da mihi animas
2010 nº 1/2 Janeiro/Fevereiro Tradução do original Italiano para a Língua Portuguesa
da mihi animas
2010 n. 1 - 2 / janeiro – fevereiro
FELIZES OS POBRES
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dma Revista das Filhas de Maria Auxiliadora Via Ateneo Salesiano, 81 - 00139 Roma tel. 06/87.274.1 ● fax 06/87.13.23.06 e-mail: dmariv2@cgfma.org Diretora responsável Mariagrazia Curti Redação Giuseppina Teruggi Anna Rita Cristaino Colaboradoras Tonny Aldana • Julia Arciniegas • Mara Borsi • Piera Cavaglià • Maria Antonia Chinello • Anna Condò Emilia Di Massimo • Dora Eylenstein • Laura Gaeta • Bruna Grassini • Maria Pia Giudici Palma Lionetti • Anna Mariani • Adriana Nepi • Louise Passero • Maria Perentaler • Loli Ruiz Perez Paola Pignatelli • Lucia M. Roces • Maria Rossi • Bernadette Sangma • Martha Séïde Tradutoras francês – Anne Marie Baud japonês - inspetoria japonesa inglês - Louise Passero polonês - Janina Stankiewicz português – Maria Aparecida Nunes espanhol - Amparo Contreras Alvarez alemão - inspetorias austríaca e alemã EDIÇÃO EXTRACOMERCIAL Istituto Internazionale Maria Ausiliatrice – Via Ateneo Salesiano, 81, 00139 Roma – c.c.p. 47272000 – Reg. Trib. Di Roma n. 13125 do 16-1-1970 – sped. abb. post. – art. 2, comma 20/c, legge 662/96 – Filial de Roma – n. 1/2 janeiro-fevereiro de 2010 – Tip. Istituto Salesiano Pio XI – Via Umbertide, 11 – 00181 Roma.
Traduzida do Italiano para a Língua Portuguesa
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Sumário EDITORIAL
Novidades para 2010
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ENCONTROS
Felizes os pobres
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Primeiro plano: Aprofundamentos bíblicos, educativos e formativos O PORQUÊ DE TERESA
A escolha de Dom Bosco
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RAÍZES DE FUTURO
História como amor à vida
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AMOR E VERDADE FIO DE ARIADNE
Por um desenvolvimento humano integral Mil setecentos e vinte
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Em busca: Leitura evangélica dos fatos contemporâneos CULTURAS
A amizade entre a tartaruga e a águia
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PASTORALMENTE
Tornar-se adultos
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MULHERES NO CONTEXTO
Quinze anos após a Conferência de Pequim
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PALAVRAS-CHAVE
Sinagoga, casa do encontro
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Comunicar: Informações, notícias, novidades do mundo da mídia CARA A CARA
Por que cara a cara?
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COMUNICAR A FÉ
Por uma boa comunicação da fé
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VÍDEO
Em direção ao éden
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ESTANTE
Resenha de vídeos e livros
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LIVRO
Asas queimadas. As crianças de Scampia
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Uma marcha a mais
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CAMILLA
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EDITORIAL
Novidades para 2010 Giuseppina Teruggi A nova veste gráfica do DMA quer ser um augúrio de caminho em novidade, neste ano que encerra a primeira década do milênio. Dando continuidade à sua natureza de instrumento para a formação das FMA, aberta também às leigas e aos leigos, a Revista apresenta, na primeira parte, uma nova modalidade de proposta de reflexão. O Dossiê é substituído pela Entrevista, que interroga pessoas significativas às quais pede-se um aprofundamento do tema em questão. Encontros é o título escolhido para esta primeira parte. Na busca de uma temática unitária que servisse de leit motif para o ano todo, o grupo de redação achou urgente propor a ‘pobreza’, analisada na ótica da identidade carismática e da missão educativa, com referência à segunda Orientação do CG 22º. A partir da citação bíblica que a fundamenta: Felizes os pobres em espírito, cada Encontro aprofunda a relação entre a pobreza e a missão, a justiça, o cuidado com a natureza, o bem comum, a sobriedade. Também nas Rubricas há várias novidades. A Revista, alinhada ao Capítulo que convida a aprofundar as figuras dos Patronos, ajuda a refletir sobre O porquê de Teresa/O porquê de Francisco. De natureza histórica, a seção Raízes de futuro, percorre o caminho do Instituto através de experiências e testemunhos que reforçam a audácia do ‘da mihi animas’. A figura de Miguel Rua será vista nesta ótica. Alguns temas geradores, a partir da encíclica de Bento XVI “Caridade na Verdade”” medeiam a rubrica Amor e Verdade, enquanto, Palavras-chave evidencia temáticas ligadas ao diálogo interreligioso e intercultural. Na seção Culturas há relatos e histórias de vidas em diversos continentes e, em Mulheres no contexto, são propostos núcleos de reflexão sobre a condição da mulher em várias partes do mundo, apoiados com testemunhos e com boas práxis apresentadas na ONU. Sabemos quanto seja importante fazer das nossas comunidades ambientes de vida e de esperança. Em Cara a cara são oferecidas ocasiões de reflexão a partir da temática da comunicação, ligada, sobretudo à dinâmica das relações interpessoais. O Capítulo reforçou a prioridade da evangelização hoje, em cada contexto cultural: Comunicar a fé propõe-se a dar respostas a esta urgência. As rubricas Fio de Ariadne, Pastoralmente, Estante Vídeos e Livros, Camilla, continuam. Bom ano, então, em companhia da Revista DMA: presença amiga e discreta, que quer falar à vida e construir rede, em todo o Instituto.
gteruggi@cgfma.org
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ENCONTROS Entrevista com o arcebispo Thomas Menamparampil, sdb
Felizes os pobres... Anna Rita Cristaino, Bernadette Sangma Mons. Thomas, imediatamente demonstrouse muito disponível ao nosso pedido de Encontro. A aproximação foi virtual, mas ele não deixou de entrar em contado conosco quando veio a Roma. Encontrando-o, percebe-se o sentido missionário de sua fala e o afeto paterno que demonstra pelas FMA. Sua experiência em uma diocese onde com frequência os cristãos são vítimas de discriminações, fez dele um homem essencial, centrado na Palavra de Deus. Muitas são as citações e metáforas bíblicas que usa para explicar a dimensão evangélica da pobreza, mas muitos também são os apelos aos atos concretos no cotidiano. Na entrevista ele parte da constatação da situação de crise que muitas sociedades do mundo estão atravessando, que provoca as pobrezas ulteriores. Toca os temas da pobreza evangélica com o testemunho de quem fez uma escolha de consagração ao Senhor, aborda o tema da formação à pobreza e, sobretudo, insiste vigorosamente em dois conceitos que considera fundamentais: a esperança dinâmica e a pertença comunitária. Constatando a atual situação mundial, quais são as causas profundas da pobreza, a seu ver? Muitos atribuem a atual situação de pobreza no mundo ao sistema de estruturas econômico-financeiras, outros jogam a responsabilidade sobre os indivíduos e as diversas comunidades. Os primeiros sustentam que as nações e as comunidades mais poderosas impuseram um sistema injusto ao restante da humanidade, que deveria ser rejeitado e substituído por um sistema mais justo que acabasse com as situações de pobreza no mundo; tais nações
agora também estão passando por um momento de crise. Outros insistem afirmando que a pobreza é devida à falência dos indivíduos e das comunidades, que desperdiçam as oportunidades apresentadas; estes precisam sair de uma espécie de letargia e aprender a ajudar-se a si mesmos. Ambos os pontos de vista contêm verdades. Mas ambos erram ao jogar toda a responsabilidade sobre os outros: os primeiros sobre os sistemas de exploração e sobre aqueles que controlam estas estruturas que escravizam; os segundos sobre os que dão respostas lentas e ineficazes apresentando-se impotentes diante das novas perspectivas. Na hipótese de se aplicar ao mundo das empresas uma ética de responsabilidade coletiva, as sociedades modernas conseguiriam mudar suas estruturas econômico-financeiras - verdadeiros monstros causadores da pobreza e da injustiça - para construir novas estruturas de solidariedade. Deste modo, até os grupos mais fracos sentir-se-iam revigorados no seu empenho de combater com as próprias forças a situação de crise, confiando em estruturas que possam dar-lhes esperança para o futuro. Eu acredito que para um diálogo construtivo entre as diversas opiniões, sejam necessárias pessoas que construam pontes, que sintam o significado da sua missão; que, com coragem, saibam dirigir aos poderosos os apelos para uma maior justiça, encorajando quem está mais atrás, sublinhando a natureza do nosso destino compartilhado como seres humanos e mostrando de que modo o desenvolvimento da porção mais frágil da humanidade pode trazer vantagens tangíveis também aos poderosos. Já existem homens proféticos que agem deste modo, incentivando os que são vítimas
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da situação de crise e de pobreza a aprender e a extrair esperança das experiências positivas daqueles que com paciência, reconstruíram o seu futuro. Eu espero que também entre os religiosos possam existir cada vez mais pessoas deste tipo. É convicção difusa afirmar que não se trata tanto de pobreza de recursos, mas de pobreza de humanidade. O que o senhor acha disso? Está certo o que se diz na pergunta, mas gostaria de abrandar o tom pessimista quando falamos de “pobreza de humanidade”. Devemos ser realistas. Até mesmo uma leitura não aprofundada da história mostra que os seres humanos nem sempre souberam confiar uns nos outros. Esmagar a “esperança” dos “outros” foi o nosso principal esporte. E nós muitas vezes pensamos em aumentar a nossa “esperança” enfraquecendo a esperança do outro. O bom senso nos diz que as nossas esperanças são concatenadas e que só poderemos emergir da “pobreza de humanidade” quando reconhecermos a grande verdade da
“pertença comunitária”.
É preciso ter uma visão ampla das realidades. Os recursos que conhecemos são apenas uma ínfima porção daqueles ainda não explorados, desconhecidos. E mais, a nossa habilidade no uso destes recursos permite um desenvolvimento indefinido. Não temos, portanto, necessidade de qualquer pessimismo. Se as nossas mãos e os nossos corações estiverem unidos, vai projetar-se uma era de enriquecimento recíproco. Ou morreremos juntos. O livro do Gênesis no cap. 41 fala das vacas magras que devoraram as vacas mais gordas. Não é a primeira vez que coisas do gênero acontecem na história. Então, posso dizer que concordo com o pensamento de que o cenário de hoje revela uma verdadeira “pobreza de humanidade”. Mas não estamos condenados a ela. Pode ser superada.
Hoje, diante do cenário de pobreza generalizada, quais são as interpretações mais significativas em nível cultural e antropológico, e as relativas reações?
É evidente que há algumas sociedades e algumas estruturas econômicas mais equipadas para enfrentar esta crise. A Ásia por pouco tempo ficou mais atrás na política e economia, mas seguiu em frente encontrando caminhos possíveis para melhorar e reforçar suas estruturas políticas e econômicas. Soube usar neste campo até mesmo a sabedoria da própria filosofia. Mas há sociedades mais marginalizadas, que muitas vezes ficam isoladas, perdidas nas lutas locais pela sobrevivência. Em muitos casos há grupos de pessoas, também nas sociedades mais ricas, que não conseguem emergir e entrar como protagonistas do desenvolvimento. Estes grupos de pessoas precisam ser acompanhados de modo especial. Em cada continente, as sociedades mais marginalizadas pedem a atenção do mundo, suas vozes se elevam proporcionalmente à sensação de impotência que muitas vezes experimentam. Os grupos fracos das sociedades mais desenvolvidas, reivindicam maior equilíbrio, sentindo-se muitas vezes como Davi contra Golias.
Em base a tudo quanto foi dito, onde está a “diferença cristã”? O cristão, diante da raiva que situações deste tipo geram em certos grupos de pessoas, deve fazer o que Jesus recomendou a Pedro: “Guarda a tua espada... quem faz uso da espada, pela espada perecerá”. É preciso ter a coragem de reivindicar os próprios direitos como fez o apóstolo Paulo quando afirmou sua cidadania romana, e tutelar os direitos dos mais fracos tomando a defesa deles, como o mesmo Paulo fez com o escravo Onésimo diante do patrão Filêmon. Isto inclui também o trabalho de reconhecimento da igualdade das mulheres. No seu recente livro A ideia da Justiça, Amartya Sem, economista indiano, Prêmio Nobel de economia em 1998, diz que para alcançar o estado de “justiça perfeita”, nós falhamos ao responder às necessidades imediatas de diversas situações, infligindo muitas vezes injustiças maiores e impondo metas muito distantes para uma realização realística. Enquanto se faz um esforço para atingir as condições ideais, é preciso também fazer o necessário para responder aos apelos das
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várias comunidades nos vários contextos, sem fugir do cotidiano da vida. Como primeiro passo, os cristãos deveriam empenhar-se em diminuir as injustiças nos seus ambientes de trabalho. Cada serviço que se desenvolve tem uma finalidade e cumprindo bem o próprio dever, poder-se-á chegar mais facilmente às metas prefixadas.
