Revista DMA – RESPEITO E MISERICÓRDIA (Março - Abril 2014)

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Poste Italiane SpA Spedizione in Abbonamento Postale D.L. 353/2003 (conv. in L. 27/02/2004 nº 46 art. 1, comma 2 – DCB Roma

aDEAUXILIADORAAUXILIADORA

AUXILIADORA DE MARIA REVISTA DAS FILHAS

Ano LX Mensal n. 3/4 março/abril

RESPEITO E MISERICÓRDIA 1


dma Revista das Filhas de Maria Auxiliadora Via Ateneo Salesiano, 81 - 00139 Roma tel. 06/87.274.1 • fax 06/87.13.23.06 e-mail: dmariv2@cgfma.org

Diretora responsável Mariagrazia Curti

Redação

Giuseppina Teruggi Anna Rita Cristaino

Colaboradoras

Tonny Aldana • Julia Arciniegas Patrizia Bertagnini • Mara Borsi Carla Castellino • Piera Cavaglià Maria Antonia Chinello Emilia Di Massimo • Dora Eylenstein Maria Pia Giudici • Palma Lionetti Anna Mariani • Adriana Nepi Maria Perentaler • Loli Ruiz Perez Debbie Ponsaran Maria Rossi • Bernadette Sangma Martha Séïde

Tradutoras

francês • Anne Marie Baud japonês • inspetoria japonesa inglês • Louise Passero polonês • Janina Stankiewicz português • Maria Aparecida Nunes espanhol • Amparo Contreras Alvarez alemão • inspetorias austríaca e alemã EDIÇÃO EXTRACOMERCIAL

Instituto Internacional Maria Auxiliadora Via Ateneo Salesiano 81, 00139 Roma c.c.p. 47272000 Reg. Trib. Di Roma n. 13125 de 16-1-1970 Sped. abb. post. – art. 2, comma 20/c, lei 662/96 Filial de Roma n. 3/4 março-abril de 2014 Tip. Instituto Salesiano Pio XI Via Umbertide 11 00181 Roma

USPI

ASSOCIADA UNIÃO IMPRENSA PERIÓDICA ITALIANA

Edição em Português

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SUMÁRIO Editorial Dossiê

Aqui está todo o Evangelho

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Giuseppina Teruggi

Palavras e gestos de respeito e misericórdia

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Primeiro plano ...................................................................................................................................... Espiritualidade Missionária Alma e direito Cultura ecológica Fio de Ariadne

“Onde estão dois ou três reunidos em meu nome...”

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Mas que família tens?

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Um planeta com recursos limitados

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Diante do outro

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Em busca .................................................................................................................................................. EJS- culturas Pastoralmente Um olhar sobre o mundo

Amar e compartilhar

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Os jovens estão com medo?

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No mercado de Cotonou

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Comunicar ................................................................................................................................................ Faz-se para dizer Mulheres no contexto

Explorar O rosto feminino da compaixão

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Vídeo

Vou à escola

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Livro

O silêncio da Palavra

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Música e teatro

A música é social

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Camilla

Pães cotidianos

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LHAS DE MARIA AUXILIADORA

EDITORIAL

Aqui está todo o Evangelho Giuseppina Teruggi

Bento XVI e Papa Francisco: o seu “modo de ser” ilumina hoje a vida da Igreja e do mundo. Mesmo com muitos traços semelhantes, são diferentes, mais do que transparece. São testemunhas de humildade: aquela humildade que levou Bento XVI a renunciar ao pontificado e Papa Francisco a querê-lo próximo como apoio seguro na oração. Eles têm em comum a paixão evangelizadora e o empenho pela unidade da Igreja. Isto transparece com clareza na encíclica “Lumen fidei”, escrita “a quatro mãos”, como afirmou o Papa, que dali colheu inspiração para a extraordinária exortação “Evangeli gaudium”. São testemunhas da predileção pelos fracos e pobres, são irmanados pelos traços da bondade do coração, do respeito, da misericórdia. Para Bento “quem se reconhece frágil e pecador confia-se a Deus e dele obtém a graça e o perdão... no coração da celebração sacramental não está o pecado, mas a misericórdia de Deus, infinitamente maior do que todos os nossos pecados”. Para o Papa Francisco é um leit motiv sustentar que “a alegria de Deus é perdoar. É a alegria de um pastor que reencontra a sua ovelha... de um pai que acolhe o filho em casa... Aqui está todo o Evangelho, todo o cristianismo... não se trata apenas de sentimento, de ser bonzinho!”. É um tema profundamente evangélico, proposto neste número do DMA. A misericórdia é vista na ótica de um Deus que continua a amar, a ter confiança em nós, não obstante o nosso pecado, para restituir-nos à vocação primitiva de sermos colaboradores com Ele na construção de um mundo mais humano. Falar de

