Ae483

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PESQUISA EM ALTA

nº 483

www.brasilamericaeconomia.com.br

No 483 MAI/2018 R$ 20,00 ISSN 1414-2341

BRASIL

Brasil é mercado-chave em saúde animal para a Boehringer Ingelheim, diz o CFO Michael Schmelmer

O DESAFIO DA

ENERGIA

DIGITALIZAÇÃO DA ECONOMIA VAI EXIGIR CAPACIDADE CADA VEZ MAIOR DE GERAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO. O FUTURO DA ELETRICIDADE NUNCA FOI TÃO EMPOLGANTE COMO AGORA

MINERAÇÃO CHILE EXPANDE USO DA ÁGUA DO MAR NA EXTRAÇÃO DO COBRE












Nesta edição

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Foque o problema, não a solução Fundador do Waze fala sobre a origem do aplicativo e suas novas iniciativas depois da venda da companhia para o Google

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O valor da confiança Pesquisa sobre o comportamento dos investidores brasileiros e internacionais revela transformações graças a uma nova geração de interessados em aplicar no mercado

CAPA

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A nova era da energia

Crescente presença da digitalização na economia e na vida dos cidadãos exigirá um consumo cada vez maior de eletricidade ENTREVISTA

16

Michael Schmelmer, CFO global da Boehringer Ingelheim Brasil é mercado-chave para os negócios de saúde animal da gigante farmacêutica, que concentra uma de suas operações comerciais e industriais mais importantes no país

NEGÓCIOS

30 34

Blockchain para as classes D e E Plataforma utiliza tecnologia baseada nas cadeias de blocos para permitir acesso a serviços financeiros

Transação global Solução permite que consumidores sem conta em banco adquiram produtos em sites internacionais

12 | AméricaEconomia

52

De olho nos emergentes Administradora de fundos francesa abre escritório em Miami para acompanhar de perto as oportunidades de investimento na América Latina

60

Água do mar como opção Plantas dessalinizadoras se transformaram na alternativa para que a extração de cobre possa continuar sendo realizada em regiões de escassos recursos hídricos no Chile

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Arma secreta Tensão nos meios financeiros não altera os planos audaciosos da Argentina de atrair nove milhões de turistas estrangeiros até 2020

SEÇÕES

14 Editorial 22 Movimentos 26 Moderador 28 Tecnologia 36 Economia – Juan Jensen 58 Comunicação – Paulo Nassar 66 Finanças – Mauro Miranda, CFA 72 Debate – Néri de Barros Almeida 76 Página verde – Jorge Pinheiro Machado 78 Opinião – José Renato Nalini



Editorial

AMÉRICAECONOMÍA INTERNACIONAL Publisher e Editor: Elías Selman C. Editor-Geral: Fernando Chevarría León Editor Executivo: Rodrigo L. Serrano Editores: Paulo Hebmüller (São Paulo), Jorge Cavagnaro (Guaiaquil), Lino Solís de Ovando (Santiago), Rery Maldonado (La Paz), Carolina Torres (Tegucigalpa). Editor-at-large: Samuel Silva Repórteres: Laura Villahermosa e Hugo Flores (Lima), Camilo Olarte (Cidade do México), Alejandro González (Bogotá), Hebe Schmidt (Madri) Colunistas fixos: John Edmunds, Jerry Haar, Susan Purcell Kaufman Designer: Sandra Florián AMÉRICAECONOMÍA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor: Andrés Almeida Pesquisadores Seniores: Fernando Valencia Analistas: Catherine Lacourt e Juan Francisco Echeverría Analista Peru: Carlos Alcántara AMÉRICAECONOMÍA.COM Subdiretor de Mídias Digitais: Lino Solís De Ovando Repórteres: Héctor Cancino, Fernando Zúñiga, Juan Toro, Cristian Yánez e Matías Kohler

PRESIDENTE Agostinho Turbian - publisher@editorai.com.br VICE-PRESIDENTE Tathiana H. S. Turbian - tathiana@editorai.com.br MARKETING/COMERCIAL Tathiana H. S. Turbian - tathiana@editorai.com.br EXECUTIVA COMERCIAL Cristiane Antunes - cristiane@editorai.com.br DEPARTAMENTO FINANCEIRO financeiro@editorai.com.br ASSISTENTE DIRETORIA EXECUTIVA Eduane Andrade - eduane@editorai.com.br DIREÇÃO DE ARTE Rogério Macadura - arte@editorai.com.br INNSBRUCK EDITORA Av. Angélica, 688 - Conj. 702 Santa Cecília - Sao Paulo/SP - Brasil - CEP. 01228-000 Tel.: 11 3663-2242 Periodicidade: Mensal (Maio de 2018) Foto da capa: 123RF Impressão e Acabamento: Referência Gráfica Distribuição em bancas: Total Publicações – Edicase

Paulo Hebmüller Editor-chefe

MARCOS SANTOS

PUBLISHER E EDITOR Agostinho Turbian - publisher@editorai.com.br CEO Tathiana H. S. Turbian - tathiana@editorai.com.br ASSISTENTE DA PRESIDÊNCIA Patrícia Vidak - patricia@editorai.com.br CONSELHO EDITORIAL Jorge Pinheiro Machado, presidente Antonio Carlos Romanoski, Elmano Nigri, Mario Garnero, Romeu Chap Chap, Toni Sando e Wilson Levorato CONTEÚDO Editor-chefe: Paulo Hebmüller - paulo@editorai.com.br Repórteres: Beatriz Santos - beatriz@editorai.com.br Felix Ventura - felixventura@editorai.com.br Diretor de Arte: Rogério Macadura - arte@editorai.com.br Tradução: Felix Ventura - felixventura@editorai.com.br Paulo Hebmüller - paulo@editorai.com.br COLABORADORES Cristian Aránguiz, Gastón Meza Acuña, Jorge Pinheiro Machado, José Renato Nalini, Juan Jensen, Mauro Miranda, Natalia Vera, Néri de Barros Almeida e Paulo Nassar ASSINATURAS assinaturas@editorai.com.br AMÉRICAECONOMIA BRASIL DIGITAL www.brasilamericaeconomia.com.br Editora: Beatriz Santos - beatriz@editorai.com.br Consultor editorial de turismo: Antonio Euryco aeturismo@editorai.com.br

Um futuro eletrizante

ainda não tem um plano firme para a área de tecnologia e sus“O Brasil tentabilidade, e vem inclusive aumentando a sua pegada de carbo-

no. Estamos tentando mostrar que a descarbonização da economia é uma grande fonte de desenvolvimento econômico que o país não está aproveitando”: o alerta é de Tania Cosentino, presidente da Schneider Electric na América do Sul. Tania foi uma das participantes do Innovation Summit Paris, promovido em abril pela multinacional na capital francesa. No evento, que reuniu cerca de 5 mil pessoas, houve debates sobre algumas das principais tendências para a economia do século XXI. O CEO global da Schneider, Jean-Pascal Tricoire, lembrou que para muitos a eletricidade é o passado, enquanto o digital seria o futuro. Em sua opinião, trata-se de um duplo equívoco: o digital já é o presente, e o futuro da eletricidade – que terá a função de alimentar um mundo com cada vez mais aparelhos conectados – está repleto de novas possibilidades. Quem também chamou a atenção para as enormes possibilidades trazidas pela digitalização, com desafios que no momento são iguais para todos no mundo inteiro, foi Cleber Morais, presidente da empresa no Brasil. “O que não podemos é perder mais uma vez o bonde da história. O bonde está passando e a chance de a gente entrar é muito grande”, considera. AméricaEconomia, que torce e trabalha para que o país não se perca nessa viagem, estava presente ao Innovation Summit e traz nesta edição a cobertura do evento. Boa leitura.

ESCRITÓRIOS Buenos Aires: +5411 4612-7723 | São Paulo: +5511 3663-2242 Costa Rica: +506 225-6861 | Lima: +511 610-7272 Miami: +305 648-9071 | Panamá: +507 271-5327 Santiago: +562 2290-9400 | Uruguai: +5982 901-9052 Cidade do México: +5255 5254-2400

Os textos assinados pelos articulistas não refletem, necessariamente, a opinião da revista AméricaEconomia ATENÇÃO: pessoas não mencionadas em nosso expediente não têm autorização para fazer reportagens, vender anúncios ou pronunciar-se em nome da AméricaEconomia

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REUTER

Entrevista | Michael Schmelmer, CFO global da Boehringer Ingelheim

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Brasil é mercado-chave para os negócios de saúde animal da Boehringer Gigante farmacêutica concentra uma de suas operações comerciais e industriais mais importantes no país e está investindo na expansão de suas fábricas e no tamanho dos times comerciais Por Beatriz Santos, de São Paulo

A

história da Boehringer Ingelheim se iniciou em 1885, na Alemanha. Seu nome está ligado ao fundador da companhia, Albert Boehringer, e Ingelheim, cidade que até hoje é a sede da matriz corporativa. A empresa inicialmente produzia ácidos em escala industrial e em pouco tempo passou a investir no setor farmacêutico. Após mais de 130 anos, a empresa familiar se tornou uma das 20 maiores farmacêuticas do mundo e conta com cerca de 50 mil funcionários ao redor do globo atuando nos três principais segmentos da empresa: saúde humana, saúde animal e fabricação de biofármacos. Em 2017, a companhia registrou quase € 18,1 bilhões em vendas líquidas. Michael Schmelmer, CFO global da Boehringer Ingelheim, comemora o resultado. “Nós estamos muitos satisfeitos com as vendas totais, nas quais a unidade de saúde humana contribuiu com € 12,6 bilhões e a saúde animal com € 3,9 bilhões”, detalha.

Para que esse crescimento continue, a empresa dedica grandes investimentos à pesquisa. “Investimos € 3,1 bilhões em pesquisa e desenvolvimento e nos comprometemos a investir mais € 20 bilhões até 2025”, diz o CFO. Além disso, para reforçar a forte presença em produção biofarmacêutica, a Boehringer Ingelheim está destinando cerca de € 700 milhões a uma nova planta, em Viena, Áustria. No Brasil, a Boehringer Ingelheim possui escritórios em São Paulo e Campinas, e fábricas em Itapecerica da Serra e Paulínia. Nesta entrevista exclusiva à revista AméricaEconomia Brasil, o executivo fala sobre a forte investida da companhia no segmento de saúde animal após a fusão com a Merial, em 2017, e destaca o Brasil como mercado-chave na região latino-americana. Schmelmer também explica como funciona a nova plataforma de colaboração em pesquisa científica e destaca as recentes principais parcerias com universidades e centros de pesquisa – parte importante da estratégia da companhia.

Empresa vai destinar € 20 bilhões para pesquisa até

2025 Maio Julho 2018 | 17


Entrevista

JÁ TEMOS UMA DE NOSSAS OPERAÇÕES COMERCIAIS E INDUSTRIAIS MAIS IMPORTANTES NO BRASIL. ESTAMOS INVESTINDO NA EXPANSÃO DAS FÁBRICAS E NO TAMANHO DOS TIMES PARA APRIMORAR NOSSOS SERVIÇOS E NOS APROXIMARMOS MAIS DOS PRODUTORES E DOS DONOS DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO AméricaEconomia – O fundador da Boehringer Ingelheim foi um dos pioneiros do que viria a ser a biotecnologia, e acredito que esse deva ser um norte da empresa. Como as inovações e a biotecnologia têm impulsionado o setor de saúde humana e animal? Michael Schmelmer – Um exemplo foi a criação de um centro de biotecnologia da empresa em Biberach, na Alemanha, em 1986. O primeiro produto, Actilyse, originalmente licenciado pela Genentech, para dissolver coágulos de sangue em pacientes com acidente vascular cerebral (AVC), começou a ser produzido, e continua sendo, nessa fábrica. Além disso, nós estamos focados em novas entidades biológicas (NBEs, na sigla em inglês) em nosso pipeline de pesquisa e desenvolvimento. Nossa produção biofarmacêutica para outras companhias está evoluindo, com vendas líquidas de € 678 milhões em 2017. Para reforçar nossa forte presença em produção biofarmacêutica, estamos investindo cerca de € 700 milhões em uma nova planta em Viena, Áustria. AE – A companhia tem apostado fortemente no mercado de saúde animal, após a fusão com a Merial em 2017. O objetivo é que esse segmento represente mais de 25% do faturamento total. Como essa área tem caminhado desde então? 18 | AméricaEconomia

MS – Em 2017, a unidade de saúde animal chegou aos € 3,9 bilhões. Comparando isso ao total de vendas da companhia, que atingiu os € 18,1 bilhões, estamos próximos dessa meta. E estamos apenas começando a alavancar o melhor das duas companhias, tornando-as uma só. AE – A empresa está há sessenta anos no Brasil. Com a forte investida da companhia em saúde animal, como a empresa enxerga o país como mercado nesse segmento, uma vez que por aqui o agronegócio é de extrema importância? MS – O Brasil é um mercado-chave para os negócios de saúde animal da Boehringer. Nós já temos uma das nossas operações comerciais e industriais mais importantes aqui no país. Além disso, também temos capacidade para pesquisa. Atualmente, estamos investindo na expansão de nossas fábricas e no tamanho de nossos times comerciais para aprimorar os nossos serviços e nos aproximarmos dos produtores de animais, veterinários e donos de animais de estimação. Queremos crescer no Brasil e com o Brasil. Existem muitas oportunidades em saúde animal para aumentar o valor dos setores de proteína animal e cuidados com os animais, ajudando nossos clientes a obter sucesso, especialmente na prevenção de doenças, onde a companhia é líder global em vacinas e parasiticidas. AE – O complexo industrial de Paulínia, em São Paulo, tem a mais moderna fábrica de vacinas contra febre aftosa da América Latina, com a mais alta tecnologia de produção disponível no mundo. Quais os mercados que essa planta deve atender? Exportações também estão nos planos? MS – Paulínia faz parte de nossa rede de fábricas globais. Já foi polo de exportação e continua exportando nos dias de hoje. O novo local de fabricação do medicamento contra a febre aftosa foi construído para continuar a exportação no futuro. Atualmente, nós exportamos vaci-


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nas contra febre aftosa para outros mercados da América Latina. A fábrica de Paulínia produz várias de nossas mais importantes marcas globais, incluindo Nexgard e Ivomec, que abastecem o mundo todo. AE – Na América Latina, quais são os mercados que mais se destacam, tanto em saúde animal quanto em saúde humana? MS – A Boehringer Ingelheim é ativa em todos os mercados da América Latina. Nossa unidade operacional para saúde humana está localizada em Buenos Aires e é responsável por todos os países de língua hispânica da América Latina. O México tem uma unidade operacional e uma planta separadas, sendo responsável por países menores na América Central.

Em saúde animal, também estamos presentes nos mercados latino-americanos. Em nossas operações, Brasil, México e Argentina são os países líderes em venda e tamanho. No Brasil e no México, temos uma importante capacidade de pesquisa e fabricação, com a planta de Paulínia, no Brasil, que é uma das mais importantes da nossa rede global.

Companhia é líder global em vacinas e parasiticidas

AE – Recentemente, a empresa lançou uma plataforma inédita que oferece livre acesso de pesquisadores a algumas de suas moléculas, o opnMe.com, a fim de acelerar a pesquisa científica. Como isso pode ajudar no processo de pesquisas em biomedicina? MS – No nosso portal (www.opnme.com), começamos a disponibilizar há alguns meses Maio Julho 2018 | 19


Entrevista

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livre acesso a moléculas pré-clínicas selecionadas para cientistas de todo o mundo realizarem pesquisas não-clínicas com o intuito de avançar em descobertas científicas. Nós oferecemos outras moléculas exclusivamente para cientistas que têm a intenção de usá-las em parceria com pesquisadores da Boehringer Ingelheim no estudo e desenvolvimento de novas hipóteses de tratamento. Já recebemos cerca de 350 pedidos para as 20 moléculas em apenas quatro meses. Os pesquisadores precisam concordar em usar as moléculas respeitando certas regulações éticas e legais. Fora isso, possuem total liberdade para conduzir suas pesquisas. Eles também têm propriedade sobre os resultados baseados na molécula. É diferente para as duas moléculas que oferecemos, até agora, para projetos de colaboração. Aqui o objetivo é fazer um contrato de parceria com cientistas externos e seguir com o projeto em conjunto. Essa abordagem já gerou resulta-

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dos promissores. Para o primeiro dos dois projetos, duas parcerias estão em andamento no campo das doenças infecciosas e respiratórias. É possível que tenhamos o desenvolvimento de mais projetos num futuro próximo. Fazemos uma forte divulgação do portal em nossos canais digitais. Isso permite que pesquisadores do mundo todo possam entrar em contato conosco e trabalhar com nossas moléculas. AE – Existem outras iniciativas da empresa, assim como o opnMe.com, de pesquisa compartilhada? MS – Não como essa, mas temos projetos com abordagens diferentes. Por exemplo, estamos engajados com crowdsourcing para questões científicas complexas com pesquisadores de vários lugares do mundo. Além disso, trabalhamos com startups, em incubadoras, na Alemanha e na França, para unir P&D com soluções digitais.


