluídos aspectos de inovação e de investimento em crescimento orgânico e não orgânico. Na concepção de Calderón, os projetos de crescimento orgânico mantiveram a companhia em expansão e em porcentagens acima de diferentes mercados para essa modalidade, por meio do lançamento de novos produtos mais atraentes para o consumidor e também pela identificação de novas oportunidades de negócios como aquisições, investimentos e parcerias. “Em 2017, ultrapassamos os US$ 500 milhões em aportes na América Latina e, com base nessas cifras, observamos que esse bloco é de muita relevância devido ao seu constante crescimento”, diz. Para o vice-presidente da Cargill para a América Latina, analisando os dados de crescimento
Mais da metade da soja, do sorgo e do milho consumidos no mundo vem da
região
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Negócios
Boa parte da inovação da empresa na América Latina é produzida no
do bloco nos últimos cinco anos, foi percebida uma evolução muito lenta principalmente em decorrência de cenários econômicos bastante complexos e cíclicos. Porém, de acordo com as projeções para os anos de 2017 e 2018, as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estimadas a uma média de 1,7% para o bloco podem indicar o início de uma melhoria econômica na região, avalia Calderón. “O Brasil constitui um bom termômetro e representa muito do impacto no desempenho geral da América Latina pelo tamanho e escala que tem. Os resultados financeiros da companhia no país obedecem a uma dinâmica de normalidade, mas de forma geral, pelas projeções de desempenho da América Latina, esperamos um resultado positivo e com viés de crescimento”, completa. Sobre investimentos realizados no Brasil, Calderón reporta que a companhia está envolvida em projetos como a expansão do terminal portuário de Santarém (PA) e da planta em Três Lagoas (MS). A região andina também é considerada de extrema importância pela empresa, dado o seu potencial de estabilização econômica e política, além DIVULGAÇÃO
Brasil
Jorge Calderón, vicepresidente de uma região em que a Cargill opera em 16 países 44 | AméricaEconomia
da grande capacidade de expansão, especialmente em agricultura. Em 2017, a Cargill adquiriu na Colômbia a Pollos El Bucanero, segunda maior companhia de frangos do país. Na América Central, os negócios da companhia, principalmente relacionados com a produção de frangos, estão bem consolidados. Na Nicarágua, a empresa fez um dos maiores investimentos realizados no país nos últimos anos, num centro de distribuição de frangos, enquanto na Guatemala está sendo construída uma planta de alimento para camarões. Na América do Sul, há crescimento na área de grãos no Peru. No Chile, recentemente a Cargill adquiriu uma das maiores empresas do mundo de alimentação para salmões, e se mantém bastante otimista sobre o grande potencial para novos investimentos no país. “No Equador, estamos próximos de inaugurar uma das plantas mais importantes em aquafeed [nutrição animal com foco em aquicultura]”, destaca. Metas Calderón afirma que a inovação é ponto fundamental numa das companhias mais antigas do mundo. A Cargill está realizando a transformação de todos os seus sistemas em escala global para SAP [sigla em alemão para Systeme, Anwendungen und Produkte in der Datenverarbeitung, ou Sistemas, Aplicativos e Produtos para Processamento de Dados]. “Os gostos dos consumidores mudam de forma permanente, assim como as necessidades dos clientes. Muito do que produzimos em inovação latino-americana é feito no Brasil, onde possuímos um centro de desenvolvimento voltado para esse fim”, salienta. Em relação à entrada em cena de empresas que tradicionalmente não pertencem ao ramo de agronegócio e alimentos, mas que agora miram esse mercado, Calderón diz que a longevidade da companhia permitiu acompanhar todas as mudanças mundiais ocorridas ao longo de 153 anos de existência. Dessa forma, a concorrência foi administrada, enquanto foram mantidas a estabilidade e os valores da empresa.
Tecnologias da indústria 4.0 devem ser incorporadas à produção agrícola, defende o executivo
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Negócios
“Somos uma companhia que, diante de todas as mudanças de ordem global, prosseguiu sempre alinhada às inovações. Somos uma empresa do passado e do futuro. Francamente, vejo as outras companhias como potenciais parceiras para novos projetos e não como competidoras. Nosso core business está em produzir e levar ao consumidor os alimentos da forma mais eficiente possível”, considera Calderón. As metas estabelecidas sobre resultados em nível mundial são, na maior parte das vezes, bastante agressivas. De acordo com o vice-presidente para a América Latina, a Cargill faz parte da esfera corporativa privada mantendo um grande compromisso com seus shareholders. A intenção é dobrar de tamanho a cada cinco anos. Os acionistas confiam tanto na companhia que quase todo o retorno dos investimentos é reaplicado na empresa. “A América Latina recebe cerca de 15% dos investimentos mundiais da companhia, enquanto os Estados Unidos ficam com a maior parte, devido à sua grande estrutura instalada. O retorno financeiro sobre o bloco latino-ameri-
“SOMOS UMA EMPRESA DO PASSADO E DO FUTURO. NOVAS CONCORRENTES NO MERCADO SÃO VISTAS COMO POTENCIAIS PARCEIRAS, E NÃO COMO COMPETIDORAS” 46 | AméricaEconomia
cano está orçado entre 13% e 15%, e esperamos que venha a aumentar cada vez mais”, revela. Para Calderón, a América Latina representa “a grande região do futuro” para a agricultura. A tônica das discussões travadas nos diversos fóruns globais – inclusive no Fórum Econômico Mundial - América Latina, realizado em março em São Paulo, no qual a Cargill esteve presente – ressalta a necessidade de ajustes estruturais e de como incorporar as mais modernas práticas tecnológicas e de inovação facultadas pela indústria 4.0 no setor agrícola, nichos nos quais a empresa atua. Os projetos de reponsabilidade social também integram as ações da companhia. De acordo com Calderón, no México há cerca de 1,5 mil beneficiários, incluindo dez escolas. No Brasil, a empresa exerce impacto social em 52 municípios, com 34 mil favorecidos e 625 voluntários. “Considero muito importante tratar sobre esse tema. Temos projetos de impacto social espalhados em diversos lugares da América Latina, como Argentina e Venezuela. Sou da Costa Rica e, em meu país, há cerca de 16 mil crianças beneficiadas. Na América Central, somos um dos maiores empregadores, com aproximadamente 15 mil funcionários, dos quais 90% participam de ações de voluntariado”, expõe. Para Calderón, as empresas não deveriam atuar isoladamente, e sim em conjunto com diversos atores sociais, não apenas em busca de geração de riquezas ou no pagamento dos impostos – mas também por meio de ações sociais que incluam as partes mais necessitadas da cadeia, dando um retorno ainda maior à sociedade.
O perfil do investidor brasileiro
E
nquanto apenas um terço dos investidores em todo o mundo se dizem muito confiantes em sua capacidade de tomar boas decisões de investimento, no Brasil esse número é de 46%. Por aqui, 66% dos investidores afirmam tomar suas próprias decisões de investimento, contra 49% dos investidores globais. Apenas 4% dos investidores brasileiros concedem total poder de decisão sobre suas carteiras de ativos a profissionais de investimento, percentual que representa menos da metade dos 9% dos investidores globais que afirmam fazer o mesmo. E a qualificação técnica e a educação continuada desses profissionais têm um peso maior para os brasileiros: 92% dos investidores locais declaram que tais traços aumentam seu nível
de confiança nos assessores de investimento versus 79% dos investidores globais. Essas e outras revelações interessantes sobre a mente do investidor brasileiro estão no estudo The Next Generation of Trust (nextgentrust. cfainstitute.org), um belo trabalho publicado pelo CFA Institute, entidade global que reúne profissionais de finanças. Investidores institucionais e individuais de doze países foram consultados sobre seus hábitos de investimento e suas atitudes em relação aos profissionais da área e ao mercado financeiro, e alguns resultados são surpreendentes do ponto de vista quantitativo. Por exemplo, segue muito presente o temor de crises financeiras: enquanto apenas 38% dos investidores globais esperam uma crise nos próximos três anos, no Brasil esse percentual é de 54%. Para os profissionais de finanças, a pesquisa indica que sua credibilidade e o profissionalismo percebido pelos clientes têm bastante espaço para melhorias. A credibilidade vem com a maior capacitação técnica, a entrega de resultados a longo prazo, o
Mauro Miranda, CFA - Presidente da CFA Society Brazil 48 | AméricaEconomia
cumprimento das promessas feitas aos clientes e a adoção de rigorosos princípios de ética e de conduta. O profissionalismo percebido será tanto maior quanto mais transparentes forem as cobranças de taxas e mais clara for a linguagem utilizada na comunicação com os clientes. No que concerne aos investidores brasileiros, dois aspectos fundamentais e inter-relacionados se destacam. Primeiro, o já mencionado excesso de confiança em relação a seus próprios
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Finanças
dos investidores brasileiros afirmam que pessoas e empresas devem fazer por merecer sua confiança de maneira constante, comparado com apenas 46% dos entrevistados globais. Mas esse número reflete uma realidade complexa: como sociedade, substituímos ao longo do tempo a confiança por um sistema de controles (tecnológicos, burocráticos ou cartoriais) que está presente no nosso cotidiano – inclusive em investimentos. De
POR AQUI, 66% DOS INVESTIDORES AFIRMAM TOMAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES, CONTRA 49% NOS OUTROS PAÍSES. PARTE DISSO SE DEVE À REDUZIDA CONFIANÇA EM TERCEIROS NA GESTÃO DAS FINANÇAS, MAS OUTRO ELEMENTO IMPORTANTE É A BAIXA EDUCAÇÃO FINANCEIRA investimentos. É fato que parte dessa autoconfiança vem da reduzida confiança em terceiros na gestão de nossas finanças, mas outro elemento importante é a baixa educação financeira dos investidores: a enorme maioria não sabe que não sabe investir. Segundo, 73%
qualquer forma, os resultados do estudo indicam que mais confiança e mais educação são fatores-chave para melhores resultados para os investidores. As opiniões apresentadas nesta coluna não representam, necessariamente, a visão das entidades às quais o autor está associado.