misericórdia não é apenas falar dos sentimentos do coração, das emoções. Trata-se de agir. Provoca um estilo relacional de aproximação ao outro, demonstrando respeito e ausência de prevaricação. É incisivo o testemunho de algumas mulheres, influenciadas pela tradição do respeito e da misericórdia. Como Dorothy Day, ativista liberal convertida, para quem não existe apenas a hospitalidade da porta, mas também a do rosto e do coração. Para ela “o verdadeiro amor é delicado e gentil, cheio de compreensão, de beleza e de graça, repleto de indizível alegria”. Assim como Ângela Vallese, que sabia animar comunidades onde germinavam visivelmente os frutos do Espírito: o amor, a alegria, a paz, a benevolência, a bondade. “Quando entendemos que Deus ama até o mais abandonado dos seres humanos, o coração se abre aos outros, tornamo-nos mais atentos à dignidade de cada pessoa e nos interrogamos sobre como participar da preparação do seu futuro”: é esta a convicção que sustentou a vida do Irmão Roger. E, certamente é, também, a nossa.

gteruggi@cgfma.org

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ANO LXI ● MARÇO – ABRIL DE 2014

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DOSSIÊ DMA

Palavras e gestos de respeito e misericórdia Anna Rita Cristaino

Palavras e gestos, ambos, são expressão do desejo de cada um de entrar em comunicação com o mundo, são o modo de se chegar às outras pessoas. Palavras e gestos de respeito e misericórdia sinalizam a vontade de reconhecer na pessoa humana sua profunda dignidade pelo único fato de ser pessoa. Fala-se de um estilo de relação fundamentado no ato de colocar o outro, com todo o seu ser, no centro das próprias atenções.

Paixão pelo mundo - A palavra respeito é entendida como sentimento, atitude ou comportamento de atenção e de estima para com uma pessoa da qual se reconhecem os direitos, a dignidade e a personalidade, procurando abster-se de toda manifestação que possa ofender. Respeita-se alguém quando o próprio comportamento expressa a consciência de ter diante de si pessoas na sua inteireza, e quando se coloca com tolerância e receptividade, diante do mundo sempre mais plural, não só pela cultura, lugar de origem, religião, mas também pelas ideias, pela idade, orientação política, visão da vida. Tudo isso concorre para perceber que o outro existe e, com o meu olhar atento sobre ele, com a minha escolha de levar em consideração o que ele é, de escutar a sua voz, chamo-o à existência e, de certo modo, gero-o para a vida nova. Se pensarmos na grande quantidade de pessoas que vivem em situação de completo anonimato, apenas como números em um elenco que se torna sempre maior e que enche as estatísticas, parece tudo muito frio. Mas por trás de cada número há uma pessoa! Às vezes comentamos a respeito da multidão de refugiados nos campos para eles preparados, dos percentuais de novos pobres e empobrecidos, da precariedade, das vítimas das crises. Vemos as notícias que falam de guerras com um número x de vítimas, ou assistimos ao êxodo de milhares de migrantes que atravessam as fronteiras, os desertos e mares em condições muitas vezes adversas e perigosas e, em muitos casos, encontrando a morte. Mas enquanto não se conhecem os nomes desses números, não se veem seus rostos, não se tocam suas

