da mihi animas
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2010 n. 9 – 10 / setembro – outubro
POBREZA E BEM COMUM
dma Revista das Filhas de Maria Auxiliadora Via Ateneo Salesiano, 81 - 00139 Roma tel. 06/87.274.1 ● fax 06/87.13.23.06 E-mail: dmariv2@cgfma.org Diretora responsável Mariagrazia Curti Redação Giuseppina Teruggi Anna Rita Cristaino Colaboradoras Tonny Aldana • Julia Arciniegas • Mara Borsi • Piera Cavaglià • Maria Antonia Chinello • Anna Condò Emilia Di Massimo • Dora Eylenstein • Laura Gaeta • Bruna Grassini • Maria Pia Giudici Palma Lionetti • Anna Mariani • Adriana Nepi • Louise Passero • Maria Perentaler • Loli Ruiz Perez Paola Pignatelli • Lucia M. Roces • Maria Rossi • Bernadette Sangma • Martha Séïde Tradutoras
francês – Anne Marie Baud japonês - inspetoria japonesa inglês - Louise Passero polonês - Janina Stankiewicz português – Maria Aparecida Nunes espanhol - Amparo Contreras Alvarez alemão - inspetorias austríaca e alemã EDIÇÃO EXTRACOMERCIAL Istituto Internazionale Maria Ausiliatrice – Via Ateneo Salesiano, 81, 00139 Roma – c.c.p. 47272000 – Reg. Trib. Di Roma n. 13125 do 16-1-1970 – sped. abb. post. – art. 2, comma 20/c, legge 662/96 – Filial de Roma – n. 1/2 janeiro-fevereiro de 2010 – Tip. Istituto Salesiano Pio XI – Via Umbertide, 11 – 00181 Roma.
Edição em Português
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SUMÁRIO EDITORIAL
O que posso fazer?
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ENCONTROS
Pobreza e bem comum: O Sonho de Natal
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Primeiro plano: Aprofundamentos bíblicos, educativos e formativos O PORQUÊ DE FRANCISCO
Educação é coisa do coração
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RAÍZES DO FUTURO
A experiência formativa do oratório
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AMOR E VERDADE
Por uma economia de gratuidade e de comunhão
FIO DE ARIADNE
Liberdade, uma canção de amor
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Em busca: Leitura evangélica dos fatos contemporâneos CULTURAS
O relato: a lenda dos corais
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PASTORALMENTE
Questões abertas?
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MULHERES NO CONTEXTO
Entrelaçamento de solidariedade em situação de emergência
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PALAVRAS-CHAVE
Diálogo e hospitalidade
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Comunicar: Informações, notícias, novidades do mundo da mídia CARA A CARA
Elevar-se acima dos rumores para comunicar-se na vida social
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COMUNICAR A FÉ
Como o Catequista hoje educa para a fé
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VÍDEO
Invictus
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ESTANTE
Resenha de vídeos e livros
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LIVRO
A menina rebelde
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CAMILLA
Os achaques: problema da terceira idade?
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dma damihianimas REVISTA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA
EDITORIAL neste número...
O que posso fazer? Giuseppina Teruggi
Na noite do Natal de 2008 o cardeal de Milão, durante a homilia da Missa, fez-se a seguinte pergunta: “O que posso fazer neste tempo marcado pelos primeiros vagalhões de uma grave crise econômica?”. A sua resposta: criar um Fundo social para as famílias dos desempregados. E não só isto. Falamos na seção Encontros, do presente número da Revista. Também para nós, hoje, dentro de uma crise que não dá sinais de enfraquecimento, valem algumas orientações para a prática no cotidiano: refletir juntos, como comunidade, sobre as consequências da crise econômica. Prestar atenção em quem está passando por dificuldades no nosso território, sobretudo as famílias. Aderir, inventar iniciativas concretas de solidariedade em favor daqueles que são mais atingidos pela crise. Industriar-nos para fazer de modo que quem perde o emprego não perca também a dignidade. São caminhos que podem ser percorridos na luta pelo “bem comum”. Bem comum é também superar bairrismos e uma visão fechada da própria cultura para confrontar-se com os valores e os limites das outras culturas. É sobretudo na emergência – observa a seção Mulheres no contexto – que explode a solidariedade, a busca do bem aos que estão privados dele. Sem excluir pessoas. E, nisto, artistas particularmente hábeis são exatamente as mulheres. Bento XVI na Encíclica Caritas in Veritate insistiu que todos os problemas do momento presente, incluindo os da economia global, dependem de uma falta de pensamento: “Paulo VI havia visto claramente que entre as causas do subdesenvolvimento há uma falta de sabedoria, de reflexão, de pensamento que incapacita para realizar uma síntese orientadora” (n. 31). Os passos estão sendo dados nesta direção. Em 2001 surgiu a Universidade do Bem Comum, um projeto educativo internacional elaborado por professores e especialistas empenhados na promoção de alternativas à mercantilização do “conhecimento e da educação”. O projeto parte do princípio de que o “conhecimento” é um patrimônio da humanidade, que faz parte dos “bens comuns”. Entre as Faculdades, há a da Alteridade, que tem por objetivo considerar o outro, o diferente não como inimigo, oposto, inferior, mas como riqueza de possibilidades, de colaboração e interação entre pontos de vista diferentes. A Faculdade da Criatividade, cujo ponto de partida conceitual é que a imaginação não tem outra fronteira a não ser aquela representada pela dignidade humana. A Faculdade da Globalização, para promover uma consciência aberta à condição humana e à vida. Utopias? Sonhos? Talvez. Mas como construir o futuro sem a “fantasia da caridade”?
gteruggi@cgfma.org
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ENCONTROS
Pobreza e bem comum: O Sonho de Natal Graziella Curti O cardeal Diogini Tettamanzi, arcebispo de Milão, diante da crise econômica teve um sonho que logo quis traduzir em realidade: um fundo social em favor dos desempregados, daqueles que perdendo o emprego perdiam a dignidade e não eram mais capazes de sustentar a família. A partir deste início, que virou notícia na sociedade civil, nasceram outras iniciativas e publicações que tiveram o mérito de esclarecer o Evangelho da caridade, o pensamento cristão sobre a solidariedade. Por isso, achamos oportuno relatar uma entrevista com o cardeal na qual ele expressa, de forma simples e dialogal, suas ideias sobre o modo de viver e de superar as consequências da crise econômica.
O senhor poderia explicar-nos o que era o sonho de Natal do qual partiu a iniciativa para responder à crise financeira?
Já fazia algumas semanas (dezembro de 2008) que eu refletia sobre a atual crise econômicofinanceira no mundo. Entrementes o Natal se aproximava. Dia a dia eu me perguntava: O que devo dizer, de acordo com o Evangelho e com coração de pastor, aos fieis que na Noite de Natal lotam o Duomo de Milão? No púlpito veio-me espontaneamente a inspiração de começar assim a homilia: «Esta noite que estamos vivendo é marcada por uma notícia de extrema simplicidade com significado extraordinário e único: Deus se faz homem como nós e por nós. O Natal nos chama a um entusiasmo renovado, a um suplemento especial de fraternidade e solidariedade. Uma pergunta me atormenta: eu, como arcebispo de Milão, o que posso fazer neste Natal já marcado pelos primeiros vagalhões de uma grave crise econômica? Nós, como Igreja ambrosiana, o que podemos fazer?»
Como o senhor respondeu a esta pergunta?
Naquela mesma homilia, desejando que aquele discurso não ficasse genérico, lancei o “Fundo Família”. Trabalho para atender aqueles que estavam perdendo o emprego e que corriam o risco de perder também a própria dignidade.
De onde o senhor extraiu os recursos para compor o “Fundo”?
Para começar este fundo – dizia na mesma homilia – tirei dos oito por mil destinados às obras de caridade, das ofertas recebidas, das economias da diocese e minhas pessoais, colocando à disposição a cifra inicial de um milhão de euros. Pedi a todas as comunidades cristãs da diocese para refletir sobre as consequências da crise econômica, prestar particular atenção às famílias em dificuldade por causa do trabalho e aderir com generosidade a este fundo.
Como o senhor planejou a organização para chegar capilarmente a ajudar os mais necessitados?
Naquela noite mesmo planejei a rede. Os sacerdotes e os leigos, através dos conselhos pastorais, dos conselhos para os trabalhos econômicos e outros organismos competentes, fizeram um sério discernimento para decidir concretamente como participar do “Fundo”. A Caritas Ambrosiana e as ACLI também já estavam estudando as formas mais adequadas para a gestão e utilização deste fundo. Em particular, para que a distribuição dos auxílios fosse alvejada, pedi aos decanos para que se tornassem protagonistas de uma leitura sapiencial das necessidades e para elaborar projetos inteligentes de ajuda. 5
Eu achava importante que estes recursos não fossem uma forma de assistencialismo, mas uma ajuda a fim de que quem perde o emprego não perca também a própria dignidade.
O que o senhor entende por sobriedade e por bem comum?
A sobriedade é certamente uma virtude. Não tão apreciada, talvez porque facilmente mal entendida. A sobriedade é confundida ou com a própria avareza ou com uma vivência econômica meticulosa, de abstenção dos consumos, de cálculo exasperado sobre tudo aquilo que se poderia evitar possuir e comprar, etc. Um comportamento quase obsessivo, aplicado à esfera da vida econômica. Mas a sobriedade autêntica não é nada disso! Ela é entendida como um estilo de vida plena: sobriedade nas palavras, na apresentação da própria pessoa, no exercício do poder, na vivência cotidiana. Não é uma questão apenas econômica, mas toca uma esfera muito mais ampla do nosso agir e mesmo do nosso ser. A sobriedade é caminho privilegiado para a solidariedade. Eu, pessoalmente, achei interessante para a compreensão do estilo sóbrio de vida um texto de Santo Agostinho, que em sua famosa obra “Sobre os deveres”, assim escreve: «Na temperança, considerem-se e se busquem, especialmente, a tranqüilidade da alma, o amor à mansidão, a graça da moderação, a preocupação com a honestidade, a estima pelo decoro. Devemos praticar um método de vida, que gere, por assim dizer, os primeiros fundamentos da modéstia, que é companheira e amiga da tranqüilidade da alma, evita a arrogância, é alheia a toda moleza, ama a sobriedade, favorece a honestidade, busca o decoro. Deve-se também procurar em cada ação o que seja conveniente às pessoas, às circunstâncias e à idade; assim como, o que seja adequado à índole de cada um». (De officiis, 1,
210, 211 e 213).
Tranquilidade da alma, mansidão, moderação, preocupação com a honestidade e estima pelo decoro são dons preciosos e deveres empenhativos. Somente através de uma séria educação moral e espiritual podem ser cultivados e vividos. Isto é possível colhendo os significados positivos e libertadores dos quais a sobriedade se faz guardiã e promotora. Ela, de fato, pretende curar o nosso comportamento cotidiano (pessoal, comunitário, social) de todo excesso, reconduzindo-o à “medida certa”, evitando as palavras gritadas e os tons excessivos, os consumos desenfreados que chegam ao desperdício e, por outro lado, a avareza de quem acumula com indiferença à necessidade dos outros.
O senhor poderia explicar-nos por que atribuiu ao “Fundo” um valor educativo?
A própria mídia leiga percebeu este valor no Fundo reconhecendo-o como um instrumento popular que solicita uma reflexão sobre as causas da crise econonômico-financeira e sobre as modalidades para dela sair. Trata-se, realmente, de educar-nos para educar a um estilo de vida pessoal, antes a um modelo de desenvolvimento da sociedade: estilo e modelo que passam pela solidariedade, entendida não simplesmente como um “dar” mas propriamente como um “compartilhar”, a ser obtido através da virtude da sobriedade. Realidades todas que remetem ao envolvimento responsável de cada um e da comunidade, com os questionamentos irrenunciáveis: “Eu, o que posso fazer? Nós, o que podemos fazer?”.
Como reagem os jovens diante dos apelos de solidariedade? Diante da perspectiva de um estilo de vida solidária?