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Economia | América Latina
Cenário em recuperação Para o economista-chefe da Deloitte México, há um clima de expectativas positivas sobre o desenvolvimento econômico da região – mas isso depende em boa parte dos resultados das eleições em diversos países
N 50 | AméricaEconomia
Por Felix Ventura, de São Paulo
a visão de Andrés Garza, economista-chefe da Deloitte México, o ano de 2017 foi de recuperação e de alinhamento do bloco latino-americano ao contexto global, visto que no ano anterior a região registrou uma retração de aproximadamente - 0,5% em decorrência dos problemas econômicos de diversos países: o Brasil, por exemplo, enfrentava uma recessão e a Argentina também estava saindo de um momento muito ruim. Em termos globais, 2016 pode ser considerado um bom período, com crescimento e recuperação da economia, principalmente para os Estados Unidos e a Europa.
Em fevereiro de 2018, houve uma queda no mercado de ações, em nível mundial, entre 5% e 10%. Na avaliação do economista-chefe da Deloitte México, o panorama latino-americano se manteve resiliente a essa queda, especialmente em países como Brasil e Argentina. “Isso mostra um aspecto muito mais defensivo ao entorno pessimista dos resultados gerados pela queda das ações. Apesar deste ano político bastante carregado que teremos, grande parte dos investidores se conservam otimistas e com muitas expectativas sobre a recuperação da economia latino-americana”, considera
Foco nas reformas Para o economista, muitos países da América Latina estão focados na implementação de reformas estruturais que ajudem a melhorar os seus níveis de competitividade. Tomando por exemplo o caso mexicano, entre os anos de 2013 e 2014, durante o governo de Enrique Peña Nieto, foram lançadas as bases para reformas na educação e em outros setores nos quais não havia muita competitividade – como telecomunicações e petróleo, entre outros. “Atualmente, observamos no México muitos progressos decorrentes dessas reformas. Claro, ainda há muito a ser feito, mas o que já está consolidado ajudou bastante em termos de inflação e mercado de trabalho no país”, afirma. Garza ressalta a importância da redução da dependência que alguns países da América Latina demonstram em relação a itens como o petróleo, uma vez que o cenário favorável atual pode não durar muito. Em sua maioria, os governos estão cientes de que este é o momento certo para seguir com as reformas, acredita. Ao mesmo tempo, há no panorama político latino-americano um intenso sentimento contra o establishment, motivado por questões de corrupção e pelo aumento da violência. Esses fatores, segundo Garza, podem frear o caráter reformista de vários governos. Ainda assim, o ano de 2018 tende a ser um dos melhores para a América Latina desde 2013. “O problema é que a médio e longo prazo, para que isso seja sustentável, é necessário manter o foco nas reformas estruturais”, diz. “Creio que, com os resultados eleitorais em diversos países, o mercado terá maior nitidez se realmente haverá a continuidade desse bom momento latino-americano ou se a melhora é em razão de uma influência global de curto prazo que deve fazer a América Latina diminuir suas taxas de crescimento”.
ANO DE 2018 TENDE A SER UM DOS MELHORES PARA A AMÉRICA LATINA DESDE 2013, PORÉM O MERCADO ESPERA AS DEFINIÇÕES POLÍTICAS PARA TER MAIS NITIDEZ QUANTO À CONTINUIDADE DO PROCESSO, AVALIA O ECONOMISTA A Deloitte é uma das maiores, mais longevas e influentes multinacionais de serviços de consultoria, auditoria e garantia, impostos, assessoria financeira e consultoria de risco. No ano fiscal de 2017, obteve em suas receitas o valor de US$ 38,8 bilhões. A empresa possui quase 264 mil profissionais em suas firmas-membro em mais de 150 países e territórios ao redor do mundo. DIVULGAÇÃO
Garza, destacando que 2018 será um ano-chave para a América Latina em razão das eleições em vários países.
Andrés Garza: em sua maioria, os governos estão cientes de que este é o momento certo para as reformas Abril | 51
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Sociedade
H 52 | AméricaEconomia
Responsabilidade social e filantropia: um reencontro oje o senso comum não relaciona os conceitos de responsabilidade social e de filantropia. A responsabilidade social é quase que exclusivamente associada ao contexto corporativo. Remete a boas práticas de gestão segundo seus defensores, ou a estratégias de marketing para encobrir um capitalismo predatório segundo seus críticos. Já a filantropia é quase sempre vista como sinônimo de doação de dinheiro
por pessoas físicas. Além de redutoras, essas visões ignoram que, em sua origem, a responsabilidade social e a filantropia estão intimamente ligadas. E que ambas podem e devem ser aplicadas tanto no plano das organizações quanto na vida pessoal de cidadãos de todas as classes sociais. Impulsionado pelas mudanças comportamentais dos anos 1960, o conceito de res-
ponsabilidade social corporativa ganhou as manchetes em 1970. Um de seus primeiros teóricos foi Morell Heald, que nesse ano lançou o livro intitulado Responsabilidade Social nos Negócios: Empresa e Comunidade. Para o filósofo com doutorado em Yale, as empresas teriam o dever de participar da vida social e política, já que são parte essencial das sociedades contemporâneas. A obra revela como as empresas norte-americanas investiram de maneira crescente em atividades filantrópicas e relações com a comunidade desde finais do século 19 e de maneira cada vez mais intensa ao longo do século 20. E assim, mostra a íntima relação entre esses dois conceitos, além de sua fundamental importância para construir a liderança do capitalismo norte-americano no cenário internacional. Essa visão, entretanto, logo despertou críticos importantes – e ferozes. Foi em reação ao livro de Heald que o economista e Prêmio Nobel Milton Friedman afirmou, em artigo publicado pelo The New York Times em 13 de setembro de 1970, que a única responsabilidade de uma empresa era utilizar seus recursos e empenhar-se em atividades destinadas ao aumento dos seus lucros. “As discussões sobre as ‘responsabilidades sociais dos negócios’ são notáveis por sua frouxidão analítica e falta de rigor. O que significa dizer que ‘negócios’ têm responsabilidades? Somente pessoas podem ter responsabilidades. Uma corporação é uma pessoa artificial e, nesse sentido, pode ter responsabilidades artificiais, mas não se pode dizer que ‘negócios’ como um todo tenham responsabilidades, mesmo nesse sentido vago’, escreveu Friedman. Quase cinquenta anos depois, essas palavras soam como uma ofensa a outro conceito muito caro em nossos tempos, que é o do desenvolvimento sustentável. Lembro de meu primeiro contato com a expressão “responsabilidade social” em meus tempos de estudante, no final dos anos 1980. Naquela época existia uma demanda muito clara pela mitigação dos danos causados por uma cultura
capitalista predatória, desumanizadora das relações coletivas e destruidora do meio ambiente, encapsulada numa mentalidade de maximização do lucro, crescimento econômico permanente e geração de empregos. Mentalidade ainda afinada com falas como a de Milton Friedman, e que norteou as relações empresariais e humanas por gerações, e muito particularmente em países como o Brasil do “milagre econômico”. Entretanto, o vale-tudo revelado pelos recentes escândalos de corrupção mostra como as relações laborais de um sistema produtivo de alta competitividade, focado exclusivamente em resultados financeiros e cego para suas externalidades, com avaliações de performance cada vez mais definidas por curvas forçadas e parâmetros calibrados na geração de valor para os acionistas (os shareholders), e não para a coletividade (os stakeholders), moldaram nossas relações interpessoais em todos os níveis. Minha geração foi formada – ou deformada – na ideia de entregar resultados individuais, enriquecendo pessoas e acumulando capital financeiro para empresas, sem que nada disso revertesse em capital cívico para o conjunto da sociedade. Fomos programados para ter sucesso no plano pessoal e corporativo, sem levar em conta o plano coletivo, o social em seu sentido mais amplo. Foi nessa jornada que o conceito de responsabilidade social acabou sendo desligado da ideia de filantropia, palavra que vem do grego φίλος e que significa “profundo amor à humani-
Os dois conceitos foram fundamentais para construir a liderança do
capitalismo norte-americano
O VALE-TUDO REVELADO PELOS ESCÂNDALOS DE CORRUPÇÃO MOSTRA COMO AS RELAÇÕES LABORAIS DE UM SISTEMA DE ALTA COMPETITIVIDADE, FOCADO EXCLUSIVAMENTE EM RESULTADOS FINANCEIROS E CEGO PARA SUAS EXTERNALIDADES MOLDARAM NOSSAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS EM TODOS OS NÍVEIS Abril | 53
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Sociedade
É urgente recolocar o legítimo conceito de responsabilidade
social na agenda de todos os setores e poderes
54 | AméricaEconomia