mãos, permanecem apenas números estatísticos sem qualquer referência a algo real. É, portanto oportuno que, mesmo não podendo ser vistos face a face, sejam trazidos para a nossa consciência, os milhões de nomes, de rostos, de braços, de histórias, para que cada um deles possa existir para nós. Com respeito eu me ponho diante do outro suspendendo todo juízo, escutando aquilo que ele tem para dizer, acolhendo cada aspecto da sua personalidade. Há comportamentos não dignos do homem, que não buscam a qualidade da convivência, mas a ultrajam, ferindo a civilização. A violência, a agressão, também a verbal, são hoje um habitat ao qual assistimos com crescente frequência, causandonos perplexidade e uma sensação de impotência que também nos deixa tristes. Muitas vezes lemos notícias atuais que falam de grupos de jovens que ao cruzarem com um morador de rua fazem caçoadas ou o maltratam, vendo uma pessoa de cor partem para os insultos e cospem nelas, ameaçam e intimidam os imigrantes a voltarem para suas casas. Tudo isso parece ser ditado por uma espécie de egolatria, onde tudo é decidido com a finalidade de engrandecer e gratificar um eu sempre mais pesado. Algumas necessidades coletivas, então, tornam-se direitos a serem defendidos e, ao mesmo tempo, ignorados os deveres que deveriam figurar ao lado dos direitos. Tudo é pensado e planejado apenas para si mesmos em uma espécie de egoísmo social, no qual tudo e todos servem para cultivar e proteger o próprio eu sempre mais exigente, e no qual, porém, ninguém parte do pressuposto de que é necessário ter no coração tudo e toda a humanidade. Não podemos acreditar, é claro, que podemos ser felizes sozinhos. Se vivemos em um mundo que não funciona, não podemos nos deixar iludir, pensando que podemos estar realmente bem, isolando-nos dos problemas, construindo um oásis para nós. Em muitos Países isto já acontece, onde ricos e poderosos se autoexcluem do centro da polis, para não se deixar contaminar pelas dificuldades e pelos sofrimentos dos outros. 5


O eu e o nós sem os outros despersonaliza e empobrece: o nós assume a forma irreprimível da exclusão e, por conseguinte, o outro assume os traços da ameaça a ser repelida ou destruída preventivamente. Também as palavras, quando se carregam de ressentimento e ódio podem tornar-se armas, as acusações recíprocas sem limites e sem respeito empurram para a negação e destruição do adversário, o ato de continuar obsessivamente a indicar no adversário o mal gera pouco a pouco uma violência que pode chegar a assumir até mesmo as formas do terrorismo mais ou menos elaborado ideologicamente. Vemos isto em tantas partes do mundo, onde manifestações pela liberdade, pela justiça, frequentemente são reprimidas com derramamento de sangue, porque não é deixado nenhum espaço ao diálogo e à escuta recíproca, no respeito das diferentes opiniões, mas quem pensa diversamente é “o inimigo” a ser eliminado. Parecem discursos distantes, cobrindo os poderosos. Mas, pensando bem, também no pequeno âmbito das nossas comunidades, podem ser insinuadas atitudes que levam a excluir alguém da nossa consideração. Podemos usar palavras que rotulam algumas pessoas que não pensam como nós, como inimigas da comunidade ou do bem comum. Podemos não respeitar todas as diferenças e deixarnos levar, também nós, no vórtice do julgamento apressado e da parcialidade.

Respeito e misericórdia - O respeito, a compaixão e a misericórdia, fazem parte daquele único movimento do coração e das ações e nos levam a considerar o outro como terra sagrada. A paixão pelo mundo, pela humanidade, pela história impulsionam à ação e, por meio da ação, o indivíduo toma plena consciência de si! Uma coisa que logo tocou tantos peregrinos que chegam à Praça São Pedro para as celebrações com o Papa foi ver como o Papa Francisco, no seu giro sobre o papa-móvel, não saúda uma massa informe de gente, mas saúda um conjunto de pessoas. Ele procura olhar para cada um, cruzar olhares e sorrir; transmite entusiasmo com diversas expressões do rosto. É o seu modo para dizer a cada um: “obrigado por estar aqui comigo, percebi que você está”. Ficou patente que ele olha para o rosto das pessoas pelo fato de que, frequentemente reconhece na multidão velhos amigos, sacerdotes ou familiares. Não são números, mas pessoas, com uma identidade, uma história, um valor intrínseco. Outro gesto importante do Papa Francisco é a sua escolha de administrar o sacramento da reconciliação durante suas visitas às paróquias de Roma, sua diocese.