Faz pouco tempo recebi uma carta de uma jovem de 21 anos, Valentina, que publiquei no meu livro “Não há futuro sem solidariedade”. «Não é fácil ser jovem», escrevia a garota. E acrescentava: «Frequentemente eu me sinto embaraçada ao ver no telejornal notícias de violência contra os imigrantes, os pobres, os estrangeiros. Sinto-me embaraçada ao ouvir os argumentos de tantos coetâneos meus, que não conseguem apaixonar-se por nada a não ser pelo próprio interesse, que não são atraídos por outra coisa que não seja o perfil do Facebook, o jogo de futebol, as garotas e os garotos a serem abordados... A solidariedade, o impulso em direção aos que estão em situação pior, a compaixão, a experiência de sentir na própria carne o sofrimento do povo são argumentos que não estão mais na moda. Por que, Arcebispo?». 6
Procurei responder para a Valentina convidando-a a manter viva uma forte motivação solidária porque esta motivação elabora e constrói pensamentos que não se fecham dentro de muros intransponíveis diante das verdadeiras necessidades. Sei, todavia, que há muitos jovens que vivem a solidariedade e ainda têm esperança.
Segundo o seu parecer, como sair da crise? Estou convencido de que a saída da atual crise é questão não só de novas regras para a economia em vista de modelos e sistemas realmente renovados, mas também e em primeiro lugar de “estilos de vida”: de uma vida plasmada na sobriedade e na solidariedade.
O que pediria aos religiosos/as neste momento de crise? Neste momento de emergência os religiosos e as religiosas podem e devem fazer aquilo para o qual são chamados todos os discípulos do Senhor: testemunhar a sua proximidade do irmão através da escuta, da acolhida e do compartilhamento nas dificuldades. E aqui convido todos a alargar o coração e a fazer algo de concreto comprometendo-se com a sobriedade. Ser sóbrios significa ter uma medida certa para aquilo que se possui e para aquilo do qual se dispõe para si e para os outros. Aos que se consagraram totalmente ao Senhor a sobriedade deveria ser ainda mais esplêndida, porque está intimamente ligada à pobreza evangélica e aos votos que pronunciaram: É o Espírito de Cristo que dá aos consagrados a iluminação e a força para praticar estas virtudes. m.curti@cgfma.org
Uma vida dedicada a Deus Em 14 de março de 1934 nasceu em Renate, província e diocese de Milão, o Cardeal Dionigi Tettamanzi, Arcebispo de Milão (Itália). Com onze anos de idade entrou no seminário, onde iniciou os estudos, até à Licenciatura em teologia, obtida em 1957. Em 28 de junho de 1957 foi ordenado sacerdote pelo Arcebispo de Milão, Mons. João Batista Montini, e poucos meses depois, enviado ao Seminário Pontifício Lombardo de Roma, onde permaneceu por dois anos, frequentando a Pontifícia Universidade Gregoriana. Tendo conseguido o doutorado em Teologia Sacra com uma tese sobre: «O dever do apostolado dos leigos», voltou para a diocese como professor das disciplinas teológicas, até o outono de 1966. Transferido para o seminário maior de Venegono Inferior, por outros vinte anos ensinou Moral fundamental e desenvolveu os tratados do matrimônio e da penitência com perfil dogmático moral. No mesmo período ensinou Teologia pastoral em Milão. No seu ensino – caracterizado pela limpidez de pensamento, simplicidade incisiva na exposição, fidelidade alegre e convicta ao Magistério da Igreja e forte espírito pastoral – é vasta a gama dos temas tratados, entre os quais sobressaem as questões de moral fundamental e de moral especial, com uma preferência ao âmbito do matrimônio, da família, da sexualidade e da bioética. À intensa atividade acadêmica soube unir tanto a participação aos encontros, convênios, cursos de atualização teológico-pastoral para sacerdotes e leigos na Itália e no exterior, como a presença a mesas redondas e debates televisivos, a produção de frequentes contribuições para «O Osservatore Romano» e para o «Avvenire». Tudo isto porém não o desviou da atividade pastoral direta, que sempre amou e exerceu. Em 1º de julho de 1989 foi eleito Arcebispo Metropolitano de Ancona-Osimo. Recebeu a ordenação episcopal no Duomo de Milão pelo Cardeal Carlo Maria Martini. Em junho de 1990 foi eleito Presidente Da Comissão Episcopal da CEI para a família. Em 1991 recebeu a nomeação de Secretário Geral da Conferência Episcopal Italiana. Depois de quatro anos de intenso serviço à Igreja Italiana, em 1995 foi nomeado por João Paulo II Arcebispo Metropolitano de Gênova. Em 25 de maio do mesmo ano foi nomeado Vice Presidente da Conferência Episcopal Italiana (encargo assumido até maio de 2000). Em janeiro de 1998, o Conselho Permanente da CEI o nomeou Assistente Eclesiástico Nacional da Associação dos Médicos católicos italianos. Desde 2002 é Arcebispo de Milão. Foi proclamado cardeal por João Paulo II no Consistório de 21 de fevereiro de 1998, com o Título dos Santos Ambrósio e Carlos.
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A medida certa do crescimento! Especialmente no momento difícil que a economia mundial está atravessando, não se pode esquecer de colocar ao lado da solidariedade, a sobriedade que constitui a via mestra para a solidariedade. De fato, é o uso correto e sábio dos bens a primeira forma que viabiliza uma solidariedade plena e que permite doar com mãos livres, sem reter nada a não ser o necessário. Nestas últimas semanas insistiuse, com frequência, em várias partes do mundo e com grande ênfase, sobre a necessidade de sustentar os consumos, o quanto possível. É certo que as exigências da economia moderna caminham neste sentido: se não se produz, se não se vende, se não se consuma, a economia estagna. Mas também aqui retorna o tema da medida certa: será que não existem talvez muitas necessidades inúteis, induzidas por uma publicidade mais que enganosa? Deveríamos começar a refletir sobre a dimensão correta do crescimento econômico, porquanto não se pode fazer crescer ao infinito a demanda de coisas, e eu uso de propósito o termo «coisas». Talvez os economistas pudessem nos ajudar a responder à pergunta: qual é a medida certa para o crescimento? E, ainda, quais setores podem crescer mais? A medicina, a cultura, a pesquisa científica, a ecossustentabilidade, a indústria agroaliamentar para dar alimento a todos... As obras essenciais em geral não faltam: escolas, estradas, saneamento básico, aquedutos, centros esportivos, etc. O que falta, às vezes, é o cuidado cotidiano com todas estas realidades a fim de que estejam efetivamente e utilmente à disposição de todos. Com muita frequência faltam, ou são inadequados, os serviços às pessoas, sobretudo as mais necessitadas, por motivos não só econômicos. Torna-se portanto necessário perguntar-nos: em que direção crescer? O que deveras é necessário? O que realmente é urgente e prioritário e o que não é, relativamente ao bem-estar do povo que habita o território por nós administrado? Onde investir os recursos disponíveis, mesmo se sempre correm o risco de ser insuficientes? Mais que preocupar-nos genericamente com o crescimento, urge perguntar-nos por que crescer e como crescer. Está em jogo o nosso modelo de desenvolvimento, sua dimensão verdadeira e plenamente humana, seu horizonte social. Então, é preciso crescer mas, qual é a medida certa para o crescimento? Talvez ninguém esteja pensando seriamente nisso, pois, nós nos deixamos arrastar pelo mecanismo irrefreável do mercado. Uma economia séria não pode deixar de se questionar e de procurar a resposta; assim como uma política séria. (Da palestra, «A sobriedade esquecida», que o arcebispo de Milão fez em Varese no primeiro encontro com os administradores locais da diocese.)
A solidariedade engrandece a Cidade A prática extraordinária da solidariedade engrandeceu Milão ao longo dos séculos. E é pela solidariedade que devemos medir ainda hoje a autenticidade da grandeza de nossa Cidade. Muitas vezes a solidariedade recebe uma interpretação simplista: emotivo-sentimental no âmbito pessoal, beneficente-assistencial no âmbito social. Mas, como sublinha a recente encíclica Caritas in veritate de Bento XVI, a solidariedade exige ser resgatada destas visões parciais, e confirmada no seu papel tipicamente social e político. De fato, a solidariedade alveja o bem não só individual mas também e especificamente o bem comum, totalmente inseparável da justiça e portanto inclui a presença ativa e responsável das instituições além até mesmo do indispensável serviço do voluntariado. A
solidariedade é inseparável da justiça e por isso tem uma destinação propriamente social. Na sua raiz, sempre estão os outros. Sim, os outros, porque cada um de nós, longe de ser constituído para si, é um dom em si mesmo, um ser que recebeu muito dos outros. E não é apenas um débito individual que existe, mas também um débito comunitário, que nos liga às gerações que nos precederam. (Da palestra aos Administradores da cidade realizada pelo Cardeal Tettamanzi, na basílica de S. Ambrósio, em Milão, em 6 /12/2009)
O princípio do bem comum, ao qual cada aspecto da vida social deve referir-se para encontrar plenitude de sentido deriva da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas. (...) Uma sociedade que, em todos os níveis, quer intencionalmente permanecer ao serviço do ser humano é aquela que se propõe como meta prioritária o bem comum, enquanto bem de todos os homens e do homem todo. A pessoa não pode encontrar realização só em si mesma, prescindindo do seu ser «com» e «para» os outros. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 164-165))
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O PORQUÊ DE FRANCISCO
Educação é coisa do coração Graziella Curti Um dos motivos mais fortes pelos quais Dom Bosco escolheu S. Francisco de Sales para patrono dos dois Institutos religiosos por ele fundados é sem dúvida o fato de ter percebido no Bispo de Genebra aquele anseio educativo, que também era o seu. Não existem tratados pedagógicos sistematizados pelo nosso santo protetor, mas em sua vida e em suas obras é constante a atenção à pessoa humana e ao seu crescimento integral.
Amor dinâmico Em 2005, Morand Wirth sdb, deu para a imprensa um tratado sobre S. Francisco de Sales e a educação, em francês. O texto foi traduzido para o italiano e editado pela Las, em 2006. No
prefácio, o autor escreve: «Desejo que aqueles que se dedicam à educação das novas gerações e à formação das pessoas possam encontrar, de vários modos, na figura deste grande santo humanista uma ajuda e um estímulo ao seu dever de formar “bons cristãos e honestos cidadãos”, como dizia Dom Bosco. Francisco de Sales é definido como o grande educador do coração humano. Dom Bosco segue seus passos nesta direção porque concebe a educação como coisa do coração. Mas os dois santos se baseiam no conceito bíblico de coração, ou seja, um potencial de crescimento integral que está na pessoa e que não é feito apenas de afetividade, mas também de efetividade, isto é, de uma vontade decidida para o bem. A este propósito, Morand Wirth, na sua obra, escreve: «Incontestavelmente em Francisco de Sales há uma valorização da afetividade, mas também da vontade, entendida no sentido de ser firme e constante nas decisões. Ele dizia de si mesmo: “A meu ver, não existe no mundo alguém que cultive a predileção de modo mais cordial, mais terno e, dito com boa fé, mais amoroso do que eu; de fato foi agradável a Deus dar-me um coração assim”. Chega até a dizer: “Eu sou o homem mais afetuoso do mundo”, mas logo em seguida, acrescentava: “Eu amo as almas independentes, vigorosas...”. Sem jamais renunciar ao amor afetivo, S. Francisco de Sales vai em defesa de um amor efetivo, fundado sobre as “resoluções da vontade efetiva”». Para o Bispo de Genebra o amor é essencialmente movimento, dinamismo. «O amor é a vida da alma – escreve – assim como a alma é a vida do corpo» É o “primeiro movente”. Mediante o amor, cada ser humano torna-se uma pessoa unificada na ação. «Por isso – escreve ainda S. Francisco de Sales – a perfeição do amor é a perfeição da vida, porque o amor é a vida da nossa alma».