dade”. Assim, a responsabilidade social ficou refém da setorização: sequestrada pelo segundo setor privado, esquecida pelo primeiro setor governamental, fetichizada por um terceiro setor messiânico e desligada das pautas mais urgentes da nossa sociedade. “Essa” responsabilidade social não assume a condição desempenhada, nos Estados Unidos, de formadora de um projeto de nação. Penso que se a responsabilidade social tivesse sido institucionalizada nos setores de produção e serviços como um valor cultural, norteador das relações produtivas, e não como um território acessório, alheio ao core business, marqueteado por entes “do bem”, não teríamos tido tantos escândalos envolvendo organizações não governamentais, empresas e agentes públicos. Tampouco teríamos uma sociedade fraturada por disputas ideológicas, alheias aos interesses mais legítimos da coletividade. É urgente recolocar o legítimo conceito de responsabilidade social na agenda de todos os setores e de todos os poderes, de forma que ele seja o motor para o verdadeiro exercício da cidadania. Ela deve voltar a ser uma atitude, um estado de espírito. Responsabilidade social e a filantropia precisam voltar a caminhar juntas, apoiando-se mutuamente. Ambas são fundamentais para resgatar nossas sociedades do abismo da corrupção sistêmica, que consome não apenas o Estado, mas também as relações interpessoais. A verdadeira filantropia não pode mais ser vista
apenas como doação financeira, devendo materializar-se também em engajamento e voluntariado. Da mesma forma, a verdadeira responsabilidade social não pode estar restrita apenas às corporações, mas precisa se irradiar em cada cidadão, materializando-se em nosso cotidiano por meio de nossa participação cívica. Por tudo isso, estou pessoalmente engajada na construção de um marco legal para aquilo que gosto de chamar de fundos filantrópicos (os endownments, também conhecidos como fundos patrimoniais). Esses fundos permitem que os rendimentos de aplicações financeiras espontaneamente feitas por pessoas físicas, family offices ou empresas sejam destinados a financiar organizações não governamentais nas áreas social, ambiental, educacional ou cultural. O Brasil ainda não possui uma lei específica para o setor. Alguns projetos de lei sobre o tema estão atualmente em tramitação no Congresso, mas pontos importantes para seu bom funcionamento não vêm sendo contemplados. Realidade já conhecida em outros países, financiando algumas de suas mais importantes instituições, os fundos filantrópicos contemplam os valores básicos da responsabilidade social: eficiência de gestão, transparência na prestação de contas, respeito ao Estado e aos direitos humanos. Eles são uma das melhores respostas à preocupação legítima e de longo prazo com o financiamento de interesses públicos. Acredito que esses fundos materializam o reencontro tão necessário entre a responsabilidade social e a filantropia. E por isso convido você a apoiar nosso esforço de construção de um marco legal para o setor. Fica aqui uma semente para plantarmos juntos.
Patrícia Villela Marino Presidente do Instituto Humanitas360
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Especial | Cibersegurança
Ameaça fantasma
Os malwares, em suas diversas formas, continuam atacando milhões de usuários. O aumento incessante do número de dispositivos conectados e a chegada da internet das coisas tornarão cada vez mais importante levar a sério os perigos da cibercriminalidade
N 56 | AméricaEconomia
Por Fernando Chevarría Léon, de San José e Lima
o dia 18 de setembro do ano passado, a Equifax – uma das três maiores empresas de gestão de crédito dos Estados Unidos – anunciou que nos meses de maio e junho piratas cibernéticos haviam acessado os dados pessoais de 143 milhões de norte-americanos, incluindo o número de cartão de crédito de cerca de 209 mil consumidores e documentos com informações pessoais de aproximadamente 182 mil pessoas no país. Suas bases de dados no Canadá e no Reino Unido também foram invadidas. A empresa trabalha com informações de cerca de 820 milhões de pessoas e 91 milhões de empresas em todo o mundo. O ataque à Equifax foi apenas um dos milhares que ocorreram em 2017, ano em que os ran-
sonwares – tipo de programa mal-intencionado que restringe o aceso a determinadas partes ou arquivos do sistema infectado, pedindo um resgate para retirar a restrição – afetaram cerca de 950 mil usuários (em 2016, foram mais de 1,5 milhão de atingidos), de acordo com dados da empresa de cibersegurança Kaspersky Lab. Os principais ciberataques com esse tipo de malware foram o WannaCry, o Pethia e o BadRabbit, que comprometeram os sistemas de informação de centenas de empresas no mundo todo. “O ano de 2017 foi marcado pelo aparecimento de variantes de malware com características de worm, com a particularidade de se propagar de maneira autônoma pelo entorno da
“Muitas pessoas me perguntam se é muito caro se proteger. Eu respondo: quanto vale a base de dados dos seus clientes? É incalculável, porque, se o seu principal concorrente tiver acesso a essa base, você pode perder uma grande porcentagem das vendas, ou mesmo o negócio inteiro. Então, quando trabalhamos a partir da perda potencial que as empresas podem ter por conta de um incidente de segurança, as soluções verdadeiramente não são caras, mas algo que qualquer empresa pode ter. As empresas estão cada vez mais conscientes dos riscos acarretados pela internet das coisas e pelo fato de estarmos constantemente conectados. Vemos que o mercado de cibersegurança tem crescido. Por isso, muitos dos nossos clientes que já têm uma solução solicitam mais a respeito disso”. Federico Pérez, CEO da ESET América Latina
rede, fazendo com que o alcance da ameaça seja maior. O exemplo mais importante desse tipo de ameaça foi o WannaCry, que com mais de 300 mil usuários afetados em 150 países em menos de uma semana foi uma das ameaças informáticas que mais estragos geraram”, diz Camilo Gutiérrez Amaya, chefe do Laboratório de Pesquisa da ESET América Latina, empresa especializada na detecção de ameaças informáticas. Para se ter uma ideia dos danos provocados por um ataque massivo como o do WannaCry, a Maersk – uma das empresas afetadas – calcula um custo de US$ 200 milhões a US$ 300 milhões provocado pelo ciberataque. “Fomos atingidos por um ciberataque nas últimas semanas do segundo trimestre, especialmente na Maersk Line, na APM Terminals e na Damco. Isso afetou negativamente nossos volumes durante duas semanas de julho. Por essa razão, os resultados no terceiro trimestre foram prejudicados”, afirma Soren Skou, conselheiro delegado da transnacional holandesa. De acordo com o relatório de segurança de 2017 da ESET, 49% das empresas da América Latina foram infectadas por algum malware durante o ano, enquanto que 15% por phishing (tipo de fraude eletrônica em que o usuário tem seus dados roubados com a utilização de websites ou e-mails falsos) e 16% por ransomware. Em 2016, de acordo com o estudo – que engloba
4 mil empresas –, 83% das companhias da região sofreram algum incidente de segurança. Mais conexão, novos problemas “Os ataques cibernéticos estão se ampliando e não discriminam tamanho ou ramo das empresas. Os incidentes informáticos produzem impactos econômicos e de reputação para as organizações”, diz Cristian Guerrero, arquiteto empresarial da SAP para a América Latina. “Por exemplo, o ataque conhecido como defacement, que consiste na modificação não autorizada ou alteração dos sites das empresas na internet, produz um impacto altamente negativo, já que leva os usuários a acreditar que essas empresas não contam com os níveis de segurança necessários para se proteger”. “A quantidade e a diversidade de vítimas nos ataques vêm se ampliando ano a ano. Os criminosos já não buscam o dinheiro dos usuários por meio dos malwares tradicionais, mas também focam em entidades financeiras e grandes corporações, nas quais a recompensa pode ser muito maior”, avalia Santiago Pontiroli, analista de segurança para a Kaspersky Lab na América Latina. “O cenário das ameaças inclui cada vez mais dispositivos conectados e novos problemas de segurança e privacidade que teremos que resolver”. “Num mundo digital em que as empresas trabalham com informações e sistemas na nuvem,
Ataques produzem impactos econômicos e de reputação para as
empresas Abril | 57
Especial
Fraudadores podem roubar dados e negociá-los num
gerando e manejando uma quantidade de dados dez vezes maior do que há dois anos, com perfil de comportamento e dados associados à identificação de seus clientes, entre outros, qualquer empresa está sujeita a ataques e necessita planejar e implementar uma estratégia efetiva de segurança cibernética”, afirma Sergio Muniz, diretor de vendas da Gemalto para o mercado de segurança cibernética na América Latina. “Grande parte do volume da informação manejada é interessante para os fraudadores, que podem negociar esses dados em algum mercado clandestino”. De acordo com Cristian Guerrero, da SAP, os ataques mais comuns são os softwares maliciosos, que consistem na introdução de um malware em alguma página da web. Os tipos mais conhecidos são os vírus, os worms e os cavalos de troia (trojans). Uma vez instalado no equipamento, o software pode realizar qualquer tipo de ação, como apagar dados ou recolher informações pessoais. Além disso, são comuns os ataques aos servidores e à infraestrutura da rede. “Um ataque de negação de serviço (DoS, na sigla em inglês) colapsa totalmente um servidor e torna a navega-
mercado
FOTOS: DIVULGAÇÃO
clandestino
Cristian Guerrero, da SAP: ataques cibernéticos estão se diversificando 58 | AméricaEconomia