A situação real de “minoria evangélica” talvez gere pessimismo. Como não desanimar em tal situação? Como conciliá-la com a exigência da visibilidade? Também aqui, corre-se o risco de ceder ao pessimismo, especialmente quando justificamos a diminuição do número dos crentes e das vocações, racionalizando sobre o fenômeno e pretendendo que um número menor possa favorecer uma qualidade melhor. Porém, onde se aceita esta justificativa, muitas vezes cresce a morosidade pastoral, enfraquece-se o empenho apostólico e nos resignamos olhando para a crise atual como uma “realidade cósmica que não pode ser mudada”. Mas o pessimismo imediatamente desaparece quando alguém mostra a sua vontade de aceitar os desafios e explorar modos de atacar o problema frontalmente. Não olheis para as flores murchas, mas observai os carvalhos exuberantes e os novos brotos. Não percais o ânimo nos territórios áridos habitados pelos poderosos e sofisticados, correi pelos vales verdejantes dos tímidos, dos hesitantes, dos que estão em busca, dos que se questionam e que têm vontade de aprender, ali há um tesouro escondido. Olhai para o vibrante movimento eclesial e estendei-lhe a mão. Entrai na vida das pessoas e comunicai vossa mensagem dependendo do contexto. Estai preparados para responder a quem pede as razões da vossa esperança e deixai que os sinais da esperança sejam visíveis em vós. Tende a resposta certa para cada um, mas dai-a com humildade e amor. Falai, ensinai, escrevei artigos, escrevei cartas cheias de significado. O que faríeis se chegásseis a entender que o único Evangelho que uma determinada
pessoa vai ler com prazer é a carta que estais escrevendo? Escolhei como objeto da vossa atenção durante as orações, os ângulos esquecidos do mundo, os setores e as esferas de atividade “descuidadas”, os que vivem à margem da sociedade. Sede criativos e pensai fortemente num modo de ajudar as comunidades cristãs mais enfraquecidas. Colaborai com cada agente ativo que se prepara para levar o Evangelho ao mundo. E não vos esqueçais de que é a minúscula semente de mostarda, que vai crescer para tornar-se a maior árvore.
Como mulheres consagradas à educação dos jovens, que caminhos possíveis de pobreza evangélica, podemos indicar às jovens gerações? As minhas sugestões são simples. Encontrai alegria na radicalidade de vida. Procurai sempre fazer mais, dar mais, servir mais, compartilhar mais; aprendei a renunciar a muitas coisas, a ser generosas na vivência da vossa vocação. Reduzi vossas exigências egoístas. Estai mais atentas aos apelos dos que têm fome de atenção, de encorajamento e de estabilidade. Colocai tudo isso acima das exigências do conforto pessoal. Como educadoras, tendes necessidade de usar muito mais coisas do que as previstas pela vida simples da promessa evangélica. Permanecei desapegadas. Não deixeis que a eficácia apostólica da comunidade se torne obstáculo à vivência pessoal e compartilhada dos desafios da Palavra de Deus. E por último, não limiteis o conceito de pobreza apenas às “coisas”, ao ter ou não ter. Comparai-o com a radicalidade evangélica vivendo uma vida intensa de absoluto empenho e alegria plena. Seja a vossa vida um sacrifício vivo. Uma vela acesa que se consome ao serviço do Senhor e de seu povo.
Em base à sua experiência, que sugestões o senhor daria a uma comunidade FMA para viver a pobreza evangélica? Poderia apenas repetir aquilo que já disse. Mas vou além. Acrescentarei: permaneçamos próximos à maioria das pessoas da classe média das sociedades. Tenhamos
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afinidade com o padrão de vida delas. Assimilemos os valores que desenvolveram quando precisaram lutar para realizar-se na vida. Mostrai aos membros mais jovens da vossa congregação, não um novo cenário de “regras de pobreza”, mas o sofrimento dos pobres que vivem na casa ao lado ou um pouco mais longe. Compartilhai o supérfluo com os mais necessitados do bairro. Aceitai os sacrifícios que as vossas atividades nos bairros pobres, nas aldeias e nos seus serviços pastorais requerem. Sede humanas com as irmãs idosas, com as que têm necessidades especiais, mas não vos esqueçais de colocar os desafios do Senhor acima de tudo. Não existe um estado de “perfeita pobreza”, mas não é possível esforçar-nos continuamente para alcançá-lo? Deixai que os vossos corações sejam repletos de compaixão!
O senhor poderia sintetizar augúrio a riqueza do que foi dito?
num
Digo apenas isto: “Alegrai-vos... o Senhor está próximo”. Não deixeis que os percentuais sempre mais baixos da fé ou das vocações vos façam esquecer a verdade de que o Senhor está perto. Pensemos nas maravilhas que os pequenos números já realizaram na história da nossa
salvação: os trezentos de Gedeão contra forças poderosas, Jesus com os seus doze “medrosos” . Pensemos na fraqueza que se torna força: Moisés nascido de uma família Israelita, a estatura baixa de Davi, os lábios impuros de Isaías, a inexperiência de Daniel, a vulnerabilidade de Judite. Pensemos nos jovens, naqueles menos preparados que se tornam sinais de esperança para as gerações futuras: Abel, Jacó ou José do Egito e finalmente o filho do carpinteiro. Se és fraco e insignificante, és escolhido. Hoje precisamos de pessoas de grande envergadura, empenhadas, voltadas para Deus, fieis, dignas de confiança, equilibradas e convincentes; capazes de fazer parte de um grupo, de aceitar decisões comunitárias; pessoas cheias de recursos que possam mudar uma dificuldade em oportunidade e uma derrota em vitória segura. A surpresa sempre teve lugar no modo com que Deus se relacionou com a humanidade. As surpresas de Deus residem no futuro. Auguro às Filhas de Maria Auxiliadora muitas surpresas de Deus! “Sede alegres pois eu venci o mundo”. arcristaino@cgfma.org b.sangma@cgfma.org
«Reafirmamos a urgência do testemunho profético da pobreza e da opção preferencial
pela educação das/dos jovens mais necessitados mediante processos concretos e compartilhados» (Atos do CGXXII, nº 42.2)
Thomas Menamparampil, 73 anos, Bispo de Guwahati, cidade do Assam, na índia Oriental, diocese onde os católicos são 50 mil sobre 6 milhões de habitantes. Foi o primeiro missionário a romper a barreira do Arunachal Pradesh, um estado indiano que até 1978 era interditado aos evangelizadores. No último Sínodo dos bispos, Mons. Thomas Menamoarampil escreveu um dos cinco relatórios de introdução à Palavra de Deus na vida da Igreja. Escreveu os textos do comentário da Via Sacra, que Bento XVI presidiu no Coliseu, na sextafeira santa de 2009. Entre as suas publicações editadas pela São Paulo estão: Never Grow
Tired, A Path to Prayer; Let Your Ligth Shine; Challenge to Culture; Thoughts on Evangelization and Cultures: In the Context of Sharing Gospel. São numerosos os seus artigos em diversas revistas sobre os temas da Evangelização, Cultura, Paz, Vida Religiosa e Pastoral.
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dma – da mihi animas - REVISTA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA
Jesus nos faz uma proposta: se vocês se ocupam em fazer o bem, em promover o bem-estar dos outros, são felizes! Por quê? Porque permitem que Deus se ocupe de vocês, aí está a felicidade.
(Padre Alberto Maggi)
Os enviados de Jesus não levam consigo bens materiais. Calçam as sandálias, tomam o cajado que lhes permite caminhar em qualquer estrada (isto é, em lugares de fáceis ou difíceis acessos). Não têm pão nem dinheiro: não dependem do salário de uma instituição, nem pertencem a uma empresa... Partem com pouca bagagem: simplesmente com a roupa do corpo. Deste modo podem testemunhar o reino da graça, dom de Deus que não pode ser comprado, vendido ou merecido. É exatamente a pobreza que os torna solidários com os demais no sentido mais profundo da palavra: não podem pagar uma hospedaria ou comprar uma casa. Devem pedir hospitalidade, colocando-se nas mãos dos que demonstram querer recebêlos... Estes enviados de Jesus são missionários marcados com o sinal de sua vida de pobreza. Antes de oferecer, de dar alguma coisa aos outros, começam por receber: colocam-se nas mãos dos homens e das mulheres do lugar, em atitude de intensa pequenez, de suma pobreza. É somente deste modo que se apresentam – e são – testemunhas do reino de Deus que, curando-os os transforma. (Xavier Pikaza, O evangelho de Marcos, Borla, Roma 1996)
«Acompanhamos as comunidades inspetoriais para um testemunho profético de pobreza, que suscite um renovado impulso missionário e oriente concretamente a opção preferencial pela educação dos jovens mais pobres» (Programação do Conselho Geral, p. 16)
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O PORQUÊ DE TERESA
A escolha de Dom Bosco - Graziella Curti Enquanto voltamos às raízes da nossa espiritualidade, como nos indicou o Capítulo, surge espontaneamente uma pergunta: por que Dom Bosco escolheu Teresa d´Ávila e Francisco de Sales como patronos do nosso Instituto? O que têm a fazer um bispo e uma monja com o estilo simples e concreto da vida salesiana? Um perfil anunciado Dom Bosco não dá muitas explicações sobre a escolha de Teresa d´Ávila, para patrona do Instituto das FMA. Conservamos, além de algumas breves citações orais, um texto revelador: o Perfil característico das FMA traçado nas primeiras Constituições (1885). Tal texto ainda se encontra na abertura da nossa Regra de vida da qual constitui, como escrevia Madre Rosetta Marchese, uma síntese vigorosa”. A FMA deve possuir:
1. Caridade paciente e zelosa, não apenas em relação à infância mas também às jovens e a qualquer pessoa, com o fim de fazer o maior bem possível. 2. Simplicidade e modéstia com santa alegria; espírito de mortificação interna e externa; rigorosa observância da pobreza...
Com estas indicações podemos distinguir o tipo de religiosa que o nosso Pai sonhava e compará-lo com os ensinamentos de Teresa d´Ávila, sobretudo a respeito de três realidades fundamentais: que tipo de mulher deve ser a FMA, o estilo comunitário de vida, a possibilidade de uma síntese entre a vida ativa e contemplativa. Que tipo de mulher? Segundo Ir. Piera Cavaglià, nossa secretária geral e estudiosa da espiritualidade salesiana, Teresa é uma mulher unificada «...sem contraposições e dicotomias. Nela o humano é valorizado e unificado pela presença de Deus. Isto é surpreendente no tempo da reforma luterana, mesclada de pessimismo. Teresa sabe harmonizar a contemplação e a atividade incansável, o espírito de fé e o
concretismo pedagógico com que acompanha as irmãs, a interioridade e a alegria comunicativa, a humildade e a denúncia corajosa daqueles maléficos pseudo-eruditos que entravam o caminho da santidade». As irmãs da reforma franciscana de Madri diziam a respeito dela: «Deus seja louvado por nos ter permitido conhecer uma santa que todas pudéssemos imitar; fala, dorme e come como nós e não é complicada ao tratar com as pessoas». Uma biógrafa sua contemporânea escreve: «Teresa até o fim foi sempre deliciosamente humana. Quando, em ponto de morte, percebeu que a irmã que a assistia, Anna de São Bartolomeu, estava muito aflita, chamou-a para perto de si. Relata Ir. Anna: “Olhou para mim, sorriu e, abraçando-me, pousou sua cabeça entre as minhas mãos. Assim ficou até a chegada da morte; eu me sentia mais morta que a santa”». Um testemunho que nos remete às últimas horas de Maria Domingas, que amava muito Teresa d´Ávila. A formação das Filhas da Imaculada Um testemunho extraído da biografia de Madre Petronilla Mazzarello revela qual formação teresiana teria caracterizado a formação das Filhas da Imaculada. Já idosa, gostava de retornar às leituras que haviam iluminado os anos da juventude de Maria Domingas. «Encontrava-a muitas vezes – lembrava – ocupada com a leitura das petições do Pater, de Santa Teresa. Assim que eu chegava, passava-me o livro para eu ler um trecho em voz alta e depois repeti-lo com minhas palavras. O comentário ficava por conta dela e o fazia com áurea simplicidade. Gostava muito da leitura daquele livro e procurava fazer com que também eu gostasse [...]. Fazia-me escrever as máximas de S. Teresa que falavam da presença de Deus» (MACCONO, Ir. Petronilla Mazzarello 84). Então a escolha de Dom Bosco foi, certamente, determinada por este conhecimento que Maria Domingas e as outras jovens do grupo das Filhas da Imaculada, já tinham de Teresa.