É como se quisesse dizer: Deus tem tanto desejo e é tão grande este seu desejo de oferecer, de dar a sua misericórdia, que quem tem o dever de administrá-la deve estar disponível a não atrapalhar o rio de graça que o Senhor quer dar a seus filhos. Já na alocução do primeiro Ângelus o Papa Francisco sublinhou a importância do sacramento da reconciliação, mas, sobretudo a importância de acreditar na infinita misericórdia de Deus. Para o Papa a misericórdia é a chave que restitui o sentido do humano: esquecer-se a si mesmo para ir ao encontro do outro que me restitui “sentido”. A misericórdia é o nome da justiça de Deus, e o caminho para ser misericordioso é sempre um caminho de acompanhamento. No Ângelus do dia 14 de setembro, domingo no qual a liturgia da Palavra oferecia as três parábolas da misericórdia, o Papa disse: «Perdoar é a alegria de Deus! A alegria de um pastor que reencontra a sua ovelhinha, de uma mulher que acha a moeda, de um pai que acolhe em casa o filho que se havia perdido, estava como morto e retornou à vida, voltando para casa. Aqui está todo o Evangelho, todo o cristianismo! Mas vejam bem, não é sentimentalismo, não se trata de ser bonzinho! A misericórdia, em vez disso, é a verdadeira força que pode salvar o homem e o mundo do “câncer” que é o pecado, o mal moral, o mal espiritual. Só o amor preenche os vazios, os abismos negativos que o mal escava no coração e na história. Só o amor pode fazer isso; é esta a alegria de Deus». E o Papa continua dizendo: «Deus não nos esquece, o Pai nunca nos abandona! É um Pai paciente: sempre à nossa espera! Respeita a nossa liberdade, mas permanece fiel. Quando voltamos a Ele, acolhe-nos como filhos, em sua casa, porquanto não deixa, nem mesmo por um instante, de nos esperar com amor. E o seu coração faz festa a cada filho que retorna. O perigo é achar-se justos e julgar os outros, com presunção. Fazendo assim, julgamos o próprio Deus, porque achamos que Ele deveria castigar os pecadores, condená-los à morte, em vez de perdoá-los». Diz ainda o Papa: «Se em nosso coração não existe a misericórdia e a alegria do perdão, não estamos em comunhão com Deus, mesmo observando todos os mandamentos, porque é o amor que salva, não apenas a prática dos mandamentos. É o amor a Deus e ao próximo que cumpre todos os mandamentos. E aqui está o amor de Deus, a sua alegria: perdoar. Jesus chama todos a seguirem por este caminho: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso”». O misericordioso, a misericórdia, o ter misericórdia aparecem em muitas palavras, gestos exortações, como um leit-motiv da mensagem de Jesus e de toda a teologia do Novo Testamento. De fato, não é pelos próprios méritos que se obtém a salvação, mas em virtude da misericórdia de Deus e esta misericórdia é 6


também fundamento e exemplo para a misericórdia dos homens (Lc 6, 36) e deve traduzir-se, diante de todos, em perdão e amor, caridade, esmola e partilha fraterna. As parábolas de Jesus proporcionam, como orientação de fundo à vida cristã, precisamente a prática da misericórdia. Quem recebeu misericórdia deve, por sua vez, testemunhar a alegria da misericórdia (Rm 12, 8).