AE – Ainda no que diz respeito aos processos de P&D, a companhia mantém parcerias com universidades, institutos científicos e empresas de biotecnologia? MS – Sim. Parcerias são uma parte importante da nossa estratégia, pois geram descobertas e desenvolvimento de medicamentos importantes. Inovações externas, em todas as fases de pesquisa e desenvolvimento, têm feito uma importante e valiosa contribuição para nossa companhia. Nosso escopo estratégico se baseia na concentração de nossos recursos em doenças que atualmente são difíceis de tratar ou não possuem tratamento e na identificação e exploração de novas terapias e tecnologias. AE – Quais são os principais destaques das últimas parcerias? MS – Temos a parceria com a Dicerna para descobrir e desenvolver uma nova interferência terapêutica RNA para o tratamento de doenças crônicas do fígado; a busca de novas terapias para o Sistema Nervoso Central com autofonia com o objetivo de acelerar o progresso em novos medicamentos em áreas médicas de extrema necessidade; a colaboração com a MiNA Therapeutics para desenvolver novos compostos para tratar doenças hepáticas fibróticas; a parceria com Siamab para desenvolver anticorpos para terapias alvo para tumores sólidos; e a colaboração com a Gubra para identificar e desenvolver novos compostos peptídicos para o tratamento da obesidade. AE – Quais foram os principais destaques dos negócios no ano de 2017 para a Boehringer Ingelheim? MS – Estamos muitos satisfeitos com as vendas totais de € 18,1 bilhões, para as quais a unidade de saúde humana contribuiu com € 12,6 bilhões e a saúde animal com € 3,9 bilhões. Seis de nossos produtos atingiram o status de melhor em vendas em dólares (Spiriva, Pradaxa, Jardiance, Família Trayenta, Família Micardis e Ofev).

PARCERIAS SÃO UMA PARTE IMPORTANTE DA NOSSA ESTRATÉGIA, POIS GERAM DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS IMPORTANTES. CONCENTRAMOS NOSSOS RECURSOS EM DOENÇAS QUE SÃO DIFÍCEIS DE TRATAR OU QUE NÃO TENHAM TRATAMENTO HOJE Investimos € 3,1 bilhões em P&D e nos comprometemos a investir mais € 20 bilhões até 2025. AE – Quais foram os resultados financeiros de 2017 da empresa no Brasil? MS – Alcançamos o resultado de mais de € 400 milhões em vendas no Brasil em 2017. Os produtos mais vendidos são Spiriva, Jardiance, Trayenta, Micardis e Pradaxa. AE – Quais as perspectivas para 2018 para a empresa em âmbito global? MS – Nossa expectativa para 2018 é chegar a resultados interessantes por meio dos estudos clínicos e, para os próximos dois a três anos, alcançar novos tratamentos em mesotelioma [câncer causado por asbesto], esclerose sistêmica, doença pulmonar intersticial, insuficiência renal crônica e insuficiência cardíaca. AE – Quais as expectativas para a empresa no Brasil, levando em consideração a situação da economia e também a incerteza no campo político? MS – Em termos de vendas, tivemos um crescimento modesto comparado a 2017. Com relação ao Brasil, sabemos que o país está voltando a crescer após um período de recessão e, por isso, a contenção de custos é uma prioridade para o governo, o que significa que remédios genéricos estão amplamente disponíveis e a compra de medicamentos mais avançados oferece alguns desafios para o sistema. Maio Julho 2018 | 21


Movimentos

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México lidera na energia limpa Investimentos do país em 2017 superaram os do Brasil, até então o primeiro lugar na América Latina. Plano é atingir 35% de geração por fontes renováveis 22 | AméricaEconomia

México (556%) e a Argentina (777%) foram os países que mais aumentaram seus investimentos em energias limpas em 2017, na contramão da tendência de regresso aos combustíveis fósseis que parece ser apoiada pelo discurso do grande vizinho do Norte. O México investiu US$ 6,2 bilhões e pela primeira vez ultrapassou o Brasil, até então o líder latino-americano, de acordo com as cifras anuais da Bloomberg New Energy Finance (BNEF). Em termos globais, o investimento alcançou US$ 333,5 bilhões no ano, um aumento de 3% em relação a 2016 e a segunda cifra mais alta da história, perfazendo um total acumulado de US$ 2,5 trilhões desde 2010. O crescimento “se dá graças à localização geográfica privilegiada do país, com acesso a recursos naturais e a mecanismos implementados com a reforma energética”, afirmou Pedro Joaquín Coldwell, titular do Ministério da Energia, na abertura do recente Fórum Energy México. “Em 2020, contaremos com quatro vezes a capacidade eólica e solar que tínhamos no início do sexênio”, completou. A criação de mecanismos como leilões e licitações incentivou a geração desse tipo de energia. Desde que foi promulgada a reforma energética, em 2014, já se realizaram três leilões de longo prazo, com investimentos de US$ 8,6 bilhões, e nos próximos três anos serão instaladas 65 novas centrais elétricas no país, principalmente solares e eólicas. A geração de energia por meio de fontes renováveis já chegou a 14% no país, de acordo com um comunicado do ministério. O plano é atingir 35% de geração a partir das chamadas fontes de energias limpas até 2024. O México é um dos países com preço mais baixo por kilowatt gerado. O desenvolvimento desse tipo de energia parece reafirmar o que disse Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), numa recente passagem pela capital do país: “O potencial solar, eólico e hídrico no México é enorme. O país pode se converter em exportador de energias limpas e em líder global nessa área.” AméricaEconomía Internacional


As abelhas serão a salvação da lavoura

Os insetos podem ajudar a evitar a queda abrupta na produção de café na América Latina por conta do aquecimento global

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aroma de uma xícara de café premium latino-americano pode se desvanecer nos próximos anos. De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Vermont e pelo Smithsonian Tropical Research Institute, em 2050 as áreas adequadas para o cultivo do grão na América Latina – a maior região produtora do mundo – terão diminuído entre 73% e 88% por conta dos efeitos do aquecimento global. Mas as abelhas podem evitar o desaparecimento dos hectares dedicados a esse cultivo. De acordo com a pesquisa, liderada pelo cientista David Roubik e publicada na revista da Academia Nacional de Ciências, apesar das reduções previstas em todas as espécies de abelhas em todos os cenários, ao menos cinco espécies do inseto sobreviveriam em áreas adequadas para o café. Em aproximadamente metade, sobrariam dez espécies de abelhas. “O café é um dos produtos mais valiosos da terra e necessita de um clima adequado e de abelhas polinizadoras para produzir bem”, diz Taylor Ricketts, diretor do Instituto para o Meio Ambiente da Universidade de Vermont e coautor do estudo. “Essa é a primeira pesquisa que mostra como é provável que ambos mudem sob o aquecimento global de uma maneira que afetará duramente os produtores de café”. Apesar dessas projeções, os cientistas preveem um ligeiro aumento na produção em áreas montanhosas do México, Guatemala, Colômbia e Costa Rica, onde se espera que as temperaturas favoreçam o cultivo da planta e também as populações de abelhas mais robustas.

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AméricaEconomía Internacional

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Movimentos

Mais uma, por favor!

Cerveja sem álcool ou de baixo teor alcoólico ganha mercado a cada ano. Quatro países, entre eles o Irã, concentram mais da metade do consumo

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cerveja artesanal parece não ser a única a conquistar adeptos nos últimos anos em nível global. O mercado de cervejas sem álcool ou de baixo teor alcoólico também ganha peso a cada ano – até 2021, deve crescer a uma taxa anual de 4,7% em volume, frente a 0,6% do crescimento total da bebida em nível global, de acordo com a Euromonitor International. Para Anna Ward, analista de bebidas alcoólicas da empresa de inteligência de mercado, num contexto em que a população se preocupa cada vez mais com a saúde, as cervejas

sem álcool estão se posicionando como uma alternativa aos refrigerantes, tradicionalmente ricos em calorias. Ward explica que a popularidade da bebida vem se estendendo geograficamente e seu consumo cresceu em volume em todas as regiões do mundo de 2010 a 2016, com exceção da América do Norte. O Irã, a Alemanha, a Nigéria e a Espanha concentram 52% desse consumo. O mercado global de cerveja deve alcançar quase 200 bilhões de litros no ano de 2021. AméricaEconomía Internacional

Preferência global

Marcas multinacionais superam as locais entre os consumidores latino-americanos na maior parte das categorias pesquisadas pela Nielsen

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s marcas locais da América Latina têm dificuldades para conquistar a preferência dos latinos. De acordo com a Pesquisa Global da Nielsen sobre a Origem da Marca – que analisa as preferências de produtos fabricados por grandes marcas globais/multinacionais versus produtos fabricados localmente em 34 categorias –, os consumidores da região preferem as marcas globais especialmente em produtos para bebês (como fraldas e alimentos), bebidas industrializadas (como refrigerantes e sucos), vitaminas e suplementos e as linhas femininas de produtos de higiene pessoal. Para essas últimas categorias, somente entre 9% e 14% dos latinos pesquisados afirmaram preferir marcas locais. Nem tudo está perdido, entretanto. De acordo com o estudo, duas categorias se destacam como bastiões das marcas locais: laticínios e alimentos frescos. “Essa preferência tem lógica, dado o desejo dos consumidores de comprar produtos perecíveis o mais próximo possível da fonte, devido à preocupação com o frescor e a qualidade”, aponta o relatório. A preferência pelas marcas locais está concentrada em alimentos como leite, manteiga, queijos e iogurtes. AméricaEconomía Internacional

24 | AméricaEconomia


Culinária de padrão internacional

Instituto francês Le Cordon Bleu inaugura primeira unidade em São Paulo e aposta na descoberta de talentos locais na gastronomia instituto francês de Artes Culinárias Le Cordon Bleu inaugurou sua primeira unidade em São Paulo com um coquetel para convidados e imprensa no dia 8 de maio. A escola paulistana é resultado de uma joint venture realizada entre o Le Cordon Bleu e o grupo Ânima Educação. “Nossa experiência nos mostra que, depois da abertura do instituto, a culinária local ganha maior visibilidade e reconhecimento internacional, com a descoberta de talentos e ingredientes que podem ser melhor explorados. Essa é a nossa expectativa em relação ao Brasil”, afirmou na inauguração o presidente internacional do instituto, André Cointreau. “O diferencial é que os alunos não aprendem receitas, mas desenvolvem competências que vão além de saber cozinhar. A disciplina é um dos fatores fundamentais para quem deseja ser um cozinheiro ou chef de sucesso”. O Le Cordon Bleu surgiu a partir de uma revista culinária criada pela jovem jornalista de gastronomia Marthe Distel em 1895, em Paris. Marthe convidou o público a participar de aulas comandadas por chefs com demonstrações sobre como preparar as receitas. Ao longo de seus mais de 120 anos de existência, transformou-se numa rede internacional reconhecida como uma das mais importantes instituições de alto nível em instrução culinária. Atualmente o instituto está presente em vinte países, com 35 escolas internacionais frequentadas por 20 mil alunos anualmente. Na unidade paulistana, os alunos têm à disposição sete cozinhas profissionais, sendo duas dedicadas às aulas de demonstração, duas para

cozinha, uma para confeitaria e padaria, uma polivalente e outra para preparo e produção, além de auditório para aulas teóricas e uma biblioteca. As aulas têm início na segunda quinzena de maio. O instituto fechou as duas primeiras turmas de certificação Basic Cuisine e Basic Pâtisserie e já tem candidatos em lista de espera. São 16 vagas em cada turma. Na inauguração, além do presidente internacional, estava presente o diretor técnico, chef Patrick Martin, responsável pela implantação do instituto no Brasil. Martin já conduziu a abertura das escolas no México, Estados Unidos e Japão. Entre os convidados, o cônsul-geral da França em São Paulo, Brieuc Pont, e Ozires Silva, um dos fundadores da Embraer e reitor da Unimonte, recém-adquirida pela Ânima Educação. AméricaEconomia Brasil

Coquetel de inauguração na capital paulista: escola “desenvolve competências que vão além de saber cozinhar”

DIVULGAÇÃO

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Moderador

Negócios instáveis E

m alguns países da América Latina, as disputas presidenciais de 2018 criaram um clima de instabilidade política – fato que ameaça o curto prazo de investimento e negócios de empresas multinacionais com filiais em nações da região, de acordo com o relatório Political Risk Map 2018. Elaborado pela consultoria de risco Marsh, o ranking cita ao menos 12 países latino-americanos. De acordo com o estudo, os riscos políticos acarretam ameaças, como rompimento de contratos, protecionismo, imposição de embargos e sanções comerciais, restrições internas que impedem as empresas de competir efetivamente nos mercados-alvo e reflexos nos preços das apólices de seguros de risco político e seguro de crédito. A metodologia do estudo estabelece uma nota de 1 a 100, considerando três categorias de risco: político, econômico e operacional. As pontuações abaixo de 60 representam alguma instabilidade. O Brasil ficou com a pontuação de 57,5, tendência já verificada em 2017, quando a nota do país foi 57,2.

Veja o ranking de instabilidade política por países na América Latina: 1. Peru (59,6) 2. Brasil (57,5) 3. México (56,9) 4. Guiana (56,3) 5. Equador (52,5) 6. Bolívia (51,5) 7. El Salvador (48,5) 8. Paraguai (48,1) 9. Suriname (46,5) 10. Honduras (43,5) 11. Guatemala (40,8) 12. Venezuela (30,6)

Franchising brasileiro setor de franquias no Brasil mantém seu curso de recuperação sucessivo. No primeiro trimestre deste ano, a receita do segmento apresentou um crescimento nominal de 5,1% em relação ao mesmo período de 2017. O faturamento passou de R$ 36,890 bilhões para R$ 38,762 bilhões – um crescimento de 7%, considerando-se os últimos 12 meses. As informações são da Pesquisa Trimestral de Desempenho do setor, realizada pela Associação Brasileira de Franchising (ABF).

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FOTOS: 123RF

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Oferecimento:

Livros FOTOS: DIVULGAÇÃO

O bê-á-bá da política econômica no Brasil de 2018 Roberto Luis Troster M. Books, 144 págs., R$ 35,00

“As eleições presidenciais de 2018 são fundamentais para que o Brasil usufrua o potencial de seu desenvolvimento. O país pode dar a volta por cima e surpreender o mundo. Dois objetivos devem ser considerados como prioritários pelo próximo governo, a redução da pobreza e do desemprego e a promoção do crescimento sustentado”, diz o economista Roberto Luis Troster num dos artigos de seu novo livro. A obra procura apresentar de forma simples e em linguagem acessível os requisitos de uma boa política econômica e os desafios mais importantes para o Brasil de 2018. Troster, colaborador eventual de AméricaEconomia, é doutor em Economia pela USP e, entre outros cargos, foi economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e professor da USP, da PUC e da Universidade Mackenzie.

O poder do hábito – Por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios Charles Duhigg Objetiva, 408 págs., R$ 59,90

Durante os últimos dois anos, uma jovem transformou quase todos os aspectos de sua vida. Parou de fumar, correu uma maratona e foi promovida. Num laboratório, neurologistas descobriram que os padrões no cérebro dela mudaram de maneira fundamental. Um diretor-executivo pouco conhecido assume uma das maiores empresas norte-americanas. Seu primeiro passo é atacar um único padrão entre os funcionários – a maneira como lidam com a segurança no ambiente de trabalho –, e logo a empresa começa a ter o melhor desempenho no índice Dow Jones. O que eles têm em comum? Conseguiram ter sucesso focando em padrões que moldam os aspectos da vida e alcançaram êxito transformando hábitos. Em O poder do hábito, Charles Duhigg apresenta um novo entendimento da natureza humana e de seu potencial para a transformação.

Elon Musk – Como o CEO bilionário da SpaceX e da Tesla está moldando nosso futuro Ashlee Vance Intrínseca, 416 págs., R$ 49,90

Quem é Elon Musk? Para muitos, um marqueteiro manipulador. Mas, para grande parte da elite corporativa e do Vale do Silício, Musk é como uma mistura de Steve Jobs e Bill Gates: um empreendedor visionário que está construindo um império. O jornalista Ashlee Vance apresenta um olhar inédito sobre a vida e as realizações do homem mais audacioso do Vale do Silício desde Steve Jobs. Com relatos exclusivos e depoimentos do próprio Musk, Vance lança luz sobre a jornada do empresário desde a infância conturbada na África do Sul até a ascensão ao topo do mundo corporativo.