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Das cartas de Teresa Para conhecer melhor os dotes femininos de Teresa bastam suas cartas nas quais ela se revela como uma mulher independente,simpática, bem humorada, enérgica e apaixonada. A Lorenzo Cepeda Por causa destes nossos conventos, casas de Deus e da Ordem, tornei-me uma mulher de negócios tão perita que já entendo de tudo... [24, 6.15]. A Maria Mendoza Se você vir o Provincial dos dominicanos, reprove-o por mim pois tendo ficado vários dias em Salamanca, não veio ao meu encontro: diga-lhe que eu lhe quero muito bem! [32,7]. A Jerônimo Graciano Tive vontade de rir ao saber que você deseja outras tribulações. Pelo amor de Deus, deixe-nos respirar ao menos por alguns dias. Pense que não se trata apenas de suportá-las [271,7]. São tantos os traços de Teresa, que emergem de sua vida, e que Dom Bosco teria desejado reconhecer nas Filhas de Maria Auxiliadora. Em particular: a alegria, a coragem, a radicalidade evangélica, a liberdade de espírito, a abertura aos outros, o realismo. Em síntese: uma experiência espiritual expressa na ótica da amizade com Deus e com as pessoas. Para um conhecimento atualizado de Teresa d´Ávila, aconselhamos Teresa d´Ávila: a vida, o pensamento, a identidade de mulher, de Waltraund Herbstrith – Ed. Cidade Nova
RAÍZES DE FUTURO
A história como amor à vida – Grazia Loparco A história é verdadeiramente raiz de futuro? Segundo Cícero e os antigos, a história é mestra de vida. Também Dom Bosco escreveu as Memórias convencido de que os seus filhos poderiam revigorar-se nas dificuldades e continuar a confiar na Providência. Os fatos de cada dia parecem desmentir que a história ensina a não repetir os erros de ontem. Realmente, só se aprende quando se está disposto a escutar. Porém, sem
ingenuidade, porque a história não se repete, o passado é passado. Então, é raiz de futuro porque a experiência de quem nos precedeu pode ajudar a amadurecer o senso crítico, criativo e responsável diante do próprio presente, inédito. Realmente, a história permite compreender que uma experiência vivida pode deixar rastros, que a história que se escreve hoje não é um fragmento desligado. Numa congregação, isto é ainda mais evidente pois nos colocamos numa caminhada mais ampla e a criatividade pode
florescer numa continuidade que confere consistência como uma plataforma de lançamento, integra o inédito e prepara a próxima mudança. Somos nós que questionamos o passado Seria um grande equívoco acreditar que o passado pode ser bem conhecido. Na realidade conhecemos pouquíssimo daquilo que nos foi deixado pelas pegadas que permaneceram. Mas cada geração tem necessidade de reescrever a história, de reinterpretar as experiências vividas, porquanto parte-se sempre das interrogações feitas às fontes, ao passado. As perguntas nascem da própria vida, experiência, contexto, inquietações. Segundo Benedetto Croce a história é sempre história contemporânea. No sentido de que revive nas pessoas que se aproximam com um determinado interesse. Diversamente, não existiria mais, a não ser pelo que deixou como herança ao presente. Não é dito, porém, que quem vive imerso no imediato reconheça as raízes das escolhas, das atitudes, dos hábitos, das mentalidades. Distância entre o passado e o presente O interesse pelo passado deve levar em conta o anacronismo. Isto é, a tendência a julgar o passado com a mentalidade de hoje. É por isso que os historiadores dizem que o passado deve ser compreendido, não julgado. Para compreendê-lo é necessário entrar no contexto, na mentalidade dos protagonistas da história, no seu mundo. É preciso reconhecer a distância entre o passado e o presente. Eis o motivo pelo qual o passado não pode dar receitas para as exigências de hoje. O hoje tem algo em comum com o ontem, mas também tem aspectos diferentes, irredutíveis, que devem ser reconhecidos, para que não se caia na repetição, no imobilismo, o que seria contrário a uma fidelidade criativa que conta com a responsabilidade de cada um. Esta é exercida tornando-se conscientes do mundo em que se vive, sem restringi-lo aos estreitos espaços dos interesses imediatos. Um senso crítico no confronto com a realidade presente, leva a aguçar o olhar, a interrogar outras experiências de vida, a investigar os segredos dos sucessos ou dos fracassos,
levando em conta que cada tempo é, em certa medida, não repetível. No Instituto das FMA a consideração das figuras luminosas, como também o conhecimento das lacunas ou não-respostas, é apelo para conhecer melhor o DNA do espírito salesiano, do carisma, que só pode ser realmente explorado através das realizações históricas - portanto das pessoas - vividas em certas circunstâncias, em um determinado tempo e lugar, com os condicionamentos e as oportunidades da situação concreta, que podem ser mais ou menos semelhantes às de hoje, nas diversas inspetorias e Países. Mas, para além das formas expressivas, mutáveis porque históricas, há algumas atitudes básicas, valores, certezas, que distinguem o espírito salesiano dentre os outros, e o preservam de cair em uma generalização descolorida. Sem se considerar superficial pode-se beber na fonte de outras experiências colocando-se à escuta dos jovens que interpelam os educadores de hoje, sua paixão educativa, não arbitrária mas inserida em uma “genealogia”. Sair da tirania do presente A situação atual leva as pessoas a aprisionarse no presente, que em tantos aspectos se diferencia rapidamente não só do passado remoto, mas também do passado próximo. Tornam-se porém autorreferenciais. Incapazes de um confronto com os outros. Fechadas nos próprios esquemas. Crédulas de que a realidade não pode ser diferente. A história, afirmava T. Radcliffe, nos liberta da “tirania do presente”, porque nos mostra que as coisas não devem ser necessariamente como são hoje. Como no passado as coisas mudaram, poderão mudar também agora. Isto é um estímulo para agir e empenhar-se em melhorar, não para cruzar os braços, para resignar-se, para sobreviver. Não refugiar-se no passado A re-evocação das figuras bem sucedidas de um Instituto pode levar a uma forma de refúgio nostálgico no passado. Tanto mais que muitas vezes limita-se a reconsiderar as origens, a comunidade
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primitiva sem adentrar a vivência mais articulada das gerações sucessivas com aquela dos inícios heróicos. Em tal caso pode-se cair numa mistificação do passado, numa leitura de tese, usada como instrumento para aquilo que se quer demonstrar, utilizando apenas as fontes que confirmam o que se deseja encontrar. É o oposto da escuta humilde e aberta à vida. Após a entrega do responsabilidade no hoje
passado,
A continuidade da vida, a genealogia do carisma e das boas práticas educativas colocam qualquer religiosa em uma atitude de responsabilidade e criatividade diante da missão e da instituição de que faz parte. Sem repetir, definitivamente, aprende-se a arte do discernimento amor às pessoas de hoje. E isto já é preparar o amanhã. Portanto, verdadeiro amor à vida.
a
AMOR E VERDADE
Por um desenvolvimento humano integral Julia Arciniegas, Martha Séïde Com esta rubrica propomo-nos a oferecer às Comunidades educativas algumas sugestões para uma releitura da encíclica de Bento XVI Caritas in Veritate, em chave educativa. A partir de um tema gerador a ser aprofundado – o desenvolvimento humano integral, neste primeiro número, – somos convidadas/os a deixar-nos interpelar e a encontrar novos caminhos para agilizar a Doutrina Social da Igreja nos nossos contextos. Releiamos a Encíclica O amor como principal força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira (n. 1). caminho A caridade na verdade, indispensável para a promoção de um verdadeiro desenvolvimento humano integral (n. 4). A verdade, amada e testemunhada, condição para o desenvolvimento e o bem-estar social (n. 5). Verdade e amor por uma ação social responsável (n. 5). A caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, por um desenvolvimento sempre mais humano e humanitário (n. 9).
A fidelidade ao homem exige fidelidade à verdade, única garantia de liberdade e
possibilidade de um desenvolvimento humano integral (n. 9). O desenvolvimento, entendido como humano e cristão, coração da mensagem social cristã
e a caridade cristã como principal força a serviço do desenvolvimento (n. 13). O desenvolvimento integral como vocação (n. 16); implica liberdade responsável (n. 17), respeito à verdade (n. 18), centralidade da caridade (n. 19). Hoje o quadro do desenvolvimento é policêntrico (n. 22). Não é suficiente progredir somente a partir de um ponto de vista econômico e tecnológico. É preciso que o desenvolvimento seja, antes de tudo, verdadeiro e integral (n. 23): social (n. 25), cultural (n. 26), econômico (n. 27), ético-moral (n. 28-29). Nós nos perguntamos
Diante da crise de valores, do individualismo, do consumismo, do desrespeito pela vida, da violência... o que está fazendo a nossa Comunidade educativa para restituir às novas gerações uma visão correta da pessoa humana? Convictas de que o desenvolvimento humano é um integral, como nos desenvolvimento colocamos, como Comunidades educativas, diante das situações de fome, miséria,
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doenças endêmicas, analfabetismo... que afligem tantos povos? Como a Comunidade educativa procura responder à questão do sentido da vida, à busca de relações autênticas, à necessidade de experiências profundas de Deus, à sede de felicidade das jovens e dos jovens? Em ação Os aspectos da crise e das eventuais soluções, mas também de um novo desenvolvimento possível, estão sempre mais interligados, implicam-se mutuamente, requerem novos esforços de compreensão unitária e uma nova síntese humanística. A crise torna-se assim ocasião de discernimento
e de replanejamento. Nesta chave, mais confiante que resignada, convém enfrentar as dificuldades do momento presente (Cf.n. 21). Selecionar alguns passos para tornar operativo o aprofundamento feito. A Doutrina Social da Igreja oferece as chaves para discernir como situar-se na complexidade do mundo de hoje. Verifiquemos de que modo ela está presente em nossa oferta educativa. O desenvolvimento como vocação exige um processo de formação e de autoformação contínua. Identifiquemos alguns sinais que permitam colher a integralidade deste processo em nosso ambiente. Outros?... j.arciniegas@cgfma.org mseide@yahoo.com
Creio numa humanidade diferente, mais fraterna. O mundo tem necessidade de respirar harmoniosamente de maneira humana. Todos os homens devem chegar a reconhecer-se uns aos outros, como homens, como irmãos, na utopia da fé. Creio no impossível e necessário homem novo! Dom Pedro Casaldaliga
FIO DE ARIADNE
Mil setecentos e vinte – Mara Rossi Não se trata de uma data. É um número que se encontra nos dados estatísticos do
Relatório sobre a vida do Instituto, no sexênio 2002-2008, que Madre Antônia
apresentou ao Capítulo Geral XXII. Refere-se às Filhas de Maria Auxiliadora que de 2001 a 2007 “nos deixaram pela Casa do Pai”. Um número tão grande pode surpreender e dar margem a interpretações muito diferentes. Mil setecentos e vinte FMA falecidas em seis anos. À primeira vista faz pensar num massacre, num mar de recursos desaparecido da cena da Igreja e do Instituto. Um grande empobrecimento considerando o fato de que
as mortes superam o número de jovens que entram. Sobretudo no Ocidente, o envelhecimento dos membros é uma realidade generalizada. É um dado que se presta a previsões negativas, pessimistas, que podem levar ao desânimo, à depressão, à perda de sentido. Nas comunidades, não é raro ouvir afirmações muitas vezes tristes e sofridas, como estas: “Se as jovens não entram mais conosco, mas vão para outros Institutos, isto quer dizer que não somos significativas, que não temos mais sentido”. E também: “Estando as coisas assim, eu, honestamente, não me sinto de encorajar uma jovem a