S. Francisco de Sales e Mornese Piera Cavaglià, na sua pesquisa histórica que pode ser encontrada no Banco de dados no site do Instituto, percebeu grande afinidade entre o estilo de vida das nossas primeiras irmãs de Mornese e a espiritualidade proposta por S. Francisco de Sales. Em primeiro lugar, na informalidade do cotidiano realizava-se aquele realismo espiritual que se exprimia como fidelidade à pessoa na sua totalidade, como “paciência duradoura e doçura sem medida” no relacionamento educativo, como equilíbrio no discernimento, exercício da presença de Deus, ardor apostólico e valorização das dimensões típicas da vida: a amizade, a simplicidade, a franqueza, a alegria comunicativa, a santidade no cotidiano”. Para Maria Domingas, assim como para Francisco de Sales, Deus tem o rosto do amor que se faz próximo, nos salva em Cristo, nos une em comunhão e a Ele pode-se dirigir em dialeto, isto é, com profunda familiaridade. O empenho de Ir. Maria Domingas para transformar cada ponto em um ato de amor, cada ação, cada momento, evoca uma postura de vida unificada pelo valor 9
fundamental da vida cristã, o amor. Maria Domingas não escreveu um “tratado do amor de Deus”, mas o expressou no cotidiano recomendando-o também às irmãs: “Façam com liberdade tudo quanto requer a caridade” (C. 35,3). S. Francisco de Sales deu à Chantal uma palavra essencial de ordem escrita com caracteres maiúsculos: “è preciso fazer tudo por amor e não por constrangimento!”. Maria Mazzarello em sua missão de formadora traduz com simplicidade de linguagem expressões recorrentes na doutrina do Santo. Dom Lemoyne em seu Relatório sobre a doença e a morte da Madre conclui citando algumas de suas orientações formativas habituais: «Entre os avisos que dava com frequência, estavam estes: Não é necessário que os encontros pessoais sejam diários. É preciso não acostumar o espírito à dependência. Dar lugar, sim, àquela santa liberdade querida por S. Francisco de Sales». S. Francisco de Sales escrevia à Chantal: «Em tudo deve reinar a santa liberdade e a franqueza, e não devemos ter outra lei ou outra obrigação senão a do amor [...] Penso que, se me entenderem bem, verão que digo a verdade e que combato por uma boa causa quando defendo a santa e amorosa liberdade de espírito que honro de um modo todo particular, contanto que seja verdadeira e isenta da dissipação e da libertinagem, que são uma máscara de liberdade». Há também uma profunda sintonia entre a concepção da verdadeira piedade religiosa de Maria Domingas e a “devoção” salesiana. Madre Mazzarello dizia: «A verdadeira piedade religiosa consiste no cumprimento de todos os nossos deveres a tempo e lugar, só por amor a Deus». «Não alegrar-se demais, nem entristecer-se demais por nada deste mundo». Francisco de Sales escreve: «A verdadeira devoção consiste em abraçar prontamente e com amor aquilo que agrada a Deus; em fazer cada coisa com espírito de mansidão e doçura, com calma e humildade; em aceitar os sofrimentos sem se deixar abater pela dor, e as alegrias sem se deixar transportar pelo regozijo; em fugir ao mal sem se perturbar, em fazer o bem sem se afanar, pensando mais na postura interna da alma do que na repercussão externa do ato».
m.curti@cgfma.org
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RAÍZES DO FUTURO
A experiência formativa do Oratório Mara Borsi
Em Valdocco, em 1870, os Salesianos e os jovens formavam duas comunidades distintas, mas não separadas. As intervenções para a orientação e a animação educativa através das palestras, das boas noites, das festas, envolviam a vida dos educadores religiosos e dos jovens. A ação formativa de Dom Bosco sobre toda a comunidade oferecia elementos substanciais para a definição da personalidade dos Salesianos como educadores e como religiosos. Indubitavelmente o seu modo de ser, o seu estilo de governo, a sua capacidade comunicativa constituíam a escola viva que cada qual alcançava e que continuamente interpelava a fazer como Dom Bosco fazia. O 10
aprendizado do estilo educativo vinha através das experiências, em particular daquelas experiências relacionais concretas.
Treinamento de campo Com base em fontes históricas, pode-se afirmar que a melhor formação não era confiada aos centros estruturados de formação e de estudo. Estes não eram em princípio exclusivos, pelo contrário, foi se sentindo sempre mais a inevitável exigência jurídica e pedagógica. Mas o primado era dado ao campo de treinamento (1870-1877), também porque somente com a presença dos clérigos estudantes de teologia e de filosofia, dos noviços e mesmo dos aspirantes, leigos e eclesiásticos, entre os quais vários sacerdotes, o funcionamento das obras estava plenamente garantido. Valdoco, em 1870, apresenta-se como uma comunidade muito diversificada, em consonância com o ensino superior do tempo. Uma comunidade em que os educadores são chamados a enfrentar problemas concretos do ponto de vista educativo, organizativo, econômico. Em 17 de março de 1878, Dom Barberis descrevendo a situação dos clérigos inscritos, afirma que o grupo parece mais calmo, a assistência não é difícil, mas um defeito se manifesta: «O tempo não é bem ocupado por eles». A situação mais grave verifica-se na escola de Filosofia devido às notáveis diferenças entre os alunos: alguns já dotados de discreta cultura, outros ainda incapazes de ler rapidamente ou de acompanhar um ditado comum. Os primeiros constantemente aborrecidos com a lentidão do percurso escolar acabavam por se tornar “perturbadores” criando problemas evidentes de disciplina, os outros continuamente mortificados devido à sua ignorância e, os professores por sua vez, exaustos e esgotados pelo contínuo apelo à disciplina. Dom Barberis, ainda em março de 1878, escreve que para resolver os problemas causados pela falta de disciplina decide dar notas de comportamento semanalmente e comenta: «É verdade que dar notas é meio muito útil para obter ordem e disciplina, mas é também verdade que se aprende a ir em frente mais por medo do que por amor». Em Valdocco encontramos um contexto formativo que parte da experiência. A comunidade reflete sobre fatos concretos vividos por educadores consagrados ao bem dos jovens. Nos relatos, nos diálogos familiares, nas conferências e nos escritos emergem os traços inconfundíveis do educador salesiano: a paixão pela educação dos jovens mais necessitados e pela sua salvação eterna. As conferências periódicas ou ocasionais e as cartas circulares eram os veículos privilegiados para a formação. Eram numerosos os convites para permanecerem unidos, solidários, mesmo se contestados e injustamente criticados.
Um confronto aberto Dom Bosco com a progressiva organização e expansão de suas obras deu lugar a uma experiência singular de formação permanente para os responsáveis das diversas obras. Uma vez por ano, geralmente nos dias que precediam ou seguiam a festa de São Francisco de Sales, em Valdocco havia um breve encontro, chamado Conferência, com a finalidade de prover às necessidades da Congregação. Nela «o mestre era Dom Bosco; mas ele achava jeito de favorecer a formação coletiva dos participantes: deixava a presidência de muitas reuniões para o seu colaborador mais próximo, Dom Rua, e em muitas questões limitava-se a fazer o trabalho de controle em uma forma real de não-diretividade». Nestes encontros as competências de cada um se enriqueciam graças à troca de experiências, à animação recíproca, à análise do desenvolvimento das obras, aperfeiçoava-se a arte da comunicação e da informação, o estilo da gestão e do governo das obras, aprofundava-se a relação entre discípulos maduros, francos ao exprimir o próprio pensamento, e o Fundador influente. Os encontros dos educadores eram bastante regulares e muitas vezes os membros do capítulo superior ou do capítulo da casa reuniam-se com os professores e assistentes, que estavam entre os educadores mais jovens, para apurar os traços característicos do sistema educativo. Sempre em primeiro plano encontramos o critério pedagógico da amorevolezza, a busca da unidade de propósitos na ação educativa, a necessidade do apoio e da ajuda recíproca sobre como ganhar a confiança e o amor dos jovens. 11
Em Valdocco as competências educativas são apreendidas através da experiência, de fato, em primeiro plano está sempre a vivência concreta. Poder-se-ia por isso afirmar que o Oratório não só se apresenta como laboratório pedagógico, mas também como comunidade de prática, lugar indicado por muitos pedagogos contemporâneos como o ambiente formativo ideal, em que diversos atores se confrontam e se organizam em torno de práticas de trabalho em cujo âmbito se desenvolvem a solidariedade organizativa sobre os problemas, o compartilhamento de saberes práticos e as linguagens. A intuição que provém da história salesiana é de colocar a experiência, a vivência no centro do diálogo educativo e espiritual: a vida cotidiana com suas pequenas, atuais, mas decisivas expectativas, problemas, medos, esperanças, projetos.
mara@cgfma.org
______________________________________________________ AMOR E VERDADE
Por uma economia de gratuidade e de comunhão Julia Arciniegas, Martha Séïde A encíclica Caritas in Veritate sublinha repetidamente que na era da globalização requer-se uma nova e aprofundada reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins. E por isso afirma que a atividade econômica não pode prescindir da gratuidade e da comunhão. De fato, a gratuidade está presente na vida do homem, de múltiplas formas, muitas vezes não reconhecidas por causa de uma visão apenas produtivista e utilitarista da existência. A economia não pode resolver todos os problemas sociais mediante a simples extensão da lógica mercantil. Ela tem a finalidade de perseguir o bem comum e precisa de leis justas e de formas de redistribuição orientadas pela política, como também de obras impregnadas pelo espírito do dom.
Releiamos a Encíclica •
O princípio da gratuidade e a lógica do dom podem e devem encontrar lugar dentro da normalidade dos negócios econômicos (nº 36).
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Cada decisão econômica tem uma consequência de caráter moral (nº 37).
•
Em contexto mundial, a vitória sobre o subdesenvolvimento requer ação principalmente sobre a progressiva abertura a formas de atividades econômicas caracterizadas por cotas de gratuidade e de comunhão (nº 38).
•
Orientar a globalização da humanidade em termos de relação, de comunhão e de partilha
•
A economia precisa da ética para o seu funcionamento correto [...] uma ética amiga da
•
Toda economia e todas as finanças devem ser utilizadas de modo ético, para o desenvolvimento do homem e dos povos (65).
(42).
pessoa (45). Uma das maiores tarefas da economia é exatamente usar os recursos com maior eficiência (50).
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Perguntemo-nos • •
•
A exigência de autonomia na economia, que não deve aceitar “influências” de caráter moral, instiga a abusar do instrumento econômico de modo até destrutivo. Há situações mundiais, locais... em que se descobre esta realidade? A economia e as finanças enquanto instrumentos podem ser mal utilizados quando quem os gerencia tem referências puramente egoístas. Por isso não é o instrumento que deve ser questionado mas a pessoa, a sua consciência moral e a sua responsabilidade social. De que modo a comunidade educativa acompanha de forma adequada a gestão dos instrumentos à sua disposição? A doutrina social da Igreja sustenta que também dentro da atividade econômica e não somente fora dela ou depois dela possam ser vividas relações autenticamente humanas, de amizade e de sociabilidade, de solidariedade e de reciprocidade. Quais estratégias poderiam favorecer a educação para a abertura ao dom recíproco?
Em ação Localizar alguns passos para tornar operativo o aprofundamento feito: • A cidade do homem é promovida por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. • Identifiquemos em nossa comunidade educativa os sinais concretos que favorecem um •
•
clima de relações autenticamente humanas.
As modalidades com que o homem trata o ambiente influem nas modalidades com que trata a si mesmo e, vice versa. Que atitudes tomar para promover uma efetiva mudança de
mentalidade que nos induza a adotar novos estilos de vida, nos quais a escolha de consumo, poupança e investimento seja determinada pelos valores evangélicos?
O desenvolvimento econômico, social e político tem necessidade, se quiser ser autenticamente humano, de criar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade. Compartilhemos algumas experiências e testemunhos de gratuidade
presentes em nosso ambiente.
j.arciniegas@cgfma.org
Brescia - Os amigos de Irmã Francisca Experiência de economia de gratuidade e de comunhão “Os amigos de Ir. Francisca” é uma associação que traz o nome de Ir. Francisca Franchi fma, originária de Brescia (Itália), missionária no Haiti por mais de 50 anos. À sua morte, em 2003, sua família, coordenada pelo irmão Cico e pelo sobrinho Claudio, organizou-se em associação para continuar a missão da irmã envolvendo todos aqueles que desejavam contribuir para as obras das fma do Haiti. Ao longo do ano, agilizam várias iniciativas para angariar fundos para as missões. Com o seu entusiasmo, seu zelo apostólico, sua generosidade e criatividade, conseguiram sensibilizar e envolver mais de 300 pessoas. Sua contribuição é uma ajuda para melhorar a qualidade de vida das crianças e dos jovens do Haiti em comunhão com as fma. Trata-se de uma participação plena à missão sem pretensões e grandes exigências burocráticas: uma verdadeira experiência de economia de gratuidade e de comunhão. De fato, o brasão do grupo exprime muito bem o seu escopo: construir uma ponte de comunhão e de solidariedade entre o seu país e o Haiti favorecendo a fraternidade, o encontro e a partilha em nível local. A tragédia do terremoto que atingiu a Nação haitiana inspirou a continuação do trabalho de solidariedade e a participação na reconstrução.