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Táxis voadores

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Uber Technologies e a NASA firmaram um segundo Contrato de Lei Espacial (Space Act Agreement) para o desenvolvimento de tecnologias ligadas a serviços aéreos de mobilidade aérea urbana – ou seja, táxis voadores. Segundo o acordo, a Uber vai compartilhar com a agência espacial norte-americana seus planos de implementação desse novo tipo de serviço, e a NASA

utilizará o que há de mais moderno em modelagem computacional e simulação de gerenciamento do espaço aéreo para avaliar os impactos de aeronaves pequenas em ambientes com grande ocupação. Esse é o primeiro contrato da NASA especificamente focado em modelagem e simulação para operações de mobilidade aérea urbana. AméricaEconomia Brasil

Embraer e Uber em parceria A

EmbraerX, organização da Embraer dedicada a negócios disruptivos, também está envolvida em projetos em cooperação com a Uber e outras empresas para o desenvolvimento de oportunidades de negócios no ecossistema Uber Elevate. A companhia apresentou, durante a Uber Elevate 2018, em Los Angeles, nos Estados Unidos, o primeiro conceito de veículo elétrico de decolagem e pouso vertical, conhecidos como eVTOL, na sigla em inglês. O conceito do eVTOL representa uma aeronave com a missão de servir passageiros em um ambiente urbano, com base em segurança, experiência do passageiro, acessibilidade econômica e com baixo impacto para as comunidades, em termos de emissões e ruído. AméricaEconomia Brasil

28 | AméricaEconomia

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Tecnologia


Oferecimento:

Google escreve seus e-mails

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ecentemente, o Google anunciou uma nova ferramenta: o Smart Compose, um recurso desenvolvido com inteligência artificial para ajudar os usuários do Gmail a criar e-mails do zero. Desde a saudação até o fechamento, além de frases comuns no meio do texto, o Smart Compose sugere frases completas para os e-mails. Como ele opera em segundo plano, o usuário pode escrever normalmente um e-mail e o Smart Compose oferece sugestões enquanto a pessoa digita. Quando vir uma sugestão que gostaria de usar, basta clicar no botão tab para inserir no corpo do e-mail. A ferramenta é capaz de sugerir frases contextuais relevantes. Por exemplo, se é sexta-feira, pode propor “Tenha um ótimo fim de semana!” como frase final. AméricaEconomia Brasil

Libertadores via Facebook

O

Facebook agora é um dos donos dos direitos de transmissão da Copa Libertadores da América de 2019 a 2022. De acordo com informações publicadas pela Folha de S. Paulo, a partir do ano que vem os usuários poderão assistir ao vivo a uma partida por semana na plataforma, às quintas-feiras, de forma gratuita. AméricaEconomia Brasil

Rede social se associa a transmissões de

FOTOS: 123RF

futebol

Maio 2018 | 29


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Negócios | Finanças

Blockchain inclusivo

Plataforma da Airfox utiliza tecnologia baseada nas cadeias de blocos para permitir que pessoas sem conta em banco acessem serviços financeiros – foco são as classes D e E

Q 30 | AméricaEconomia

Por Felix Ventura, de São Paulo

uase 50% dos brasileiros com mais de 24 anos não possuem conta bancária, de acordo com estudos realizados pelo Banco Mundial – e, conforme dados de um relatório da Goldman Sachs de 2015, os bancos praticam no Brasil uma das maiores taxas de empréstimos do mundo, apenas atrás de Malawi e Madagascar. Com base nessas informações, a Airfox, empresa sediada em Boston (Estados Unidos) e fundada em 2016, enxergou a oportunidade de lançar os seus serviços com alternativas que contemplam diversos tipos de transações financeiras baseadas em dispositivos móveis. Por

meio de um aplicativo gratuito disponível para Android, a companhia tem como principal objetivo implantar soluções financeiras que agreguem à sua carteira grandes áreas desassistidas e não bancarizadas do país. A plataforma da Airfox é construída a partir da tecnologia blockchain, que consiste num sistema formado por uma “cadeia de blocos”. Esses blocos ou registros ficam espalhados por vários computadores ao redor do mundo, dificultando o apagamento dos dados. O conjunto de transações colocado em cada bloco é trancado por camadas complexas de cripto-


Usuários podem adquirir moeda digital da própria

excluídos do sistema. Nos Estados Unidos o nosso modelo de negócio é um pouco diferente. Não atuamos diretamente para o consumidor, como no Brasil. Lá, oferecemos serviços para operadoras pré-pagas que servem às classes mais pobres”, diz Santos.

empresa

Como funciona Os usuários brasileiros podem depositar dinheiro no aplicativo por meio do boleto bancário, um serviço pós-pago que permite que um comprador pague por serviços online em mais de 40 mil estabelecimentos em todo o país. Além disso, podem comprar dados móveis e créditos para celulares, pagar serviços, adicionar crédito aos cartões de transporte público e transferir dinheiro para outras pessoas, entre outras funcionalidades. Na prática, a integração ao sistema de pessoas que não possuem conta bancária, geralmente pertencentes às classes D e E, pode ser exemplificada da seguinte forma: uma costureira que não possui conta em banco pode receber de seus clientes via aplicativo desde que ela gere um

DIVULGAÇÃO

grafia, fator que eleva a confiabilidade e a segurança das operações. Com isso, é possível oferecer a quem se utiliza desse recurso tarifas acessíveis, taxas de transferência menores e termos de empréstimos mais transparentes. Basta possuir um smartphone para testar a solução, que promete trazer mais economia e eficiência aos usuários, independentemente de já terem uma conta bancária ou cartão de crédito com as instituições tradicionais. Pelo aplicativo é possível acessar uma variedade de serviços financeiros que incluem empréstimos, cartões de crédito e débito, planejamento financeiro e informações sobre taxas de juros. De acordo com Victor Santos, cofundador e CEO da Airfox, o direcionamento estratégico atual é o de concentrar esforços na implementação de serviços financeiros em território brasileiro – algo em torno de 80% na escala prioritária da companhia, foco que deve ser mantido por pelo menos três anos. “O aplicativo da Airfox dará acesso aos serviços financeiros para um número enorme de brasileiros atualmente

Transações são feitas por meio de aplicativo no celular Maio 2018 | 31


Negócios

boleto, que pode ser pago por eles em qualquer banco. Assim que o boleto é pago, esses créditos se transformam numa carteira virtual com a qual a própria costureira consegue pagar diversos outros boletos, como contas de telefone, luz, água, entre outros. Em caráter opcional, os usuários podem adquirir ainda os AirTokens, moeda digital nativa da Airfox, que pode ser obtida após concluídas algumas tarefas como instalar aplicativos ou assistir a vídeos de curta duração e anúncios que servem igualmente para prover o pagamento de contas diversas.

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Victor Santos: aproveitamento de tecnologias como o blockchain ainda está na fase inicial

32 | AméricaEconomia

Empréstimos Outro diferencial sobre a utilização do aplicativo está na possibilidade da solicitação de empréstimos pessoais, para os quais a empresa serve apenas de intermediária entre o credor e o devedor, sem fazer diretamente a gestão do capital. De acordo

EMPRESA JÁ ARRECADOU CERCA DE US$ 16,5 MILHÕES EM DOIS ANOS. EXPECTATIVA É DE AMPLIAR A BASE DE CLIENTES NO BRASIL ENTRE 200 MIL E 500 MIL PESSOAS EM 2018 com Santos, por meio da coleta de dados feita no próprio smartphone do usuário ao instalar o aplicativo, é criado um perfil de risco para conceder os empréstimos, com taxas de juros variáveis entre os usuários de acordo com uma análise de comportamento realizada por um algoritmo. “De outro lado, estão os credores de todas as partes do mundo, que ao acessar a plataforma têm instrumentos financeiros para investir o seu dinheiro e receber o retorno esperado”, completa o CEO. Em termos práticos, o brasileiro que for solicitante do empréstimo receberá o dinheiro em reais, mas quem empresta o valor o faz em AirTokens, que posteriormente serão convertidos para o real. O valor da moeda digital se baseia no preço das trocas e será determinado pelo livre mercado. A companhia já arrecadou cerca de US$ 16,5 milhões desde sua criação. Para os próximos dois anos, pretende fazer um aporte estimado de R$ 25 milhões em suas operações no Brasil. A expectativa de incremento da base de usuários até o final de 2018 gira entre 200 mil e 500 mil clientes ativos. “Acredito que o aproveitamento de tecnologias como o blockchain, que hoje nos serve de base para o trabalho, ainda esteja em sua fase inicial. Mesmo para o mercado norte-americano, que está alguns passos adiante, esse ecossistema ainda não está totalmente consolidado. No Brasil, vejo que carecemos de profissionais que consigam programar nas linguagens requeridas pelo blockchain”, avalia Santos.



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Negócios | E-commerce

Pagamento local, compra global Fintech oferece soluções para que consumidores sem conta em banco possam adquirir produtos em sites internacionais. Projeção para 2018 é processar um volume de US$ 2 bilhões

A 34 | AméricaEconomia

Por Paulo Hebmüller, de São Paulo

alta taxa de adultos latino-americanos sem conta em banco – cerca de 50% dos moradores da região, de acordo com estimativas do Banco Mundial – não significa que essa população não faça movimentações financeiras expressivas. Em 2012, os executivos Wagner Ruiz, João Del Valle e Alphonse Voigt vislumbraram a oportunidade de fazer bons negócios com produtos voltados a esse mercado e criaram o EBANX, fintech que oferece soluções de pagamento para que consu-

midores brasileiros sem conta bancária ou cartão de crédito internacional possam comprar em sites no exterior. A empresa, com sede em Curitiba, vem crescendo em ritmo acelerado desde então. Já em 2014 começou a expansão para outros países da região – México, Chile, Colômbia e Peru. No ano passado, foi a vez da Argentina, e em 2018 do Equador. Uruguai, Paraguai e Bolívia são mercados em estudo. “Nos últimos três anos,


mais empresas europeias que queiram vender na América Latina”, diz Simon Davies, gerente-geral do EBANX no Reino Unido. “Temos a vantagem de ser a primeira a oferecer esse serviço, com uma boa posição de largada e uma marca que já é forte no mercado”. Além de fazer a intermediação para as companhias internacionais que querem vender na América Latina, o EBANX também oferece soluções para empresas de e-commerce brasileiras que desejem expandir sua atuação no exterior. A fintech é uma das apoiadoras do LatAm Edge Awards, o maior prêmio para scale-up latino-americanas que procuram ingressar nos mercados da Europa e da Ásia. A premiação, cujo total é de cerca de R$ 540 mil, oferece espaço em coworking em zona central de Londres e serviços como contabilidade, desenvolvimento de novos negócios, assistência jurídica, coaching, PR, marketing digital e pesquisa de mercado. O evento ocorre em junho na capital britânica. AméricaEconomia é um dos media partners da premiação.

Crescimento anual médio tem sido em torno de

80%

Sede do EBANX em Curitiba: alternativa para empresas brasileiras no mercado externo

RICARDO FRANZEN

nossa média de crescimento anual ficou em torno de 80%”, diz a uruguaia Juliana Etcheverry, gerente de expansão de negócios do EBANX. Em 2017, a fintech processou um volume total de US$ 1,2 bilhão. A meta para 2018 é chegar aos US$ 2 bilhões nos sete países. De acordo com Juliana, o cenário dos vizinhos é muito parecido com o do Brasil, o que impulsionou a ampliação dos negócios no continente. “Como o nível de bancarização é baixo e há uma confiança maior no pagamento em dinheiro, situação típica da economia informal da América Latina, o EBANX passou a construir essa ponte entre os latino-americanos e os sites internacionais que desejavam acessar esse mercado”, explica. A base de consumidores que utilizam o sistema nos países em que a empresa opera já alcançou cerca de 33 milhões de pessoas. Considerando-se um mercado de aproximadamente 250 milhões de pessoas sem conta bancária no continente, a empresa tem razões para seguir apostando em crescimento. No Brasil, são três as modalidades que o EBANX oferece: pagamento em boleto, cartão de crédito nacional ou transferência bancária. A empresa coleta o pagamento e faz o repasse para o e-commerce no exterior. Em cada operação é cobrada uma taxa que varia de acordo com o volume mensal processado. Para até US$ 25 mil, a taxa é de 4,9% mais US$ 0,20 por pagamento confirmado. Quanto maior o volume, menor a taxa (de US$ 250 mil a US$ 500 mil por mês, fica em 3,7% mais os US$ 0,20). Os valores e outras informações estão disponíveis no site business. ebanx.com/pt-br/precos. Londres No início deste ano, a fintech obteve a licença das autoridades reguladoras do Reino Unido para começar a operar também em sua primeira base europeia. “O fato de estarmos em Londres é parte de uma visão de longo prazo com o objetivo de prospectar mais mercados e chegar a

Maio 2018 | 35


Economia

F

recuperação econômica é mesmo gradual e a expectativa de crescimento para este ano começa enfim a recuar. É um choque de realidade. Não teremos a taxa de expansão de 3% ou de 4% que vários bancos ou consultorias estavam projetando. À medida que o tempo passa, essas expectativas vão convergir para uma expansão bem mais modesta, ao redor de 2%. Para que a economia apresentasse crescimento de 3% este ano, o crescimento a cada trimestre teria que ser pouco acima de 1%, um ritmo anualizado acima de 4%. Já para alcançar 4% neste ano, teríamos que crescer num ritmo anualizado similar ao da China, pouco acima de 6%. A razão de o crescimento ter que ser elevado é porque em 2017 a

3R

A

alta do PIB esteve concentrada no começo do ano, na supersafra agrícola. Assim, a média do PIB trimestral em 2017 foi similar ao PIB do último trimestre do ano, deixando um baixo carrego estatístico para 2018, de apenas 0,3%. E os dados consolidados do primeiro trimestre mostraram que a recuperação não está em 1% ao trimestre. As estimativas com os dados já observados mostram que a alta deve ser bem menor, pouco abaixo de 0,5%. Assim, já começam as justificativas para quem está revendo as projeções para baixo. Vão desde uma surpresa com eleições presidenciais competitivas, fraqueza no consumo devido à falta de renda, crédito expandindo menos que o esperado apesar da Selic historicamente baixa e até efeito negativo sobre a confiança da atual depreciação do real. Lembro-me de um economista do mercado financeiro dizendo no final do ano passado que achava que as eleições seriam decididas num segundo turno entre Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles e que por isso

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Choque de realidade a economia iria crescer de forma rápida e sustentada desde o início do ano. Mas isso só poderia ocorrer se a eleição fosse restrita à Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, que concentra boa parte do mercado financeiro. A realidade do Brasil é muito diferente: temos que ter em mente que o eleitor mediano tem renda familiar ao redor de R$ 2 mil. Com relação ao consumo, de fato não está crescendo

endividamento das famílias, estas estão relutantes em tomar novos financiamentos, pois o custo do crédito segue elevado devido aos altos spreads bancários. Dessa forma, a queda na taxa básica de juros não chega ao tomador final com a potência que poderia chegar. A elevada incerteza do momento atual é uma das justificativas para o spread não ter recuado. A realidade é dura. O

NÃO TEREMOS O CRESCIMENTO DA ECONOMIA DE 3% OU DE 4% QUE VÁRIOS BANCOS OU CONSULTORIAS ESTAVAM PROJETANDO. À MEDIDA QUE O TEMPO PASSA, ESSAS EXPECTATIVAS VÃO CONVERGIR PARA UMA EXPANSÃO BEM MAIS MODESTA, AO REDOR DE 2% tanto. Não somente a renda parou de crescer pela interrupção da queda da inflação, algo que já devia ser esperado, mas também porque os canais de transmissão da política monetária estão entupidos. Apesar da queda do

crescimento está vindo, mas segue ocorrendo de forma bastante gradual e levará o PIB deste ano a uma expansão ao redor de 2%. Vale dizer que a projeção da 4E segue em 1,9% desde meados de 2017.