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entrar no Instituto”. “Estamos destinadas a morrer, a desaparecer”. “Em nosso tempo não era assim. Éramos tantas e tão cheias de entusiasmo”. A leitura da situação e dos dados estatísticos nesta linha tem aspectos realísticos, mas é parcial, incompleta. Se for acolhida na sua parcialidade, esta interpretação tem o poder de fazer esquecer o essencial da vida consagrada e de alimentar pensamentos, convicções e comunicações que aumentam a sensação de mal-estar, capaz de extinguir a alegria e o entusiasmo necessários para uma atuação eficaz no âmbito da educação. É estranho, no entanto estes pensamentos pessimistas convivem muitas vezes com a clara convicção de que o carisma salesiano não se esgotou nem está superado. E tal convicção é sustentada - além da atual declaração da emergência educativa que evidencia a importância da missão - também pela solicitação premente de presenças salesianas e pela frequência das/os jovens nos ambientes salesianos. Mas, deixando de lado os grandes números, as solicitações e as emergências, ainda é significativa uma vida doada a Deus que, também como comunidade, se torna memória evangélica e sinal e expressão do seu amor preveniente. Mil setecentas e vinte consagradas fieis
Mil setecentas e vinte FMA falecidas no último sexênio significa um longo cortejo de mulheres consagradas fieis ao Deus que as
seduziu na juventude, à Igreja, ao Instituto, a si mesmas, às/aos jovens. É um grande, poderoso e harmonioso hino à fidelidade e ao amor autêntico. Mais que uma perda, é uma grande vitória, um triunfo. É também um monumento a Maria Auxiliadora, talvez não previsto por Dom Bosco, que vai se edificando no Céu e que não pode ignorar o da Terra ainda numeroso – cerca de 14.000 presenças não são poucas – que caminha pelas estradas do mundo, que se agita em meio às dificuldades do viver, do educar, do agir em defesa das/dos mais fracos, das/dos meninas/meninos, das mulheres, das/dos jovens. Hoje, a fidelidade não é muito apreciada, ou melhor, frequentemente é olhada com desconfiança e com jactância por aqueles que se consideram na vanguarda. Ela encerra uma profundidade abissal: a do amor que
não muda com as culturas nem com o progresso tecnológico. Até mesmo nos tempos das mil possibilidades, da eficiência, do desencanto, o amor autêntico, por sua natureza, é para sempre. Tem suas raízes no Absoluto e não tolera relativismos, mesmo incluindo as fadigas e as crucificações que a fidelidade comporta. O amor é um sentimento profundo, exigente, às vezes doloroso, que no auge da maturidade humana ultrapassa o sentir, gera e cuida da vida em todas as suas formas. Não é uma emoção efêmera e passageira pela qual, como muitas vezes se ouve dizer hoje baseando-se em uma mal entendida psicologia, quando não se sente mais a primitiva atração ou o alegre entusiasmo juvenil, pode-se deixar o parceiro ou a vida consagrada. Para além das opiniões e das teorias, as mil setecentas e vinte, agora envolvidas pelo grande Silêncio, dizem com vigor que a fidelidade é possível também no atual contexto cultural permissivo e relativista. Proclamam com acentos diferentes, que as dificuldades, as crises evolutivas, as incompreensões, podem ser superadas e se tornar ocasião de crescimento e que nada e ninguém pode impedir a fidelidade ao Amor até o abraço final. Vivem ainda conosco e em nós As “1720 irmãs que nos deixaram pela Casa do Pai” , não o fizeram completamente. Elas ainda vivem conosco e em nós, de modos diferentes. Tendo compartilhado alegrias e dores, entrelaçado relações de ajuda, algumas vezes até exigentes e conflitantes, agora continuam a viver em quem caminhou com elas. Exceto as muito jovens, todas nós nos lembramos de algumas. Os seus rostos, as suas expressões, as suas atitudes, em ocasiões particulares; às vezes também no cotidiano, elas surgem na memória com a doçura, a força, a fecundidade de um tempo. Em mim, algumas estão muito vivas e presentes. Ultimamente, pensando nelas e nas mil setecentas e vinte, interroguei várias irmãs. Para mim, foi uma experiência que confirmou a realidade de que elas continuam a viver em quem fica. Enquanto me contavam a respeito das irmãs que haviam conhecido, assumiam uma atitude de quem oferece algo de íntimo, de sagrado. Algumas
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vezes baixavam o tom de voz como para proteger um precioso tesouro. Trago alguns destes testemunhos. As vigárias têm o dever não simpático de pedir ajuda para os ofícios e contam na maioria das vezes com as irmãs jovens. Uma irmã lembra com veneração Ir. Letícia, vigária da casa geral. Ela pedia colaboração para os ofícios, mas em seguida, idosa como era e com as pernas inchadas, lá estava com o pano de chão limpando o pavimento. Ninguém conseguia tirá-lo de sua mão. Ir. Adriana, professora de letras: uma irmã a lembra com admiração e afeto porque sabia conciliar sua sólida cultura com a simplicidade do cotidiano, era capaz de prestar-se ao serviço caseiro (lavar as panelas) e, ao mesmo tempo, estimular à reflexão, a uma sabedoria que ia além do superficial e banal. Ir. Anna, indiana: uma irmã, sua conterrânea, a recorda com muita simpatia e admiração pela sua inteligência vivaz e pronta, unida a uma grande simplicidade. Era atenta às necessidades das irmãs. Nutria paixão e compaixão pelos pobres. Acolheu e acompanhou até a maioridade quatro jovens pobres, muito carentes. Missionária no Haiti, Ir. Adriana vive na lembrança luminosa e reconhecida de uma Ir. haitiana. Era muito sensível ao problema da fome. Para continuar a alimentar a todos também depois de sua morte, desejava que fosse plantada uma mangueira sobre a sua sepultura. Certo dia, já idosa, enquanto voltava para casa, viu a pouca distância, um grupo de jovens arruaceiros com pedras nas mãos. Queriam assaltar o bonde elétrico e roubar as pessoas. Ir. Adriana pediu ao condutor para parar. Desceu e, sozinha, dirigiu-se aos assaltantes com passos lentos pelos distúrbios da idade, mas sorridente e disposta a tudo para salvar as pessoas. Podiam tê-la massacrado, mas nenhum atirou as pedras. Ela se aproximou e abraçou os jovens, um por um. As pedras caíram por terra. Percebeu que eles estavam com fome. Levou-os os até sua comunidade, satisfez
suas necessidades imediatas e depois, interessou-se para que pudessem viver sem fazer o mal. Ir. Pierina é lembrada pela sua sabedoria, competência, amor ao Instituto, capacidade de discernimento. Ir. Ivana, pela sua atenção aos aflitos e sua paciência em escutá-los. Madre Ersilia, por sua atenção às irmãs. Um dia, enviou à mãe de uma delas, 10.000 liras, uma soma discreta naquele tempo, para que pudesse encontrar a filha, uma jovem irmã que estava gravemente enferma, sem se preocupar com a hospedagem. A lista poderia continuar quase ao infinito. Trago ainda um outro testemunho. Escreve uma irmã de Ir. Teresinha: “Era fácil ouvir dela a palavra de fé que alarga os horizontes e que conforta. Quando alguma coisa não ia bem, dizia: “Ele sabe”. Pareceme vê-la, ereta e enérgica, empurrando os carrinhos para cima e para baixo nos longos corredores do “Dom Bosco”; preparando o necessário para as refeições das crianças, da comunidade; entrando e saindo do frigorífico com seu barrete de lã na cabeça, controlando a fruta pedida por uma irmã, o necessário para sua saída, a lista dos pedidos de várias delas e, a mais longa, a das suas necessidades. E tudo com aquela silenciosa prudência do “não saiba a sua mão esquerda o que faz a sua direita”. Ir. Caterina Pesci dizia com frequência: “Se ensino alguma coisa a uma irmã jovem, continuarei a viver nela”. E a abaixo assinada, que teve a sorte de ouvir sua voz e de gozar de sua atenção, pode afirmar que isto é verdade e não só para ela. As irmãs interrogadas, enquanto falavam daquelas com as quais haviam compartilhado uma parte de suas vidas, deixavam transparecer que os fatos, as atitudes e os gestos relembrados estavam ainda vivos nelas, como promessa e presságio de fidelidade fecunda. rossi_maria@libero.it
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ENCARTE DMA
O dever na sala de aula
“A sala de aula”, uma novela sobre a escola, relato de uma experiência apresentada com estrepitoso senso de ironia
Tema: eu me apresento... Textos extraídos de François Bégaudeau, A sala de aula, Turim, Einaudi 2008
Chamo-me Souleymane. Sou bastante calmo e tímido na sala de aula e na escola. Mas fora sou uma outra pessoa: agitado. Não saio muito. Exceto para ir ao boxe. Quando crescer vou me realizar como treinador e, sublinho, não gosto de estudar. Chamo-me Khoumba mas devo dizer que não gosto muito do meu nome. Gosto de Francês menos quando o professor falta. Dizem que tenho um mau caráter, é verdade mas isso depende de como você me trata. Eu me chamo Frida, tenho 14 anos e há exatamente 14 anos vivo em Paris com meu pai e minha mãe [...]. Quando crescer serei advogado porque penso que é a profissão mais bela do mundo, pois, é estupendo defender as pessoas. Chamo-me Dico e nada tenho a dizer sobre mim mesmo porque ninguém me conhece, menos eu. Chamo-me Hinda, tenho catorze anos e gosto de viver, quando crescer quero ser professor...
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AS PERGUNTAS • Quais são os valores da escola e o que fazer para que a sociedade os reconheça? • Quais devem ser os deveres escolares para as próximas décadas? • Para que tipo de igualdade deve tender a escola? • Como deve fazer a escola para adaptar-se à diversidade dos alunos? • Como motivar e favorecer eficazmente os estudantes? • Como os pais e os interlocutores externos à escola podem favorecer o sucesso escolar dos estudantes? • Como lutar eficazmente contra a violência na escola? • Como melhorar a qualidade de vida dos estudantes na escola?
CULTURAS
O conto: A amizade entre a tartaruga e a águia Mara Borsi
A tartaruga e a águia não podem encontrarse com frequência: uma passa o seu tempo entre as nuvens e a outra na terra. Mas quando a águia compreendeu que a tartaruga podia ser uma boa companheira, foi procurá-la na sua toca. A família da tartaruga ficou muito contente pela sua companhia e a águia comeu tão bem que voltou várias vezes: cada vez que ia embora, ria, Ah, ah! Posso gozar da hospedagem da tartaruga na terra, mas ela jamais poderá alcançar o meu ninho em cima das árvores! Rapidamente as visitas frequentes da águia, o seu egoísmo e a sua ingratidão foram comentados por todos os animais da floresta. A águia e o sapo não se davam bem, porque a águia comia sapos frequentemente. O sapo chamou a tartaruga e lhe disse:
Amiga tartaruga, oferece-me alguma coisa para comer e eu te abrirei os olhos. Depois de ter comido, o sapo disse: Minha amiga, a
águia está se aproveitando de tua gentileza, depois de cada visita sai voando e rindo diz: “Ah, ah! Posso gozar da hospedagem da tartaruga na terra mas ela jamais poderá gozar da minha, porque o meu ninho está em cima da árvore”. A próxima vez que a águia te visitar, dize-lhe: Dá-me uma abóbora, e mandarei alimento também para a tua mulher e os teus filhotes.
A águia trouxe a abóbora, divertiu-se e ao partir, disse: Voltarei para pegar o presente de minha mulher. A águia voava, rindo consigo mesma, como de costume, Ah, ah!
Gozei da comida da tartaruga, mas ela jamais gozará da minha. O sapo chegou e disse: Agora, tartaruga, coloca-te dentro da abóbora. Tua mulher te cobrirá com a comida e a águia te levará à casa dela, sobre as árvores.
Pouco depois a águia voltou. A mulher da tartaruga lhe disse: Meu marido não está
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mas deixou esta abóbora cheia de comida para a tua família.
A águia partiu levando a abóbora, sem suspeitar que a tartaruga estava dentro. A tartaruga podia escutar tudo o que ela dizia: Ah, ah, gozei da comida da tartaruga mas ela jamais poderá visitar o meu ninho e gozar da minha comida. Quando a abóbora foi esvaziada no ninho da águia, a tartaruga saiu para fora e disse:
Amiga águia, tu visitaste tantas vezes a minha casa e eu pensei que seria carinhoso gozar da tua hospitalidade.
A águia ficou furiosa: Eu te quebro a cara! Mas conseguiu apenas bater o bico contra o casco da tartaruga. Eu percebi que tipo de amizade me oferecias, disse a tartaruga,
diante disso, leva-me para casa, porque nossa amizade acabou.