ção impossível ou muito lenta”, diz Guerrero. Os chamados sniffers, conhecidos como analisadores de redes, também são muito frequentes. “Um exemplo é o WireShark, com o qual se pode ver tudo o que corre pela rede da nossa central em sinais de wi-fi abertos ou com criptografia WEP”, adverte. O roubo de identidades e a modificação ou supressão de dados enviados são outros itens que se somam às possibilidades de fraudes. Prioridade nas empresas O aumento dos ciberataques faz com que as empresas da região tomem mais medidas em relação ao tema. De acordo com a Consultoria Gartner, o mercado de cibersegurança na região vem crescendo progressivamente nos últimos anos, chegando a US$ 783 milhões em 2016, com estimativa de 10% de crescimento em 2017. Federico Pérez, CEO da ESET para a América Latina, adverte que, embora 75% das empresas da região afirmem ter algum produto contra os malwares, isso não é suficiente, já que para obter maior segurança as empresas devem contar também com outras soluções, como firewalls e backups. “Os firewalls são soluções que trazem segurança perimetral, e os backups permitem ter cópias das informações para restaurá-las”, define. O executivo da ESET afirma ainda que, apesar dos problemas, existe uma consciência cada vez maior das empresas sobre a importância do investimento em cibersegurança. “Um fenômeno que vem ocorrendo nos últimos anos na América Latina é que os próprios CEOs, e não apenas os diretores de tecnologia da informação (Chief Information Officer, ou CIO), estão se ocupando das questões de segurança. De fato, nas reuniões com nossos clientes tenho tido contato com muitos gerentes gerais que querem estar presentes para escutar nossos diagnósticos e saber quais são os principais riscos para as suas empresas. Isso é muito importante e vemos que está crescendo, embora talvez num ritmo mais lento do que gostaríamos”, diz. “Um relatório de tendências da Consultoria IDC, de cerca de um ano atrás, aponta que num
futuro próximo 70% dos CEOs das transnacionais que operam na América Latina terão a cibersegurança entre o top 3 de suas prioridades”. Ataques múltiplos Ainda que os usuários e as empresas sejam cada vez mais conscientes da importância da segurança e estejam tomando mais medidas para se proteger, os ciberataques podem seguir crescendo. “Os ciberdelinquentes e grupos de ciberespionagem seguirão infectando os sistemas com as ameaças conhecidas, já que encontraram uma forma de ganhar dinheiro de maneira ilegal, e veremos também novas táticas de ataques. Mesmo assim, é muito positivo que exista uma cooperação cada vez maior entre os organismos encarregados de fazer cumprir as leis e as entidades de cibersegurança privada, para que se avance na prisão dos responsáveis pelos ataques e na dissuasão dos delinquentes”, diz Camilo Gutiérrez. De acordo com o relatório Tendências de segurança cibernética 2018: o custo do nosso mundo conectado, neste ano será registrado um aumento dos ataques à infraestrutura crítica. “Os casos de ciberameaças que afetam a infraestrutura crítica foram notícias importantes em 2017 e seguirão sendo em 2018, na medida em que a infraestrutura de ataques cresce com a incorporação de dispositivos cada vez mais interconectados”, afirma Gutiérrez. De acordo com a ESET, os ataques à cadeia de abastecimento também aumentarão. Embora
Sergio Muniz, da Gemalto: empresas precisam implementar estratégia efetiva de segurança
as grandes empresas estejam despertando para a ameaça de ataques cibernéticos com equipes de segurança que recebem maior respaldo para implementar novas medidas, esse não é o caso das empresas pequenas e médias que administram bens e serviços para organizações maiores. Por essa razão, elas se convertem nas lacunas procuradas pelos cibercriminosos para comprometer infraestruturas mais robustas. Santiago Pontiroli, da Kaspersky Lab, estima que ao longo deste ano os cibercriminosos latino-americanos continuarão observando atentamente os relatórios sobre os ataques e copiarão as técnicas utilizadas pelos seus autores para infectar os dispositivos dos usuários. Está claro que, num cenário em que um arsenal cibernético avançado é utilizado contra os usuários domésticos, os atacantes alcançarão mais vítimas. Pontiroli adverte ainda que os bancos da região terão que enfrentar uma nova realidade de ataques múltiplos com técnicas e vetores híbri-
“Todas as indústrias estão se vendo obrigadas a se transformar digitalmente, e a segurança é um tema fundamental como parte dessa transformação, porque as empresas recebem dados provenientes de múltiplas fontes. As plataformas em nuvem são uma excelente alternativa para as companhias. Por exemplo, se tenho uma grande soma de dinheiro, o melhor lugar para proteger esse dinheiro é um banco – é muito inocente pensar que a segurança em minha casa será maior porque posso ver o dinheiro. O mesmo ocorre no mundo na tecnologia”. Cristian Guerrero, arquiteto empresarial da SAP América Latina Sul
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Especial
dos que permitirão aos seus autores subtrair grandes somas de dinheiro diretamente dos ativos das instituições. Esses ataques poderão ser complementados com o uso de insiders – tecnologias maliciosas para os caixas eletrônicos –, assim como de servidores internos e outras estações dentro das próprias redes das instituições bancárias. A Kaspersky Lab prevê também um aumento dos ataques às pequenas e médias empresas,
Opinião
Joan Manuel Gonzalez, líder da equipe de soluções da SAP América Latina Sul
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principalmente as que possuem sistemas de pontos de venda, em especial aquelas encarregadas de processar transações feitas por cartões protegidos com chip e PIN. “Os cibercriminosos buscarão novas formas de continuar clonando os cartões de crédito e débito, mesmo com as proteções implementadas”, diz Pontiroli. Finalmente, o analista coloca o dedo na ferida ao mencionar os desafios que a internet das coisas
Cinco práticas ignoradas que podem desarmar a bomba-relógio de sua cibersegurança Ano após ano, os vazamentos de informação se tornam mais enredados, maiores e mais perigosos – nenhuma pessoa ou empresa é imune aos ataques de cibersegurança. De fato, qualquer forma de cibercrime pode impactar mais da metade da população. Isso significa algo em torno de 3,8 bilhões de pessoas, 2 bilhões a mais do que o número estimado de 2015. Essa população sujeita a ataques crescerá em 75% – ou mais 2,2 bilhões – com a projeção do número de pessoas com acesso à internet em 2022. Considerando o risco, os consumidores sempre se espantam ao ouvir que as empresas que amam expõem suas informações pessoais ao ignorar vul-
nerabilidades em sua arquitetura de TI ou exigir senhas fracas. Mesmo assim, é possível prevenir uma boa parte desses incidentes. Por exemplo, retardar uma atualização num prazo de apenas seis semanas pode levar a um roubo que impacte centenas de milhões de pessoas em poucos minutos. “O noticiário adverte as empresas de todos os tamanhos que estão se expondo a risco literalmente todos os dias”, observou o CEO da Virtual Forge, Markus Schumacher, durante sua transmissão virtual “Alcançando a segurança básica no ambiente SAP”, organizado pelo America’s SAP User’s Group (ASUG). “Se os executivos falham em implementar bons controles ou utilizar corretamente as medidas de proteção, não estão fazendo o seu trabalho”. Assumir o controle Frequentemente as empresas deixam de lado configurações de sistema, códigos e transferência, ainda que os executivos estejam a par dos requisitos para manter os sistemas seguros. Infelizmente, uma falha em qualquer uma dessas áreas abre a porta aos riscos. Há cinco práticas fundamentais para manter a integridade de segurança das plataformas de TI que os executivos devem reconsiderar em relação aos riscos de cibersegurança que podem ser prevenidos:
(IoT) traz para a segurança. “A IoT cobrará relevância ainda maior no cenário da segurança informática por meio da inclusão massiva de dispositivos inteligentes nas casas e ao passar a fazer parte de nossa vida de forma constante”, pondera. “As vulnerabilidades desse tipo de dispositivos colocarão um problema não só de segurança como de privacidade, e dos limites dentro dos quais um dispositivo pode acessar nossa informação privada. Desde
implantes médicos até carros conectados, teremos um sem-fim de possibilidades para que os criminosos encontrem novas formas de concretizar seus ataques”, complementa Dmitry Bestuzhev, diretor da Equipe de Pesquisa e Análise da Kaspersky Lab América Latina. O quadro demonstra claramente que é cada vez mais importante tomar as melhores medidas de proteção como antídoto para proteção contra os ciberdelinquentes.
Quais os limites para um dispositivo acessar nossa informação
privada?
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Governança, risco e compliance (GRC) das autorizações Deve-se prover acesso seguro e apropriado à informação correta quando e onde os usuários e técnicos necessitem dela. As considerações GRC incluem restrições de usuários e perfis padrão, separação de tarefas, interface de chamadas de função remota, provisionamento e confisco de usuários, criptografia de dados e uso correto de criptografia. As empresas também podem melhorar suas políticas de senhas e implementar melhores práticas.
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Segurança de instalação A implantação e a manutenção da plataforma de TI, tão corriqueiras quanto se possa imaginar, podem impactar significativamente na segurança dos sistemas, informação e reputação da marca. Nesse caso, a organização deve priorizar a instalação de correções de segurança, monitorar continuamente a segurança em todos os sistemas, assegurar RFC e outras plataformas e implementar criptografia.