Juan Jensen - Doutor em economia pela USP, sócio da 4E Consultoria e professor do Insper (jensen@4econsultoria.com.br) 36 | AméricaEconomia



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Negócios | TI

Paixão

por empreender Fundador do Waze fala sobre a origem do aplicativo e suas novas iniciativas depois da venda da companhia para o Google

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38 | AméricaEconomia

Por Beatriz Santos, de São Paulo

evanta a mão aqui no auditório quem utiliza o Waze”: foi assim que Uri Levine, cofundador do aplicativo de navegação por satélite Waze, iniciou sua palestra no 20º Encontro Locaweb São Paulo, realizado em abril. Poucas pessoas deixaram de levantar a mão entre o público presente ao evento – voltado para profissionais de TI, marketing, e-commerce, pequenos

e médios empreendedores e aqueles que ainda irão abrir o próprio negócio online, e no qual foram abordadas temáticas como marketing digital, empreendedorismo e tecnologia. Para Levine, foi uma resposta fantástica. “O mundo todo está usando o Waze, e eu nunca imaginei um sucesso desse tamanho. Sempre me disseram que eu não iria conseguir”,


O problema, não a solução Aos poucos, o sistema começou a ser utilizado em outros locais, como no Leste Europeu. No Brasil, Levine contou que em meados de 2010 ninguém utilizava ainda o sistema porque ele não funcionava perfeitamente. “Tínhamos a estatística e o motivo de não estar funcionando, e então fomos fazendo ajuste atrás de ajuste, mexendo as agulhas, sempre com o feedback do usuário”. Em 2012, o Waze crescia mais rápido do que todos os outros aplicativos que estavam sendo feitos no mercado com GPS e sistemas

“A mágica do sistema são os

de direção. “Em 2013, o Google nos procurou. Eles não mudariam, e não mudaram até hoje, a missão da empresa, e para nós era importante manter a essência. Após a aquisição, deixei a empresa no dia seguinte, simplesmente para criar uma nova startup”, disse. Seguindo a premissa “apaixone-se pelo problema, não pela solução”, Uri Levine saiu do Waze e logo se engajou em outras startups – hoje, ele está à frente de onze delas. “Particularmente adoro o desafio de resolver grandes problemas para beneficiar grandes públicos e criar impacto significativo. A maioria das minhas startups é produto de minhas próprias ideias, e eu normalmente estou envolvido como cofundador, presidente ou membro do conselho”. Confira no quadro quais são as novas iniciativas nas quais o criador do Waze está envolvido.

usuários”

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relatou. Hoje, o app conta com mais de 250 milhões de motoristas em todo o mundo. Em junho de 2013, foi adquirido pelo Google por mais de US$ 1,1 bilhão. Em 2007, Levine e mais dois sócios em Israel, o engenheiro de software Ehud Shabtai e Amir Shinar, montaram uma infraestrutura para coletar os dados dos usuários de carros da região para montar um mapa. Apenas no ano seguinte os sócios obtiveram o aporte para iniciar a operação. “Depois de ouvir muitos ‘nãos’, conseguimos o dinheiro e começamos a operar em 2009”, lembrou. No início, os mapas foram construídos por meio da comunidade. “Analisando o GPS dos primeiros usuários, conseguíamos ver as localizações, a velocidade e a situação do trânsito. Se mais motoristas se conectassem, eu teria um mapa cada vez maior”, contou Levine. Se um usuário navegar por uma via pela primeira vez, a rota é criada para todos os outros usuários. “Embora nós sejamos os criadores do mapa, são os usuários que definem qual o melhor caminho. Essa é a mágica do Waze: os usuários”. Foram aproximadamente seis meses até o mapa estar bom o suficiente para que os usuários utilizassem. “Aquilo que é bom o suficiente vai ganhar o mercado, não precisa estar perfeito. Naquele momento, o importante é que era de graça e era o suficiente”, definiu.

Levine: a ideia é apaixonar-se pelo problema, não pela solução Maio 2018 | 39


Negócios

Apps para transporte, presentes, viagens, lavouras... Conheça as startups das quais Uri Levine atualmente participa: FEEX: serviço gratuito que reconhece todas as taxas aplicadas em investimentos de longo prazo e ajuda o usuário a reduzi-las.

MOOVIT: assistente pessoal de usuários do transporte público.

FAIRFLY: solução automatizada que monitora a passagem aérea mesmo depois que a reserva foi feita e permite reservar o mesmo voo, ou um voo melhor, quando o preço cair.

WETRIP: plataforma focada na venda de pacotes de viagens sob medida em duas áreas específicas: esqui de inverno e feriados de verão.

ENGIE: aplicativo que detecta mais de 10 mil problemas no carro, via dispositivo conectado no automóvel e monitorado por bluetooth.

LIFECARE: dispositivo vestível que detecta situações de emergência, como quedas, e integra um portal de comunicações bidirecional para ajuda.

ROOMER: oferece aos consumidores a oportunidade de vender ou comprar reservas de hotel canceladas por um preço reduzido.

SEETREE: serviço exclusivo para agricultores, com plataforma de inteligência que permite gerenciar melhor as culturas permanentes.

ZEEK: sistema de compra e venda de cartões-presente não utilizados pelos usuários.

HERE: aplicativo de mapas completo e independente que ajuda o usuário a se localizar na cidade, como navegação ponto a ponto, locais interessantes nas proximidades, horários do transporte público etc.

REFUNDIT: serviço automatizado avançado para reembolso do IVA para turistas.

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Especial | Inovação

A nova era da

energia

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A crescente presença da digitalização na economia e na vida dos cidadãos exigirá um consumo cada vez maior de eletricidade. Há um enorme desafio em fazer geração e distribuição sem descuidar da sustentabilidade Por Paulo Hebmüller, de Paris

m 2030, 20% do consumo global de energia virá das aplicações digitais. A existência de cada vez mais dispositivos conectados em toda parte e a demanda para o monitoramento das novas ferramentas introduzidas pela Quarta Revolução Industrial aumentarão o consumo e consequentemente a necessidade de produção de energia – mas não basta dizer só isso, porque essa produção terá que ser mais eficiente e segura, melhor distribuída e ambientalmente sustentável. O desafio não é pequeno, especialmente considerando-se que atualmente mais de um bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica no mundo, 34 milhões delas na América do Sul. Questões como essas ocuparam o centro dos debates do Innovation Summit Paris, promovido pela multinacional Schneider Electric na capital francesa nos dias 5 e 6 de abril. Debates, palestras e apresentações de produtos, novidades e soluções para essas demandas movimentaram a agenda dos cerca de 5 mil participantes do evento, entre clientes, parceiros, funcionários da empresa vindos de todas as partes do mundo, jornalistas e influenciadores. Não por acaso, o encontro intitulava-se Powering the Digital Economy – em outras palavras, como abastecer a nova economia digital com a energia que ela vai requerer. Logo na abertura da programação, o CEO global da Schneider, Jean-Pascal Tricoire, utilizou sua trajetória pessoal e profissional para apresentar um panorama do cenário. Tricoire já morou na África e há dez anos comanda a em-

presa a partir da China. “Qualquer pessoa que conheça essas regiões sabe que a vida é miserável se você não tem energia. A energia é a fundação do progresso e da educação. Olhe para os seus filhos adolescentes: a vida é miserável se você não tem acesso ao digital, porque esse é o seu acesso ao conhecimento, aos colegas, ao ambiente. É estar conectado ao mundo”, disse. “A conexão entre a energia e o digital é a fundação para a vida, a educação, o progresso. Nosso trabalho é fazer essa combinação para garantir as crescentes interações entre a energia e o digital”. Tricoire enfatizou que ouve muito falar que “a eletricidade é o passado e o digital é o futu-

Tricoire: digital é o presente, e a eletricidade tem um enorme futuro

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E

Maio 2018 | 43


Internet vai conectar 5 bilhões de pessoas e

40 bilhões de dispositivos

ro”. Para ele, porém, o presente já é digital. “Estou há 32 anos na Schneider e sou dos que falam em eletricidade o tempo todo. Posso dizer que nunca estive tão entusiasmado como agora com a enorme evolução da eletricidade”, afirmou. O CEO citou algumas das razões para esse entusiasmo. Um exemplo é a marcha acelerada do consumo da área de Tecnologia da Informação (TI), hoje em cerca de 10% da demanda global de energia, mas com previsão de crescimento de 20% ao ano por conta do número cada vez maior de data centers e da expansão de tecnologias como armazenamento na nuvem, internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), Big Data e blockchain. Se a internet vem cumprindo o papel de conectar 5 bilhões de pessoas, o mundo caminha para conectar algo como 40 bilhões de dispositivos. Outro exemplo é que grande parte do transporte será eletrificada. “Não sei se todos estão cientes da magnitude desse terremoto”, alertou. Para Emmanuel Babeau, deputy CEO e CFO da Schneider, “o mundo do amanhã será muito mais elétrico”. Em 2030, estima, o carro elétrico terá cerca de 20% do mercado no mundo. “É preciso criar infraestrutura para isso nas edificações e residências. Imagine se todo mundo chegar em casa do trabalho e plugar o carro para recarregar ao mesmo tempo: se não houver infraestrutura, vai ser um colapso”, disse. Nas áreas centrais de Paris, por sinal, já é fácil encontrar pelas ruas estações para recarregar as baterias dos carros.

“A DIGITALIZAÇÃO PODE MELHORAR TANTO A EXTRAÇÃO DE PETRÓLEO NO MAR PROFUNDO QUANTO GERENCIAR A QUANTIDADE DE ENERGIA UTILIZADA EM CASA – E TUDO O QUE ESTÁ NO MEIO DISSO” 44 | AméricaEconomia

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Especial

Uma das soluções inovadoras para a recarga acaba de ser implantada na Suécia: um trecho de dois quilômetros de uma estrada nas imediações de Estocolmo possui trilhos eletrificados. Um braço móvel na parte de baixo do veículo se conecta aos trilhos e recarrega a bateria durante o percurso, com o veículo em movimento. O governo sueco informou que já está desenhando um mapa para a extensão da tecnologia. “A digitalização pode melhorar tanto a extração de petróleo no mar profundo quanto gerenciar a quantidade de energia utilizada na minha casa, e tudo o que está no meio disso”, apontou Brian Motherway, chefe da área de Eficiência Energética da Agência Internacional de Energia (AIE), convidado para um dos debates da programação. Os benefícios principais da digitalização, de acordo com os especialistas presentes no evento, são: eficiência energética, produtividade, confiabilidade, segurança e sustentabilidade. Ecossistema É um cenário, claro, que abre perspectivas ainda mais promissoras para os negócios da Schneider Electric, uma das principais empresas


capacitadas a oferecer soluções para essa infraestrutura e para o futuro do casamento entre energia e digitalização. A multinacional, presente em mais de cem países e com cerca de 144 mil funcionários, faturou € 24,7 bilhões em 2017. Desse total, 5% são investidos em pesquisa e desenvolvimento. No evento de Paris, a empresa apresentou as novidades para a EcoStruxure Power, sua arquitetura e plataforma interoperável e preparada para IoT, voltada a áreas tão diversas quanto residências, data centers e indústrias, entre outras. “A EcoStruxure é nosso ecossistema de digitalização, que começou a ser pensado em 1997 e teve a sua primeira versão lançada em 2008. Já são dez anos de experiência e aprendizado”, considera o CEO Tricoire. O conceito básico do ecossistema está ligado à existência de três níveis ou camadas: a dos produtos conectados, a do edge control (ou controle de borda) e a dos aplicativos e analytics. Isso permite uma variedade de aplicações. Na área de petróleo e gás, por exemplo, os sistemas podem ser utilizados para coletar os dados de produção de plataformas localizadas em regiões remotas,

como áreas de deserto, avaliando se a extração está sendo feita normalmente ou não. Isso reduz as viagens de equipes para lugares perigosos, diminui custos de manutenção e permite o aumento da produção. Por conta da privacidade dos dados, os equipamentos não precisam estar conectados à nuvem: os dados podem ser coletados localmente e transmitidos por meio de soluções criadas em parceria com a Microsoft. As inovações existem também para residências, com aplicações de IoT que permitem desde monitorar a temperatura no interior da casa até regular a intensidade e os tons da iluminação e avisar o proprietário, pelo celular, se houver algum problema com as instalações. Outro exemplo são os cuidados com a terceira idade, com foco na tendência de aumento da expectativa de vida, especialmente nos países desenvolvidos. Os sistemas permitem monitorar deslocamentos de pacientes num ambiente, checar a administração correta dos medicamentos e até verificar se o idoso tomou banho ou não. A sede mundial da empresa – um edifício de seis andares com cerca de 35 mil m2 em Rueil-Malmaison, nos arredores de Paris – funciona

Cerca de cinco mil pessoas participaram dos debates sobre energia e digitalização

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FOTOS: PAULO HEBMÜLLER

Especial

Em Paris, carros elétricos podem ser recarregados nas ruas e estacionamentos de empresas

como uma vitrine da Schneider. Ali, toda a energia utilizada é produzida por geração com placas fotovoltaicas. Outras soluções para redução do consumo e maior eficiência energética incluem o monitoramento remoto da utilização das salas para otimização dos espaços do prédio. Megatendências O pano de fundo de todas essas transformações – que já estão em curso, afetando desde a produção nas fábricas até a rotina doméstica – são as chamadas megatendências para o mundo do século XXI; entre elas a própria digitalização, além da descentralização energética (tanto na hora de produzir quanto de distribuir) e da descarbonização, ou seja, a substituição das fontes de combustíveis fósseis. Como escreveu Tricoire num artigo publicado na edição 482 de AméricaEconomia (abril de 2018), “estamos em meio a uma evolução global em direção a sistemas de energia que são mais limpos e cada vez mais descentralizados, com 46 | AméricaEconomia

energia gerada, armazenada e distribuída mais perto dos clientes finais, com tecnologia renováveis e de armazenamento. Ao mesmo tempo, a digitalização permitirá que clientes e operadores de sistemas de eletricidade controlem onde, quando e como a eletricidade está sendo usada, e novos modelos de negócios emergem. E, finalmente, mais coisas serão movidas a energia elétrica – principalmente o sistema de mobilidade”. Nem tudo nesse novo mundo, entretanto, está pronto para acontecer sem o risco de curtos-circuitos pelo caminho. Algumas das questões por resolver foram levantadas num debate que reuniu especialistas e representantes de grandes empresas e teve transmissão ao vivo pela CNBC, canal de economia e negócios da rede norte-americana NBC (o vídeo está disponível na internet em: www.youtube.com/ watch?v=F70v5bBoi5A). Brian Motherway, da AIE, disse que a agência mantém diálogo com muitos governantes e líderes políticos “que estão acordando para essa nova realidade”. “Mas não posso dizer que a maior parte deles esteja realmente abraçando a mudança fundamental de pensamento para dar o ritmo necessário a essas mudanças”, apontou. Uma das questões centrais tem relação com a privacidade de dados e informações de empresas e cidadãos: quanto mais aparelhos conectados, maiores as chances de invasão e captura de dados sigilosos. Investir em cibersegurança é fundamental, e cada governo deve desenvolver sua própria expertise, defendeu Motherway. Questionado numa coletiva sobre o assunto, Philippe Delorme, vice-presidente executivo para a área de Negócios e TI da Schneider, defendeu que “os dados pertencem aos consumidores, e são eles que decidem se querem ter os seus equipamentos conectados ou não”. Maurice Lévy, presidente do Conselho Fiscal do Publicis Groupe – multinacional francesa de publicidade e relações públicas –, lembrou no debate que desde 1978 a França possui uma legislação com regras estritas para proteção da pri-


“O Brasil ainda não tem um plano para a sustentabilidade”

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Tania Cosentino: descarbonização da economia oferece grandes oportunidades

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O faturamento da divisão da Schneider para a América do Sul em 2017 alcançou cerca de € 988 milhões, o equivalente a 4% do total global (a empresa diz que o número fica “entre 3% e 4%”; AméricaEconomia preferiu utilizar a cifra mais alta). Desse valor, 40% correspondem aos negócios no Brasil. Algo em torno, portanto, de € 395,2 milhões – mais de RS 1,7 bilhão. Por aqui também as perspectivas de novos negócios a partir das megatendências são promissoras para a empresa, embora as dificuldades não sejam pequenas. “O Brasil ainda não tem um plano firme para a área de tecnologia e sustentabilidade, e vem inclusive aumentando a sua pegada de carbono. Estamos tentando mostrar que a descarbonização da economia é uma grande fonte de desenvolvimento econômico que o país não está aproveitando”, disse no evento de Paris Tania Cosentino, que desde 2013 ocupa a presidência da divisão da Schneider na região – é a primeira representante do Brasil e primeira mulher a chegar ao cargo. “Podemos gerar trilhões de dólares se todos os países trabalharem na descarbonização”. A Schneider não faz geração nem distribuição, mas fornece toda a infraestrutura para o caminho entre uma e outra. É, por exemplo, fornecedora de equipamentos para praticamente todas as distribuidoras de energia do país. Por isso, monitora com atenção questões como as privatizações no setor elétrico e os investimentos públicos em geração de energia a partir de fontes renováveis. “Não temos expectativa de novos leilões de parques eólicos em 2018. Já a área de energia solar tem um crescimento esperado muito grande para os próximos anos”, afirma Tania. Para Cleber Morais, presidente da Schneider no Brasil, há um grande investimento a ser feito no país em geração e da distribuição. É preciso também, apontou, corrigir problemas que fazem com que o preço da energia elétrica no Brasil seja um dos mais altos do mundo. “Há várias razões para isso, como os impostos, o desperdício e os famosos ‘gatos’ [ligações clandestinas]. Em alguns estados, as geradoras não recebem cerca de 40% do que geram. É uma perda muito grande”, lamentou. Em relação às oportunidades oferecidas pela digitalização, Morais afirmou que “o mercado de IoT é gigantesco e o desafio é igual para todo mundo”. “O que a gente não pode é perder mais uma vez o bonde da história. O bonde está passando e a chance de a gente entrar é muito grande”, considera.