A águia levou a tartaruga para casa e enquanto voava esta lhe disse: A amizade
requer paridade. Eu te acolho e tu me acolhes. Visto que decidiste não fazer assim, caçoando de mim, da minha hospedagem, não sou mais tua amiga. (Fábula Africana) mara@cgfma.org
Entrevista com Philomène Adiome Aboya Adiome era o sobrenome da minha avó paterna e Philomène o seu nome. Aboya é o
sobrenome de meu pai. Sou FMA há 15 anos. Trabalhei em um centro de formação profissional, na animação pastoral, na comunicação social. Em Port-Gentil (Gabon), junto com os jovens, fui promotora e animadora de uma estação de rádio: “Expression jeune”. Em Point-Noire
(Congo Brazzaville), fui coordenadora do Oratório, delegada da comunicação da minha comunidade. Agora estou em Roma para o curso de espiritualidade salesiana. Quais são os valores de sua cultura que você ama?
Um dos pontos fortes da cultura africana é o senso comunitário. E é exatamente isto que procuro valorizar sempre mais. O ubutu africano - a visão típica da existência – frisa os vínculos, o consenso, a comunhão e exprime a dinâmica dos valores e dos laços abundantes que unem a humanidade. Por isso os relacionamentos são muito importantes e a cultura africana dá grande relevo ao fato de ser e de estar bem com os outros. Provenho de um pequeno país, do Camerum, a 120 km da capital Yaoundè, pertenço à etnia Yambassa “Gunu”. Somos seis filhos. Na minha família não há primos. Meu avô tinha 5 mulheres e os filhos das minhas tias são meus irmãos. Segundo a cultura Bantù é esta a minha família íntima. Na aldeia há outras famílias, mas somos todos irmãos e irmãs porque temos os mesmos antepassados. Cada menino, menina, tem pelo menos dois sobrenomes. O nome e o sobrenome de um membro da família para não esquecê-lo e o
sobrenome de seu pai para saber quem a/o gerou.
Vivendo em um ambiente internacional, o que você mais admira nas outras culturas? Vivendo em um ambiente internacional o que mais admiro é a riqueza da diversidade. Quando os diferentes se encontram e a relação é correta e fraterna, há um verdadeiro enriquecimento. O ambiente internacional permite conhecer tradições, usos e costumes de outros Países e sobretudo viver a interculturalidade na vida cotidiana. As outras culturas iluminam a minha cultura e me ajudam a conhecê-la e a apreciá-la mais.
Encontrando pessoas de outros Países e culturas, que dificuldades você experimenta? Desde criança aprendi que “o branco” é a pessoa educada, rica, que possui o que é bom. Não é verdade mas a mentalidade era esta. No Instituto vivi com pessoas de cor e culturas diferentes da cultura Bantù. No encontro com pessoas de raça branca inconscientemente há dois riscos: uma certa perda de identidade, ao viver e fazer aquilo que fazem os outros porque considerados melhores; o fechamento em si para conservar as próprias raízes, considerando a diversidade uma ameaça. Estes riscos poderiam tornar-se problemas se no centro das relações não estivesse a caridade de Cristo e o espírito de família que caracterizam o carisma salesiano.
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PASTORALMENTE
Tornar-se adultos
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Palma Lionetti
Tornar a compreender a presença do adulto como educador. Ser “adultos fontais” capazes de narrar o que de bom a vida promete. Um dos primeiros trabalhos executados pelo jovem artista Bernini para o cardeal Borghese é uma escultura em que são representados Eneias que carrega nos ombros seu velho pai Anchise seguidos pelo pequeno Ascanio. O tema é extraído da Eneida, do autor latino Virgílio e retrata literalmente o momento da fuga de Troia em chamas. As diferentes idades dos protagonistas se fundem num entrelaçamento de formas e movimentos onde emerge Eneias na sua viril resignação a qual é vencida pelo olhar severo mas confiante em si e na busca do lugar onde recomeçar a viver. Se até pouco tempo atrás para representar a continuidade construtiva entre as gerações podia-se inspirar nesta bela escultura que retoma Eneias como ícone clássico do pai e, portanto, do adulto, hoje isto não é mais possível. O adulto não pode exibir uma identidade monolítica, plena de certezas. Passou-se, realmente, de uma concepção de identidade adulta granítica e monovalente para uma concepção que pensa a idade adulta como uma zona de luzes e sombras, habitada por muitas tensões. Uma vez ultrapassada a ideia de adulto idêntico a si mesmo por toda a vida, não há outra saída senão aprender a ser e a se tornar “adultos plurais” tanto em relação a si mesmos, quanto em relação àqueles que se preparam para o ser. Cultivar a própria identidade plural aumenta a possibilidade de ser mais felizes tornando menos infelizes os não adultos. Se o adulto não perde o contato com a própria biografia, e mostra ao não adulto querer enriquecê-la junto com ele, então cada um cresce “tornando-se coautor de uma novela educativa escrita em conjunto”.
Assim como cada novela digna de respeito, com final feliz ou não, pede ao leitor paciência e sugere que suas páginas não sejam folheadas rapidamente para ver o final, assim o adulto – como educador – deveria sustentar, com paciência e paixão, o que está escrito na trama da própria existência e na existência dos outros. Como adultos, temos ainda paixão por esta “arte”?
Estamos dispostos a gastar, a perder tempo com os jovens?
A educação, como um autor a define, é silenciosa, pouco espetacular, longa marcha a ser perseguida, requer do adulto a convicção e a descoberta de que é ele ou ela por primeiro que está mudando enquanto a percorre; que está assumindo outras categorias mentais rejeitadas no início da caminhada: a imprevisibilidade, a impossível calma, a incerteza, o risco, o aprender com a experiência. Talvez até mesmo em nossas Comunidades Educativas algumas vezes é fraca a possibilidade daquele diálogo pessoal entre adultos e jovens que requer tempo e que permite focalizar problemas, escolhas, empenhos, prospectivas, preferindo os encontros em que não há a possibilidade de um diálogo cara a cara, correndo o risco de abstrair, de ficar nas palavras e distanciar-se da vida. A vocação educativa do adulto requer então uma nova compreensão de si como “adultos fontais”, capazes de gastar-se para construir relações simples e boas, em que se toca com a mão a estima superabundante por cada jovem, a com-paixão pelo seu caminho e pelo seu trabalho, a esperança inabalável nos seus recursos. Isto significa que temos necessidade de redescobrir algumas grandes coordenadas do relacionamento humano que ficaram enfraquecidas; de fortalecer a aliança entre assistência e educação pois as prestações cuidadosas não esgotam toda a educação.
Hoje, diz D. Demetrio, mães e pais tornaramse mais “assistentes” que “educadores”. É verdade que a falta de assistência é a causa daquele analfabetismo emotivo de que já falamos muito, mas a carência da educação compromete e ameaça o futuro. Educar então é perguntar-se como adultos: mas que mundo queremos? A aposta que está em jogo é alta e exige, por parte de nós adultos, uma compreensão nova do nosso papel na emergência educativa, redescobrindo, além da fadiga, a beleza de educar. É possível experimentar tal descoberta quando a missão educativa é levada adiante com o entusiasmo de uma verdadeira paixão. Infelizmente, a avalanche de sondagens e de análises negativas das últimas décadas, comprometeu o relacionamento entre as gerações, tornando o mundo adulto sempre mais demissionário a respeito do dever educativo. No entanto, acompanhar um filho, um jovem no seu itinerário de crescimento, para que se torne ele mesmo, é uma das aventuras humanas mais extraordinárias, que oferece à pessoa adulta a possibilidade de descobrir aspectos novos da vida e de sua própria
personalidade. E mesmo quando o diálogo se faz impraticável e a comunicação parece interromper-se, o educador não pisa no acelerador, mas sabe aguardar com paciência, confiança, benevolência e afeto para ver os frutos do que semeou. Se as coisas estão assim, então formar-se e transformar-se enquanto adultos e educadores torna-se a condição indispensável para colocar-se em estado de disponibilidade a deixar-se educar continuamente pela vida, pela experiência, “acolhida com a maturidade de quem não vê nela meros acontecimentos casuais, mas encontros favoráveis a si e ao próprio crescimento em humanidade”. Portanto, aprender juntos com a experiência torna-se uma exigência prioritária das nossas comunidades educativas, “aprender com a prática educativa e nela discernir a riqueza de humanidade e o crescimento que requer e sugere, convidando a um contínuo trabalho sobre si”. Ser juntos “adultos fontais” capazes de narrar o que de bom a vida promete! palmalionetti@gmail.com
MULHERES NO CONTEXTO
Quinze anos após a Conferência de Pequim Bernadette Sangma Passaram-se 15 anos da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em Pequim (Beijing), em 1995. A mais célebre Conferência mundial com 6.000 delegados de 189 Países membros da ONU, 4.000 representantes das ONGs e 3.000 participantes do Fórum das ONGs. Pequim significou, para o movimento de mulheres, o ápice de duas décadas de ativismo para falar ao mundo de seu programa de mudança. “Passamos da análise à ação” repetia Gertrude Mongella, uma
mulher católica da Tanzânia, secretária geral da Conferência. O resultado contido na Declaração e na Plataforma de Pequim é considerado o mais poderoso programa mundial para orientar o processo do empowerment das mulheres. No texto da declaração afirma-se que a realização dos objetivos da igualdade, do desenvolvimento e da paz para as mulheres do mundo inteiro é interesse de toda a humanidade. O bem-estar das mulheres está estritamente ligado ao dos menores e do núcleo familiar.
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À distância de 15 anos, a ONU planeja avaliar a atuação dos governos em favor da Plataforma. O momento central do evento chamado Beijing+15 será de 1 a 12 de março de 2010, em Nova York durante a sessão anual da Comissão ONU sobre o Status da Mulher. Os refletores apontarão para os governos aos quais se pedirá para prestar contas do que têm aplicado na Plataforma de Pequim, nos últimos quinze anos. Há um certo ceticismo. “Chega de palavras!” diziam as mulheres em Pequim, há quinze anos. Devaki Jain, economista e ativista indiana escreve: «Parece crucial realizar um salto qualitativo ao encontrar novas ideias para satisfazer as aspirações e as lutas das mulheres pela justiça». Segundo ela, para transformar esta inaceitável situação, é exatamente das mulheres que as novas intuições devem provir. A ideia evoca o ‘gênio feminino’, expressão usada por João Paulo II. O empenho do Instituto no empowerment da mulher delineado nas Linhas da Missão Educativa, caminha nesta direção. Tem em mira “reforçar a progressiva capacidade das mulheres de se tornarem protagonistas da mudança” (n. 178) partindo da consciência da própria dignidade, dos próprios direitos e do grande potencial de investimento nas relações humanas. Nós mulheres fma Refletindo sobre as nossas ações concretas, ponderamos que elas privilegiam as mulheres sobretudo nos contextos das grandes pobrezas apostando na autoconsciência, na inserção social, na formação cultural, na autonomia econômica, no cuidado com a saúde, na formação à liderança e na luta contra a exploração. O horizonte último, porém, vai além do reconhecimento dos direitos ou da subjetividade feminina porque, como diz uma teóloga italiana Lilia Sebastiani, é simplesmente uma etapa
necessária, superar as injustiças e as discriminações das mulheres e das meninas. Esta fase essencial deve impulsionar à realização de um ethos de reciprocidade: «ampliar a compreensão do ser humano, de
modo que a polaridade, masculino-feminino seja contemplada desde o início, em reciprocidade e comunhão», citando as
palavras da biblista Nuria Calduch Benages, religiosa espanhola.
Isto nos remete à consideração das nossas ações educativas desde os primeiros anos da vida. No nosso Instituto, há experiências mais ou menos consolidadas de educação à reciprocidade homem-mulher, em diversos contextos. Contudo parece que ainda nos resta muito a fazer e este é um desafio que se impõe em nossa formação pessoal, comunitária e como Instituto. Que significado tem Beijing+15 para o nosso Instituto? Já faz dez anos que o Instituto está regularmente presente na ONU com o objetivo de levar nossa voz, nossas intuições de mulheres cristãs e nossas experiências diretas a respeito do empowerment das mulheres e da educação à reciprocidade homem-mulher. As nossas experiências concretas sobre o empowerment das mulheres e das jovens nas situações de pobreza, marginalização e de risco falam muito nesse ambiente porquanto são testemunhos eloqüentes de uma transformação real. Nesta ótica podemos dizer que Beijing+15 é para nós um desafio e um convite para continuar a investir nas mulheres e nas meninas conjugando os nossos esforços em nível micro, com o macro. A presença e a participação à Comissão ONU sobre o Status da Mulher nos oferece uma destas oportunidades.