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O FIO DE ARIADNE
Liberdade, uma canção de amor (Segunda parte) Giuseppina Teruggi «Esta noite – escreve Dom Bonetti em 31 de janeiro de 1863 – estávamos em bom número no quarto de Dom Bosco enquanto jantava, depois de ter confessado das 5 até as 9 e ½, tornou a ler uma carta que lhe fora escrita pelo Bispo de Spoleto. O Prelado fazia-lhe grandes elogios, dizendo-lhe entre outras coisas que embora não tivesse a honra de conhecê-lo pessoalmente, no entanto a fama do seu nome chegara até os seus ouvidos.[...] Dom Francesia sorrindo perguntou-lhe: “E não se ensoberbeceu ao ouvir tais panegíricos?”. E ele: “Ora veja! estou acostumado a sentimentos de todos os tipos: para mim tanto faz ler uma carta cheia de elogios, como ler outra cheia de insultos. Quando recebo alguma carta que me elogia, às vezes sinto o prazer de colocála em confronto com qualquer outra, a de uma pessoa grosseira ou similar, cheia de insultos e depois digo: São palavras e juízos dos homens. Mas dizem um pouco daquilo que querem: eu sou o que sou diante de Deus”» (MB 7, 375). Não depender da opinião, da aprovação, do juízo dos outros, é um desejo que carregamos conosco. Ser livres no modo de pensar, de sentir e ter a coragem de se dizer. Livres do medo, dos constrangimentos internos, das emoções incontroláveis. Algumas pessoas são mais capazes que outras. Como ocorreu com Dom Bosco ou com outros que conhecemos. Chegar à liberdade interior é difícil, mas é um caminho aberto.
Chamados a ser livres O importante é estar convencidos disso: Deus chama todos à liberdade. É um dom, uma possibilidade inerente à pessoa humana, que todavia, tem a responsabilidade de canalizar numa direção certa tudo quanto lhe é oferecido. Tornar-se livre significa deixar-se guiar por uma consciência não corrupta, pela fidelidade ao projeto da comunidade a que pertence, a tudo quanto o Espírito sugere na realidade concreta e que se capta na fadiga da busca. É colocar o valor “qualidade da própria vida espiritual/pessoal” num habitual discernimento cotidiano, precedendo as normas e os costumes. O termo liberdade está ligado a “liame”, “relação”; se quiser, também a “dependência”. Parece um paradoxo, especialmente para a mentalidade de hoje, intolerante para viver nos espaços do “liame”. Mas, remetendo à etimologia, analisam-se as palavras e se descobre que a palavra livre na sua raiz deriva do latim líber que significa também “filho”. Ser filho remete à relação com alguém – um pai, uma mãe, Deus – do qual se é “gerado”. É reconhecimento de ter sido desejado, querido, acolhido como dom. O liame é, portanto, o da relação de amor! Daqui resulta que liberdade não é a possibilidade de fazer aquilo que se quer. É ao contrário explorar a relação que me une a alguém para o qual sou importante; alguém dotado de liberdade e capaz de me fazer viver nesta relação. Somente aceitando este modo de existência posso dizer que sou realmente livre. Certamente, isto implica consciência, é fruto de um caminho e de uma descoberta gradual, sobretudo fruto da experiência. A liberdade constitui um percurso concreto que passa pela experiência cotidiana. Chega-se, então, a ser livre expressando os próprios valores e sentimentos, com um grande respeito pelo outro, entendido como pessoa igual a mim. E participando, sem imposições ou temores, à vida da comunidade em que se vive até a mais vasta comunidade civil. A liberdade, de fato, não tem um peso apenas individual, mas também social e remete a valores como participação, respeito, iniciativa pessoal, diálogo, partilha. 14
Se você quer, você é livre Viktor Frankl, psicólogo hebreu sobrevivente dos campos de concentração nazistas, em uma entrevista televisiva revelou: “A liberdade está na escolha da atitude a ser assumida cada vez que o homem se encontra diante de uma situação que não pode ser mudada”. A sabedoria antiga, pagã e cristã, tem sustentado que a liberdade não está tão ligada a condições externas, mas a uma escolha interior consciente. Foi Epiteto, escravo e coxo, que afirmou: “se você quer, você é livre. Se você quer, não vai se aborrecer com nada, não porá a culpa em ninguém, tudo andará segundo os seus desejos e o dos deuses”. Uma regra de vida retomada pelo filósofo cristão Justino quando escrevia ao imperador Marco Aurelio, que estava convencido de “que ninguém pode fazer-nos mal. Vocês podem, sem dúvida, matar-nos, mas não ofender-nos”. Ser livre é antes de tudo viver em paz consigo mesmo. A liberdade é harmonia, é respeito, é vida que se renova. “Quando sou livre percebo que tenho o mundo nas mãos porque nada me parece hostil, mas tudo entra na grande ordem do universo. Sinto-me livre quando posso escolher, com maior ou menor facilidade, aquilo que me parece estar certo e experimentar a alegria por essa escolha. Isto significa também, por conseguinte, não se deixar condicionar pelos vínculos com as pessoas, as coisas ou eventos. Tudo o que somos, os recursos e os talentos dos quais dispomos são dons recebidos, talvez aumentados porque trabalhados. “Liberdade é reconhecer que aquilo que sou e faço não me pertence e que, por ter dado a minha vida a Deus, devo estar disposta a ‘partir’, a ‘deixar’, talvez para investir em outro lugar, o que sou e o que posso”. Neste sentido é recíproca a relação entre liberdade e pobreza. “Tornamo-nos livres na medida em que aprendemos a não fazer aquilo que queremos, mas a querer aquilo que fazemos: a liberdade não é algo de externo, mas é um caminho longo e trabalhoso para a interioridade. Neste sentido são compreensíveis as palavras de Jesus ‘a verdade vos libertará’. Esta liberdade que nos obtém a verdade, tem uma raiz profunda, como intuiu Teresa d´Ávila quando afirmou que a humildade busca a verdade. Há uma relação estreita entre liberdade e humildade”, escreve uma diretora. “Senti-me libertado – testemunhou um amigo – quando aceitei sair da pequena medida do meu ser (preocupado, nervoso, ambicioso, cheio de projetos...) para mergulhar Nele. Derrotar o protagonismo que ameaça colocar a pessoa em antagonismo com Deus, é a verdadeira conquista para alcançar a liberdade. O ambicioso é prisioneiro de si mesmo”.
... com algumas condições! Diante dos condicionamentos que surgem em toda parte e que limitam a liberdade, uma pessoa pode não ser culpada, mas responsável por aquilo que faz e pelo modo como se comporta. Nossa liberdade é “condicionada”, no sentido em que são exigidas algumas “condições” para a construção da própria vida de pessoas livres. Sublinho algumas, colhidas dos vários testemunhos. “A primeira condição para ser livre é o desapego, não a apatia, mas a distância certa das coisas. Depois o conhecimento. Eu sou livre na medida em que conheço, avalio, e portanto escolho. Sou livre quando sei dar o valor certo às coisas em referência às minhas prioridades que são os princípios sobre os quais está ancorada a minha vida”. “Sinto que sou livre quando começo o dia e me encontro diante das exigências da caridade, da partilha, do modo de enfrentar as relações difíceis e a possível vida burguesa. Então, vivo as minhas decisões com Deus, única testemunha da minha resposta, da minha escolha concreta, que me faz experimentar ser verdadeira e livre”. Fez-me refletir, a partilha de uma história de vida em que se evidencia, como condição preventiva para crescer em liberdade, a oportunidade de ter encontrado adultos significativos que estabeleceram algumas “regras” fundamentais, que “colocaram alguns pólos” a fim de que a liberdade crescesse “sã”, capaz de reconhecer-se por aquilo que é e não como independência e autorrealização. Sim como vontade de confiar por causa da descoberta de uma confiabilidade 15
testemunhada. “Regras” não impostas, mas explicadas, experimentadas em companhia de outras pessoas que sempre testemunharam a bondade das propostas oferecidas. Isto está em sintonia com a “razão” de que fala Dom Bosco, que sabia evidenciar o sentido de uma proposta.
Livres e felizes Há quem declare: “Senti-me livre quando agi segundo a minha consciência, as minhas convicções, a fidelidade aos empenhos assumidos em todos os níveis. As condições essenciais são a oração e o discernimento prévio, a serenidade não isenta do sofrimento, a alegria interior, o apoio de algumas mediações: a Palavra de Deus, as Constituições, as decisões dos Capítulos gerais, o Magistério da Igreja, a realidade do território... São confrontos que dão segurança e serenidade interior”. E há quem diga ‘ser livre’ quando se sente “acolhida plenamente por alguém que me escuta sem me julgar, que não se escandaliza com aquilo que digo, penso, sinto ou faço; mas também quando eu mesma me acolho do jeito que sou e não como quereria ser, quando posso reconhecer sem medo que não sou perfeita e que – graças a Deus – não o sou, porque é a maior oportunidade para continuar a crescer”. Todos nós gostaríamos de poder afirmar que “fiz a experiência da liberdade verdadeira, plena, total depois de ter compreendido que não sou eu que dirijo a minha vida, mas a confio ao Senhor, deixo-me guiar por Ele e vejo em filigrana o seu amor contínuo que me guia à intimidade com Ele. É uma alegria indizível: a liberdade identifica-se com o amor. Sou livre porque aceito e permito que Deus me ame. O seu amor torna-me feliz, seguro, tranqüilo. Torna-me livre”.
gteruggi@cgfma.org
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SUPLEMENTO DMA
O CHAT
Gabriele: :-)
É bom ser recebido com um sorriso. Mesmo que apenas virtual. Asja: :-) 16
Gabriele: Uma pergunta para cada uma.
À queima-roupa. Comece você. Asja: Quanto é 3966:2888? Gabriele: Muito espirituosa. Asja: Você é feliz?
Gabriele: Eu tento, procuro encontrar a cada dia alguma coisa pela qual ser feliz. E você, o que faz para ser feliz? Asja: É uma pergunta difícil. Gabriele: É uma pergunta fundamental.
Gabriele: Uma qualidade sua. Asja: Sou corajosa. Um defeito seu. Gabriele: Sou sensível. TextosT
Asja: Mas não é um defeito. Gabriele: Se for demais, sim.
Asja: Alguma vez você já se apaixonou? Quero dizer com amor verdadeiro. Gabriele: Não, mas deve ser lindo... Asja: Idem. Textos de Sabrina Rondinelli,
Caminhar, correr, voar,
San Dorlingo della Valle (Trieste). Edição EL 2008.
Por Mara Borsi/Anna Rita Cristaino
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CULTURAS
A lenda dos corais Mara Borsi Há muito tempo atrás, um pescador voltava para terra firme com seu barco. O céu escurecia, não apenas devido ao ocaso, mas também porque as nuvens ficavam densas no horizonte. De repente, ouviu um grito lancinante. Com dificuldade reconheceu a voz de uma garota, pois, a tristeza e o pavor lhe haviam camuflado o tom. Apesar de não ser um tipo muito corajoso, o pescador decide subitamente a fazer todo o possível para salvar a menina do perigo. Firmou o barco sobre os escolhos e com dificuldade puxou-o para um lugar seco, para que não ficasse à deriva. O pescador, com pressa, não prestou atenção à carga de peixes que, com cuidado, havia colocado no barco. De fato, enquanto arrastava o barco para a margem, os peixes caíam sobre alguns galhos. A garota gritava e se debatia porque uma fada má e invejosa de sua beleza a havia amarrado a uma rocha, bem próximo à margem. O mar, sempre mais agitado e frio, banhava-a com suas ondas altíssimas. O pescador lançou-se ao mar para libertar a jovem das cadeias que a prendiam e que já estavam submersas. Enquanto isso os galhos eram pintados de vermelho pelo sangue dos peixes e, devido ao frio, endureciam-se imediatamente. A ninfa Malvina usou aqueles galhos para se enfeitar e se divertir. Quando se cansou, lançou-os na água. A lenda narra que nasceram assim os primeiros corais.