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Especial

Ritmo da mudança nunca foi tão grande, mas ainda há muita

vacidade. “Foi preciso fazer um grande caminho até sermos capazes de gerenciar as informações sem sermos intrusivos”, disse. “Aprendemos a fazer isso. Aprendemos que é possível utilizar esses dados sem invadir a privacidade. Há muitas ferramentas com as quais se projetam modelos e se criam avatares que representam grupos de pessoas. É preciso respeitar a privacidade, porque essa é a base pela qual se pode construir um negócio”.

a fazer

O carro decide? Çaglayan Arkan, gerente-geral de manufatura da Microsoft, levantou outro ponto: como lidar com a montanha de dados produzidos pelos dispositivos conectados? “A Inteligência Artificial (IA) e o machine learning produzem uma quantidade incrível de dados. A questão é o que fazer com eles. Há projeções que dizem que 99% dos dados não são aproveitados”, ressaltou. A empresa, por sinal, segue querendo ser um player forte: nos últimos quatro anos investiu US$ 1,5 bilhão em IoT, e acaba de anunciar mais US$ 5 bilhões para os próximos quatro anos. Há muitas questões ligadas à sustentabilidade. A digitalização permite criar alternativas para geração e produção de energia em lugares remotos, abastecendo o contingente de um bilhão de seres humanos – ou parte dele, pelo menos – ainda sem acesso a fontes de energia. De acordo com um relatório de 2017 da AIE, as microgrids, ou

transição

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Especialistas alertaram para os os riscos à privacidade com o número crescente de conexões

microrredes, são a melhor solução em custo-benefício para expandir esse acesso. Para a agência, em 2030, de 30% a 40% da população nos países em desenvolvimento terá energia fornecida por microrredes abastecidas por fontes renováveis, como a solar. Entretanto, ao menos no início, a energia disponível servirá apenas para serviços básicos como carregar baterias de celular ou alimentar iluminação por LED. Porém, um mundo em que todos os habitantes queiram chegar ao nível de consumo já atingido pelos países desenvolvidos será sustentável? Como perguntou Motherway: “na vida doméstica, vou utilizar a metade ou o dobro da energia que consumo hoje, com tantos novos gadgets e aparelhos conectados?” Para o representante da AIE, “visualizamos muito esse futuro, mas ainda não estamos nos preocupando o suficiente com a forma como vamos fazer esse processo de mudança”. Ainda estamos muito dependentes de fontes fósseis, alertou, e essa dependência vai se manter por algum tempo. “Mas o ritmo da mudança nunca foi tão grande como agora, com o crescimento das fontes renováveis. Muitas portas estão se abrindo, mas de fato ainda há muito a fazer em termos de transição”. Arkan, da Microsoft, deu um exemplo dessas encruzilhadas no caminho: num carro autônomo, o controle será em edge ou na nuvem? “Como se comportar quando surgir um obstáculo na estrada? O carro vai perguntar para a nuvem ou vai decidir?” Na área da publicidade e das relações de consumo, muita coisa também já mudou, ponderou Maurice Lévy, da Publicis. “Uma das perguntas, com a IoT, é como vender para uma geladeira”, brincou. Lévy lembrou que um filósofo já disse que o ser humano é um animal de hábitos. “Quando se apresenta a mudança, há um medo de encarar o novo mundo e de saber como se encaixar nele. Qual será, por exemplo, o futuro do trabalho na era da IA? Há uma enorme tarefa para ajudar as pessoas a entender o novo mundo e se adaptar a ele. A educação e a comunicação são essenciais para isso”, concluiu.

O jornalista viajou a Paris a convite da Schneider Electric 48 | AméricaEconomia


Quase um terço das empresas ainda não ouviu falar em Indústria 4.0 Para nove entre dez representantes de empresas que já tinham conhecimento do conceito de Indústria 4.0, essa nova etapa “aumentará a produtividade” e significa “uma oportunidade ao invés de um risco”. Entretanto, de acordo com a mesma pesquisa – realizada recentemente pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de São Paulo (Senai/SP) –, somente 41% das empresas utilizam o lean manufacturing, ou sistema de produção enxuta, e 32% dos entrevistados não tinham ouvido falar em Quarta Revolução Industrial, Indústria 4.0 ou manufatura avançada, nomes diferentes para a mesma mudança na forma de produzir. Skaf: “precisamos “O Brasil chegou tardiamente na discus- nos preparar” são da Indústria 4.0, que data de 2011 nos países desenvolvidos, e foi prejudicado pelo momento de crise econômica”, avalia o segundo vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho. “Mas acreditamos que ainda há tempo de as empresas brasileiras se inserirem na Quarta Revolução Industrial”, completa. A pesquisa ouviu representantes de 227 empresas paulistas, sendo 55% pequenas, 30% médias e 15% grandes. Do grupo de 68% que já conheciam o conceito (154 empresas), 30% estão “muito otimistas” quanto à implementação da Indústria 4.0 na própria empresa, e apenas 17% estão “muito otimistas” quanto a essa implementação no seu setor de atuação. Também nesse mesmo grupo, somente 5% se sentem “muito preparadas” para enfrentar os desafios da Quarta Revolução Industrial, enquanto 23% se sentem “nem um pouco preparadas”. Para a Fiesp, o desconhecimento retratado pela pesquisa demonstra a importância da disseminação de conhecimento sobre o tema. De acordo com a entidade, trabalhos de capacitação “serão primordiais para melhorar o senso de urgência das empresas com relação à Indústria 4.0, e principalmente no enfrentamento dos desafios”. “Estamos na Quarta Revolução Industrial e a transformação será grande. As mudanças assustam num primeiro momento, já que inúmeras profissões vão sumir, mas não podemos esquecer que o mundo abrirá outras novas oportunidades. Não podemos ficar para trás. Precisamos nos preparar, ter coragem e visão de futuro”, afirma Paulo Skaf, presidente da Fiesp.

Maio 2018 | 49


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Finanças | Investimentos

O valor da confiança Pesquisa realizada pelo CFA Institute e Greenwich Associates sobre o comportamento dos investidores brasileiros e internacionais revela transformações graças a uma nova geração de interessados em aplicar no mercado

A 50 | AméricaEconomia

Por Felix Ventura, de São Paulo

lguns dos componentes basilares para o mundo das finanças foram analisados num estudo produzido pelo CFA Institute e a Greenwich Associates, que conduziram um levantamento sobre o comportamento e a confiança dos investidores brasileiros e globais. Para a pesquisa, denominada The Next Generation of Trust - Investor Trust in Financial Services in Brazil, foram consultados no ano passado 3.127 investidores de varejo. Os resultados demonstram que a natureza da confiança está sendo transformada graças a uma nova geração de investidores e de ferramentas de investimento. Entre os investidores brasileiros, foi percebido um grau de ceticismo maior: pelo menos 73% acreditam que a confiança precisa ser conquistada, ante 46% dos entrevistados globais.

Porém, graças ao rigor regulatório da indústria de serviços financeiros no Brasil, a confiança dos investidores nacionais é maior nas instituições e nos mercados, apresentando uma taxa de 74% no comparativo com os investidores de diversas partes do mundo, que ficou em 69%. “Muito da confiança no Brasil realmente foi substituída por um sistema de controle, como a necessidade de registros em cartórios, na Bolsa de Valores e na Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (Cetip). Enfim, são meios de confirmação que se encontram bem desenvolvidos e que permitem ao investidor um nível maior de confiança em relação ao trabalho dos assessores financeiros”, explica Mauro Miranda, presidente da CFA Society Brazil e colaborador de AméricaEconomia.


Tecnologia Entre o conjunto de semelhanças que alinham o comportamento do investidor brasileiro ao do internacional, estão fatores como os ligados à credibilidade. Os dois segmentos acreditam que credenciais de organizações respeitadas pela indústria são importantes para os profissionais do setor (77% e 73%, respectivamente). Outro aspecto de paridade observado nos dois grupos de investidores é que três quartos deles admitem que as taxas pagas por serviços financeiros, de naturezas administrativas diversas, reflitam algum valor que estão obtendo na operação ou na relação com seu assessor de investimentos, justificando-se pela qualidade do serviço oferecido. Mais um dos elementos de relevância versa sobre a proximidade dos percentuais (48% para brasileiros e 46% para estrangeiros) que assemelham a conduta dos investidores quando se trata das marcas. Conforme os apontamentos do presidente da CFA Society Brasil, para quase metade deles é mais importante contar com marcas de confiança do que com pessoas. “Grande parte pre-

Educação financeira ainda é

fere fazer seus investimentos via instituições de prestígio em detrimento de enfatizar a capacidade individual de um determinado profissional”, diz. A tecnologia representa um impacto definitivo para as empresas de serviços financeiros, e as que melhor manipulam suas funcionalidades se diferenciam pelo ganho de eficiência trazido por essas ferramentas. No Brasil, 59% dos investidores disseram que, em três anos, os recursos tecnológicos para executar sua própria estratégia serão mais importantes que a consultoria humana, enquanto 48% dos entrevistados mundiais comungam da mesma opinião. Apesar de uma aparente desvalorização do papel de um consultor humano, a crescente utilização da tecnologia pelas empresas aumenta a confiabilidade, especialmente entre os brasileiros. Outro dado aponta que 42% dos investidores nacionais desconfiam ou desconfiam completamente da indústria de consultores-robôs, ante 40% da margem mundial, denotando ceticismo com relação à ação tecnológica que descarta a presença humana. “Confio plenamente na capacidade dos brasileiros em adotar novas tecnologias. Um exemplo é que, através dos smartphones, é possível investir no Tesouro Direto [uma plataforma de títulos públicos] com valores a partir de R$ 40”, expõe Miranda.

baixa

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De acordo com o levantamento, apenas 37% dos investidores brasileiros trabalham com assessores financeiros, taxa relativamente baixa quando confrontada ao índice de 56% da parcela mundial. “Praticamente o menor percentual de todos os mercados avaliados foi o brasileiro. Isso mostra um aspecto cultural bastante peculiar ao país, que é a cultura do ‘faça você mesmo’. Temos uma maioria que costuma tomar suas próprias decisões sem consultar um profissional”, avalia Miranda. Para o analista, essa característica está relacionada à falta de confiança, de forma geral, no mercado e também à baixa educação financeira do investidor brasileiro, que tem pouco conhecimento sobre os produtos e possibilidades existentes. Ao considerar a fração de investidores que se utilizam dos serviços de um assessor financeiro, no Brasil, 62% acreditam que esses profissionais estão bem preparados para lidar com a próxima crise, enquanto que, globalmente, o número é menor: 55%.

Miranda: maioria dos investidores toma decisão sem consultar um profissional Maio 2018 | 51


Negócios | Investimentos

Aposta emergente

A administradora de fundos francesa Carmignac abre escritório em Miami para acompanhar de perto as oportunidades de investimento na América Latina, como Mercado Livre e Decolar.com

C

52 | AméricaEconomia

Por Natalia Vera, de Miami

om uma capitalização de mercado que supera a empresa energética estatal argentina YPF, o Mercado Livre se transformou na maior plataforma de e-commerce da América Latina, com mais de 138 milhões de usuários. É também

uma empresa atraente para investimentos no terreno dos mercados emergentes, especialmente depois do lançamento, no ano passado, da Mercado Crédito, plataforma que oferece serviços financeiros de crédito para pessoas fí-


US$ 38 bi

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sicas e jurídicas – disponível também no Brasil desde o início de 2018. Exemplo disso é a recente compra de ações da Mercado Livre por parte da Carmignac, administradora de fundos francesa, que por meio de seu braço Carmignac Emergents aumentou sua participação acionária para controlar 5,49% da Mercado Livre por um valor superior a US$ 628 milhões. “As empresas de tecnologia são atrativas e sua valorização é satisfatória”, disse David Older, chefe da equipe de renda variável e gestor de fundos dos setores de TI e Mídia da Carmignac, depois da inauguração de seu primeiro escritório nas Américas, em Miami. A escolha da cidade se deu pela localização estratégica para servir de elo entre as Américas do Norte e Latina. Referindo-se à presença da Mercado Livre na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia, no

Região tem mais de 5 mil empresas de base tecnológica, com valor global estimado de

México e na Venezuela, Xavier Hovasse, diretor de Equities de Mercados Emergentes da Carmignac, diz que esse investimento representa atualmente a única exposição da companhia no segmento. “Enxergamos muito potencial nas fintechs, especialmente no segmento de pagamentos online. Não temos uma fintech específica em vista neste momento, mas sabemos que podemos nos beneficiar do potencial do mercado de e-commerce na América Latina”, explica. Nos últimos anos, as empresas de tecnologia latino-americanas têm despertado o apetite dos investidores. De acordo com o relatório Tecnolatinas, patrocinado pelo Fundo Multilateral de Investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e elaborado em 2017 pelas aceleradoras Surfing Tsunamis e NXTP Labs, existem na América Latina mais de 5 mil companhias de base tecnológica em setores como biotecnologia, medicina digital, energias renováveis, segurança de software, tecnologia espacial, fintechs e agricultura. Entre elas, 124 possuem uma valorização mínima de US$ 25 milhões. Seu valor estimado global, de acordo com o relatório,

Xavier Hovasse: “enxergamos muito potencial nas fintechs” Maio 2018 | 53


Negócios

se aproxima dos US$ 38 bilhões. “São cifras que mostram claramente o potencial do setor e constituem uma plataforma promissora para investimentos de dentro e de fora”, aponta o estudo. Viagens e hotéis A Carmignac também investiu na Decolar. com, a maior companhia de viagens online da América Latina. “Com uma participação de mercado em 20%, a empresa é a líder indiscutível da região em reservas online. Aproximadamente a metade de suas receitas vem das vendas de passagens de avião, e a outra de reservas de hotel”, diz Hovasse. “Cerca de 30% de todas as reservas de viagens na América Latina são feitas pela internet, enquanto na Europa, Ásia e Estados Unidos a cifra supera 50%”. O executivo assinala ainda que, dada a baixa concentração do mercado latino-americano, com as dez maiores cadeias hoteleiras arrecadando somente 15% das receitas totais – contra 52% nos Estados Unidos –, “a estratégia da empresa de agregar uma ampla variedade de passagens de avião e ofertas de hospedagem é totalmente convincente”. “O modelo empresarial baseado na intermediação direta da Decolar.com pode gerar muitas entradas de dinheiro, ao mesmo tempo que requer poucos gastos de capital”, diz. Fichas na mesa Investimento em mercados emergentes Fonte: Carmignac

9

39

milhões

milhões

1989

1997

Fundação da Carmignac

Crise asiática

* Até 31 de outubro de 2017

54 | AméricaEconomia

1,8 bilhão

2007 Crise financeira mundial

10,64 bilhões*

2017 Estabilização na China

“NOS MERCADOS EMERGENTES, BUSCAMOS PAÍSES COM FORTES FUNDAMENTOS MACROECONÔMICOS E PERSPECTIVAS DE CRESCIMENTO, QUE TENHAM INDÚSTRIAS DE BAIXA PENETRAÇÃO, MAS COM GRANDE POTENCIAL DE CRESCIMENTO NO LONGO PRAZO” Dessa forma, a tecnologia, ao lado do potencial do ainda incipiente mercado de e-commerce da região, se transformou numa das apostas de investimentos em mercados emergentes para a Carmignac – que gerencia mais de US$ 70,8 bilhões em ativos, dos quais mais de US$ 12,6 bilhões foram investidos em mercados emergentes. Além disso, num mundo de baixas taxa de juros como o europeu, a América Latina passa a ser uma excelente alternativa para obter rentabilidade. “Nos mercados emergentes, buscamos países com fortes fundamentos macroeconômicos e perspectivas de crescimento, que tenham indústrias de baixa penetração, mas com grande potencial de crescimento no longo prazo, e empresas com forte perfil de fluxo de caixa livre”, diz Hovasse. “Procuramos novas tendências e negócios disruptivos para investimento de longo prazo”, complementa David Older. Para Alfonso Montero, diretor de investimentos da Credicorp Capital, a América Latina é atrativa como destino de investimento, já que o mercado de renda variável se encontra abaixo de sua média histórica e com perspectiva de crescimento neste ano – principalmente, avalia, no Brasil. Finanças e política Além do setor tecnológico, a Carmignac vem identificando oportunidades de investimentos



David Older: “procuramos novas tendências e negócios disruptivos”