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PALAVRAS-CHAVE
Sinagoga. Casa do encontro Bruna Gassini “A unidade de toda a humanidade tão
dividida, é vontade de Deus. Por este motivo Ele enviou o seu Filho para que, morrendo e ressuscitando por nós, nos doasse o seu Espírito de amor... Às vésperas do sacrifício da Cruz, Jesus pede ao Pai pelos seus discípulos e por todos os que acreditam nele, que sejam UM, uma comunhão vivente”.
Ut Unum Sint, 6
Bet Kness: é o termo hebraico que designa a
Sinagoga. Coração de toda comunidade hebraica, onde for construída, está sempre voltada para Jerusalém. É o lugar privilegiado de oração. Na parte interna uma pequena abside guarda a “Arca Santa” que contém os Rolos da Escritura: a Torah e a Lâmpada Eterna, sempre acesa dia e noite no Templo. São passados mais de mil e quinhentos anos da separação dos cristãos dos “irmãos hebreus”.
Roma: 13 de abril de 1986, um Papa, João Paulo II, entra na Sinagoga com o Rabino Elio Toaf, acolhido pelas autoridades hebraicas. Um coro possante canta o Salmo 150: “Louvai o Senhor no seu santuário. Louvai-o no firmamento de seu poder”. No “bem vindo” ecoa toda a história bimilenária da comunidade hebraica. Abre-se uma nova visão: o outro não é o herege, é o “companheiro de viagem”, o “irmão” que busca o encontro, a ajuda, a relação. É um caminho a ser palmilhado juntos, “que envolve todas as comunidades empenhadas, segundo a subjetividade de cada um”. (U.U. 28) Escreve o Cardeal vietnamita Nguyen Van Thuan: “Predispor-nos ao sacrifício da unidade significa mudar o nosso modo de ver, ampliar o nosso horizonte, saber reconhecer a ação do Espírito Santo que age em nossos irmãos, descobrir novos rostos de santidade, abrir-nos a aspectos inéditos da tarefa cristã. A vocação cristã é viver a unidade”. grassini@libero.it
CARA A CARA
Por que cara a cara?
- Maria Antonia Chinello, Lucy Roces
O título que este ano se pensou em dar à rubrica, há décadas dedicada à comunicação na Revista DMA, pode surpreender, sobretudo se for confrontado com os temas abordados nestes últimos dois anos, sobre a leitura educativa de algumas formas de
expressão e de comunicação dos jovens. O objetivo é dar continuidade e fornecer às comunidades educativas algumas chaves de leitura e de interpretação que ajudem a enfrentar a premente mudança que está ocorrendo sob os nossos olhos, às vezes atônitos.
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Temos consciência disso. O ritmo das mudanças torna-se algumas vezes insustentável, para quem provém de realidades com dinâmicas bem menos aceleradas, e corre o risco de transformar-se num obstáculo cultural. As dimensões e as prospectivas que o mundo abre, na temporada da Web 2.0 (e talvez dentro de não muito tempo, da 3.0), não são fáceis de ser definidas e monitoradas, porque a realidade da comunicação parece escapar por todos os lados, como se cada imagem estivesse faltando. Se a mutação é inevitável e premente, a comunicação, como sempre, e hoje talvez ainda mais, pode responder às necessidades costumeiras da pessoa, ao longo do percurso de uma vida de crescimento em direção à plenitude do ser homem e mulher. A comunicação no tempo da Rede O tema para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais, que Bento XVI propôs à Igreja e ao mundo em 2009, convidava a considerar as novas tecnologias como “uma” das respostas ao desejo fundamental das pessoas de entrar em relação umas com as outras. Por outro lado, o desejo de comunicação e amizade é inerente à natureza do ser humano. Em uma das passagenschave de sua Mensagem, o Papa escrevia:
«O desejo de conectar-se e o instinto de se comunicar que são próprios da cultura contemporânea, na realidade não são senão as manifestações modernas da profunda e constante propensão dos seres humanos a ultrapassar-se para entrar em relação com os outros». Então, nenhuma novidade? Não propriamente, porque a mudança é de época; todavia poderia tratar-se apenas da enésima transformação que muda a pele mas não o coração, que vai seja como for, em busca das necessidades de sempre. O diálogo, o respeito e a amizade são valores absolutamente antigos que hoje pedem para ser vividos de formas inéditas por causa do ambiente da comunicação de massa que foi tão radicalmente transformado. Recomeçar pelo relacionamento A comunicação segundo Mounier «é menos freqüente que a felicidade, mais frágil que a beleza: basta um nada para confirmá-la ou
destruí-la entre dois sujeitos». Para Ebner, filósofo vienense precursor das filosofias do diálogo de Buber, Marcel, Lévinas, Mounier, as relações corretas significam um estilo de relação que conduz a um encontro efetivo com o outro. Elas mesmas são o encontro. Cada comunicação é então o cumprimento de uma relação empática que se constrói numa lenta passagem do Eu ao Tu ao Nós: o cristianismo não dialoga por estratégia, mas porque é o seu estatuto de humanidade profunda, sustenta Enzo Bianchi em uma entrevista. Em nosso tempo, em que as distâncias diminuem sempre mais, os limites dos espaços desaparecem e se fazem sempre mais nômades e abertos, a pessoa corre o risco de ser um navegador solitário que atravessando as múltiplas redes vive de “zapping” perceptivo e cultural, de “impactos e fugas” interativas, mas não percebe a dimensão de mistério que caracteriza a sua vinda ao mundo e a sua vida no mundo, durante um certo tempo, num certo espaço. É preciso então recomeçar, reconstruir, remendar, educar-se para as relações interpessoais, partir novamente daquilo que nenhum computador poderá dar-nos: o impacto da presença, da voz do outro. Não é suficiente a qualidade do tempo oferecido à relação, é igualmente importante a quantidade. Para Paulo Freire a palavra é algo mais que um simples instrumento que coloca em relação. Para o pedagogo brasileiro, na palavra há duas dimensões: ação e reflexão. «Não existe palavra autêntica que não seja práxis. Portanto, pronunciar a palavra autêntica significa transformar o mundo». A relação humana não é uma brincadeira e requer tempo, respeito pelo outro, espera, escuta ativa e reciprocidade, em cada ambiente e situação de vida. A comunicação indireta é um dos canais que hoje se tem à disposição no diversificado panorama de um sistema de comunicação sempre mais integrado. É dando continuidade entre as duas comunicações, a online e a offline, é superando a fragmentação e reconduzindo à unidade e à unicidade da pessoa que se poderá sanar a contraposição que existe entre o real e o virtual, redesenhar o território humano e a dinâmica relacional, não multiplicar as conexões em Rede em detrimento dos laços com as pessoas
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próximas. «Somente no Eu-Tu tem-se uma autêntica relação e se alcançam altos níveis de reciprocidade; somente nesta dimensão o Eu se educa e se constitui como existência porque vale a lei: “Eu me faço no Tu e fazendo-me digo Tu”», escrevia Martin Buber. Como educadoras somos chamadas a dar plenitude à nossa missão. O fundamento do
dever educativo é o empenho responsável voltado para acolher e aceitar o apelo imprevisível que comumente se apresenta na realidade dos jovens e das jovens que temos à nossa frente.
Google wave Adeus e-mail, até mais Wave! Está chegando ao Mercado um produto que renovará radicalmente a comunicação online ao ponto de nos fazer dizer “adeus” ao correio eletrônico. Google Wave prevê compartilhamentos em tempo real entre múltiplos usuários, que simultaneamente podem escrever documentos (Wikis), partilhar fotografias, atualizar blogs, marcar encontros e promover bater-papos em grandes grupos. Google Wave pode ser fascinante, mas também pode esconder algumas complicações. Como para Gmail (o serviço de correio eletrônico do Google), Google Wave estará liberado para ser usado daqui a poucos meses. E assim vamos ver se... o extraordinário Google Wave suplantará definitivamente o querido e velho e-mail...
COMUNICAR A FÉ
Por uma boa comunicação da fé – Cláudio Pinghin Hoje mais que nunca sentimos quanto seja grande e difícil o desafio da comunicação. E se o objeto deste desafio é a fé, sentimo-nos ainda mais pequenos e perdidos. Por este motivo, comunicar a fé é o verdadeiro nó central do nosso ser Igreja e, sobretudo, pessoas de Igreja. Há alguns anos atrás, um irmão meu missionário que chegou ao Estado do Amapá - região amazônica, no longínquo 1948, disse-me: «O caminho feito pelos meios de
comunicação, daquele tempo até hoje, foi enorme. Hoje, podemos entrar em contato com todo o universo: estabelecer comunicação no mesmo momento com milhões de pessoas. Naquele tempo, ao invés, para vencer as distâncias, um altofalante estridente colocado no alto da torre, era o máximo. Os microfones colocados nas igrejas eram, quase sempre, uma verdadeira desgraça. Mas conseguia-se transmitir alguma coisa. Nosso cérebro missionário se transformava numa oficina de invenções. Perguntávamos: como conseguir o
contato com as periferias? Realmente só existia o contato direto, de casa em casa. Com uma sineta, avisávamos que estávamos chegando. Os cachorros (eram sempre os primeiros a nos acolher), depois as crianças e enfim os adultos se reuniam à sombra de uma árvore ou à entrada de uma casa: assim começava o catecismo. A situação melhorou quando a simples sineta foi substituída por um poderoso trompete “em si bemol”. Seus sons, um pouco indecorosos no início, com o tempo chegaram a transmitir melodias agradáveis; havia um único problema: os cachorros, que não suportam as notas agudas, uniam à música, os seus tristes lamentos». Os instrumentos sempre foram um suporte, para a mensagem; também isto o missionário confirma. E se é verdade que esta explosão tecnológica deu um grande impulso aos meios de comunicação, é também verdade que nunca como hoje, comunica-se tão pouco. Por isso um dos conceitos fundamentais a ser lembrado é este: os meios não devem tornar-se a parte principal
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da comunicação, mas devem ao invés ter um papel de mediação no processo comunicativo. Aquele velho missionário do PIME, que agora já está na casa do Pai, nos fez compreender como o meio de comunicação, rudimentar ou moderno, tem sempre um papel de ajuda e não pode substituir as pessoas, tanto os emissores quanto os receptores. Mas então nos perguntamos: como fazer para que nossas ações e nossos projetos possam ser realmente comunicativos? Comunicar não é uma simples transmissão de mensagem, vai muito além. Pense em quantas vezes cada um de nós, apesar de ter as melhores intenções, ficou amargurado porque não foi compreendido ou foi mal interpretado. O mesmo acontece no processo de Evangelização: quantas dificuldades para ajudar a Palavra de Deus a encarnar-se na vida das pessoas. E de quem é a culpa de tudo isso? Certamente concorrem muitos fatores, mas eu me limitarei a sublinhar aquele que é vital, a alma de tudo: a incapacidade de comunicar. Então insistimos: o que quer dizer realmente comunicar? O missionário, P. Lino Simonelli havia compreendido que para melhor evangelizar a população amazônica era necessário entrar em contato direto com o povo, viver uma relação pessoal com ele, isto é, fazer-se presente. Portanto, parece evidente quanto seja necessária uma certa identificação entre aquele que envia a mensagem e aquele que a recebe: somente assim poderá estabelecer-se um real e eficaz ato comunicativo. É o desejo deste ato comunicativo que estimula a tornar-se uma oficina de invenções, como dizia o sacerdote. Quem verdadeiramente quer comunicar não
se cansa nem enjoa de procurar soluções para melhorar a própria comunicação. Outro ensinamento fundamental que nos dá P. Simonelli é o fato de que comunicar nunca é um ato solitário ou individual, também porque frequentemente depara-se com o problema de como estabelecer a comunicação, por exemplo, com pessoas distantes e em situações nas quais não podemos estar presentes. Ele, de fato, sempre me dizia: «Visto que era impossível manter contatos constantes com as comunidades espalhadas pela floresta, procuramos envolver as professoras da escola elementar das aldeias. A elas transmitíamos tudo o que se referia ao ensino do catecismo. Com o mimeógrafo (o computador da época), organizávamos as lições semanais de catecismo e passávamos para as professoras, com as quais mantínhamos um contínuo contato, preparando-as para esta tarefa». Uma boa comunicação, portanto, necessita de uma mediação. Nós, pessoas humanas, somos limitados em todos os sentidos. Eis então a necessidade de procurar alguma coisa ou alguém que nos possa ajudar a substituir ou mediar a nossa ausência. Devemos lembrar que um processo comunicativo pode e talvez deva envolver mais pessoas e metodologias, sem porém esquecer a devida preparação e que nada seja deixado ao acaso ou à improvisação. Então podemos dizer que também a fé, parte integrante da nossa vida, precisa de uma verdadeira comunicação para poder ser realmente recebida e compreendida.