Entrevista com Sônia Muñiz Azpeleta Pertenço à Inspetoria espanhola de Leon. Trabalhei na comunidade fma de Caldas de Reis (Pontevedra) como professora, animadora de grupos de fé e de catequese. Quais são os valores que você mais aprecia em sua cultura? A cultura espanhola, assim como as outras culturas, tem características próprias que se expressam na arte, na música, na literatura, na gastronomia. Os nossos antepassados deixaram-nos uma rica herança cultural que consideramos um tesouro a ser guardado e valorizado. Alguns edifícios, por exemplo, são considerados patrimônio da humanidade: o aqueduto romano de Segovia, a Alhambra de Granada, a Sagrada Família de Barcelona... Algumas obras literárias são de nível internacional como Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. No meu País cada região é denominada
Comunidade Autônoma.
Eu pertenço à de Castela e León, situada no centro-norte da península. A província em que nasci se chama Palência. O clima desta região se caracteriza por verões muito quentes e invernos muito frios. Com referência às variações climáticas temos tradições em que se reconhecem alguns valores importantes como a partilha, a amizade, a solidariedade e a acolhida. Um dos momentos mais bonitos é poder compartilhar nas noites de verão, quando é possível ficar por um tempo prolongado sentados fora de casa, na praça, no terraço. É habitual para muita gente da minha região fazer um passeio pela cidade no final da tarde, comentando serenamente aquilo que aconteceu ao longo do dia. Na Espanha realizam-se as verbenas que são festas muito bonitas e fervorosas feitas em honra do Santo Patrono do lugar. Nelas há rezas, cantos e danças: o “paso doble” espanhol, a rumba etc. Nestas festas comem-se salsicha, sardinhas salgadas com pão, bebem-se o vinho tinto e a sangria, que é uma bebida tipicamente espanhola. Vivendo num ambiente internacional, o que você mais aprecia nas outras culturas? Não cheguei, realmente, a conhecer em profundidade as diferentes culturas, porém certamente elas têm aspectos interessantes que as irmãs procedentes de outros contextos vão revelando na
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convivência comunitária e na relação com as outras pessoas. O valor que mais me impressiona é o respeito intercultural e é exatamente este valor que torna possível a convivência entre pessoas de diferentes proveniências. Aprecio o modo como as irmãs, com culturas diferentes da cultura europeia, expressam o seu patrimônio artístico e gastronômico, mas o que mais me toca é a acolhida respeitosa da diversidade. Na comunidade internacional em que vivo, cada irmã pode expressar o seu modo de pensar e de viver o carisma salesiano inculturado na sua cultura. Compartilha-se na simplicidade a internacionalidade do amor que outra coisa não é senão a vivência do Evangelho. No encontro com pessoas de outros Países e culturas, que dificuldades você experimenta? Uma dificuldade encontrada foi a comunicação. Em alguns momentos foi complicado entender-se mutuamente. O conhecimento limitado da língua italiana, a sua estrutura, as diferenças das linguagens não verbais algumas vezes me deixaram confusa, faltaram-me pontos de referência e fiz a experiência de não saber como me relacionar com outras irmãs, porque quando eu falava não me entendiam, e também eu compreendia pouco o seu modo de expressar-se. Realmente posso dizer que ainda hoje há algumas coisas que não entendo. Esta situação foi desconfortável para mim e fiz a experiência de que, em um grupo multicultural, a adaptação e a integração exigem empenho, sacrifício, desejo de se entender e de olhar mais para aquilo que une do que para as diferenças. No final destes dois anos passados em uma comunidade internacional o balanço é seguramente positivo e levo comigo o empenho de construir comunhão, recomeçando a cada dia.
mara@cgfma.org
_____________________________________________________ PASTORALMENTE
Questões abertas? Mara Borsi Por toda parte, sente-se a necessidade de dar novo impulso à pastoral juvenil. Muitos são os debates e numerosas as reflexões que pairam desde a teologia, às ciências da educação, à comunicação social. Emergem diversas perguntas: a evangelização é mais importante que a educação? A educação é uma modalidade da evangelização? Como renovar as comunidades cristãs para que sejam espaços habitáveis às novas gerações? O que fazer para não sucumbir sob a pressão das atividades que, uma após outra, pedem energias em todos os níveis? O teólogo Carmine di Sante, num bonito dossiê publicado pela revista Note di Pastorale giovanile, afirma que evangelização e educação não se identificam nem se contrapõem, são duas realidades: colher e respeitar suas correlações profundas, é importante. Quem está em contato com as novas gerações sabe que não se educa propondo valores e ideais em abstrato, mas encarnando-os. Para todos os educadores cristãos a visão do mundo a ser encarnado é o evangelho que, mais que pensamento, é ação, mais que visão, é prática: ação de justiça e de amor, de reconciliação e de perdão. Por isso parece não ser relevante questionar se na formação das jovens e dos jovens a educação é mais importante que a evangelização ou a evangelização mais importante que a educação. Seguramente o mais importante, segundo o autor citado, é estar consciente de que «educar é educar sempre com o que somos». Qualquer educação pressupõe o relacionamento e se desenvolve no coração de educadores, educadoras capazes não só de uma acolhida amigável, mas como mostra Martin Buber, capazes de estar presentes com toda a alma e de dizer que existe um sentido para as coisas e para o mundo. Durante muito tempo através do relacionamento educativo educamos para uma pertença, 19
para uma identidade. Hoje quem quer permanecer ao lado dos jovens para projetar o futuro de uma fraternidade universal é chamado a educar para a acolhida do outro, para a acolhida de cada pessoa. Trata-se de deixar menos espaço à paideia grega e de se deixar guiar pela pedagogia bíblica. Para a Bíblia a pessoa humana é pobreza radical e Deus é aquele que se inclina gratuitamente sobre esta pobreza. Pobreza radical que preenchida pela gratuidade de Deus é chamada a se tornar responsável, a amar gratuitamente e a superar a pobreza do outro. Os traços da antropologia bíblica que os educadores cristãos são chamados a incorporar são os da pessoa humana como pobreza radical, cujo ser existe em força da gratuidade, e os da pessoa humana como responsabilidade cuja potência consiste em fazer florescer a vida. Para a Bíblia a relação é relacionamento de gratuidade, isto é charis, a educação que por definição é baseada no relacionamento só pode ser o lugar privilegiado de tal relação de graça. Evangelizar partindo da educação ou educar partindo da evangelização? Se no fundamento da educação se põe a relação de graça, o dilema é resolvido em sua inconsistência.
Comunidades habitáveis Para educar aos valores do Evangelho é urgente o testemunho de comunhão de toda a comunidade que busca, celebra e vive a paixão pela vida, encarnada a partir da figura de Jesus. Um testemunho que ajude os jovens a perceber a comunidade cristã, a Igreja, não como uma agência bem organizada de serviços religiosos, presente de modo capilar no território e que concede poucos espaços à criatividade e à inventividade, mas como uma comunidade de amigos. Para reaproximar as novas gerações do Evangelho, as Linhas Orientadoras da Missão Educativa das FMA afirmam que é necessário acolher a complexidade da realidade juvenil, criar comunidades cristãs de referência, qualificar a vida adulta, renovar a proposta religiosa através de um novo anúncio que evite dar respostas a questões que ninguém mais se coloca. Trata-se de acompanhar os jovens na vida de todos os dias através do amor que é aproximação, interesse, formação cultural em âmbitos como a paz, a legislação, a justiça, a solidariedade, a salvaguarda da criação, para deixar entrever e descobrir a figura de Jesus como aquele que é a caridade do Pai. A intensidade da fé e a configuração das comunidades educativas são muito significativas para cultivar as intuições vocacionais das/dos jovens. Se não há comunidades vivas e autenticamente cristãs é difícil promover uma atitude positiva diante da vida, como dom e como responsabilidade. O problema considerado por muitos como fundamental não está nos projetos ou nos processos da educação à fé, mas no sujeito capaz de suscitar uma busca personalizada, um encontro profundo e um diálogo fecundo. Este sujeito não é senão a comunidade educativa. Trata-se de promover comunidades nas quais se dê muita importância à comunicação e ao desejo de relacionamentos pessoais autênticos.
O ritmo As reuniões periódicas, as conferências, os almoços informais marcam o tempo da comunidade. Quando o ritmo é sustentado, a comunidade percebe um sentido de movimento e de vitalidade. Se este ritmo for muito veloz a comunidade se cansa e as pessoas deixam de participar porque se sentem sobrecarregadas. Se o ritmo for muito baixo, a comunidade experimenta cansaço e um sentimento de fraqueza. O ritmo comunitário representa o mais forte indicador de sua vitalidade. Dentro de uma mesma comunidade existem muitos ritmos: a alternância de eventos familiares e de rupturas, a frequência de interações privadas, a ida e vinda de pessoas das posições periféricas à participação ativa e o próprio ritmo de evolução da comunidade toda. Porém, é fundamental para o desenvolvimento da comunidade educativa e para o relacionamento educativo com as novas gerações, identificar o ritmo adequado para cada fase de sua vida.
mara@cgfma.org
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MULHERES NO CONTEXTO
Entrelaçamento de solidariedade em situação de emergência Paola Pignatelli, Bernadette Sangma Consultemos a história de Moisés e reconsideremos as três figuras femininas em torno dele: a mãe, a irmã de Moisés e a filha do Faraó; mulheres de duas populações em conflito entrelaçam ações de solidariedade para salvar a vida do pequeno Moisés. Desde então... até hoje, as situações de emergência causadas por conflitos, calamidades naturais ou outros motivos, veem as mulheres particularmente empreendedoras ao tecer gestos de solidariedade capazes de fazer despontar a vida, também dos escombros.
Emergir na emergência Soa como um jogo de palavras, mas não é! É, ao contrário, experiência concreta do universo feminino nas diversas partes do mundo. De fato, são abundantes as histórias que evidenciam o aparecimento das mulheres, exatamente no momento da emergência. Elas se manifestam como protagonistas com iniciativas de resgate, de luta constante e incansável, de reconstrução e de transformação da vida individual, familiar e comunitária; do nada e com nada, a não ser com a única força de se unir, para realizar as “tramas femininas de solidariedade”. Em contraste com a consideração comum, que projeta as mulheres mais como vítimas das várias situações, a revelação de tais experiências evidencia que as mulheres são atrizes sociais e, algumas vezes, as condutoras principais da contínua mudança, também nas situações caracterizadas pelo desconforto.
Fragmentos de história Estamos no dia seguinte ao grande terremoto que arrasou algumas cidades do Haiti. O jornal ABC.es Bilbao, no artigo intitulado “Anjos da Guarda da ajuda”, de 18 de janeiro de 2010, falou das ‘religiosas’, que seriam as FMA, que haviam cadastrado, a mão, pelo menos 5.600 pessoas acampadas no pátio da casa. É interessante notar que enquanto as Nações Unidas se empenhavam para organizar a distribuição dos víveres, as FMA com poucos recursos à disposição, atingiram mais de 16.000 pessoas em La Saline, Pétion-Ville, Thorland, Cité Militaire e Cité Lintheau, através de intervenções oportunas na acolhida nas barracas, as refeições e necessidades várias, e o apoio psicossocial e espiritual. Assim diz o mesmo jornal acima citado: “Com dedicação impecável, as irmãs organizaram os grupos por famílias chamando cada representante pelo nome e sobrenome com um simples megafone, que não se escutava para além de dois metros de distância. Daí, a ordem da fila durou pouco mais de quinze minutos, até que a fome rompeu a barreira humana, que tentava conter o desespero. Durou pouco a mensagem em crioulo: “respeito, silêncio, disciplina e paciência”, que as Salesianas os fizeram repetir como uma oração, antes de iniciar a distribuição mais cortês realizada pelas Nações unidas até aquele momento. [...] Ninguém ficou ferido, não foi preciso usar a força e os biscoitos acabaram por não cair em mãos erradas”. É ainda do Haiti a história de solidariedade que não atrai as manchetes dos telejornais mas que toca a vida das pessoas. Assim narra a senhora Gina: “Depois do pavor do terremoto que me fez 21
ver a morte de perto, considero que a minha casa, que resistiu aos solavancos, não seja mais minha, mas daqueles que perderam a própria casa. No dia seguinte à tragédia, acolhi em minha casa muitas famílias principalmente as que tinham crianças pequenas. Minha família, que é pequena, cresceu e nos tornamos uma grande família onde se compartilha tudo. Enquanto for necessário, a minha casa estará aberta para quem precisar”.