Cenário eleitoral dos diversos países tem peso nas decisões sobre

investimentos 56 | AméricaEconomia

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Negócios

em setores mais tradicionais, como o financeiro, cuja baixa penetração em vários países da região abre muitas oportunidades de investimento. Na América Latina, a administradora de fundos conta com investimentos na Colômbia, onde tem participação no Banco Davivienda; na Argentina, no Banco Macro; e no México, no Santander e no Grupo Financeiro Banorte. No Brasil, tem participação na área de seguros do Banco do Brasil. No Peru, adquiriu ações da Credicorp e títulos da Intercorp, e avalia ampliar os investimentos nos dois grupos financeiros. “Em países como o México e o Peru, nos quais a penetração bancária é pequena, vemos um bom caminho de crescimento para a rentabilidade do sistema sempre e quando os atores não começarem uma guerra de participação de mercado. As fintechs são vistas como um complemento aos grandes grupos financeiros, e acreditamos que muitas delas serão respaldadas por esses mesmos grupos como uma forma de incrementar a penetração”, diz Montero. Outro setor com potencial de crescimento é a construção, também na mira da Carmignac. De acordo com a filial mexicana da Moody’s Investors Services, os setores de construção, habitação e materiais de construção da América Latina têm uma perspectiva estável para 2018, com expectativa de que as atividades crescerão em boa parte do continente. “As receitas de engenharia e construção devem chegar a um crescimento de cerca de 6% até meados de 2019, uma vez que as tendências

econômicas vêm melhorando em parte da região e há base para projetos de grande escala”, aponta a Moody’s. “Espera-se que a Argentina e o Peru, por exemplo, se beneficiem de uma recuperação econômica e tenham aumento dos gastos públicos para projetos de infraestrutura”. De imediato, a Carmignac conta com ações da Cimentos Mexicanos (Cemex) – é o segundo maior investidor institucional da empresa – e da Loma Negra, a maior produtora de cimento da Argentina, com 46% de participação no mercado. É precisamente a Argentina o país que mais desperta o interesse da Carmignac, devido às políticas ortodoxas do presidente Mauricio Macri. “Vemos agora uma indústria da construção na Argentina que cresce na casa dos dois dígitos, enquanto os bancos obtêm capital. Também temos investimentos nos bancos argentinos”, assinala Xavier Hovasse. O fator político-eleitoral tem peso fundamental nas decisões sobre investimentos, em especial em países como México e Brasil, que terão eleições neste ano. “O crescimento dos investimentos estará diretamente relacionado aos resultados eleitorais, e isso se deve a candidaturas que são ou de esquerda radical/populista ou da direita capitalista. Assim, uma vitória de Andrés Manuel López Obrador (pré-candidato à presidência por uma coligação de esquerda) no México terá como primeiro impacto um retrocesso nos planos de investimento estrangeiro e local no país”, afirma Alfonso Monteiro, da Credicorp. “López Obrador é contra a reforma energética e projetos como o novo aeroporto. Ainda assim, pode haver uma oportunidade de que seu discurso seja menos radical – algo similar ao que aconteceu no Peru, quando Ollanta Humala enviou sinais positivos ao mercado”, avalia Hovasse. Enquanto isso, e agora a partir de Miami, a Carmignac monitora diariamente a conjuntura das principais economias da América Latina para tomar suas decisões de investimentos e obter os maiores rendimentos possíveis.


Jornada digital: os passos mandatórios para a transição

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Informe Publicitário

Entender que a tecnologia é um pilar para a transformação do negócio e elaborar um diagnóstico profundo da organização constituem o ponto de partida para qualquer mudança

A

o passo em que a era digital ganha contornos mais claros, desconstruindo os paradigmas de gestão dos negócios, líderes de empresas em diversos setores questionam: qual a melhor forma de direcionar recursos, esforços e investimentos em tecnologia da informação, a fim de apoiar, efetivamente, as estratégias e o crescimento da organização? Essa não é uma pergunta simples de ser respondida, até porque as novas tecnologias e as oportunidades por elas criadas abrem inúmeras possibilidades. Por isso, antes de discutir transformação digital e melhoria de processos, precisamos falar de transformação de negócios. Planejar a jornada digital significa entender que a TI não é centro de custos, responsável apenas por manter os serviços que suportam o funcionamento da empresa. A tecnologia passa a estar definitivamente inserida no planejamento estratégico. A transição para a era digital pede alguns passos mandatórios: • Diagnóstico da situação atual e visão detalhada dos passos a trilhar para os próximos anos, de acordo com a estratégia de negócios. Isso é fundamental para garantir que a empresa como um todo trabalhe em conjunto, buscando o mesmo objetivo. A estrutura de feudos precisa acabar. • Nesse cenário, ganha força o Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI), documento que define ações não apenas para que a TI con-

tinue funcionando, mas principalmente para preparar a jornada digital e priorizar os investimentos de forma que estejam alinhados com a estratégia e com as expectativas dos líderes de negócio. • As frentes de atuação desse plano passam pelo investimento na arquitetura de TI, maturidade de processos, transformação de modelos de negócios, busca por um maior nível de automação e compliance, governança, formação de um time preparado para lidar com as demandas atuais e futuras e gestão de projetos. Na Lozinsky Consultoria, entendemos que cada empresa tem a sua cultura e, por isso, nossa abordagem é personalizada para os diferentes clientes e segmentos. Os conhecimentos das boas práticas e a experiência adquirida por nossa equipe garantem planos de ação com alto valor agregado e evidenciam o Retorno do Investimento (ROI) em TI, a otimização dos recursos e o aumento da garantia de entrega dos projetos estratégicos da área. Você está pronto para essa transformação de negócio?

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Comunicação

O valor da verdade na era das fake news

J

58 | AméricaEconomia

á dizia o filósofo e escritor italiano Umberto Eco: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. De acordo com ele, os “idiotas da aldeia” tinham direito à palavra num bar após uma taça de vinho, mas sem prejudicar a coletividade. Com o advento das redes sociais, no entanto, hoje eles “têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”.

A teoria de Eco é comprovada por um levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP, na semana que antecedeu a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, em abril de 2016. A diligência, que investigou mais de 8 mil reportagens publicadas em jornais, revistas, sites e blogs


no período, concluiu que três das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas. Juntos, os textos tiveram mais de 200 mil compartilhamentos, o que nos leva a crer que mais de 1 milhão de pessoas tenham sido impactadas por notícias falsas em menos de uma semana. A má notícia (e essa não é falsa) é que a onda de inverdades não se restringiu ao processo de impeachment de Dilma Rousseff — ela está presente em nosso dia a dia e hoje influencia discussões nas mais diferentes áreas, da política ao esporte, passando pela economia e cobertura ambiental. Vivemos a era das fake news, em que blogs com interesses escusos deturparam o princípio básico do jornalismo, que é a imparcialidade, para manipular a opinião pública de acordo com os interesses de determinados grupos. Nos últimos anos, essa se tornou uma atividade altamente lucrativa – talvez até mais rentável do que o jornalismo de verdade. Prova disso é que atualmente existe uma verdadeira indústria que movimenta bilhões de dólares por ano por meio dos fake facts. Mas nem só de blogs sujos vivem as fake news. Num momento de debates polarizados, de “nós contra eles”, muitos profissionais da área têm misturado jornalismo com ativismo, levando a desinformação até mesmo aos veículos que gozam de credibilidade junto ao seu público. O que pouca gente se dá conta é que notícias falsas ou coberturas jornalísticas tendenciosas podem afetar não somente a política, como também pessoas e empresas, destruindo a reputação e gerando prejuízos bilionários às corporações. O jornalismo, não como empresa, mas como instituição, precisa criar um escudo para se proteger dessas práticas obscuras e não ser predado pelas fake news. É cada vez mais necessário zelar pela história, valores e princípios dos veículos tradicionais – e sobretudo pela credibilidade conquistada por eles ao longo de décadas. Muitos desses meios de comunicação contam atualmente com checadores profissionais de informações, uma arma eficiente na busca

O LEITOR PRECISA TER CUIDADO PARA INTERPRETAR AS NOTÍCIAS, AVALIAR A CREDIBILIDADE DE QUEM AS VEICULA E, PRINCIPALMENTE, NÃO COLABORAR NA DIFUSÃO DE CONTEÚDOS FALSOS pela diferenciação. Outros apostam em parcerias com empresas especializadas em checagem de notícias – um negócio novo, mas que se tornou altamente relevante nos dias de hoje. Até mesmo companhias como Facebook, Google e Twitter – que não produzem conteúdo, apenas os distrubuem entre seus usuários – vêm investindo fortemente em ferramentas de checagem, buscando aumentar a credibilidade de seus serviços. Mas a busca pela verdade, é preciso dizer, não é uma tarefa exclusiva dos veículos de comunicação. Do lado do leitor, também é preciso cuidado para interpretar as notícias, avaliar a credibilidade de quem as veicula e, principalmente, não colaborar para a difusão de conteúdos falsos, uma tarefa que acaba dificultada pelo cunho ideológico dos principais virais. A luta contra as fake news precisa ser encarada como uma via de mão dupla. Se de um lado é preciso criar uma relação de confiança com o leitor, este, por sua vez, precisa valorizar as fontes confiáveis. Em tempos de pós-verdade, somente o bom jornalismo pode fazer a diferença para a sociedade. Essa é a informação que vale. Paulo Nassar Professor titular da ECA/USP e presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)

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Negócios | Mineração

mar

Saída pelo

As plantas dessalinizadoras de água do mar se transformaram na alternativa para que a extração de cobre, um dos pilares da economia chilena, possa continuar sendo realizada em regiões de escassos recursos hídricos – o país tem inclusive a chance de se consolidar como líder global numa tecnologia que se vale de energias renováveis e pode ser adotada em outras atividades, como a agroindústria Por Gastón Meza Acuña e Cristian Aránguiz, de Santiago do Chile 60 | AméricaEconomia


uando recebeu a oferta para trabalhar numa mineradora da região do Norte Grande chileno, o engenheiro eletrônico Christian Saldaña não hesitou em deixar para trás seu cargo na área de automação de uma importante multinacional. Sua decisão tinha a ver com a sensação íntima de que sua vida profissional seria marcada pela água, elemento crucial para o futuro da humanidade. “Deu-se a possibilidade de vir ao mundo da água, e não pensei duas vezes”, conta Saldaña, que em seu primeiro emprego atuou por quase seis anos na produção de água para uma mineradora e há um ano assumiu como diretor de operações da planta dessalinizadora Manto Verde, da Suez Meio Ambiente do Chile, filial do grupo francês Suez Environment, prestadora de serviço para a mineradora Mantos Cooper. Em sua nova rotina, trabalha com uma equipe de 17 pessoas que atuam na planta no regime de 7 x 7 dias. “Permaneço sempre conectado. Nos dias

BHP

Q

em que não estou lá, o pessoal do turno constantemente me liga para fazer alguma pergunta, e às vezes sou eu mesmo que faço contato para saber como anda o trabalho”, relata a respeito do seu posto-chave, de quem os processos dependem para funcionar sem sobressaltos. “Podemos dizer que somos o coração da mineradora. Sem água, é preciso parar a produção”, afirma. O engenheiro sabe que o futuro da humanidade está intimamente ligado à água. Num contexto de aquecimento global, crescimento da população e defesa que as comunidades fazem de seus escassos cursos d’água, as mineradoras teriam muitos obstáculos para as suas operações. Entretanto, um plano B teve muito êxito para a mineração de cobre no Chile, que encontrou no mar o seu grande aliado. “A questão das dessalinizadoras é muito importante para a nossa mineradora, porque nos permite diminuir cada vez mais o consumo de água doce. Embora a mineração utilize muito Maio 2018 | 61


FOTOS: DIVULGAÇÃO

Negócios

Erick Schnake, ex-subsecretário de Mineração do governo: operações eram inviáveis por causa dos custos energéticos

pouco (representa apenas 3% do consumo em nível nacional), o maior gasto se dá no Norte, onde não há água”, diz María Cristina Betancour, gerente de estudos da Sociedade Nacional de Mineração do Chile. Maria Cristina explica assim o déficit hídrico no país: o consumo mínimo de água por pessoa/ ano para garantir o desenvolvimento sustentável é de 2 mil metros cúbicos. Da Região Metropolitana de Santiago até o Norte do país, a média disponível é de 499 metros cúbicos por pessoa/ano. Na região de Antofagasta, a disponibilidade diminui ainda mais: é de apenas 47 metros cúbicos. Essa é a região de maior atividade mineradora do país. Custo da energia “A projeção que temos como governo do Chile é que, para o ano de 2028, 50% da água utilizada pela grande mineração será proveniente de plantas dessalinizadoras. É um aumento de três vezes em relação ao consumo atual, ou seja, bastante substantivo”, diz Erick Schnake, subsecretário de Mineração do recém-terminado governo de Michelle Bachelet. “O fato de essa tecnologia ser utilizada agora e não antes tem relação direta com os custos de energia. Essas plan62 | AméricaEconomia

tas consomem muito, basicamente para bombear o líquido para as distintas operações nas quais é utilizado. Por isso, com custos energéticos tão altos, era impensável utilizar tantas plantas desse tipo, já que elas consumiam grande parte dos recursos somente na tarefa de bombear a água”. Jorge Cantallopts, diretor de Estudos e Políticas Públicas da Comissão Chilena do Cobre (Cochilco), também registra a forte vinculação da grande mineração com a água salgada e o fato de que trabalhar com o recurso marinho envolve procedimentos e investimentos mais custosos. “A metade do investimento de uma dessalinizadora para a operação de mineração se relaciona com a planta, e a outra metade com a tubulação necessária, que abarca distâncias médias de 200 quilômetros e pode ser utilizada para operações que podem estar a 3 mil ou 4 mil metros acima do nível do mar”, diz. Uma alternativa a esse grande investimento é o uso direto de água do mar por meio de uma tubulação que a leve diretamente para as atividades – mas nem tudo é perfeito. Essa opção acarreta gastos de manutenção com a corrosão dos canos e das bombas. Esses efeitos colaterais fizeram com que o olhar fosse renovado para o uso da água dessalinizada. “É para essa direção que apontam os projetos hoje em dia”, resume Álvaro Hernández, diretor de Recursos Hídricos da vice-presidência de Produtividade e Custos da estatal Corporação Nacional do Cobre (Codelco). Os custos de investimento para uma planta dessalinizadora variam. Num caso, poderia ser de US$ 100 milhões, mas em outro poderia chegar a US$ 3,4 bilhões – tudo depende da envergadura do projeto e de quantos litros de água é necessário processar e transportar diariamente. Na atualidade, o custo do metro cúbico de água dessalinizada em condições de ser utilizada para a atividade mineradora varia entre US$ 1 e US$ 1,5. No entanto, no momento de transportar essa água para as operações, os valores sobem sensivelmente. Além da distância, é preciso levar em conta o volume necessário e a altura a que o líquido deve ser transportado, além de outros fatores.


VIGAFLOW

“Esses projetos têm economia de escala importante. Não é a mesma coisa pegar 100 litros por segundo e levá-los a 3 mil metros de altura e pegar mil litros por segundo para transportá-los aos mesmos 3 mil metros”, compara Hernández. Esses fatores podem fazer com que o valor do metro cúbico varie de US$ 4 a cerca de US$ 10. Atualmente, operam no Chile dez plantas dessalinizadoras no setor de mineração, e há uma paralisada. Outras doze se encontram em diferentes etapas dos estudos de viabilidade. Se forem concretizadas e colocadas em funcionamento, haverá um total de 23 plantas, todas na região Norte do país. De acordo com projeção da Cocilco, isso fará com que o consumo de água do mar na mineração do cobre praticamente triplique até 2028. O consumo de água do mar passaria a 11,2 metros cúbicos por segundo, contra 2,9 metros cúbicos por segundo consumidos em 2016. Já a utilização de água doce diminuiria em 6,3% no período – de 12,3 para 11,5 metros cúbicos por segundo. Segredo A dessalinização da água do mar é obtida com o uso de diferentes tecnologias utilizadas para realizar um processo essencial, denominado osmose reversa. Entre as empresas que se dedicam a isso está o grupo Trends, cuja subsidiária responsável pelo projeto Energia e Águas do Pacífico (Ena-

pac) é uma dessalinizadora desenvolvida especialmente para o setor mineiro da região do Atacama, e cujos investimentos chegam a US$ 500 milhões. O presidente do grupo, Rodrigo Silva Millán, acredita estar no ramo adequado, uma vez que prevê um desenvolvimento crescente da tecnologia de dessalinização no mundo – e o Chile pode ser um dos protagonistas dessa indústria, especialmente quando se trata de combinar a atividade com o uso de energias limpas. “Essa tecnologia tem um benefício significativo para o desenvolvimento da

Instalações da Vigaflow, uma das empresas que desenvolvem tecnologia para dessalinização

Jorge Cantallopts, da Cochilco: regulação para uso da água do mar pode se converter em tema global Maio 2018 | 63


Negócios

Chile

é pioneiro nessas plantas no setor minerador, deixando para trás países como Brasil, Colômbia e México