Padre Cláudio Pighin, que este ano dará cobertura à rubrica Comunicar a fé, é sacerdote do Pontifício Instituto Missionário Estrangeiro (PIME), e missionário há muitos anos na Amazônia brasileira. É especializado em pastoral da comunicação e missiologia. É jornalista, autor de numerosos documentários e de vários livros religiosos e culturais em italiano e português. Foi diretor do Centro de Comunicação Social e professor do Instituto de Catequese Missionária e da Faculdade de Missiologia da Pontifícia Universidade Urbaniana, é docente no IRFR (Instituto Regional de Formação Presbiteral) de Belém-Pará, Brasil e fundador e diretor da escola de comunicação social e da editora Missão Friuli Amazônia, em Belém – PA, Brasil.
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VÍDEO - por Mariolina Parenteler
Rumo ao Éden - de Costa Gavras - França/Itália/Grécia 2009 Depois de 40 anos, o grande diretor Costa Gavras – já célebre em 1969 pelo Oscar de «Melhor filme estrangeiro: Z, a Orgia do Poder» - volta a filmar em seu país natal, a Grécia, um filme sobre o atualíssimo tema da emigração que narra com o olhar participativo e indagador de quem põe sempre o homem no centro de sua história. Uma obra ao mesmo tempo vigorosa e poética, entre empenho e solidariedade. Emigrado por razões políticas da Grécia para a França o próprio autor declara: «O filme “Rumo ao Éden” quer dar voz ao percurso, ao vagar, à história daqueles que ontem fomos nós mesmos à procura de um teto. A história de Elias (o protagonista) não é a de Ulisses... nem a minha. Mas eu me reconheço em Elias, este estrangeiro que não me é estranho... Não é um filme autobiográfico, mas muito pessoal. Eu conheço o drama de quem é constrangido a deixar tudo o que lhe é familiar para aventurar-se rumo ao desconhecido, empurrado pela necessidade de sobreviver». Em outras palavras, o diretor explicita com clareza a intenção de propor o filme como um retrato/apólogo do drama do emigrante de hoje. Provém de um país não identificado, fala uma língua irreconhecível, é apresentado em meio a outras centenas de pessoas que como ele tentam a fortuna: são as provas claras da globalização. É interpretado pelo fascinante Ricardo Scamarcio que conquista, sustenta o filme e determina o envolvimento, mesmo se em muitos momentos é quase mudo. Os gestos, as atitudes, os olhares, falam. Basta pouco, às vezes, para ficar ao lado dos indefesos. Mas isto é suficiente? Em fuga com o clandestino Com um toque leve que, porém, não transforma em comédia a dramaticidade de uma viagem “da esperança”, o autor pontua toda a história – uma travessia por terra e mar – com uma estrutura narrativa linear. A primeira imagem do filme é cartão-postal: um mar belíssimo com um promontório formado de rochas elevadas e um pôr do sol impressionante. Em seguida, um barco enorme carregado de clandestinos que estão desafiando as leis da imigração para buscar pão e trabalho nos países do rico Ocidente, faz o seu caminho singrando as águas.
Avistados por uma sentinela do mar, o protagonista Elias se atira na água e foge a nado, confiando na sorte. Depois de um desembarque louco, acorda em uma praia da Grécia e descobre que está numa luxuosa colônia de férias: O Éden Clube Paraíso, onde é praticado o nudismo e o tempo ocupado com divertimentos levianos. Elias se disfarça para não ser reconhecido mas, descoberto por um atendente do Clube deve livrar-se dos apuros e aceitar tudo o que lhe acontece, até encontrar uma espécie de mágico que entretém os hóspedes e o escolhe como colaborador em suas prestidigitações. O mágico lhe dá um cartão de visita com um convite: «Se vier a Paris, venha encontra-se comigo no Lido». Elias o recebe como um penhor, uma promessa, uma autêntica esperança e a partir daquele momento aquele endereço se torna uma miragem: sua única meta. Tendo conseguido fugir da colônia, tudo fará para alcançar a capital francesa: viaja com todo tipo de meios de transporte, é assaltado, aceita trabalhar ilegalmente, acaba num dormitório público, perseguido em toda parte pela polícia consegue sempre escapar. De tanto em tanto encontra alguém que o ajuda até que – entre aventuras e desventuras – depois de atravessar a Europa, ultrapassa as fronteiras e alcança Paris. Mas assim que chega percebe que sua realidade é bem diferente daquela sonhada: «a capital da tolerância, o novo Éden do mundo nascente». Procura desesperadamente o mágico até ancorar no “Lidò”, onde um ancião gordo e gentil lhe mostra o mágico trabalhando e faz uma consideração: «Existe um tal caos no mundo! Só um mágico pode mudar as coisas». Preanúncio ou profecia? Costa Gravas a utiliza para dar um fecho e concluir a sua tocante parábola: com uma dose de imaginação mostra-nos Elias que banhado em lágrimas, sozinho, desiludido e sem ajuda, aciona a varinha mágica recebida do mágico e ilumina a Torre Eiffel. A polícia parece cercá-lo mas desaparece improvisamente. Elias vai em direção à Torre que reluz, enquanto tudo em torno dele para. Só ele continua a caminhar... acompanhado por uma música. PARA REFLETIR
Sobre a idéia do filme – Fornecer uma espécie de ‘curso acelerado’ sobre as atitudes dos nossos países ricos e neuróticos (Éden a Oeste), através da
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corrida de Scamarcio que encarna um emblemático emigrante.
vocês italianos, fomos migrantes. Não devemos esquecer disso” – Costa Gravas.
Costa Gravas afronta o tema da migração partindo do barco cheio de fugitivos tipo “Lamerica” (célebre filme de Amélio, em 1995) e das águas mediterrâneas como “fundo” da humanidade contemporânea. A ilha em que desembarca na colônia de férias modelo Alpitour – é só a primeira prova dos numerosos cenários que Elias atravessa: companhia para uma quarentona alemã que o ajuda amavelmente, mal querido passageiro de um par de condutores automobilistas gregos, operário em uma fábrica de reciclagem onde os infelizes são pagos ilegalmente. Enfim, a chegada, a desilusão do último engano: uma Paris de luxo e de policiais, de caos e contradições. Em síntese, o Elias de Gavras esforça-se e escapa de uma fome atávica, do peso da pobreza objetiva, mas – como muito bem escreve “Liberação”: «Leva-nos com ele. Acompanha cada
«Mesmo com traços leves, o diretor põe em jogo não só o seu estar do lado do fugitivo mas também as fortes contradições de uma Europa dividida entre impulsos de solidariedade e perigos de fechamento mental e cultural». Assim escreve a Comissão VPF enquanto o ator das Pulhias repete: “Quando Costa-Gavras me deu o roteiro para ler, eu o fiz notar que a cena dos homens armados com tochas que faziam ‘a caça ao homem’ era um tanto irreal. Depois... chegaram as ‘rondas’! E, como italiano – confesso – eu me envergonho”. Sempre afeiçoado a temas políticos e de denúncia social, o caso que escolhe para relatar nesta obra é apresentado como ‘habitual’ mais que trágico, mas o sofrimento pela solidão e pela estranheza não diminui. O filme de Gansel leva cada espectador a perguntar-se: “O que eu teria feito ou o que farei?” É capaz de inquietar e fazer perceber que o tema questiona cada pessoa em particular. Esta obra é para ser propagada e vista entre os professores, educadores e estudantes, como uma salutar ocasião para discussão.
público a tocar com a mão o fundo do poço: um opulento, egocêntrico e muitas vezes bárbaro Ocidente». Sobre o sonho do filme – Favorecer a interceptação de um SOS: “Nós gregos,
ESTANTE: VÍDEOS – por Mariolina Parenteler TODA A CULPA DE JUDAS - David Ferrario – ITÁLIA 2009 Uma interessante comédia musical, ambientada no bairro delle Vallette de Turim. “Não um filme sobre o cárcere, mas um filme no cárcere”, sublinhou o diretor Davide Ferrario que, desde o ano 2000, dirige oficinas audiovisuais em São Vítor. Uma obra que transforma o cárcere na arte de ‘possíveis emancipações e resgates’. Ao lado dos atores, trabalham os detentos e personalidades autênticas da sessão VI bloco A, que exigiram um tempo longo para construir um relacionamento de confiança, mas que têm o mérito da veracidade substancial de toda a obra. O filme, verdadeiramente atípico e original, conta a história de Irena, jovem diretora de teatro experimental, encarregada pelo capelão do cárcere de inserir-se como educadora e preparar um espetáculo sobre a Paixão de Cristo. Depois de alguma resistência pessoal justificada pelo seu despreparo em campo religioso, aceita a tarefa e consegue conquistar/envolver os seus intérpretes improvisados com humor, entusiasmo e fluência brilhante. Os ensaios porém se entravam quando, por motivos óbvios, todos rejeitam aceitar a parte de Judas, o traidor. Ela se resigna à situação e decide contribuir ao espetáculo não com a paixão de Cristo, mas com a dos pobres cristos que são os encarcerados, e os adapta à sua condição. «Sou um não crente, confessa o autor em conferência, mas acredito que a religião tem um papel importante em nossa cultura e nada tenho contra quem busca respostas de natureza espiritual às perguntas que a vida nos faz. Daqui a idéia do filme (...) Que lugar melhor do que a prisão para se falar sobre o sacrifício, a expiação?». Equipamentos, cenários, figurinos, roupas são fruto da atividade artesanal dos detentos. A grande cruz de madeira que ocupa toda a tela é o objeto que chama a atenção para dar majestade e peso estrutural. Em torno dela e sobre ela agem, deitam-se, interpretam os artistas anônimos, em particular aquele que está no lugar de Cristo. Não amarrado, nem traspassado pelos pregos, mas igualmente crucificado, mesmo permanecendo livre de descer do patíbulo, de cantar e dançar com os colegas. A transparência dos símbolos é total , todavia abre e deixa em aberto perguntas sobre problemáticas profundas.
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PONYO SOBRE O PRECIPÍCIO - Hayao Miyazaki – JAPÃO 2009 Poesia e magia tornam muito originais os filmes de Hayao Miyazaki, o último dos quais é Ponyo sobre o precipício. O autor japonês, de 68 anos, é considerado um mito pelos cultores dos desenhos animados. Mesmo quem não o conhece pelo nome, sabe quais são os seus personagens: Heidi, Anna dos cabelos vermelhos, Lupin III, Conan o rapaz do futuro. «O mundo torna-se sempre mais difícil – ressalta durante uma entrevista – mas enquanto nascerem crianças, haverá esperança. Por isso em Ponyo sobre o precipício conto a história do “nascer”». E o faz “desenhando”, uma fábula colorida que confia às mãos de 70 artistas, sem recorrer aos efeitos especiais da gráfica computadorizada. Escrito por ele mesmo, o filme “nasce” entre a terra e o mar, sobre o seu limite inexpugnável e incerto. Sua história é simplicíssima. Trata-se de uma peixinha vermelha que decide tornar-se uma menina de carne e osso quando, emersa na praia com a cabeça engastada num vaso de vidro, encantou-se pelo pequeno Sosuko. Mas a imaginação com que Miyazaki a repropõe nutre-se de todos os mitos fontais da cultura japonesa, a começar da ambivalente
presença do mar, elemento de vida mas também desafio perigoso, para continuar com o papel positivo e seguro das figuras femininas (quase todas as personagens de 1º plano são mulheres) diante da fuga dos masculinos. Como eixos estruturais apoia-se sobre dois pressupostos: o primeiro diz respeito à unidade da realidade, o segundo é representado pela relação criançanatureza. Visualmente é um tripúdio de cores. Não só: de cores em movimento, de cores que tomam formas, de formas que evoluem tanto cromaticamente como significativamente, enquanto acontecem coisas portentosas. A imagem mais bela deste encantador Ponyo sobre o precipício é a de uma menina com braços abertos que corre a plenos pulmões sobre a crista de uma onda gigantesca, porque só assim poderá completar a sua metamorfose de criatura híbrida, metade peixe e metade mulher, em menina verdadeira. Mas sobretudo corre para o seu amor Sosuko. Um filme que não deve ser perdido. Próprio para qualquer idade. Uma festa para os olhos e para a alma.