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Segurança do código personalizado Como as empresas têm maneiras particulares de operar, servir a seus clientes e se relacionar com a indústria, cada plataforma de TI terá um ou mais códigos personalizados. A regra para assegurar um ciclo de vida de desenvolvimento de software seguro é escanear todos os códigos desde o início e com frequência. Tão logo identifique um ponto fraco, o departamento de TI deve avaliar os riscos e propor as soluções imediatamente.
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Segurança de infraestrutura Ao hackear um sistema, a maioria dos cibercriminosos ataca o sistema operacional e a base de dados, primeiramente porque são os de mais fácil infiltração. Por essa razão, é importante fechar e atualizar rapidamente tanto o sistema quanto a base de dados e reforçar a prática de senhas fortes para protegê-los. Adicionalmente, os parâmetros de perfil devem ser controlados e monitorados constantemente, assim como os roteadores e os sistemas Java. Administração de mudanças Durante o desenvolvimento, teste e produção, as empresas devem transportar os códigos de maneira segura e sem o risco de intrusão e corrupção. Seja recebido de fonte interna ou externa, todo conteúdo transferido deve ser inspecionado antes da etapa seguinte no processo de lançamento. Do contrário, riscos evitáveis podem ser introduzidos no sistema. Também é de suma importância permanecer vigilante ao criptografar comunicações e controlar as transferências que respondam às necessidades do negócio. A atenção aos fundamentos da integridade da TI diminui a exposição a riscos evitáveis. A vulnerabilidade dos sistemas aos ciberataques nada mais é do que uma bomba-relógio. Ignorar qualquer aspecto da cibersegurança coloca todos em risco. Para o bem da empresa, dos empregados, dos clientes e da economia, os executivos devem revalorizar suas estratégias de cibersegurança para proteger a empresa de infiltrações evitáveis e das consequências que se seguem a um ataque.
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Juventude
O jovem na política brasileira
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ivemos um momento de profunda descrença no Brasil. Mais do que revolta e indignação, o sentimento dominante é o cinismo, a crença de que, embora a situação atual seja ruim, nenhuma mudança real é possível. Não importa quem chegar lá, será mais do mesmo. O melhor que podemos fazer, se tanto, é impedir que algumas alternativas verdadeiramente piores e desastrosas obtenham sucesso. O Brasil é um sistema que envelheceu, cujos vícios levaram ao imobilismo em que nos encontramos, no qual todos os esforços possíveis servem unicamente à finalidade de garantir a sobrevida da classe política. É sintomático que essa configuração se dê simultaneamente a uma clara dificuldade de encontrar sucessores para as lideranças que nos governam. Somos governados por velhos de espírito: pelo desejo de se acomodar e manter como tudo está. Ao mesmo tempo, enquanto cultura o Brasil idolatra os jovens como portadores das respostas para os nossos desafios nacionais. A política é tradicionalmente o lugar do “velho”, do atra-
sado, do corrupto. O jovem traz consigo uma verdade mais profunda, uma intenção mais pura, o idealismo que a sociedade velha e cansada esqueceu. Até cinco anos atrás, eu podia contar nos dedos quantos colegas ou amigos meus tinham qualquer desejo de participar ou mesmo de influenciar a política do Brasil. Política era caso perdido, o lugar da corrupção e da ineficiência. Querer se dedicar a ela era já um sinal de que algo não ia bem com a pessoa; quase uma falha de caráter. Tudo mudou, evidentemente, quando os jovens tomaram as ruas. Vimos a esperança ser depositada nos jovens nos protestos em 2013, que tiveram diversas reivindicações diferentes; todas, contudo, ligadas a esse fato: a percepção de que o Estado brasileiro tem falhado sistematicamente nos serviços que deveria prover, ao mesmo tempo em que a classe política vive em meio a privilégios. Protestar nas ruas era um jeito de se sentir fazendo história, e por alguns dias realmente ficou parecendo que aquele desejo de mudança – desejo de rejuvenescer a política brasileira – era o bastante para produzir a mudança. Evidentemente, o sonho falhou. Os jovens encararam, com imensa frustração, o tamanho da muralha que se ergue entre quem deseja entrar na política para fazer diferente e quem já está dentro dela. O desejo de mudança precisará vir acompanhado de um maior conhecimento prático e disposição de realmente viver a política.
Das iniciativas partidárias tradicionais, podemos citar os partidos Novo e Rede como exemplos – à centro-direita e à centro-esquerda – de tentativas de rejuvenescer a política. Não por acaso, têm muita adesão entre jovens. E há também iniciativas que operam fora dos partidos, formando e subsidiando candidatos e formuladores de políticas públicas: é o caso do Movimento Agora e do Renova Brasil. Juventude: necessária, mas não suficiente O político velho é alguém profundamente consciente da relatividade das diferentes crenças e ideologias e ciente das limitações de qualquer idealismo. O mundo é composto de interesses e, se quisermos evitar o conflito aberto, é preciso de alguma maneira conciliar esses interesses, procurando apenas o tipo de progresso que não prejudica ninguém. Negociar posições e recursos é o caminho para esse equilíbrio. Já o político jovem traz seu ideal de mudança como o grande motivador de sua ação. É a crença num Brasil melhor que inspira suas ações, e o embate de diferentes visões do bem comum é o ponto de partida para qualquer negociação. No discurso que se tornou padrão hoje em dia, o primeiro é visto como mau e o segundo como bom. A realidade é mais complexa. O jovem que ingressará na política a partir deste ano terá uma acentuada curva de aprendizado pela frente: o aprendizado do que é necessário para manter um país com as nossas dimensões e nossa diversidade de ideias e interesses coeso e capaz caminhar junto. Terá que saber adicionar, ao tão necessário idealismo, uma boa dose de tolerância. Suspeito que, para muita gente, renovar a política seja um jeito mais bonito de negar a política. Afinal, política é a possibilidade de resolver conflitos por meio de palavras: ou seja, de negociação. E aí necessariamente estamos falando de saber ser flexível, de ceder, de fazer acordos. De pensar tanto nos interesses pessoais e partidários (afinal, o Estado é e sempre
será o âmbito da luta pelo poder) quanto no bem comum, isto é, nas mudanças que se quer para o país. A discussão política no Brasil está desgastada. A polarização preocupa pelo abismo de ódio e incompreensão que divide pessoas em campos opostos do espectro ideológico ou partidário, sem nenhuma perspectiva de construirmos pontes. Aqui também os jovens talvez tenham algo a contribuir. O jovem de hoje é alguém que nasceu conectado. E, sendo assim, desenvolveu uma facilidade – inclusive cognitiva – com o meio online: é mais crítico e sabe identificar de maneira quase intuitiva as marcas de conteúdo falsificado. Uma pesquisa recente do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo, revelou um resultado curioso: as páginas de notícia mais engajadas – que são também as mais ativas na hora de divulgar conteúdo tendencioso ou mesmo falso – atraem principalmente leitores mais velhos. Os mais jovens tendem a procurar os portais de notícia convencionais (convencê-los a pagar por essa informação é que é mais difícil…) e fontes menos ideológicas. Não existem milagres. Os jovens não são portadores de nenhuma verdade redentora que vai nos salvar. Têm muito a aprender com as gerações que ainda agora concentram o poder nas mãos. Mas também têm muito a inspirar. O jovem olha o futuro de perto e pode apontar a direção; para pilotar o navio, contudo, depende do conhecimento dos mais velhos.
A polarização preocupa pelo abismo de ódio e incompreensão que divide pessoas em campos
opostos
Joel Pinheiro Economista, mestre em Filosofia (USP), colunista da Folha de S. Paulo e do aplicativo Exame Hoje, trabalha para o Programa Legado para a Juventude Brasileira
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Serviço | Água
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Novo relacionamento com o cliente Inteligência artificial, atendente virtual e facilidades no aplicativo estão entre as ações implementadas pela Sabesp
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DIVULGAÇÃO
Usuários têm novas possibilidades de atendimento presencial e online
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Sabesp inaugurou no dia 15 de março, Dia do Consumidor, uma nova forma de relacionamento com o cliente. A novidade começou a funcionar na agência do M’Boi Mirim, na zona sul da capital. O local continuará a realizar atendimento presencial, e diversas ações foram implementadas para dar mais agilidade ao atendimento e mais autonomia aos clientes. Uma das novidades é a utilização da inteligência artificial. O espaço também conta com estação de aplicativos, rede wi-fi para disponibilizar o download do programa da Sabesp para celulares e tablets e um totem personalizado com uma televisão com tela sensível ao toque, em que o usuário poderá realizar o próprio atendimento. Na prática, o cliente pode usar uma das cabines disponíveis para falar diretamente com a atendente virtual, Sani, além de fazer sozinho a análise de alta de consumo. É possível também realizar uma videoconferência com a central de atendimento ao cliente. O ambiente, um laboratório de relacionamento com o cliente, passou por uma modernização e foi totalmente reformulado. A companhia usará o local para experimentar as melhores ferramentas do mercado, adaptando-as de acordo com a necessidade e expandindo o uso, sempre que possível. Não apenas a estrutura do local foi alterada: a equipe também
passou por novos treinamentos para garantir a maior funcionalidade do espaço. Revisão A agência do M’Boi Mirim realiza o maior número de atendimentos ao público: são cerca de 13 mil clientes por mês. Por esse motivo, a companhia escolheu o local para experimentar novas formas de relacionamento e facilitar a vida da população. Alguns serviços, como parcelamentos e revisão de contas, que representam cerca de 70% dos atendimentos realizados na agência, podem ser feitos pelo aplicativo da companhia. O Sabesp Mobile disponibiliza de forma rápida e fácil o acesso a parcelamento de contas em atraso, segunda via de conta, cópia do código de barras para quitar o débito via app bancário, comunicar falta d’água e aviso de vazamentos, por exemplo. O aplicativo está disponível gratuitamente para download na Play Store e na App Store. Outra alternativa é a agência virtual da Sabesp, disponível no site da empresa (www.sabesp.com.br). O cliente pode solicitar novos pedidos de ligação de água e esgoto, segunda via de conta, consertos, comunicar falta d’água e vazamento de esgoto, além de obter outras dicas e informações. A agência de atendimento M’Boi Mirim fica na Estrada do M’Boi Mirim, 4.059, e funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h.