Cadeia de gestos solidários para “Centurina” É a história que vem de um hemisfério oposto ao do Haiti. Uma cadeia de solidariedade agilizada por duas comunidades das FMA da Inspetoria de Shillong que trabalham num ambulatório do governo de Salmanpara, uma aldeia ao nordeste da Índia. O nascimento de ‘Centiruna’ era previsto como um caso difícil, que precisava de intervenções especiais. Então as FMA enfermeiras decidiram levar a mulher a um centro, distante três horas de carro. Depois de duas horas de viagem, na estrada, a mulher sente as dores do parto. Não podem prosseguir viagem, devem tomar providências e então param no ambulatório de outra comunidade FMA. Entre orações e os procedimentos imediatos das duas FMA enfermeiras, a menina nasce sã e salva, e é poupada também a vida da mãe. Era o centésimo parto assistido pelas FMA em menos de dez meses e por isso o sobrenome ‘Centurina’ para a menina. São histórias que põem em evidência a grande capacidade das mulheres de resgatar vidas, também em situações extremas. São mãos e mentes debruçadas para salvar a vida sem se render defronte aos obstáculos e aos desconfortos: índice da grande afinidade entre o ser mulher e a defesa da vida, como movente para respostas criativas e inéditas! É exatamente esta capacidade da mulher que aparece na base motivacional que sustenta a atual campanha intitulada Prêmio Nobel da Paz 2010 à Mulher Africana. O Prêmio Nobel, se for concedido, será um reconhecimento não só às mulheres africanas, mas ao gênio original da metade do céu!
paolapignatelli@hotmail.com b.sangma@cgfma.org
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PALAVRAS-CHAVE
Diálogo e Hospitalidade Bruna Grassini
O diálogo é um modo de viver: é sabedoria, paciência, acolhida. É um estilo de vida, antes de ser uma obrigação. Hospitalidade: um modo de relacionar-se. Brota do coração, faz crescer o amor e a compreensão. É um mandamento bíblico: fundamentase no direito do pobre, na aceitação do “outro”. É um modo de ser “humano” no mundo de hoje.
(Da “Carta Ecumênica para a Europa)
Em um texto preparado para o Concílio Vaticano II, Frère Roger, Prior de Taizé, solicitado pelo Papa João XXIII, enfrenta publicamente o tema do Ecumenismo. Abrindo os olhos para o escândalo da divisão entre os cristãos, escrevia: «Estamos em busca de uma Unidade “visível”: atuar a reconciliação. Esta é a urgência do século XX. A responsabilidade é de todos nós». 22
Os jovens católicos, anglicanos, ortodoxos, protestantes, aos milhares respondem à provocação do Papa, desejando encontrar-se, escutar, dialogar, rezar. Todos nós somos chamados a ser “profecia”: fermento de novidade para encontrar a força de superar os obstáculos, mudar a direção do olhar, alargar o nosso horizonte, intensificar a oração e reconhecer a ação de Deus que opera em todos (Carta Ecumênica). As diferenças também são riquezas, e o encontro com os “irmãos” uma ocasião de amadurecimento e de crescimento na fé. A fé nos chama a viver com esperança e amor, o respeito recíproco, a caridade, a humildade que abre o espírito e o coração ao conhecimento profundo de nós mesmos e dos outros, à riqueza e das tradições recíprocas. Escreve Martin Buber: “Ser com os outros é mais que ser pelos outros”. Hoje Deus nos chama a viver juntos com esperança e amor. Então, é importante aprender a conhecer e a apreciar outras formas de vida espiritual, superando velhos preconceitos e dificuldades, empenhando-nos na busca fraterna do encontro recíproco: “Viver o ecumenismo do testemunho”.
grassini@libero.it
______________________________________________________ CARA A CARA
Elevar-se acima dos rumores comunicar-se na vida social
para
Lucy Roces O ambiente midiático é um “campo de tensões”, um campo de lutas e de conflitos, um campo de batalha para conquistar consumidores, para fazer propaganda política, para afirmar as ideologias. Este campo é também rico de “vozes alternativas, de minorias, e de ações individuais”. (Guido Gili) A enxurrada comunicativa sugere um bombardeamento contínuo e caótico de mensagens, sugestões, slogans. Nesta cacofonia de rumores, como podem as organizações sociais, como também as comunidades cristãs, ser competitivas? Quem se ocupa da comunicação nas organizações sociais do terceiro setor, está descobrindo a importância de uma presença na mídia, com atividades publicitárias e relatório, que leve a fazer conhecer o seu trabalho. Infelizmente, nem todos podem entrar em campo. As organizações do terceiro setor – as associações, entidades sem fins lucrativos, cooperativas sociais, comunidades religiosas, instituições escolares e formativas – não parecem poder competir no grande mercado da comunicação. Os fundos e as estruturas à disposição de grande parte das organizações do terceiro setor quase nunca correspondem à suas necessidades de fazer conhecer a própria realidade e de realizar atividades informativas e promocionais. Torna-se um desafio muito empenhativo: “Você está em rede, mas é como se não estivesse porque ninguém percebe a sua presença se você não tem a força de se impor, de se fazer ver”. José Maria La Porte, professor adjunto de Fundamentos da Comunicação Institucional na Pontifícia Universidade da Santa Cruz de Roma, diz: «É muito importante conhecer as regras do mundo midiático e saber adaptar a mensagem cristã às características de ‘noticiabilidade’». Isto vale para todas as organizações sociais. Se a entidade não é conhecida, a possibilidade de destinação dos fundos reduz-se drasticamente porque é drenada por aquelas entidades que são mais conhecidas e difundidas. Para o mundo vasto do social urge uma estratégia de comunicação que melhore a relação entre as organizações e o mercado da informação e promova o contato entre as pessoas envolvidas nos processos comunicativos, portanto, que torne audível a voz das organizações não lucrativas. Para se fazer ouvir, a voz das organizações deve ser treinada. Isto 23
implica sustentar com uma adequada formação que leve à competência comunicativa, aquelas pessoas que estão empenhadas em trabalhar neste campo. Um elemento essencial é a comunicação da identificação, uma identidade específica que permita passar ao diálogo público. Isto é mais que um logo para tornar reconhecível a organização e caracterizar a ”personalidade”. É uma relação que se tem com o usuário. Igualmente importante é a clareza da mensagem. As vozes devem exprimir uma unidade substancial que ajude a prevenir os erros de comunicação e todos devem poder “contar a história” da organização. Depois, para transmitir a mensagem e fazê-la compreensível ocorre proteger o território midiático reconhecendo estrategicamente as mídias mais úteis e eficazes para este escopo. Através de um diálogo contínuo, as comunidades cristãs podem influenciar a comunicação para que falem da experiência de fé e da vida dos cristãos. Deve-se procurar mostrar a beleza de sua mensagem e de Quem a propôs. Como disse La Porte, «Isto não é pouco. Implica criar ambientes de diálogo e de partilha de ideias e ao mesmo tempo canais de informação que ofereçam às pessoas a possibilidade de buscar a verdade no mundo que as circunda e de encontrar pessoalmente as próprias respostas às questões radicais da existência».
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Entre as nuvens A Internet está se transformando num grande computador e mudando o nosso modo de usar a informática: o Cloud Computing é o desafio tecnológico dos próximos anos. Mas o que é o Cloud Computing ? É um conjunto de tecnologias informáticas que permitem a utilização de recursos hardware ou software distribuídos à distância. A palavra computing indica a operação informática, enquanto cloud significa nuvem. Cloud Computing contrapõe-se a personal computing e indica um novo modelo, em que as aplicações não residem mais no PC pessoal, mas na web. Em algum lugar do mundo há um aplicativo web que permite escrever e modificar documentos e em algum outro lugar há uma unidade de disco rígido no qual o documento é salvado. Assim, é possível mover-se com liberdade de um lugar para o outro e, principalmente, de um PC para outro sem precisar levar consigo os dados e sem precisar preocupar-se com a instalação de software: uma conexão com a internet, um navegador e tudo está feito. As vozes críticas, não faltam: a perda do controle sobre os próprios dados, o risco de que a longo prazo muitos serviços gratuitos possam tornar-se onerosos, o roubo de uma conta, falência de uma companhia fornecedora de serviços cloud. Um eventual mau funcionamento, por outro lado, atingiria um número muito elevado de pessoas contemporaneamente, sendo que estes serviços são compartilhados. Deve-se verificar, a longo prazo, se convém ou não agir entre as nuvens.
_____________________________________________________ COMUNICAR A FÉ
Como o Catequista hoje educa para a fé Cláudio Pighin O que hoje mais afeta o ser humano não são tanto os programas, mas as técnicas, o sistema audiovisual, isto é, a impulsão do raio de luz e do áudio que fazem vibrar a emotividade, de modo rápido, emocional, violento, sem lógica, global. Assim cada fenômeno hodierno é antes de tudo marcado e influenciado pelas consequências subterrâneas da revolução tecnológica. Não existe apenas uma “pessoa audiovisual”, uma juventude que cresceu diante da televisão e do computador mas é, diz Pierre Babin, “toda a sociedade que está mudando o seu modo de ser. À cultura literária de ontem se sobrepõe outra cultura. E por cultura entendo o conjunto dos meios através dos quais um grupo humano resolve os problemas de significado da existência e dos valores da mesma. A velha cultura perde força e poder. Evangelizar hoje quer dizer evangelizar 24
uma nova cultura baseada no poder da eletricidade e dos meios de comunicação”. A linguagem introduzida pelos audiovisuais baseia-se sobretudo nas emoções transmitidas pela modulação dos sentimentos, da voz e das expressões gestuais. A supremacia da racionalidade cede o passo à imaginação, e nos encontramos defronte a uma plateia que tem necessidade de vibrar para compreender, de participar para sentir e de ver para seguir. E então nos perguntamos como o catequista, hoje, pode promover a educação da fé no mundo da comunicação que acabamos de descrever? O catequista hoje precisa antes de tudo entrar na lógica da comunicação e isto significa que a catequese não pode se deter na explicação de conteúdos intelectuais, mas mais globalmente quer dizer salvar. Em termos de comunicação pode-se traduzir: estimular a vida para que seja plenitude de ser. Através dos meios de comunicação, por exemplo, deve testemunhar a solidariedade para com as pessoas idosas, fazer chegar sua voz aos que se encontram nas prisões, ensinar os novos horizontes da felicidade. A comunicação da fé não pode pensar em fazer uma ação absolutamente isolada. Seu testemunho deve partir de uma comunidade cristã que viva plenamente a experiência de Deus. Não pense o catequista que seja suficiente no seu caminho espiritual vibrar com as vozes do mundo, mas que é preciso vibrar ao ouvir a voz de Deus: a oração do catequista é comparável à receptividade do radar. Repleto dos rumores do tempo atual, o catequista precisa ser capaz de parar para contemplar o Senhor. Repito o que já disse anteriormente que é impossível produzir alguma coisa válida sem tê-la vivido interiormente e depois numa expansão eletrônica fazer vibrar a própria personalidade espiritual de crente. A imaginação é um pouco o filtro de cada ação. Ser comunicador da fé não isenta de passar toda a linguagem pela imaginação. Portanto, sua espiritualidade terá como parceiro este poder da mente. O diálogo entre a mente e o espírito dará lugar à criatividade; pois, quem pode segurar o pensamento ou colocar-lhe obstáculos? Esta criatividade, porém, será fundamentada pela ação do Espírito Santo e pela Palavra de Deus e confirmada na Igreja. É um testemunho que, passando por uma narrativa de fascínio irresistível, faça compreender ao destinatário a sua entusiasta generosidade e progressiva radicalidade na vida de fé. Ele faz relatos de amor, em primeira pessoa ou em nome de um povo ou de comunidades inteiras, que são histórias de salvação radical que interpelam a humanidade sobre o sentido da existência. Outro elemento importante eu acredito que seja recuperar os símbolos com seus relativos conteúdos para tornar mais eficaz o testemunho. O ser humano contemporâneo tem os olhos habituados à simbologia que particularmente vem da publicidade e da televisão. c/pighin@claudio-pighin.net