O difícil perdão - «O ódio contra o ódio nada produz: cria ainda mais ódio». Quem diz esta frase é Latifa Ibn Ziaten, mulher de 53 anos, cujo filho, paraquedista de trinta anos, fora assassinado em 2012, vítima de Mahomed Merah, jovem terrorista que, além de Imad, tira a vida também de outros dois militares, de origem norte-africana, pelo único fato de se terem unido à missão francesa no Afeganistão. Latifa Ibn Ziaten conta que depois do acontecimento quis ficar em Tolosa, na periferia onde havia vivido o assassino de seu filho. «Devia saber onde Merah havia se criado, como tinha sido educado, porque havia se tornado o que se tornou», disse. Lá na banlieue de Les Izards, a senhora Latifa, teve um encontro perturbador com um grupo de jovens que falavam do assassino como de um mártir, um herói do Islã. «Para mim foi um choque. Naquele momento compreendi a urgência de agir, a partir da base, isto é, a educação». Desde então, Latifa, não parou mais. Junto com os membros da associação que fundara em memória de seu filho, a Association Imad Ibn Zlaten pour la jeunesse et la paix (Associação Imad Zlaten para a juventude e a paz) visita as escolas francesas contando sua história, explicando qual é a sua visão de convivência e testemunhando que a sua religião é compatível com o laicismo. É o modo que escolheu, não obstante as ameaças de morte por parte dos extremistas, para manter a promessa feita ao seu filho. «Imad me havia dito: “Mamãe, se me acontecer alguma coisa, não deixe de ir, não desista”. Eu o havia escutado pensando que nenhuma mãe pode aceitar enterrar o próprio filho». Mas, certo dia, era 11 de março de dois anos atrás, o telefone tocou. A senhora Latifa ficou sabendo que Mahomed Merah, 23 anos com dupla cidadania francesa e algeriana, que havia feito um compromisso com o seu filho dizendo que queria comprar a sua moto, em vez disso havia atirado nele. «No início, não escondo, quando acontece uma coisa deste tipo, existe ressentimento, raiva e pela cabeça passa de tudo – relatou a mãe de Imad – agora, porém, não sinto mais ódio». O testemunho de Latifa nos faz compreender que é possível vencer o ódio, o ressentimento, o desejo de vingança, por meio de um empenho solidário. Ela procurou compreender quem era o assassino de seu filho, descobriu que era um jovem, também ele vítima de um sistema no qual havia crescido sem

respeito pela própria dignidade muitas vezes espezinhada. Diante disso, decidiu usar o caminho da educação, tão necessário para formar no ser humano, o sentido do outro.

A misericórdia em ação - O Papa Bento XVI, no seu livro ‘A alegria da fé’ escreve: «No relato da pecadora que unge os pés de Jesus, Jesus diz a Simão que o hospeda: “Vês? Esta mulher sabe que é pecadora e, movida pelo amor, pede compreensão e perdão. Tu, em vez, presumes seres justo e talvez estejas convencido de que nada tenhas de grave a ser perdoado”. Eloquente mensagem que transparece do trecho evangélico: a quem muito ama, Deus tudo perdoa. Quem confia em si mesmo ou nos próprios méritos fica como que obcecado pelo seu eu e o seu coração se endurece no pecado. Quem, em vez disso, se reconhece frágil e pecador confia-se a Deus e dele obtém a graça e o perdão. (...) No coração da celebração sacramental não está o pecado, mas a misericórdia de Deus, que é infinitamente maior do que todas as nossas culpas». Falar de misericórdia e compaixão, não é falar apenas de sentimentos do coração, de atitudes interiores, de emoções. Trata-se de ação. Houve um tempo em que eram memorizadas as sete obras de misericórdia corporal e espiritual, tiradas do evangelho e do relato de Jesus sobre o julgamento final que irá reconhecer aqueles que colocaram em prática a misericórdia de quem amou. Porquanto toda ação feita aos mais pequeninos da terra é feita a Ele. Um amor posto em prática no cotidiano. As sete obras de misericórdia corporal são assim elencadas pela tradição: dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; alojar os peregrinos; visitar os enfermos; visitar os encarcerados; enterrar os mortos. A estas, acrescentam-se as sete obras de misericórdia espiritual: aconselhar os duvidosos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar pacientemente as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos. Quantas ocasiões de praticar a misericórdia nós temos diariamente! Em um encontro com o Papa Francisco, Dom Luigi Ciotti, sacerdote italiano empenhado na luta contra as injustiças do crime organizado, sublinhou como o diálogo com o Papa lhe fora encorajador. O Papa não tem medo da denúncia, contudo, convida a não permanecer passivos. Para Dom Ciotti o pecado maior da sociedade atual é o pecado da omissão, de quem percebe as injustiças, o mal, mas se omite. Digna-se a falar, mas não a agir para mudar as coisas. Trata-se da omissão que silencia e imobiliza, e que nunca leva a decisão alguma. Neste sentido, também as palavras do Irmão Roger, fundador da comunidade de Taizé, que dizia: «Quando entendemos que Deus 7