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Relações internacionais
A confiança da França no Brasil segue intacta
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stamos no ano de 1612, no porto bretão de Cancale. Uma chuva fina, sob um céu nublado, encobre o navio La Charlotte, que, sob o comando de Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, e do capitão Nicolas de Harlay, Senhor de Sancy, prepara-se para navegar para as Américas levando a bordo 500 colonos im-
prudentes que nunca mais verão sua terra natal. Eles fundarão, ao chegar à costa do Brasil, a cidade de Saint-Louis du Maragnan, em homenagem ao seu soberano Luís XIII. A aventura não prosperará, com a intervenção em 1615 das tropas portuguesas vindas de Pernambuco. Saint-Louis du Maragnan
torna-se então São Luís do Maranhão, tendo o mesmo destino da colônia de Henriville, estabelecida em 1555 na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, pelo vice-almirante da Bretanha, Nicolas Durand de Villegagnon. Os aventureiros da França Equinocial e da França Antártica seguiam então o caminho aberto por Binot Paulmier de Gonneville, primeiro francês a pôr os pés em solo brasileiro, quando desembarcou em 1534 em Santa Catarina para levar para a França, sete meses depois, o índio carijó Essomericq, que por sua vez se tornou o primeiro brasileiro a conhecer a França, onde viveu – notável façanha para a época – até os 95 anos de idade. Fica assim comprovado que a França ama tanto o Brasil que tentou por duas vezes invadi-lo! Desde então, tornou-se país vizinho e amigo e com ele compartilha pacificamente sua mais extensa fronteira terrestre. O fascínio dos franceses pelo Brasil é antigo, e podemos dizer, sem cometer exageros, que não existe cidade francesa sem o seu restaurante brasileiro, suas aulas de capoeira ou seu grupo de batucada, mesmo que não haja dúvidas de que o original é preferível à cópia! Esse fascínio, no entanto, é um testemunho da bela imagem desfrutada pelo Brasil na França. O inverso também é verdadeiro, e o interesse dos brasileiros pela França é real, com um fluxo de turistas superior a todos os outros destinos europeus. A comunidade estudantil do Brasil na França é a primeira da América Latina, e os acordos interuniversitários ultrapassam as centenas, incluindo mais de 90 exclusivamente com a Universidade de São Paulo (USP), fundada, como todos sabem, com o apoio da França: os espíritos de Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss e Paul Bastide ainda perambulam por lá. Assim, a França, em vez de conquistar terra brasileira, tem preferido ao longo dos anos conquistar corações com um considerável investimento cultural: mais de 40 centros da
Aliança Francesa atendem à francofilia dos brasileiros, e inúmeros festivais são realizados a cada ano. Um projeto emblemático, até 2023, o centenário do ensino francês no Brasil, pretende oferecer para São Paulo sua melhor escola internacional, multilíngue e multicultural, com a duplicação da capacidade do Lycée Pasteur para até 2,5 mil alunos no coração da maior cidade do hemisfério Sul. Haverá ali a reunião atividades pedagógicas, culturais, esportivas e serviços para os franceses e francófilos com preços acessíveis, de acordo com a filosofia universalista por trás de sua ação. Em poucos dias, os fortes laços entre a França e o Brasil se estreitarão ainda mais. A Air France-KLM inaugurará no próximo dia 3 de maio uma nova linha para o Nordeste brasileiro, conectando diretamente Fortaleza a Paris e Amsterdã. Essa é uma prova da confiança francesa no futuro do Brasil e em seu potencial. Hoje, as empresas francesas permanecem entre os principais investidores estrangeiros no Brasil, com seu mercado de 205 milhões de habitantes (ao qual devem ser acrescidos os 60 milhões presentes nos outros três países do Mercosul). Nos últimos dois anos, os brasileiros atravessaram com coragem que causa admiração uma crise moral, política e econômica
O fascínio dos franceses pelo
Brasil é antigo
COMUNIDADE ESTUDANTIL BRASILEIRA É A PRIMEIRA DA AMÉRICA LATINA NO PAÍS, E OS ACORDOS INTERUNIVERSITÁRIOS ULTRAPASSAM AS CENTENAS, INCLUINDO 90 COM A USP, FUNDADA COM APOIO DA FRANÇA Abril | 69
Relações internacionais
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Empresas francesas investiram
€ 37 bi no Brasil
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que colocou em prova sua resiliência. As empresas francesas investiram € 37 bilhões no Brasil e são o segundo maior investidor estrangeiro no país. Acima de tudo, a comunidade empresarial francesa é o maior empregador estrangeiro do país, com meio milhão de assalariados altamente qualificados, graças a um sistema universitário de alto nível. O Brasil é o campeão mundial de empregos criados pelas empresas francesas. Assim, a totalidade das empresas do CAC 40 (principal índice da Bolsa de Paris) dispõe ao menos de uma filial no país – ou várias delas, geralmente com sedes de produções industriais. Acompanhando o crescimento do país, o número de filiais de empresas francesas no Brasil quase triplicou entre 2007 e 2017, passando de 343 ao milhar – enquanto, dentre as 200 maiores empresas do Brasil em termos de receita, 14 são grupos franceses, testemunhando sua forte posição de mercado por aqui. O Brasil continua sendo o segundo destino dos investimentos franceses em países emergentes, atrás apenas da China. Nossas empresas cobrem todos os setores da economia do país. A presença dos grupos franceses no Brasil é marcada ainda por significativas transferências de tecnologia, especialmente nos contratos civis e militares: o Naval Group com o contrato ProSub; AREVA na construção do terceiro reator da central nuclear de Angra; Airbus Helicópteros, que abriu em Itajubá (MG) a única fábrica de helicópteros da América Latina graças ao contrato HXBR; Alstom, que inaugurou em 2015 a única usina de fabricação de VLTs do subcontinente
graças ao contrato assinado no Rio; Total, único parceiro europeu da Petrobras no pré-sal; e Thales, que em 2016 entregou oficialmente ao governo brasileiro o Satélite Geoestacionário de Defesa e de Comunicações Estratégicas (SGDC). Essa forte presença não é questionada pela recessão que o país atravessa. Embora a maioria dos grupos franceses tenha visto recentemente uma queda em suas atividades, nenhum deles anunciou sua retirada deste mercado estratégico. Em vez disso, algumas empresas continuaram a investir, aproveitando algumas oportunidades de compra de ativos: L’Oreal, Saint-Gobain, CNP Accor, April e GeoPost anunciaram aquisições significativas em 2015 e 2016; a Engie inaugurou a terceira usina hidrelétrica do país; a Renault lançou importantes investimentos recentemente inaugurados em sua fábrica em Curitiba; e a Sanofi Pasteur foi autorizada pelo governo brasileiro a comercializar a Dengvaxia, primeira e única vacina contra a dengue no mundo. A França, com seu milhar de empresas – das quais 650 estão em São Paulo –, é e permanecerá uma grande parceira estratégica do Brasil. Sua confiança no futuro deste país continua intacta. A Agência Francesa de Desenvolvimento, que faz do Brasil uma prioridade e financiou € 2 bilhões em projetos em dez anos, não se enganou. A França faz votos de que o Brasil prossiga seu caminho para a recuperação de sua economia, apoiando a sua entrada na OCDE e também no Conselho de Segurança das Nações Unidas, juntando-se aos Estados mais influentes nas questões globais.
Brieuc Pont Cônsul-geral da França em São Paulo
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Mobilidade
Eletrificação dos transportes: energia para tornar as cidades mais inteligentes
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medida que a urbanização aumenta – cerca de 66% dos habitantes do planeta viverão em cidades até 2050, projeta a Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas –, as cidades e os subúrbios sofrerão transformações significativas para criar condições de vida sustentáveis para seus moradores. Energia e mobilidade são os pilares dessas transformações, e ambas exigirão uma adaptação
radical para atender ao crescimento demográfico e econômico sem aumentar o congestionamento e a poluição. A questão é se os políticos e os líderes das empresas serão capazes de usar e combinar esses pilares de forma a maximizar seus benefícios para o meio ambiente e a criar mais eficiência e crescimento econômico. A Quarta Revolução Industrial oferece uma oportunidade sem precedentes.