VIGAFLOW

Tubulações utilizadas no processo de osmose inversa, essencial na dessalinização

mineração no Chile, assegurando o abastecimento de um dos recursos estratégicos cruciais para a indústria e, mais do que isso, numa das regiões com maior escassez de água. São muitos os potenciais clientes, como a agricultura”, acredita. Outro protagonista dessa nova indústria é Diego de Vera Molero, que já deu a volta ao mundo para falar sobre dessalinização. Molero é o gerente para a América Latina da GS Inima Environment, empresa que desenvolve e constrói plantas dessalinizadoras em todo o planeta. Com uma experiência ligada a projetos localizados na América, na Europa e na África, Molero não tem dúvidas em afirmar que o Chile é pioneiro na região no uso dessas plantas no setor minerador, deixando para trás países com história nesse ramo de atividade, como Brasil, Peru, Colômbia e México. A liderança chilena não está associada apenas ao número de plantas construídas, diz, mas também à configuração geográfica do país, que é mais longo do que largo, possui uma grande faixa costeira e cuja canalização do mar às indústrias não é tão extensa, como ocorre nos países mineradores da vizinhança. O executivo aponta que a realidade que levou à criação da primeira dessalinizadora do mundo, em Cabo Verde, na África, é similar à chilena e se deve ao mesmo grau de escassez de água do Norte Grande do Chile. “A necessidade das grandes mineradoras de manter recursos hídricos adequados para levar a cabo os seus processos de forma exitosa e com

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ampla vazão obrigou-as a olhar para toda a inovação e a se dar conta de que os processos científicos devem estar inseridos em toda a cadeia de industrialização”, diz Molero. “Para o Chile, esse tipo de aplicação tecnológica é essencial, e esse é um dos segredos-chave melhor guardados da indústria. Você já imaginou o Chile, um país cujo PIB está associado à mineração, sem água para produzir cobre? Enfrentaria uma queda econômica fortíssima. A importância dessas plantas fala por si”. Novas fontes Álvaro Hernández conhece o cenário de terror sugerido por Molero. Por isso, o representante da Codelco é taxativo ao assegurar que “a continuidade das operações já não é possível com a água disponível atualmente. Temos que agregar fontes e, se começamos a olhar as históricas, podemos aumentar nossos direitos ou fontes? Não, porque elas já não dão conta. Devemos obrigatoriamente pensar em fontes distintas, e aqui é preciso fazer o que a indústria em geral vem fazendo. Por isso o projeto Distrito Norte se abastece e rentabiliza com a água do mar”. A estatal chilena pretende ter uma planta dessalinizadora do projeto em funcionamento no segundo semestre de 2021. É um empreendimento que em sua totalidade contempla o processamento de 1.680 litros por segundo. O custo estimado é de US$ 1,5 bilhão, valor que pode aumentar, uma vez que o projeto ainda está em fase de licitação. Rodolfo Camacho, gerente de Meio Ambiente e Licenciamento da BHP Minerals America, destaca que no final de 2017 a Mina Escondida – operada no Chile pela BHP – colocou em funcionamento sua nova planta dessanilizadora Escondida Water Supply (EWS), cuja capacidade de 2.500 litros por segundo a converte na maior da América Latina. O desenvolvimento da nova planta demandou um investimento de US$ 3,4 bilhões e recebeu o prêmio Planta Dessalinizadora Industrial do Ano no Global Water Awards de 2017, concedido pela Global Water Intelligence. Para a organização, as instalações demonstram


Questão global Jorge Cantallopts, da Cochilco, também acredita que as plantas dessanilizadoras serão as protagonistas da atividade de mineração do cobre. Mas adverte que com esse boom pode surgir um obstáculo. “Isso é um segredo: a mineração não quer falar disso publicamente e não quer que haja regulação a respeito, mas vai custar muito desenvolver projetos de mineração no Chile utilizando águas continentais”, lamenta. O ex-subsecretário Schnake também salienta as dificuldades do ponto de vista do governo. Em sua visão, é preciso delimitar bem o terreno antes de se iniciar um empreendimento que tenha como matéria-prima o mar de todos os chilenos. Para Schnake, dado o caráter estratégico da água marinha, o Estado deve ter um papel fundamental nessa matéria. Uma regulação para o uso da água do mar em operações de mineração não seria apenas um tema local, mas poderia se converter numa questão planetária, devido à extensão dessa alternativa industrial. Cantallopts afirma que, em termos globais, existem cerca de 12 mil plantas dessalinizadoras em áreas como indústria sanitária e agronegócio, entre outras. A mineração é um setor que tem cada vez mais presença, impulsionada por operações desenvolvidas em lugares como Peru e Austrália, além do próprio Chile.

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que o mesmo caminho pode ser utilizado em outros estabelecimentos mineradores. A EWS requereu também a construção de um sistema de transporte de água de 180 quilômetros para alcançar as operações localizadas a mais de 3 mil metros do nível do mar. Para isso conta com quatro estações de bombeamento e alta pressão e duas linhas de 42 polegadas para o transporte da água. A energia necessária para esse bombeamento é fornecida por uma central elétrica a gás natural localizada na cidade de Mejillones, província de Antofagasta, cujo desenvolvimento foi impulsionado pela BHP e para a qual há um processo para obtenção de bônus de carbono.

María Cristina Betancour, da Sociedade Nacional de Mineração: Norte do país tem intensa atividade mineradora e pouca água

No caso chileno, qual seria o tamanho do negócio da dessalinização na indústria mineradora nos próximos anos? “Quando falamos de uma carteira de investimentos de US$ 65 bilhões para o conjunto da indústria de mineração, a parcela destinada à dessalinização não é insignificante e poderia perfeitamente alcançar 5% desse total de investimentos”, estima Cantallopts. Schnake destaca também os benefícios das plantas dessalinizadoras, tecnologia que em sua opinião desata uma série de nós que vão desde questões ambientais aos aspectos civis. “De um ponto de vista ecológico, as plantas impedem que se faça uso das reservas dos aquíferos ou de outras fontes, considerando-se que é uma região em que os recursos são escassos e muito disputados, e a vegetação do Norte não seria afetada, uma vez que não seriam utilizados os recursos hídricos que dão vida a esses ecossistemas”, aponta. “Por sua vez, deixa-se de usar a água que estava sendo destinada pela comunidade para o consumo local ou para o desenvolvimento da agricultura. Consequentemente, a implementação dessas plantas também soluciona uma problemática, de caráter quase histórico, que se mantinha com as diferentes comunidades do lugar”. Maio 2018 | 65


Finanças

O

que deseja um investidor ao buscar aconselhamento que o auxilie a tomar decisões sobre onde aplicar suas economias? Profissionalismo, ética e transparência são valores que vêm à mente – mas o que ele deseja mesmo é não ser enganado, não ser vítima de engodo e, em última instância, preservar seu patrimônio. Nos últimos anos, vimos no Brasil o surgimento de casas de análise independentes cujo modelo de negócio parecia estar alinhado com os interesses do investidor: a venda de publicações de cunho informativo, com opiniões supostamente isentas e dicas de investimento valiosas. Os investidores teriam, assim, acesso a recomendações independentes sobre operações com instrumentos financeiros como ações e op-

ções, sem que tais operações fossem “empurradas” por seus assessores de investimento em bancos ou corretoras. A realidade, porém, se provou outra. Em tempos recentes, assistimos ao espetáculo grotesco da multiplicação das propagandas enganosas, com promessas de ganhos de 1.000%, 5.000% e até 15.000% em poucas semanas ou mesmo poucos dias. Qualquer profissional honesto do mercado financeiro sabe que ganhos dessa magnitude, se existem, são frutos de alta frequência de operações, alta alavancagem e alto risco de perda da totalidade do patrimônio investido – ou seja, nada com o que investidores comuns deveriam se envolver. Pior que isso – certas propagandas desafiam a lógica e anunciam estratagemas que geram renda mensal como a de um aluguel de imóvel ou de um salário de funcionário público com investimento inicial baixo e rendimentos incríveis. Infelizmente, investidores incautos têm caído com frequência nesse conto do vigário. Mas a regulação tem avançado para cima dos maus profissionais. Com

Mauro Miranda, CFA - Presidente da CFA Society Brazil 66 | AméricaEconomia

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Vendedores de óleo de cobra uma nova instrução sobre a profissão de análise de valores mobiliários, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um passo importante para coibir abusos nesse setor e defender os interesses do público investidor. Agora, não apenas os analistas (pessoas físicas) devem obter seu registro junto à CVM antes de exercer essa profissão – as casas de análise (ou seja, as pessoas jurídicas) passam a estar sujeitas ao crivo da CVM e da Apimec, entidade autorreguladora do setor. Pela nova regra, a própria

o investidor merece ser punido rigorosamente – e a nova regulação mostra o caminho para isso. Mercado financeiro é coisa séria. Investimento é coisa séria. Trata-se das economias das pessoas, recursos para a realização de projetos de vida, como a compra da casa própria e a aposentadoria. Quem tem como método enganar investidores com promessas impossíveis de ganhos mirabolantes não pode ser chamado de analista. É vendedor de óleo de cobra, comerciante de falsas esperanças, explorador dos sonhos alheios.

EM TEMPOS RECENTES, ASSISTIMOS AO ESPETÁCULO GROTESCO DA MULTIPLICAÇÃO DAS PROPAGANDAS ENGANOSAS. QUEM TEM COMO MÉTODO ENGANAR INVESTIDORES COM PROMESSAS DE GANHOS MIRABOLANTES NÃO PODE SER CHAMADO DE ANALISTA linguagem das propagandas (e não apenas o conteúdo dos relatórios de análise que lhes servem de base) deve ser adequada e não induzir o investidor a erro. Qualquer prestador de serviços relacionados a investimentos que objetive sistematicamente ludibriar

Como lidar com esse tipo de gente? Multas pesadas, banimento do mercado e, em caso de desvios reiterados, prisão. A economia popular agradece. As opiniões apresentadas nesta coluna não representam, necessariamente, a visão das entidades às quais o autor está associado.



Negócios | Cone Sul

Turismo é a arma secreta

Argentina busca auxílio no FMI contra a alta do dólar, mas a tensão nos meios financeiros não altera os planos audaciosos de atrair nove milhões de visitantes estrangeiros até 2020

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Por Antonio Euryco, de São Paulo

o Global Summit 2018 do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês), realizado em abril em Buenos Aires – como já o fizera na reunião de ministros de Turismo do G20, também na capital portenha –, o presidente argentino, Mauricio Macri, celebrou o que vem acontecendo com o turismo, que definiu como a “arma secreta” do país – inclusive para

enfrentar a nova crise econômica deflagrada no início de maio. A meta é seguir crescendo e alcançar nove milhões de visitantes estrangeiros até 2020. Em 2017 foram 6,7 milhões, sendo 1,3 milhão de brasileiros, e neste 2018 todos os indicativos projetam que o crescimento vai seguir acelerado. “É o novo momento da Argentina


que se olhe, o turismo ganhou nova importância em termos econômicos e na oferta de serviços. As viagens aéreas são um bom termômetro dessa nova realidade. A abertura permitida pela política do governo trouxe as companhias low cost (que vendem passagens mais baratas), além de novos investimentos das empresas tradicionais, fazendo com que o mercado obtivesse um boom inédito. Já entraram no país a Level, a Flybondi e a Norwegian; ganharam novo formato a Andes, a Avianca Argentina e a chilena Sky, além da presença da Aerolíneas e da Austral. A American Airlines deve reforçar as conexões com os Estados Unidos, com partidas de Buenos Aires a Los Angeles e de Córdoba a Miami. A Edelweiss

Gustavo Santos: um dos objetivos é conquistar mais “fatias do bolo” representado pelos viajantes chineses

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no turismo internacional”, atesta o ministro do Turismo do país, Gustavo Santos. “São dois anos positivos, com investimentos e promoção. Entre governo e iniciativa privada, temos mais de US$ 3 bilhões aplicados no setor”. O turismo representa 1,3 milhão de postos de trabalho no país. Com os investimentos em curso, outros 300 mil serão criados nos dois próximos anos. Burocracia e outras barreiras para investir no país já não são mais inibidores: o Ministério do Turismo e demais organismos têm força de ação para colaborar decisivamente com os investidores. Assim, os planos continuam ousados. A busca pelo crescimento do turismo interno e a inauguração de mais de uma centena de hotéis estão entre os números previstos nesse horizonte. Pelos dados constatados durante os dois últimos grandes feriados, isso está acontecendo. Na Semana Santa, o número de argentinos que se deslocaram pelo país foi quase 70% maior em comparação com o ano passado. Gustavo Santos conversou com AméricaEconomia ao longo da edição latino-americana da World Travel Market (WTM) – o principal evento latino do setor de viagens e turismo, realizada no início de abril em São Paulo – e também no encontro do WTTC em Buenos Aires. Ex-diretor geral de Cultura e ex-ministro do Turismo da província de Córdoba, Santos é o titular da pasta nacional desde o início do governo Macri, em 2015. Ocupa ainda o posto de presidente do Conselho Executivo da Organização Mundial de Turismo (OMT). Mercado aéreo Da icônica capital, com sua efervescência cultural e atrações que vão da gastronomia à música, até a descoberta que se faz do Norte em aventuras e os segredos da região “do fim do mundo”, na Patagônia, a Argentina pulsa turismo em todas as direções. Buenos Aires, o Delta do Tigre, Mendoza, Córdoba, Rosário, Salta, Jujuy, a temporada de 45 dias de neve em Bariloche, as estações do período invernal: para onde quer

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Negócios

Abertura do mercado aéreo atraiu novas

conexões

secretário-geral da organização, Zurab Pololikashvili, em sua participação no WTTC. Com nova marca – a letra A em relevância –, a promoção internacional é uma das garantias dessa evolução argentina, ao lado da eliminação de vistos e redução de taxas para turistas. De olho na China Na segunda quinzena de maio, uma ação conjunta com o Brasil diretamente na China abre uma imersão junto ao maior mercado emissor mundial: a promoção das Cataratas dos dois lados (uma das maravilhas do mundo), alinhada à Muralha da China e cooperação técnica. Isto será feito na ITB China, uma das principais feiras de turismo da Ásia, complementado por um roadshow para capacitação do trade chinês em Pequim, Xangai, Cantão e Hong Kong. O grande lance da Argentina no alcance desse gigantesco mercado (250 milhões de viajantes) está no acordo com o e-commerce da Alibaba e DIVULGAÇÃO

e também as companhias de baixo custo

está autorizada para voos para Zurique, na Suíça, enquanto a TAP anuncia Lisboa-Buenos Aires para o ano que vem, além da Air Canada para Toronto e da Air Europa voando para Puerto Iguazú, na província de Misiones. No mercado aéreo, os clientes estão cada vez mais sensíveis aos custos e à interação com os serviços oferecidos. A Flybondi projeta que o número de passageiros na Argentina quadruplicará para 80 milhões em 10 anos, o que equivaleria hoje a aproximadamente o dobro da população do país. Entre as atrações que os visitantes buscam está o enoturismo, que atrai os apreciadores de vinho de todas as partes do mundo, a um ritmo de crescimento de 5% a mais de turistas por ano. A projeção como um grande destino existe dentro e fora da Argentina. Para a OMT, a promoção do desenvolvimento da atividade é aposta certa – tanto que um escritório de inovação da OMT será aberto em Buenos Aires, o primeiro desse tipo em nível mundial, como prometeu o

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sua plataforma de viagens, a Fliggy, na qual passará a dispor de um pavilhão virtual. Até o final do ano que vem, a iniciativa vai promover destinos e produtos elaborados pelo Instituto Nacional de Promoção Turística (Inprotur) com informes completos aos potenciais turistas. Um exemplo está no “Dia do Solteiro”, nos moldes da Black Friday, que no ano passado mobilizou compras de US$ 25 milhões em viagens. “Será uma ferramenta fundamental para alcançar o grande mercado emissivo deste momento”, diz Santos, lembrando o que os números comprovam: 130 milhões de chineses viajaram para o exterior em 2017. “Foram 7% a mais em relação a 2016, com gastos elevados em 5%. Queremos estar entre as fatias desse bolo”. A Argentina espera chegar a ter mais de 100 mil chineses como visitantes nos próximos dois anos. “Estou convencido e confiante de que vamos crescer muito mais, como também a Amé-

rica do Sul, como destino de novas experiências e conhecimentos”, afirma o ministro argentino. Santos aponta o exemplo prático de como a região da Antártica torna-se cada vez mais turística. A Associação Internacional de Operadores (IAATO, na sigla em inglês), criada para resguardar essa parte do mundo, anotou mais de 45 mil visitantes, um aumento de mais de um terço em relação a cinco anos atrás. Para a próxima temporada, entre novembro e março, já não existem lugares nos barcos de cruzeiros. Os roteiros custam em torno de US$ 7 mil por pessoa. As vendas para 2020 já estão sendo realizadas. A Argentina tem ainda forte relação com a área de grandes eventos internacionais (os recentes encontros do WTTC e do G20 foram alguns deles). Em agosto ocorre o Festival Mundial de Tango, e em outubro o país sedia os Jogos Mundiais da Juventude. Apesar da crise, o turismo argentino dispara mirando em muitos alvos.

Patagônia (acima): destino sempre procurado. Na página ao lado: Macri e Santos recebem os ministros de Turismo do G20 em Buenos Aires

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Debate

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Artigo I – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (Declaração Universal dos Direitos Humanos)

Ser ou não ser a favor dos Direitos Humanos?