ama até o mais abandonado dos seres humanos, o nosso coração se abre aos outros, ficamos mais atentos à dignidade de cada pessoa e nos interpelamos sobre como participar da preparação de um futuro diferente». Deus continua a amar, a ter confiança em nós, não obstante o nosso pecado, e assim trazer-nos de volta à nossa vocação primeira de colaborarmos com Ele na construção de um mundo mais humano. O homem cresce, realiza-se e encontra a felicidade no amor. A meta de sua existência é amar e ser objeto de amor, de bondade e de misericórdia. Ser pai e mãe é ter o mesmo coração de Deus. Ele se apresenta a nós na parábola de Lucas 15, 11-32 como um pai misericordioso que cuida pessoalmente do filho reencontrado: são atenções pessoais, concretas e delicadas, como a da melhor roupa e do anel no dedo. Amor em gestos. Quando se estuda em profundidade a tradição espiritual e patrística cristã, podem-se identificar três vias da misericórdia: a dor, o perdão e a generosidade, que nada mais são do que a base daquelas 14 obras de misericórdia acima elencadas. A primeira via é a dor. Na paternidade e na maternidade espirituais somos chamados a acolher qualquer pessoa portadora dos sinais da fadiga e do sofrimento, a compartilhar suas lágrimas e a nos sentir participando da sua dor. Ser mãe e pai quer dizer gerar vida, bem sabendo que gerar é sofrer. A segunda via é o perdão que vem do coração. Mesmo se dissemos: “eu te perdoo” o nosso coração

pode permanecer fechado pela raiva, pelo ressentimento, pela desconfiança. Por isso o perdão deve vir de um coração reconciliado.

Somente quem experimentou a verdadeira misericórdia do Pai, quem percebeu com quanto amor o Pai o perdoa, consegue olhar com misericórdia o outro que erra. É como dizer a si mesmo: se Deus ama aquele que está diante de mim com um amor eterno, infinito, como posso julgá-lo não ser digno de amor, como posso não aprender a amá-lo! A terceira é a via da generosidade. Generosidade que é compartilhar a vida, que é magnanimidade, que é gozar com a felicidade do outro, que é acolher, vestir, alojar, aconselhar, ensinar, consolar. Temos um Pai que nos educa com atos de amor e de graça misericordiosa, a nós não resta senão deixarnos educar para aprender a arte de pôr em prática gestos e palavras de respeito e misericórdia.

arcristaino@cgfma.org

dma primeiro plano: Aprofundamentos bíblicos, educativos e formativos

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ANO LXI ● MARÇO – ABRIL DE 2014

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ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA

«Onde dois ou mais estão reunidos em meu nome...» Maike Loes

Ir. Ângela Vallese não parte sozinha. Enviada para a América como missionária em 1877, parte “com a comunidade”. Com ela, outras cinco FMA deixam a Itália rumo à meta sonhada: a Patagônia. A família é o berço do coração humano cuja vocação intrínseca é CON-VIVER. Um conviver que vai além do simples estar juntos ou um ao lado do outro. «É na família que os jovens fazem as primeiras experiências dos valores evangélicos, do amor que se dá a Deus e aos outros» (VC 107). No documento Vida Consagrada, a experiência de família é o pressuposto para a vida comunitária, para aquele viver «reunidas no nome do Senhor». As nossas Constituições (cf C 49) realmente dizem que «viver e trabalhar juntas no nome do Senhor é um elemento essencial da nossa vocação» que é vivida «como resposta ao Pai que em Cristo nos consagra, nos reúne e nos envia» (C 8). «Cada Comunidade nossa é reunida em nome do Senhor, por um desígnio de amor e de salvação» (C 163). Jesus, quando chama os seus discípulos, os reúne em comunidade porquanto ela é sempre portadora da força do anúncio, um anúncio que parte do que se vive, do testemunho e depois se torna Palavra. Jesus, depois de ter reunido os seus em comunidade e de levá-los “à experiência de família”, envia-os «dois a dois adiante de si em cada cidade e lugar...» (Lc 10, 1). E acrescenta: «Ide, eis que vos envio...» (Lc 10, 3).