I. A mobilidade está mudando À medida que os veículos elétricos (EVs, na sigla em inglês) se tornam mais acessíveis, alguns especialistas preveem que eles constituirão quase um terço das vendas de automóveis novos até o fim da próxima década. O crescimento do carro elétrico é tão real que mesmo as companhias petrolíferas admitem que essa nova fase está chegando. O compartilhamento de veículos continua a aumentar, com estimativas de que, até 2030, esse modelo representará mais de 25% de todas as milhas rodadas globalmente – hoje, representa só 4%. Essas mudanças são apenas as primeiras sugestões do que está por vir, pois logo veremos veículos autônomos (AVs, na sigla em inglês) e frotas comerciais de EVs como parte da vida cotidiana. No futuro, os AVs também custarão significativamente menos por milha – até 40% menos – do que os veículos com motores de combustão interna para uso pessoal, e também podem reduzir o congestionamento e os acidentes de trânsito. II. Ao mesmo tempo, a energia está mudando Estamos em meio a uma evolução global em direção a sistemas de energia que são mais limpos e cada vez mais descentralizados, com energia gerada, armazenada e distribuída mais perto dos clientes finais, com tecnologias renováveis e de armazenamento. Ao mesmo tempo, a digitalização permitirá que clientes e operadores de sistemas de eletricidade controlem onde, quando e como a eletricidade está sendo usada, e novos modelos de negócios emergem. E, finalmente, mais coisas serão movidas a energia elétrica – principalmente o sistema de mobilidade. Essas tendências têm o potencial de se reforçar mutuamente e contribuir ativamente para tornar nossas cidades mais inteligentes. Os políticos e líderes das empresas que pretendem avançar devem agir agora para construir as bases para uma inovação sustentável em ambientes urbanos capazes de capturar e combinar essas novas tendências. III. Uma nova abordagem para a eletrificação do transporte é necessária
Hoje, a mobilidade elétrica é vista amplamente como uma forma de melhorar a qualidade do ar e atingir objetivos climáticos, mas raramente é integrada a uma visão abrangente para cidades mais inteligentes. Os EVs continuam associados aos modelos tradicionais de propriedade e uso, e ainda são considerados apenas carros: os serviços inovadores associados às baterias ou à integração com edifícios inteligentes são ignorados ou, pelo menos, não são suficientemente explorados. As estações de carregamento ainda são desenvolvidas com pouca ou nenhuma consideração dos problemas de energia, ou não exploram tecnologias digitais suficientes, o que dificulta demais a experiência do cliente. Sua localização também mudará inevitavelmente com a transição para a mobilidade compartilhada e autônoma. O relatório Veículos Elétricos para Cidades Mais Inteligentes: o futuro da energia e da mobilidade (disponível em: www.weforum.org/reports/ electric-vehicles-for-smarter-cities-the-future-of-energy-and-mobility), do Fórum Econômico Mundial, desenvolvido em cooperação com a Bain & Company, sugere três princípios gerais:
1. Assumir uma abordagem multistakeholder e para um mercado específico O investimento e a infraestrutura necessários para suportar a mobilidade elétrica variam significativamente de um lugar para outro. Qualquer roteiro focado na mobilidade elétrica deve ser adaptado a três características principais do mercado específico: infraestrutura local e design, sistemas de energia, e cultura e padrões de mobilidade. Todas as partes interessadas devem se comprometer a definir coletivamente um novo paradigma para as cidades, que vão além das divisões da indústria de hoje e incluem a busca por políticas municipais, regionais e nacionais complementares. 2. Priorizar veículos elétricos de alta utilização Os táxis e o transporte público elétricos terão um grande impacto na redução das emissões de carbono. Esses veículos rodam muito mais do que os veículos de uso pessoal, por isso o desenvolvi-
Em breve teremos frotas comerciais de veículos
elétricos incorporados à vida cotidiana
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Mobilidade
mento de frotas de veículos elétricos comerciais e públicos deve ser encorajado. Por exemplo, a Schneider Electric e a BMW fazem parte de um consórcio de empresas em Bangkok, em parceria com a Universidade de Tecnologia King Mongkut Thonburi, para estimular o uso de veículos elétricos em toda a Tailândia, inicialmente por meio do compartilhamento de um carro e um ônibus elétrico no campus da instituição.
3. Implementar uma grande infraestrutura de carregamento hoje, antecipando a transformação da mobilidade A infraestrutura de carregamento de veículos elétricos deve ser desenvolvida ao longo de rodovias, pontos de destino e perto de terminais de transporte público. Isso é crítico por três razões: primeiro, para acompanhar a demanda atual. Em segundo lugar, para tornar as estações de carregamento acessíveis, convenientes e fáceis de usar. E, por último, promover a adoção de EVs em mercados comerciais e privados. Em Hong Kong, o governo local incentiva os desenvolvedores de infraestrutura EV, permitindo que eles se integrem ao Octopus, um sistema de pagamento inteligente popular também usado 74 | AméricaEconomia
para acessar o transporte público. Isso proporciona aos motoristas de veículos elétricos uma maneira conveniente e familiar de comprar energia, o que encoraja mais pessoas a desenvolver EVs, garantindo a disponibilidade de uma rede de estações de carregamento público. A infraestrutura deve ser implementada junto a tecnologias de grid edge – como geração descentralizada, armazenamento de energia e edifícios inteligentes – e integradas a redes inteligentes, oferecendo uma experiência digital de ponta a ponta para o cliente. Isso ampliará os benefícios das tecnologias de grid edge: aumento da confiabilidade, resiliência, eficiência e utilização de ativos do sistema geral; redução das emissões de CO2; criação de novos serviços para clientes; e criação de novos empregos. De acordo com uma pesquisa com 649 motoristas realizada em 2016 pelo Departamento de Transporte do Reino Unido, a falta de disponibilidade de pontos de carregamento é a principal barreira para adoção dos EVs, com 45% das respostas. Em segundo lugar, com 39%, está a distância viajada entre as cargas. A seguir, são apontados motivos como custo (28%), falta de conhecimento (13%) e a concepção de que ainda não se trata de uma tecnologia comprovada (11%), entre outros. IV. Convergência de energia e mobilidade Quando esses três princípios gerais são seguidos, os ativos de mobilidade e os sistemas de energia se ajudam mutuamente. Os EVs podem ser usados como um recurso de energia descentralizada e prover uma capacidade de armazenamento nova e controlável, além de fornecer uma fonte de eletricidade útil para a estabilidade do sistema de energia. Nos mercados onde a regulação permite que os EVs sejam usados como fonte de flexibilidade, as empresas de energia começam a apostar nessa visão, com carros que funcionam como “baterias sobre rodas”. Num projeto piloto na Dinamarca, por exemplo, a Enel e a Nissan montaram o primeiro cen-
tro comercial vehicle-to-grid (V2G): ao vender serviços de regulação de frequência para fins de balanceamento de sistemas para o operador de sistema de transmissão dinamarquês (TSO), um carro pode gerar cerca de € 1,5 mil (cerca de R$ 6 mil) em receita anual. Novos modelos de negócio são possíveis, em que os motoristas e operadores de frotas de EVs podem ser produtores-consumidores de serviços de energia, como o vehicle-to-everything (V2X) e o carregamento inteligente. Esses novos serviços de energia criarão oportunidades adicionais de compartilhamento de receitas entre os proprietários de veículos e os fornecedores de energia, o que reduziria o custo total de propriedade dos EVs e aceleraria sua penetração no mercado. No Campus EUREF, nos arredores de Berlim, as estações de carregamento de veículos elétricos estão integradas à microrrede inteligente local, com geração solar e eólica. A inteligência artificial da microrrede e a capacidade de machine learning otimizam ativamente o carregamento dos EVs. Elas controlam as demandas de cobrança para que sejam equivalentes à capacidade da rede e enviam o excedente de energia para o grid com base em preços dinâmicos. Isso cria um sistema pelo qual a eletricidade é fornecida, armazenada e potencialmente enviada de forma ativa e inteligente. Nesse contexto, todas as novas construções no campus são edifícios sustentáveis e, desde 2014, o Campus da EUREF já alcançou os objetivos climáticos do governo alemão para 2050. V. Projetando um futuro melhor As transformações nos setores de energia e mobilidade são inevitáveis, influenciadas por fatores de mercado e megatendências praticamente imparáveis. A sua convergência é uma oportunidade. As empresas têm a chance de liderar as cidades. Os políticos têm o poder de promover inovação e novas formas de pensar nos governos locais.
Nessas duas frentes, a convergência entre energia e mobilidade deve ser estratégica, intencional e orientada, para que as cidades e os cidadãos recebam o máximo dos benefícios. O setor de energia terá que acelerar em direção a um sistema mais limpo, mais digitalizado e descentralizado, e ainda mais conectado e centrado no cliente. A habilitação de preços dinâmicos e a criação de novas funções para os operadores de rede, ao redesenhar o paradigma regulatório, serão vitais para essa estratégia. O setor de mobilidade terá a oportunidade de desenvolver novos modelos de negócios com base em serviços e compartilhamento, além de novos usos e serviços associados aos EVs, como recursos de energia descentralizados. Os planejadores urbanos precisarão do apoio de stakeholders de energia e mobilidade para definir a localização ideal da infraestrutura de carregamento acessível ao público. Todas as partes serão críticas para garantir uma experiência contínua do cliente, apoiando a implementação de uma infraestrutura flexível, aberta e multisserviços. O novo relatório do Fórum Econômico Mundial sobre veículos elétricos para cidades mais inteligentes, citado acima, fornece uma visão detalhada dessa oportunidade sem precedentes na integração entre energia e mobilidade.