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ara muitas pessoas a pergunta que dá título a este artigo não faz o menor sentido. Para elas é evidente que temos de ser a favor dos Direitos Humanos. No entanto, é necessário admitir que cada vez mais pessoas têm dúvidas ou se declaram abertamente contra eles. Os Direitos Humanos hoje não apenas suscitam hesitação, mas se encontram sob ataque aberto e sistemático. As redes sociais veiculam notícias (geralmente mal contadas, mal documentadas, parciais e particulares) que são conectadas a julgamentos negativos a respeito dos Diretos Humanos. Esses julgamentos, que ganham instantaneamente estatuto de justiça, são a partir daí reproduzidos dezenas, centenas, milhares, por vezes, milhões de vezes, em pouquíssimo tempo. Caberia nesses momentos – tanto ao homem dotado de consciência como ao pensador criterioso – ao menos perguntar-se: “que

tipo de juiz sou”? Tendo em vista que o cerne dos Direitos Humanos consiste na afirmação de que todos os homens são iguais e de que por isso são detentores dos mesmos direitos, a que ideias sua desmoralização beneficia? Afinal, vale a pena defender os Direitos Humanos? A abordagem dessas questões não é difícil, mas demanda tempo e vontade. Há poucos dias ouvi uma pessoa se referir aos Direitos Humanos como “direitos bandidos”. Trata-se evidentemente de uma avaliação ressentida em que os Direitos Humanos são percebidos como privação. O que faz essa pessoa sentir que os Direitos Humanos lhe retiram algo próprio que seria transferido a um outro indigno, o “bandido”? Nesse curioso raciocínio aritmético os Direitos Humanos são como um cobertor curto: alguém tem de passar frio! Decreta-se então que seja o outro.


É evidente que se trata de um raciocínio equivocado. Então por que cada vez mais pessoas são convencidas de sua legitimidade? Em que consistem precisamente os Direitos Humanos? Uma vez que os Direitos Humanos dizem respeito fundamentalmente ao direito de todo ser humano ter reconhecida sua humanidade, chama a atenção que possa existir um raciocínio que comporte a possibilidade de o humano não ser humano. Nesse procedimento banal reside enorme perigo. Historiadores, normalmente, preferem não julgar e costumam responder a perguntas com fatos. Vamos a alguns deles. Embora pese sobre as periodizações da história algo de arbitrário, essa arbitrariedade é fundada na percepção da mudança. Aquilo de impreciso que reside na periodização diz respeito a pequenas variações decorrentes do grupo de critérios por meio dos quais a observação do passado é feita. Portanto a própria periodização resulta dos fatos, não sendo tão arbitrária quanto por vezes se protesta. Dito isso, a história da humanidade pode ser dividida em duas grandes fases: a história pré-moderna e a história moderna. Todos nos consideramos modernos, embora raramente nos perguntemos o que isso significa. De modo geral, pensamos que moderno é aquele ou aquilo que superou o passado, que é melhor do que o que lhe é ancestral. Podemos apontar diferenças fundamentais entre a pré-modernidade e a modernidade, na maneira como aquilo a que chamamos de “ciência” e “justiça” se constituem. Observamos que ciência e justiça experimentam o mesmo ritmo histórico de modernização. Isso acontece porque correspondem ao amadurecimento e à paulatina hegemonia de um mesmo grupo de ideias. No mundo pré-moderno, a especulação geral a respeito da realidade foi desenvolvida por meio de procedimentos que podemos chamar de filosóficos ou teológicos. A modernidade científica, por outro lado, estabeleceu a hegemonia do conhecimento baseado na análise sistemática de dados e experiências relativas ao mundo físico, perceptível pelos sentidos.

A justiça, como é fácil perceber, acompanhou esse processo de objetivação da realidade por meio do procedimento por inquérito e prova. Da observação dos fatos e dados da vida objetiva resultou a ideia de que todos os homens, sendo iguais, deveriam desfrutar dos mesmos direitos. Ressalve-se que nenhum pré-moderno havia duvidado de que todos os seres humanos fossem detentores de idêntica humanidade, embora a abordagem metafísica do ser não tenha permitido que essa visão inspirasse o direito, então em boa medida destinado a codificar a desigualdade. A ideia de estender igualdade jurídica à igualdade natural inaugura a modernidade com a qual nos identificamos. Essa concepção se consolida no contexto revolucionário francês, como sabemos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Desde então, a ciência não deixou de ampliar os dados que comprovam a unidade de nossa espécie da mesma forma que o direito fortaleceu ideias e procedimentos que sustentam a igualdade jurídica. Mas nossa modernidade não é pacífica e repousa sobre uma enorme fenda que já nos primeiros momentos da Revolução Francesa apontava tanto no sentido do direito comum, da liberdade e da democracia quanto no sentido da tirania. Essa fenda é a força imperceptível

A ideia de estender igualdade jurídica à igualdade natural inaugura a

modernidade com a qual nos identificamos

COMO MOSTROU HANNAH ARENDT A PARTIR DA CONSIDERAÇÃO DOS FATOS QUE CERCARAM O JULGAMENTO DE ADOLF EICHMANN, A NEGAÇÃO DA HUMANIDADE DO POVO JUDEU PELO BUROCRATA NAZISTA SÓ FOI POSSÍVEL PORQUE PRIMEIRAMENTE ELE ABRIU MÃO DA PRÓPRIA HUMANIDADE AO ABDICAR DE SUA CAPACIDADE DE JULGAMENTO DOS FATOS, AO DESISTIR DE PRESERVAR SUA CAPACIDADE DE DECIDIR, OU SEJA, DE SER LIVRE

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Debate

democráticas

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 70 anos, resultou – no mundo dilacerado de 1948 – da consciência de que a destruição provocada pela Segunda Grande Guerra foi motivada por uma forma silenciosa de violência que consiste fundamentalmente na negação do outro, ou seja, na negação do reconhecimento de sua condição humana e de seu direito à vida, à liberdade e à identidade. Assim, é importante que se diga que os Direitos Humanos têm de ser abordados em sua relevância abrangente e universal. É comum pessoas fazerem julgamentos negativos sobre seu valor, motivadas pelo medo e ressentimento ligados a eventos pontuais. É preciso, portanto, por meio de informações, que fique claro que os Direitos Humanos não podem ser avaliados desse ponto de vista, uma vez que eles se aplicam ao próprio direito de reconhecimento de nossa humanidade. Colocá-los em questão ameaça tornar esse reconhecimento irrelevante para qualquer um. Cabe à Universidade mostrar os dados que tornam evidentes que os Direitos Humanos interessam, que eles ainda são um ideal a ser atingido e que os mecanismos que podem garantir sua realização são justos. Os Direitos Humanos correspondem primeiramente ao nosso senso de justiça e à verdade autoevidente de que todos os seres humanos são iguais. F

que ainda matiza a nossa percepção política e, como um processo, demanda a interação de nossa consciência e decisão. Sua tensão se mostra perceptível quando na França de 1793 se impôs o Terror, ou quando na Europa da primeira metade do século XX totalitarismos se estabeleceram. Tudo indica que neste momento o mundo entra numa nova fase de turbulência contrária às convicções democráticas. Isso não quer dizer que a mudança não ocorra, mas que nem sempre ela tem a face benfazeja que esperamos. A novidade nesse terreno instável é que o terror dos nossos tempos acontece depois que a potência do mal contida na supressão da humanidade de alguns foi disseminada. Então nossa modernidade tem dois caminhos diante de si. A partir disso, caberia a cada um, quando pensa em Direitos Humanos, perguntar-se que tipo de “moderno” é; ou seja, que potências da modernidade gostaria de ver fundamentar o mundo do presente e o do futuro. Como mostrou Hannah Arendt a partir da consideração dos fatos que cercaram o julgamento de Adolf Eichmann, a negação da humanidade do povo judeu pelo burocrata nazista só foi possível porque primeiramente ele abriu mão da própria humanidade ao abdicar de sua capacidade de julgamento dos fatos, ao desistir de preservar sua capacidade de decidir, ou seja, de ser livre. Eichmann, em suas próprias palavras, “apenas seguia ordens”. Ou seja, ele somente dava prosseguimento à cadeia de memorandos da qual ele era “apenas” um elo transmissor. O poder aniquilatório de certas ideias e situações nem sempre é evidente. Por isso precisamos estar atentos. Os Direitos Humanos dizem respeito à nossa condição humana e à condição universal de sua inalienabilidade; dizem respeito também à nossa liberdade e contribuição na concretização de democracias plenas.

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Tudo indica que neste momento o mundo entra numa fase de turbulência contrária às convicções

Néri de Barros Almeida Historiadora, professora titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e coordenadora do Comitê Gestor do Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos da Unicamp



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Página verde

A Amazônia brasileira

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xistem diversas razões muito palpáveis para que haja um congelamento do desmatamento da Amazônia. A maior delas acredita-se que seja o grande potencial com que a biodiversidade da Amazônia contribui para que o resto do Brasil continue a ter condições mínimas para se manter vivo. Entretanto, outra razão tão forte quanto essa é o potencial ainda totalmente indefinido da contribuição da floresta viva para a melhoria da qualidade de vida das gerações futuras. Não estou referindo-me tão somente às questões cli-

máticas, mas também, e talvez principalmente, às questões da biodiversidade da floresta relacionadas aos benefícios que a biotecnologia possa trazer na qualidade de vida futura – o que certamente contribuirá para que a floresta viva possa ser traduzida verdadeiramente como ouro verde. Ah, mas como ficaria a produção de alimentos? Como vamos aumentar em 40% a produção de alimentos no Brasil para alimentar o mundo, afinal o Brasil não é o celeiro do planeta? A resposta para isso está no trinômio tecnolo-


gia/produtividade/saber tradicional. Somente assim se atingirá o equilíbrio socioeconômico-ambiental para a região. Além do mais, existem milhões de hectares degradados que, se recuperados com tecnologia, poderão também servir de área para produção de alimentos – muito embora a defesa para o reflorestamento dessas áreas seja mais adequada. Devido às dificuldades políticas que o Brasil vem atravessando nos últimos anos, fica claro e notório o aumento do desmatamento da Amazônia. Com essa bagunça política, começam a emergir os idiotas radicais de todos os lados. Aparecem aqueles que querem afrontar a sociedade mundial com suas teorias e práticas desenvolvimentistas arcaicas que não são mais aceitas pela sociedade do mundo contemporâneo – e, do outro lado, vem o ativismo irresponsável. No momento de fragilidade política e econômica que o Brasil vive, não é recomendável de forma alguma que representantes do governo se envolvam em bravatas internacionais na tentativa de apagar a realidade. Isso aconteceu, e com um resultado catastrófico para o país, que até então vinha recuperando sua imagem ambiental com ações e negociações que permitiram, por exemplo, que o governo da Noruega doasse US$ 1 bilhão ao Fundo Amazônia. De outra parte, também temos que combater o ativismo irresponsável – que, se aproveitando desse momento frágil do país, quer implementar teses dominadoras. Circula pelos Estados Unidos um e-mail disseminado pelo Sr. Carter Roberts, CEO do WWF norte-americano, sobre a necessidade premente de educar os brasileiros para a conservação da Amazônia. A soberba desse senhor já é por demais conhecida no meio conservacionista. Imagine que esse autointitulado professor dos brasileiros elege a Amazônia como prioridade mundial, muito acima dos desmandos climáticos que o atual presidente americano vem efetuando. Não seria o caso desse soberbo professor se dedicar a ensinar aos seus conterrâneos, princi-

A RESPOSTA PARA AS QUESTÕES DA REGIÃO ESTÁ NO TRINÔMIO TECNOLOGIA, PRODUTIVIDADE E SABER TRADICIONAL. ESTÁ CLARO QUE, SE DESEJAMOS REALMENTE UMA SOLUÇÃO, ELA TERÁ QUE VIR DE DENTRO PARA FORA. A AJUDA SERÁ BEM-VINDA QUANDO A POPULAÇÃO LOCAL DESEJAR palmente os do Meio-Oeste, que tanto contribuíram para a eleição desse presidente? Afinal de contas, como líder de uma ONG americana, o Sr. Roberts deveria se dedicar aos problemas que os seus conterrâneos vêm causando para o mundo. Vale ressaltar que o WWF Brasil vem dando uma excelente contribuição, com projetos sérios – e, até onde se sabe, não compactua com a soberba do Sr. Roberts. Há exatos dez anos, foi criado um grupo denominado Soluções da Amazônia, com o intuito de mapear as soluções que os amazônidas criaram para melhorar a qualidade de vida da população local, a fim de transformá-los em guardiões da floresta. Está claro que, se desejamos realmente uma solução, ela terá que vir de dentro para fora. Quem está fora, se quiser ajudar, tem que ser onde e quando a população local desejar. Toda ajuda será sempre bem-vinda dessa forma. Portanto, fica a sugestão ao Sr. Carter Roberts de enfiar sua viola no saco e partir para outras pradarias que lhe dizem mais respeito, pois por aqui a sua soberba será muito bem combatida.

Jorge Pinheiro Machado Diretor América Latina – Regions of Climate Actions – R20

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Opinião | Justiça

A

administração pública brasileira se submete a alguns princípios explicitados no artigo 37 do pacto federativo. Todos sabem que a “Constituição Cidadã” é principiológica e dirigente. Isso significa outorgar ao princípio um relevantíssimo papel no ordenamento. Não tem sido heresia afirmar que princípio é mais importante do que regra, pois constitui o alicerce do sistema. Ao lado da legalidade, da impessoalidade, da publicidade e da moralidade, o constituinte derivado incluiu o princípio da eficiência. Isso ocorreu pela Emenda Constitucional 19, de 1999. Há uma versão oficiosa de que a inclusão derivou de uma circunstância muito especial. Até então, o Poder Judiciário não havia ainda enfrentado o “choque de

gestão” levado a efeito pelos demais poderes. A Justiça continuava atravancada, burocratizada e ritualística. O demandismo como regra, e não como última alternativa, converteu o Judiciário brasileiro num depósito de mais de cem milhões de processos. O apreço ao duplo grau de jurisdição foi levado a um paroxismo: o Brasil inaugurou o quádruplo grau de jurisdição. Entre a primeira e a derradeira decisão, mais de cinquenta modalidades recursais se interpõem, afora a criatividade de quem se utiliza de todas as chances para evitar a última palavra. Preserva-se o ritualismo e a argumentação a quem pleiteie celeridade: a Justiça trabalha com um tempo que não é o das partes. Não é possível decidir às pressas, sob pena de se comprometer direitos. Aristóteles já propunha a receita do in medio virtus. Entre dois polos, o equilíbrio é sempre algo sensato. Mas também causa injustiça o exagero nas práticas judiciais, que parece atender mais a quem não tem razão do que ao titular do bom direito. Ao senso comum parece incompatível a manutenção

do garantismo tendente ao exaurimento de todas as instâncias e de todas as estratégias de reapreciação do mesmo tema com a observância do princípio da eficiência. Tudo na administração pública tem um custo – suportado pelo povo. O Brasil tem a mais elevada carga tributária do planeta, considerado o nível dos serviços oferecidos à população. Esta tem o direito de um serviço eficiente. Em todos os setores, sem exceção de nenhum poder.

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Eficiência é um princípio menor?

ineficiente. Há de se buscar um ponto de convergência entre o sistema concebido como dogma irremovível da escala democrática duramente conquistada pelo Brasil e a urgência de se conferir gestão racional a todas as instâncias da Justiça. A ameaça de descarte não passa ao longe de prestações que deixam de atender ao ritmo imposto pela era digital a todos os que necessitam de serviços públicos. O universo jurí-

TUDO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TEM UM CUSTO - SUPORTADO PELO POVO. O BRASIL TEM A MAIS ELEVADA CARGA TRIBUTÁRIA DO PLANETA, CONSIDERANDO O NÍVEL DOS SERVIÇOS OFERECIDOS À POPULAÇÃO. ESTA TEM O DIREITO DE UM SERVIÇO EFICIENTE. EM TODOS OS SETORES, SEM EXCEÇÃO DE NENHUM PODER A eficiência é um princípio de categoria idêntica à dos demais. Se o serviço público não for eficiente, pode restar afetado outro princípio básico: o da moralidade. A profunda mutação do mundo em virtude da imersão na 4ª Revolução Industrial não conseguirá conviver com a prestação jurisdicional

dico já registra os efeitos da virtualização, e o custo-benefício de paradigmas tradicionais vai ser cotejado com a opção por soluções mais rápidas e singelas. É uma questão de sobrevivência do sistema Justiça, portanto, a observância mais atenta e respeitosa ao princípio constitucional da eficiência.

José Renato Nalini - Desembargador aposentado, ex-presidente do TJ/SP e ex-secretário de Educação do estado de São Paulo 78 | AméricaEconomia




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