Oração do comunicador hoje Senhor, que perscrutas o coração do ser humano, e vês o comprimento das ondas da nossa mídia chegando sempre mais longe, enquanto nós custamos para nos compreender e compreender o universo que colocaste à nossa disposição. Temos muitas dificuldades para reconhecer a tua obra em nós e ao nosso redor. Através da inteligência que nos deste, somos prodigiosos ao criar suportes midiáticos sempre mais atualizados e modernos para tentar reconhecer-nos como teus filhos. Mas nos sentimos impotentes quando esta obra do ser humano se torna mais importante do que a Tua obra. Por isso sentimo-nos perdidos nos meandros da vida, que não é a Tua Vida. Não vislumbramos mais os horizontes, mas sim os obstáculos que nos amedrontam e então nos reduzimos muitas vezes a combatê-los, a destruí-los. E, na medida em que apostamos apenas no fruto da inteligência humana perdemos a capacidade de perceber a Tua presença entre nós. Ajuda-nos, ó Pai de todos e de tudo, a não perder a fonte de todo saber e da inteligência, que és TU, mas mantém-nos unidos a TI, para que cada criação midiática mais moderna e sofisticada possa espelhar sempre o Teu projeto que é o Teu Reino. Acreditamos sinceramente na Tua obra prima que é o ser humano e em todos os seus esforços para melhorar sempre mais a sua comunicação para manternos sempre mais próximos de Ti, verdadeira Vida. Amém. VÍDEO – por Mariolina Parenteler
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INVICTUS – de Clint Eastwood – Estados Unidos 2010 «Jovens, Invictus, que filme! Que estímulo energético! Que carga positiva! Na batalha do rugby... assim como na batalha da vida...! E nos convence a dar o melhor com coragem: “Somos os artífices do nosso destino”, cita na estupenda poesia de Henley que nos dá! Tenhamo-la no bolso. Ela nos ajudará nos momentos de amnésia”!». O comentário em rede é de Lella, 18 anos. Em seguida lhe faz eco Marco, 25 anos, que, em síntese, também acena ao evento: «Grande filme; é muito forte! Ótima interpretação de Morgan Freeman como Mandela. O evento é crônica e história: o Líder, eleito Presidente, consegue unir o povo da África do Sul dividida pelo Apartheid, aproveitando o mundial de rugby em sua nação. Brancos e negros, uns “com” os outros, graças ao esporte nacional: o Rugby!» É assim: Invictus – o último filme dirigido pelo grande diretor Clint Eastwood – inspira-se no comentado livro do jornalista John Carlin: “Ama o teu inimigo. Nelson Mandela e o jogo que fez uma Nação” (Ed. Sperling & Kupfer). Narra o triunfo do Mundial de 1995, disputado na África do Sul com a imagem conclusiva do evento: Mandela dando a Pienaar a Taça do Mundo diante do povo de Joanesburgo, finalmente reunido. Mas se o escrito não podia prescindir dos fatos autênticos, sem sombra de dúvida “a inspiração humanista e o valor ‘espiritual’ da encenação” decorrem da mão magistral do diretor. Reporta em primeiro plano ao tema do perdão que lhe é muito querido, e o põe como verdadeiro ponto de referência em todo o relato. Uma autêntica lição, além de um entretenimento agradável e envolvente. “Aconselhável’, conclui a Avaliação Pastoral. Os Fatos Estamos em 1994, e a África do Sul recentemente havia se emancipado, depois de décadas, do Apartheid. A eleição de Nelson Mandela como Presidente da “nova” África do Sul todavia não recompôs logo as graves fraturas sociais que agitam o povo de seu país. Na primeira cena do filme, o carro que o leva para casa depois de 27 anos de prisão, percorre uma estrada altamente simbólica: de um lado um campo verdejante sobre o qual os brancos passam entre si uma bola oval. Do outro lado um terreiro lamacento sobre o qual negros esfarrapados jogam futebol! E a mesma mensagem retorna mais adiante, quando ele chega ao palácio e se senta na cadeira como Presidente. Não só convida o personagem branco para ficar trabalhando com ele («Precisamos de você»), mas juntamente com os guardas do corpo negro dos brutais chefes africanos das esquadras especiais que até o dia anterior atiravam contra ele. Mandela dá a impressão de saber muito bem qual peça de xadrez mover para favorecer a integração social e a aproximação entre porções da população que sempre haviam vivido separadas. E sabe também que o esporte é um formidável aglutinador social. Que o rugby, esporte africano por excelência, seria capaz de abrir a brecha também entre a maioria negra. Trata-se simplesmente de agir, de “conduzir” a maioria negra ao rugby que, no momento, era praticado sobretudo nas escolas superiores e universidades. Por conseguinte era apanágio praticamente exclusivo dos brancos. No momento da eleição de Mandela, os Springboks contavam apenas com um negro no seu time. Mandela não desanimou com os números e, hábil articulador como era, criou forte laço com o então capitão da nacional François Pienaar, para que os Springboks pudessem transformar-se num time “testemunhal” para o novo rumo do país. O texto do filme o faz explicitar abertamente por Freeman no papel do Presidente, a Matt Damon que interpreta o capitão: «A nação arco-íris começa daqui. Também o perdão, começa daqui». A cena mais representativa e emblemática desta vontade de reunificação é a da cerimônia inaugural do Campeonato, em que Mandela veste a camisa dos Springbok. E assim, no final da Copa do Mundo de 1995 que para muitos foi apenas uma emocionante partida de Rugby, para a África do Sul representou um momento crucial da história do País. Sancionou uma obra de arte política e diplomática sem precedentes. Talvez a única da História Contemporânea em que o esporte foi o agente principal de um evento histórico que marcou época. Uma experiência compartilhada que ajudou a curar as feridas do passado e infundir esperança para o futuro. Impossível não emocionar-se quando o estádio inteiro, sem distinção de cor, entoa o hino sulafricano dos negros, considerado até então coisa de terroristas. Impossível não comover-se quando o capitão visita com o time dos Springboks o cárcere de Robben Island e a cela augusta em que “Madiba” Mandela passou quase toda a sua existência. Impossível depois de ver o filme, não refletir para aprender a unir-se. A “mudar”.
m.perentaler@fmaitalia.it
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PARA PENSAR A IDÉIA DO FILME – Reprodução de uma página de notícias como produto espetacular entre denúncia e história, assinada com autoridade por um líder político carismático ainda vivo. Desta vez, o que narra Clint Eastwood não é fruto da fantasia de um encenador. Mandela felizmente ainda está vivo para testemunhar os acontecimentos, as notícias de jornal e televisivas. Mas o modo “como” o diretor e mestre faz o relato, realmente envolve muito sucesso. “Lê os fatos e conduz em profundidade”, cativando e divertindo com perfil espetacular. O título “Invictus” (do latim: “Jamais vencido”), é o da poesia escrita pelo poeta inglês William Ernest Henley (1849-1903), na qual Mandela encontra inspiração e força para resistir/superar os devastadores anos do cárcere. A entrega ao capitão dos Springboks e, idealmente através do filme, ao mundo inteiro. O texto começa e termina com 2 versos que ‘encravam’, referentes a Mandela: «Do profundo da noite que me envolve, agradeço aos deuses, quaisquer que sejam eles, pela minha alma indomável» - «Não importa quanto seja estreita a porta, quanto cheia de castigos a vida. Sou eu o senhor do meu destino, o capitão da minha alma»!
O SONHO DO FILME – Reconciliar, reunificar os inimigos radicais e divididos. Como diz Morgan Freeman no papel de Mandela: «O perdão une, liberta a alma e elimina o medo». «A dialética e a oposição binária, aparentemente irredutíveis, têm sido os temas recorrentes no cinema de Eastwood, a tal ponto que se poderia destilar os extremos em quase todos os seus filmes, salvo raríssimas exceções. E quase sempre tal dialética se resolve em uma necessidade, antes de tudo moral, de empatia entre as partes, uma empatia que passa inevitavelmente pela compreensão recíproca». (Cinema Avvennire). Invictus, torna-se assim um dueto entre inimigos que se aliam. O evento de dois homens que decidem construir – ou reconstruir – sua história individual e a História coletiva do seu povo, utilizando todos os recursos à sua disposição. “O perdão serve para reconciliar um povo e fazê-lo reconquistar sua comum identidade perdida. O esporte serve como terreno de uma competição leal, que exalta e entusiasma”. Melhor ainda se finalmente ganhar, sintetiza concluindo a CVF.
_____________________________________________________ ESTANTE DE VÍDEOS -
por Mariolina Parenteler
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS TIM BURTON – USA 2010 Adaptado para o cinema desde o final de 1903, o célebre “As aventuras de Alice no país das Maravilhas” de Lewis Carroll – ainda se alastra plenamente no imaginário do terceiro milênio com a obra de Tim Burton. Ninguém como Carroll havia defendido o direito e o prazer de transformar os próprios sonhos e as próprias fantasias em algo de «real», ao menos no campo da experiência artística. Por outro lado, é tentador para um autor que – com os seus filmes – sempre procurou fazer aquilo que Alice faz nas suas aventuras: dar forma e credibilidade aos sonhos e/ou aos pesadelos de uma eterna adolescência. Para não incorrer aos riscos do que já foi dito, renova o semblante da protagonista e a reproduz, adulta: uma Alice pósadolescente de 19 anos, interpretada por Mia Wasikowska. Ela se expõe às responsabilidades que a vida adulta lhe oferece e ao conseqüente percurso de formação que todo crescimento impõe e acompanha. O diretor consegue comunicar sem ambigüidades conferindo maior valor metafórico aos personagens que, porquanto objetos de efeitos especiais, não são percebidos como invenções fantásticas demais. Encarnam e remetem ao real. A Alice de Burton empreende de novo a viagem mítica, volta ao país das maravilhas onde esteve quando criança (e onde reencontra os seus inesquecíveis amigos de infância a começar pelo Coelho Branco, Panco Pinco etc.) para interiorizar e definir a sua passagem para uma maturidade tanto física como psicológica e moral. Não por acaso, à sua passagem, desencadeiam-se admirações e amores mais ou menos sublinhados e evidentes (no Chapeleiro Louco, assim como no Valete de Copas), acompanhados à distância pelo olhar de um Brucaliffo que vai mudar a sua forma. E... «também não por acaso, termina a sua viagemnaquele lugar e na vida verdadeira – com uma enésima e definitiva mudança de hábito. O símbolo indica a afirmação de uma identidade madura conquistada e consciente. Capaz de superar as convenções de gênero e, portanto, de comportamentos, sociais e relacionais».
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O CONCERTO –
RADU MIHAILEANU – França/Romênia/Bélgica/Itália – 2010
«Talvez o melhor filme deste ano – escreve F. Sandroni. O diretor que já havia comovido e divertido em 1999 com o filme “Trein de vie”, confirma a sua alma cigana e a vontade de alinhar-se contra todo tipo de ditadura, também a da vulgaridade e das “culturas oficiais”. (...) Sobre tudo isso emerge brilhante a percepção de uma ‘fábula’, em que a liberdade de todos cresce graças à liberdade de cada um, como em uma orquestra aparentemente construída por instrumentos dissonantes mas que, da paixão de alguns extrai energia e coesão». Uma opinião síntese que encontra confirmação na propagação de um sucesso que tocou os vértices do fenômeno, também nas bilheterias. A história é a de Andrei Filipov, regente da orquestra de Bolshoi, que na época de Breznev cai em desgraça como inimigo do povo por ter protegido os seus musicistas hebreus. 25 anos depois, reduzido ao papel de guarda no mesmo teatro,está fazendo a limpeza quando intercepta um fax em que a orquestra é convidada a ir a Paris para exibir-se no Teatro do Chatelet, entrevê a possibilidade de uma vingança. Entre mil peripécias, ajudado por um amigo reúne os músicos de trinta anos atrás, e com um empresário consegue montar um plano que permite ao grupo chegar a Paris fingindo ser a orquestra de Bolshoi. Tornar-se-á a orquestra da vida: uma comédia irônico-dramática com tons de uma inesquecível metáfora humana e social. Filipov sabe que a Harmonia é um concerto sublime de vozes, histórias e etnias diversas. Nenhum regime pode tolerá-la. Nenhuma ideologia pode apagá-la definitivamente. O seu concerto é para a liberdade e para a verdade. Para a convivência pacífica e uma integração cultural enriquecedora. No final, a execução em ré menor por violino e orquestra, de Tchaikovski, transforma-se num triunfo. Uma verdadeira homenagem à mais esplêndida exaltação do poder da música, instrumento por excelência através do qual um grupo de indivíduos pisoteados pela história sabe e pode reencontrar a harmonia com a vida e o mundo.