Novos serviços de energia criarão oportunidades de compartilhar
receitas
Jean-Pascal Tricoire Presidente e CEO, Schneider Electric
Francesco Starace CEO e general manager, Enel Group
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Página verde
Existe luz no fim do túnel
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m tempos em que um país busca uma liderança que possa levar seu povo para a era do real desenvolvimento sustentável, enquanto não se encontrar esse líder, vive-se um momento de extrema aventura em todos os sentidos e fica difícil, muito difícil falar em economia verde e implementá-la. Os aventureiros de plantão não estão em busca de soluções sustentáveis para os problemas do país, mas sim focados em criar frases de efeito para que possam tomar o poder e aí sim fazer o que quiserem, ou o que lhes vier à cabeça. Ou seja, o que sabem fazer melhor: corrupção! O debate em curso no Brasil nada tem a ver com prover soluções para que o povo tenha melhor qualidade vida. Ao contrário, acirram-se as lutas ideológicas autodenominadas de esquerda e direita; umas mais amenas, outras mais radicais. Momentos como este nos fazem buscar alento em praças – porém, há boas iniciativas para reforçar nossas energias para continuarmos em frente com a missão de promover os
benefícios socioeconômico-ambientais que a economia verde nos proporciona. Um primeiro alento é de uma iniciativa coordenada pelo professor Roberto Rodrigues, da FGV-Agro, que visa a uma plataforma de Estado para o agronegócio brasileiro e que promova a integração de toda a sua cadeia produtiva – mais do que isso: a integração total do campo com a cidade. Afinal de contas, o agronegócio brasileiro é o pilar econômico do Brasil. A satisfação ainda é maior quando se constata que, sem sustentabilidade, não haverá competitividade para o agronegócio brasileiro. Pela primeira vez, constata-se que os expoentes do meio agro estão convencidos disso. Ufa! Que bom que a ficha caiu! Um outro alento se refere às finanças sustentáveis. Num recente fórum promovido pelas autoridades de Luxemburgo no Brasil, foram apresentados casos de sucesso de uso do mecanismo de finanças sustentáveis. Luxemburgo possui
uma bolsa de valores verde, na qual hoje se negocia a grande maioria dos green bonds emitidos. Entre eles estão os casos das brasileiras Suzano (a pioneira) e da BRF (ao menos um bom exemplo). Exemplos como esse devem ser seguidos em breve por outras empresas. Forte alento vem dos enormes esforços do Banco Mundial, do Fundo Verde da ONU e da Caixa no sentido de criar um mecanismo para financiar a implantação de eficiência energética nos 60 maiores consumidores de eletricidade no Brasil, que consomem cerca de 45% de toda a eletricidade produzida no país. Falta ainda maior consciência do alto comando dessas empresas em priorizar a eficiência – talvez não somente por uma questão econômica e/ou ambiental, mas por questão de segurança de suprimento. Todos sabemos que, se o Brasil atingir determinado patamar de crescimento, o suprimento estará comprometido. Um alento vem das florestas, mais propriamente do Sul da Bahia, região da outrora Mata Atlântica. Um projeto vem reflorestando a área com espécies nativas com propósitos comerciais, isto é, implantando o equilíbrio socioeconômico-ambiental. Trata-se de um projeto levado a cabo pela empresa Symbiosis. Um modelo que deveria ser replicado, por exemplo, na área do Vale do Rio Doce. O governo de São Paulo escolheu a cidade de Monteiro Lobato para implantar um piloto de cidade inteligente. O exemplo é bom, pois uma cidade pequena pode ser um bom laboratório. Existem outras cidades ensaiando também. A Toyota anunciou o primeiro carro híbrido movido a etanol e eletricidade. Um bom avanço que ajuda a acalmar o setor de etanol e a fazer uma transição tranquila para o veículo totalmente elétrico. A Nestlé, depois de muito resistir em práticas nada sustentáveis, como a campanha contra a amamentação e os produtos desenvolvidos para crianças na África que provocaram doenças, parece que acordou para o incremento de uso de
produtos orgânicos e a necessidade de relação mais próxima dos seus fornecedores, premiando aqueles com maior produtividade e menor uso de água. Aliás, a polêmica da Nestlé sobre água ainda não acabou, mas a empresa já está fazendo alguma melhoria. No Brasil, possui uma fábrica zero água, que utiliza a água retirada do leite para a fabricação de alguns produtos. Outra empresa que percebeu que sustentabilidade não é apenas um relatório anual bem escrito é a campeã de corrupção, a Odebrecht. Pois bem, ela resolveu formar um conselho global para ajudá-la a ter regras rígidas contra a corrupção e a favor da sustentabilidade. Aguardemos para ver se o resultado virá mesmo. Cada dia mais a conscientização de que a sustentabilidade tem que ser para valer e que é uma questão de competitividade no mundo moderno deve se impregnar na sociedade brasileira. Exemplos são muito bem-vindos para incentivar outros a fazer o mesmo. A era do green wash (expressão em inglês para esclarecer o ato de quem pinta a porteira de verde para dizer que a fazenda é sustentável) acabou, e quem persistir pagará um preço alto por isso, pois o consumidor está cada vez mais antenado a essas táticas provincianas. A sustentabilidade é uma jornada a ser perseguida com perseverança e cumplicidade, mas os resultados vêm com muita solidez. O chamado aos eleitores em 2018 é mais do que importante: é imprescindível para que possamos colocar a sustentabilidade como forma de melhorar a competitividade do Brasil e com isso termos um povo que se beneficia do equilíbrio socioeconômico-ambiental de uma economia verde. Avante, brasileiro!
Sem sustentabilidade, o agronegócio brasileiro não poderá
competir
Jorge Pinheiro Machado Diretor América Latina – Regions of Climate Actions – R20
Abril | 77
A
cultura jurídica é impregnada pelo fetiche da lei. Costuma-se dizer que o Estado de direito é aquele subordinado aos ditames da norma. O anseio por “segurança jurídica” se traduz num recorrente clamor pelo estrito cumprimento da lei. Ocorre que a lei não exaure o direito. Ou melhor: o direito não está inteiramente contido na lei. Essa é uma face, e nem sempre a mais importante, do fenômeno jurídico. O direito, até etimologicamente é compreensível, significa o “não ser torto”. Ser correto, ser reto, ser conforme com a natureza das coisas. Por isso ele está na espontaneidade com que os seres humanos costumam honrar seus compromissos, dar crédito e confiança à palavra empenhada.
Uma das fontes do direito é o costume. Não seria necessário existir uma lei para que os homens se comportassem de maneira honesta. Pressupõe-se que a única criatura que se considera e se autodenomina racional não necessite de um ordenamento rígido, severo, até cruel, para se comportar, perante o próximo, como alguém provido de bom senso. O que seria da humanidade se apenas a lei servisse de freio para coibir manifestações de barbárie e de incivilidade? Um olhar isento não deixa de conduzir à conclusão de que existe uma observância espontânea a certas regras de conduta e que é por isso que o convívio se torna possível. A sabedoria popular é pródiga em exemplos de natural cumprimento de normas implícitas. Os velhos hábitos agrários dão testemunho disso. A “meação”, que é tradicional na lavoura, mostra que a partilha da colheita se faz mediante uma regra prática e inteligente. Um dos meeiros separa a quantidade a ser repartida em duas porções. O outro, aquele que não separou, tem prioridade na escolha de sua parte.
Não foi necessário editar uma lei formal para que se obtivesse o ideal de repartição justa. Assim existem outras fórmulas ainda em uso e originadas na bússola natural com que é provido cada ser humano considerado normal e não portador de patologia. Entretanto, o fetiche da lei continua no discurso. A mente labiríntica de alguns juristas pretende normatizar todas as hipóteses de
cidade humana de previsão do que é possível acontecer. Excesso de leis prejudica a vida. Tece uma rede de regras que sufoca a liberdade, sob o falacioso argumento de que ela só existirá se houver um minucioso e complexo quadro normativo. O direito é vocacionado a ser o “mínimo ético”; o imprescindível a que a hu-
A VIDA É MUITO MAIS SURPREENDENTE DO QUE A ESCASSA CAPACIDADE HUMANA DE PREVISÃO DO QUE É POSSÍVEL ACONTECER. EXCESSO DE LEIS PREJUDICA A VIDA. TECE UMA REDE DE REGRAS QUE SUFOCA A LIBERDADE, SOB O FALACIOSO ARGUMENTO DA NECESSIDADE DE UM MINUCIOSO E COMPLEXO QUADRO NORMATIVO ocorrências a que a finita criatura está subordinada enquanto peregrina desta efêmera passagem pelo planeta. Daí o excesso de leis, de decretos, de resoluções, portarias, ordens de serviço e a tipologia análoga, a exprimir a vã pretensão de disciplinar o inesperado. A vida é muito mais surpreendente do que a escassa capa-
José Renato Nalini - Secretário de Educação do estado de São Paulo, ex-presidente do TJSP 78 | AméricaEconomia
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O direito é maior do que a lei
RF
Opinião | Justiça
manidade não perca a sua tipicidade própria a seres pensantes, providos de sensatez, cultores da prudência e da moderação. O mais é despiciendo e sufoca a leveza de um convívio que precisa estar ancorado na certeza de que somos semelhantes, iguais nas diferenças, destinados a exercer a fraternidade, o carinho e a compaixão.