ESTANTE: LIVROS – por Adriana Nepi Dom Tonino Bello - O ALFABETO DA VIDA – Paulinas 2009 Não há entre nós quem não tenha lido ao menos algumas páginas deste original e incansável mestre do Evangelho que, chamado à dignidade episcopal, quis continuar a chamar-se Dom Tonino Bello e sempre confirmou com os fatos o que anunciava com as palavras. Há mais de dezesseis anos de sua morte, seus escritos, suas homilias conservam inalterada a sua atualidade, pois brotaram de um coração enamorado de Deus e da vida. O livro que apresentamos é uma simples coleção de pensamentos sobre vários temas, distribuídos segundo as 21 letras do alfabeto (abandono,
beleza, etc.). Por exemplo, à voz abandono: “Caminhar com Cristo significa abandonar-se a Ele, não se apegar a Ele... Quem se apega sempre tem medo; quem se apega a Jesus Cristo, aos santos... por medo, deve duvidar um pouco de sua fé”. Cento e oitenta páginas de sabedoria evangélica, que oferecem sugestões a uma pequena pausa de reflexão.
_______________________________________________ Marc Joulin - O SANTO CURA D´ARS – Paulinas 2009 Neste “ano sacerdotal” dedicado ao sacerdócio ministerial, foi escolhido como modelo ideal a figura do sacerdote S. João Maria Vianney: único pároco canonizado pela Igreja, representa bem o modelo daqueles que são chamados a serem guias da fé, acompanhando com alma de padre,
em cada idade e situação da vida, aquela variada comunidade de fieis que é a família. Para quem ainda não leu uma biografia completa desta encantadora figura de padre, o livrinho que apresentamos oferece um retrato simples e breve mas não superficial. Suprimindo o que poderia ser
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lendário em alguns episódios transmitidos, o livro não omite algumas anedotas e sobretudo enriquece a narrativa com citações textuais, originalíssimas na sua profundidade e capacidade
imaginativa, revelando-nos assim uma das características mais fascinantes deste humilde e grande servo de Deus.
_______________________________________________ Anna Maria Canopi – MARIA, MULHER DE BELEZA INTERIOR – Paulinas 2009 É tão difícil falar de Maria! Um livro que traz o seu título causa um movimento involuntário de desconfiança. Talvez muito se escreveu sobre esta criatura feita, podemos dizer, de silêncio, que só Deus pode compreender e possuir completamente. Basta porém folhear as primeiras páginas deste pequeno livro para ficar surpresos. Talvez somente uma contemplativa imersa habitualmente, por vocação, no silêncio, possa
encontrar palavras realmente inéditas e verdadeiras para falar de Maria. E falando dela, a toda santa, o assunto se estende ao nosso caminho rumo à santidade. Se Jesus é o Caminho, a Virgem é o espelho de santidade, o modelo puríssimo, aquela que nos acompanha maternalmente, tomando-nos pela mão, no seguimento de seu Filho.
O LIVRO
Asas queimadas. As crianças de Scampia “É o meu Barco à Vela, com o Vesúvio ao fundo. Dizei o que quiserdes, mas eu me obstino a amar este lugar que desposa a miséria com a poesia”. Bastaria somente esta afirmação de Dávide Cerullo, autor juntamente com Alessandro Pronzato, do livro: “Asas queimadas. As crianças de Scampia”, para compreender a mensagem que os escritores querem comunicar. Em síntese: não um “eu acuso, mas um confiteor” comunicado através dos olhos e da existência das crianças, dos seus sonhos que se fundem com a pobreza e que, milagrosamente, se tornam um poema dramático no qual a esperança sempre predomina. Sim, a esperança: fio de ouro que perpassa cada página do texto, mesmo no desespero. As “asas queimadas” de tantas crianças são dedicadas a todos aqueles que erraram a direção mas que encontraram pelo caminho a mão de alguém em quem confiaram. O livro, que apresenta o testemunho de Dávide Cerullo o qual, há catorze anos, era traficante e ganhava quinhentos euros por dia vendendo drogas, brada com voz forte e convida a mudar de vida porquanto ninguém
- Emilia Di Massimo está irremediavelmente perdido, ninguém pode considerar-se envolvido para sempre. Um crente verdadeiro não pode considerar situação alguma “desesperadora”, nem pessoa alguma “irrecuperável”, muito menos se for jovem. Pessoas irrecuperáveis são apenas uma invenção da nossa má fé que nos faz acreditar que tudo está perdido, que não se pode fazer nada, que tudo está irremediavelmente comprometido. Afirma Dávide Cerullo: «Eu caí, levantei-me, voltei a cair. Agora, não errarei mais. E lutarei pelo futuro das crianças de Scampia». O que provocou em Dávide o desejo de uma vida diferente daquela que levava? Um dia, ao retornar do intervalo no pátio, encontra um Evangelho deixado por alguém sobre uma cama. Abre-o e encontra o seu nome, Dávide, repetido muitas vezes. Alguma coisa dispara dentro dele. A partir dali, palmilhou um caminho trabalhoso de transformação movido pelo desejo de realização e de se tornar diferente daquilo que era nas fileiras da Camorra. As páginas do Evangelho e uma poesia de David Maria Turoldo, “Amor que me formaste”, serão a doce preocupação que levarão o autor a uma radical mudança de vida que hoje os olhos de seus filhos lhe
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lembram, porque pode encontrar o olhar deles com limpidez e orgulho. Dávide Cerullo um jovem de Scampia, escolheu corajosamente sair do túnel da perdição, tomar a palavra para dar testemunho de uma mudança possível, do agir silencioso mas pungente de tantos exemplos de sacerdotes, consagrados e leigos que lutam todos os dias para oferecer aos jovens de Scampia a possibilidade de escolher a vida. E o outro autor, Dom Alessandro Pronzato? Ele puxa os fios da conversa mantendo seguro um material memorável muitas vezes decididamente confuso, para mostrar que quem tem a palavra é o mundo caótico de Scampia. O livro divide-se em duas partes: a primeira que vê se sucederem os sinais de vida e de morte no contexto degradado de Scampia; uma segunda em que Dávide e Ciro, um jovem que não quer viver segundo o Sistema da Casmorra, se debruçam sobre aquela realidade de dor, injustiças e sofrimentos, mas também sobre a esperança, a alegria e o bem, em busca de «uma razão válida para que se possa e se deva mudar de vida». “Asas queimadas” são as crianças de Scampia, mas na realidade são todas as crianças do mundo às quais são negados os mais elementares direitos humanos. Lendo o livro aprendem-se histórias arrepiantes de vidas jovens, mas as suas histórias têm como pano de fundo a trágica realidade dos adultos. A maior parte das crianças torna-se criminosa para ajudar os pais a sustentar o restante da família. Scampia, contudo, não é só história de degradação social; nos Barcos à Vela, particularmente, habita muita gente de bem, solidária, que vive realmente todos os dias em comunhão com os outros. Mas é urgente dar a esta gente uma oportunidade, uma alternativa. Então, verdadeiros milagres poderão ser realizados! Gostaríamos que tal afirmação, se concretizasse vigorosamente porque a imagem em preto de Scampia tem sido muitas vezes apresentada por aqueles que julgam por ouvir dizer, sem conhecer os
problemas reais, como a pobreza econômica e cultural, a falta de perspectivas de trabalho, o abandono por parte dos que teriam o dever de assumir os problemas do povo. Os que vivem honestamente em Scampia poderiam ser mais numerosos, se deixassem de viver em guetos, pelo que muitas crianças são obrigadas a viver na rua ou trancadas à chave em casa, prisioneiras do medo e da ansiedade dos próprios pais. Dávide Cerullo está ciente de que o vermelho é uma outra cor de Scampia, o sangue que tantas vezes nela escorre, mas afirma com profunda convicção: «Eu posso garantir que para pintar o quadro de Scampia é preciso colocar nele também o verde... A cor da esperança». Scampia não é Nápoles, é um pedacinho dela; Scampia é a via-sacra de uma multidão de inocentes, não é o inferno, pois, se fosse nela não haveria pessoas que trabalham honestamente, defendendo a própria “diversidade”. «Scampia é o filho mais frágil e mais necessitado de maiores cuidados, é um bairro que deve ser lido, compreendido, ajudado e amado...». Foi isto o que quis sublinhar, desde a sua chegada a Campânia, o cardeal Crescenzio Sepe, o qual beijou aquela tira de terra napolitana acreditando na possibilidade de redenção, afirmando implicitamente que Scampia deve estar mais no coração do que nos lugares comuns... Ler “Asas queimadas” faz refletir, inquieta, questiona. “O que posso fazer?”, perguntase, e vive-se a experiência da própria incapacidade; mas cada página não pede gestos heróicos, quer somente sugerir-nos um princípio educativo com sabor familiar, aparentemente simples mas na realidade de tal modo desafiador ao ponto de levar muitos a empenhar a própria existência. emiliadimassimo@yahoo
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CAMILLA
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Uma marcha a mais! Pobre, velha Camilla! Entre altos e baixos vocês me suportaram por 17 anos! É hora de calar! Este talvez seja o meu último ano. Então, deixo de lado todas as futilidades, para dedicar minha atenção à única coisa que conta e que (infelizmente) não me será tirada: a minha velhice! Trata-se de uma fase da vida temida, mas muito preciosa! Experimentar para crer! Pesquisarei suas características nos números da Revista ao longo deste ano, segundo o meu ponto de vista, obviamente! Como introdução, partirei de alguns aspectos físicos da terceira idade! Eles não devem ser nem subestimados, nem supervalorizados! Dizemos que a pessoa idosa é “conduzida com cuidado”, porque se torna fisicamente “frágil”: sofre uma diminuição sensorial, uma perda da agudez visual, uma deterioração da capacidade auditiva. Não se trata de psicologismo ou de excesso de cuidado com a saúde. Não! Diz a Bíblia, o Eclesiastes:
“Ofuscar-se-ão as mulheres que olham das janelas (os olhos) e se fecharão as portas na estrada (as orelhas), cessarão de trabalhar as mulheres que trituram, porque ficaram em pequeno número (os dentes)”.
Em suma, ser idosos significa perder potencial psicofísico. Todavia, palavras de Camilla, nós, as velhinhas, estamos apenas aparentemente em desvantagem. É verdade, os olhos se embaçam com as cataratas, mas quantas vezes nós enxergamos melhor que
os outros!? Enxergamos de olhos fechados! Bastaria que em comunidade tivessem a paciência de consultar-nos e escutar-nos um pouco mais e, seguramente, todos os discernimentos seriam bem sucedidos. Porquanto, já vivemos situações tão variadas que somos capazes de discernir a vontade de Deus lá onde não há mais sinal. Pensem um pouco! Infelizmente, porém, o nosso destino é ver e calar! Ou ver e resmungar! Não temos os dentes, é verdade, mas quantas coisas precisamos engolir?! Sem falar daquilo que, não obstante os nossos aparelhos auditivos, sabemos ouvir! Distinguimos muito bem o que é salesiano e carismático, daquilo que não o é! “Sentimos” se uma coisa é certa ou errada! E se algumas vezes parece que dormimos um pouco durante as conferências, é só por delicadeza que fazemos isto: hoje em dia, são ditas certas coisas, até durante as conferências (nas quais se alastram os power-point), que vale a pena, por amor à caridade, fingir estar dormindo! E o que dizer finalmente da falta de forças que, numa certa idade causa lentidão? Bem! Digo apenas que ao menos em comunidade nós as idosas estamos! EIS-ME! Sempre! Pernas lentas, mas coração vigilante! Digamme então se não é verdade que chegar à terceira idade significa realmente adquirir uma marcha a mais?
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PRÓXIMO NÚMERO ENCONTROS:............ Pobreza e missão PRIMEIRO PLANO:..... Amor e verdade ............. Por uma colaboração fecunda EM BUSCA:.................Pastoralmente ............. Formar-se e trabalhar juntos COMUNICAR............. Cara a cara .................. Comunicar em família
PARA MIM, A ORAÇÃO MENTAL NÃO É OUTRA COISA SENÃO UMA ÍNTIMA RELAÇÃO DE AMIZADE, UM FREQUENTE ENTRETENIMENTO A EEUUUUUUUUUUUUU TU PER TU COM AQUELE QUE, SABEMOS, NOS AMA. S (Teresa d´Avila V. 8,5)
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HINO À VIDA
EEEEEEEEEEEEEEE
EU FICO QUIETO E SERENO, COMO UMA CRIANÇA DESMAMADA NOS BRAÇOS DE SUA MÃE, A MINHA ALMA ESTÁ EM MIM COMO UMA CRIANÇA DESMAMADA. (Sl 131, 2)
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