______________________________________________________ ESTANTE DE LIVROS -
por Adriana Nepi
NÃO EXISTEM JOVENS MAUS – Cláudio Burgio – Paulinas 2010 O livro trata das experiências educativas de um sacerdote que sentiu como particular vocação sua estar ao lado dos jovens mais difíceis: aqueles que a sociedade considera, não sem motivo, verdadeiramente perigosos, sem todavia tomar conhecimento de ter criado em torno deles um contexto de falsos valores que é o terreno mais favorável para uma cultura com tantos desvios. A prisão de menores “Beccaria” e a comunidade de acolhida Kairós, fundada juntamente com colaboradores de boa vontade, são os lugares de encontro habitual de Dom Cláudio com os “seus” jovens: os chamados “em risco”, presos por algum furto, aqueles que preencheram as páginas dos jornais como “monstros”. Qual é o método deste educador? É um método que nada tem de teórico: é fundado sobre experiências e reflexões rigorosamente confrontadas com o Evangelho. O livro termina com as comoventes palavras de um jovem: “você tem apenas uma vida e a entregou inteira para nós”. Até agora valeu a pena, diz o autor. Espero ser sempre digno”.
______________________________________________________ A IRA, A OUTRA FACE DO AMOR –
Gary Chapman – LDC 2009
Dedicar cerca de 180 páginas a um argumento tão pouco estimulante é coisa que surpreende mas depois, somando tudo, o corajoso leitor não se sente desiludido. Cada capítulo do livro constrói a partir da concretude de um exemplo, sobre o qual, em seguida, se é conduzido à reflexão. A primeira “mensagem” : a ira é uma coisa e o pecado da ira é outra. A ira é uma emoção a ser controlada e orientada mais do que reprimida. Se suscitada por uma situação de angústia pode ser a mola que faz desencadear intervenções mesmo providenciais. A ira não se dirige sempre a alguém ou a qualquer coisa. Pode-se estar enraivecido também consigo mesmo e até com Deus. Nem mesmo este tipo de ira Deus condena: Jó irou-se contra Ele, mas ao se dirigir a Ele grita com uma confiança que parece não desagradar ao Onipotente, que o conduz aos poucos a abrir-se, pacificado, à luz da verdade.
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E assim por diante... até à distinção entre ira explosiva e ira implosiva: a mais perigosa, esta última, que pode durar anos, tornando-se rancor. Como controlar e orientar positivamente a própria raiva? Como comportar-se, enfim, defronte a uma pessoa enraivecida? E como educar uma criança para gerir a própria ira, a partir dos caprichos infantis? Cada capítulo é simpaticamente ornado com flores de frases bíblicas ou sabedoria humana, por vezes tingidas com humor como esta: em inglês a palavra anger (ira) tem só uma letra a menos que danger
(perigo)...
______________________________________________________ POR QUE REZAR, COMO REZAR – Enzo Bianchi – São Paulo 2009 Num tempo em que se percebe uma crescente “sede” de espiritualidade, tanto nos crentes quanto, talvez ainda mais, nos não crentes, o tema da oração assume uma importância decisiva. A condição é que esteja a salvo de estruturas desnecessárias e de mal-entendidos que diminuam o seu valor. Neste texto o autor propõe-se a ajudar na descoberta do frescor e da verdadeira natureza da oração cristã, recolocando-a no sulco da revelação bíblica. O autor, profundo conhecedor do mundo e do espírito, analisa a evolução da oração nas diversas épocas históricas, até os nossos dias, pintando um quadro em que também o leitor menos praticante não poderá deixar de se reconhecer. O texto enfrenta, além disso, as dificuldades mais comuns na oração, proporcionando respostas e interpretações profundas, ricas de sentido e capazes de satisfazer a curiosidade de cada pessoa em busca.
______________________________________________________ O LIVRO
A menina rebelde Adriana Nepi Hoje se fala tanto em globalização, em sociedades multiétnicas, em pluralismo cultural: expressões que já se tornaram comuns. Talvez não se meça realisticamente o emaranhado de problemas suscitados pela gigantesca virada histórica que estamos vivendo. Este romance nos conduz através de um complexo evento familiar, a uma aproximação impressionante com o mundo de hoje, onde a chamada aldeia global é na realidade um entrelaçamento de problemáticas contrastantes, com efeitos muitas vezes dramáticos. Saira, a “menina rebelde”, que é a narradora da história, assim como a autora, nasceu na América, de uma família de origem indo-paquistanesa. Original e volitiva, diferentemente da mansa e conciliadora irmã Ameena, mostra-se desde criança intolerante com os rígidos princípios impostos pela tradição cultural à qual pertencem os seus parentes. Crescendo, afasta-se sempre mais e usa um estilo de vida e uma mentalidade que serão causa de penosos conflitos familiares. A negligência levada até o desprezo de todo formalismo a impele a adequar-se ao exasperado subjetivismo da cidade em que vive e a escolhas moralmente sem escrúpulos. Por outro lado uma maior possibilidade de movimento e de relações a liberta da angústia de horizontes nos quais, em alguns países, uma tradição secular ainda constrange a mulher. O matrimônio, valor central e absoluto, arrimo da existência feminina, é uma opção à qual, caminhos alternativos podem-se contrapor, talvez em uma atividade empenhada em favor de uma maior justiça social. É intolerável, sobretudo, o fato de que o vínculo conjugal seja normalmente preparado por verdadeiras combinações familiares. Saira consegue atrapalhar as tentativas maternas de encontrar-lhe um bom marido e se aventura por outros caminhos, sustentada, no seu tenaz anticonformismo, por uma tia-avó idosa e sábia que, mesmo não casada, havia exercido com sucesso a carreira de professora de escolas superiores. Terminados os estudos universitários, a empreendedora neta dedica-se ao jornalismo, colaborando com um primo animado pelos propósitos de denúncia social. 29
Uma numerosa fileira de personagens, sobretudo pertencentes ao clã familiar gira em torno da protagonista, com seus caracteres próprios e diferentes, com suas histórias pessoais. A autora chega a tocar os pontos mais debatidos e cruciais do mundo atual: a ambigüidade dos meios midiáticos e seu poder, o divórcio, o aborto e o controle da natalidade, o homossexualismo e a liberdade sexual, a emancipação da mulher e a defesa tenaz de tradições radicais... Não expressa juízos, faz as situações falarem. Parece porém cá e lá que as mesmas situações sejam, por assim dizer, válidas para um desígnio que ultrapassa o discurso narrativo e lhe diminui o ritmo. Os acontecimentos são ambientados em um fundo histórico específico: o imperialismo americano, as tensões do mundo asiático com suas turbulências políticas e sociais, com o pesadelo diário do terrorismo. Até o 11 de setembro, quando a tragédia do atentado às torres gêmeas é visto como a explosão de um difuso mal estar sócio político que domina, ameaçador, sobre o mundo todo. O pavoroso imprevisível atentado desencadeia em Nova York uma furiosa reação contra os muçulmanos. E é exatamente Ameena, a mansa irmã que sempre estivera fora de todo pensamento de luta e rebelião, a vítima da violência: ela foi ferida, na presença da filhinha, por um fanático que a reconhecera por causa do Chador que lhe cobria a cabeça. A criança agora só tem o pai, também ele filho único, órfão de pai e mãe, e também sua avó materna fazia pouco tempo que havia morrido. O que fará Saira? Lutou a vida toda para construir o jeito de ser com o qual havia sonhado. Morrera também a tia-avó. Em um recente encontro em Karachi com a neta predileta, enquanto a mãe desta última lutava para “consertar” a filha de modo a torná-la feliz segundo os esquemas tradicionais, a anciã, que tão intensamente havia vivido e se doado, tinha sido abandonada por causa de uma confissão íntima: não renegava o seu passado, mas deixava transparecer o desconforto de quem havia cultivado o sonho de ver nascer uma geração nova, livre de preconceitos e discórdias, aberta ao reconhecimento de fazer parte da humanidade a caminho... e se encontrava vivendo num mundo chocado pelos atentados, furtos, seqüestros de pessoas... Agora estava numa pensão, sozinha, zelosa com sua autossuficiência mas necessitada de reconhecer-se nos valores saudáveis de sua gente, consciente de quanto sejam preciosos os vínculos familiares que a juventude percebe muitas vezes como limites à própria sede de liberdade e autorrealização. “Tua mãe está preocupada – havia-lhe dito – Tu tens tantas possibilidades alternativas”. São oportunidades que ela não compreende, e é sempre difícil ver as pessoas que amamos escolher de maneira diferente de nós, viver de modo diferente e ser diferente. Difícil para as duas partes... “Deves decidir o que queres fazer da tua vida, mas não tenhas pressa de jogar fora o velho e abraçar o novo. Cria espaço para ambos, Saira... Aqui a gente não morre sozinha no próprio apartamento, sem ninguém que o perceba por semanas, como vi que acontece no Ocidente. Em nossa cultura é a relação com os outros que define quem és: a filha, a mulher, a mãe, a irmã, a tia de alguém... Um valor que seria um pecado perder totalmente...” Na tragédia daquele 11 de setembro Saira vive o momento dramático de uma escolha lacerante. É pena que o golpe de cena final, truque inútil de romance, tolha à decisão resolutiva da protagonista parte da sua nobreza e da sua beleza.
_____________________________________________________ NO PRÓXIMO NÚMERO NO PRÓXIMO NÚMERO ENCONTROS:...........Pobreza e bem comum ENCONTROS: Pobreza e sobriedade PRIMEIRO PLANO:...O porquê de Francisco ............. Educação é coisa do coração EM BUSCA:..............Pastoralmente....................... Um movimento como PRIMEIRO PLANO: O porquê de Francisco Francisco de Sales e asestratégia FMA COMUNICAR............Cara a cara ........................... Comunicação social EM BUSCA: Pastoralmente Coordenação e testemunho de comunhão COMUNICAR:
Cara a cara
Comunicar no mundo
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CAMILLA
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Os achaques: problema da terceira idade? Aqui estamos nós em outra faceta delicada da nossa idade: os achaques, ou pior ainda, as doenças! Sim, na velhice o físico não corresponde mais aos nossos comandos! “Outro te cingirá e ti levará para onde não queres ir!” Por isso dedico um pouco de atenção à questão da doença. Mas não porque afete apenas os anciãos... não, não! Tantos jovens estão mal de saúde, mais que os idosos. Porém, é comum pensar a velhice como o momento da vida em que se está mais expostos às doenças: alguns dizem mesmo que a velhice é em si uma doença! Eu, fique bem claro, estou convencida de que idosos nascemos e não nos tornamos! É difícil definir a doença. Ela foi em primeiro lugar a grande inimiga de Jesus! Ele a combateu de todos os modos e em todas as idades. Ele também curou os idosos? Certamente! A sogra de Pedro, por exemplo! Fez passar a sua febre, para que pudesse voltar a servir... Para Jesus, de fato, os idosos têm ainda a possibilidade de se doar! Mas Ele passou curando todos: os surdos, os mudos, os cegos, os leprosos! Por que Jesus combate a doença? Porque bem sabe que ela representa a voz da Alma de uma pessoa. Dize-me que doença tu tens e te direi quem és! A doença tem a ver com o temperamento e com a experiência de uma pessoa. Muitos estudos o demonstram! É provável, por exemplo, que quem sofre de asma seja centro de muitas atenções (muitas vezes são os filhos únicos ou os primeiros filhos que sofrem de asma, “sufocados” pelos pais). Quem gasta muita energia principalmente pelos outros, pode pôr em sério risco a capacidade de filtragem dos rins. Em suma, o nosso corpo envia-nos mensagens, que nos informam sobre as dificuldades, contrariedades, fadigas, tensões e, tudo aquilo que não se exprime, imprime-se no organismo e se torna doença. Parece-me interessante então indagar quais poderiam ser as patologias típicas das religiosas. A artrose talvez derive ou das horas passadas de joelho, ou do zelo pelo “ci vado io”! Muitas costas encurvadas, muitas muletas e bengalas denotam o esforço de uma vida dobrada à obediência... A surdez é típica de quem durante a vida manteve o ouvido atento ao sopro do Espírito... Os problemas da vista, principalmente a vista cansada, pode indicar a fadiga de um olhar mais atento, porque nós irmãs fomos habituadas a ver além... A cefaleia, pode ser causada pelo esforço de compreender a ação de Deus nas lógicas humanas... O elenco poderia continuar! Mas já compreenderam e, tirem vocês, as conclusões!
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“Vivei na alegria, pois o nosso Deus é o Deus da alegria”. (Francisco de Sales)
HINO À VIDA
A TI ELEVO OS MEUS OLHOS, A TI QUE HABITAS NO CÉU (SALMO 122,1)
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