Os documentos da Igreja – depois do Concílio Vaticano II – apelam para um anúncio que se torna mais convincente quando é feito em comunidade. «O missionário é uma presença que age em virtude de um mandato recebido e que, mesmo quando está sozinho, permanece ligado por vínculos invisíveis, mas profundos, à atividade evangelizadora de toda a Igreja. Os destinatários, antes ou depois, vislumbram por trás dele, a comunidade que o enviou e o apoia» (cf RM 45). «Enquanto membro de uma comunidade específica, a Filha de Maria Auxiliadora é uma enviada» (C 64), em qualquer período da vida, qualquer que seja o serviço e a missão a ela confiados. A nova visão da missão ad gentes exprime um modo de viver essencialmente a missão do Deus Trindade. Assim, a missão ad/inter gentes é sempre comunitária. Na lógica da espiritualidade missionária a comunidade é o coração do anúncio, é «a casa que com os jovens evangeliza». A primeira comunidade de Mornese foi, ao longo dos anos, o exemplo vivo de uma comunidade «Casa do Amor de Deus!». Uma comunidade não isenta de pobreza, de tensões, de mortes prematuras, de dificuldades várias, mas onde se respirava o ambiente da casa de família. De fato, Dom Giacomo Costamagna a designava a «casa da santa alegria!». As primeiras FMA lembravam que «até as paredes pareciam respirar felicidade!».

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Uma comunidade «para» Deus e «de» Deus! A comunidade de Mornese, em 1875, acolhe Ângela Vallese, jovem de vinte e um anos que depois de ter ouvido falar de Dom Bosco entende onde Deus a quer. Esta comunidade descobre e desenvolve a riqueza pessoal de Ângela e a estimula a percorrer um caminho de santidade. E esta é a comunidade formadora das primeiras missionárias, onde eram visíveis os frutos do Espírito, primeiro e genuíno formador: o amor, a alegria, a paz, a benevolência, a bondade, a fidelidade, a paciência, a mansidão, o domínio de si. Escreve M. Enrichetta Sorbone: «Grande obediência, simplicidade, fidelidade à Santa Regra; recolhimento e silêncio admiráveis, espírito de oração e de mortificação; pureza e inocência; amor fraterno nas conversações, alegria contagiante e tão serena que parecia um ambiente paradisíaco. Não se pensava e não se falava senão de Deus e do seu santo amor, do amor a Maria, a S. José e ao Anjo da Guarda, e se trabalhava sempre sob os seus dulcíssimos olhares, como se estivessem ali presentes; e não havia outras intenções. Como era bela a vida!». Depois de apenas dois anos vividos em Mornese, Ir. Ângela Vallese, com outras Irmãs da comunidade, Dom Costamagna e outros Salesianos, sai do porto de Gênova a bordo do Savoie, no dia 14 de novembro de 1877. Esta partida em grupo a encoraja a ser protagonista de uma vida missionária generosa, disponível ao dom de si,

pronta ao sacrifício, humilde, audaz, imbatível – como o vento da Patagônia – ao enfrentar cada dificuldade que se lhe apresentaria nos seus 36 anos de vida missionária. Ir. Ângela Vallese, com Ir. Giovanna Borgna, Ir. Teresa Gedda e Ir. Teresa Mazzarello, traz para a América o espírito de Mornese que era fermentado pelo espírito de família. Nunca sozinhas, sempre e em toda parte com a força e o testemunho da comunidade que faz da «con-vivência» o anúncio profético e eficaz do amor de Deus para todos. Em uma de suas cartas às missionárias da casa de Buenos Aires – Almagro, Madre Mazzarello exorta as Irmãs a viverem unidas: «Quando se separarem estejam atentas para que não se separe o espírito, estejam sempre unidas com o coração» (C 29). Segundo um autor moderno, “a comunhão é a primeira forma de missão”. Ir. Ângela Vallese fez da comunhão o seu primeiro mandamento. Como diretora e depois como visitadora, sempre teve um olhar materno, de ternura e de solicitude para com suas Irmãs. Ela compreendeu, antes de tudo, que a missionária assim o é por aquilo que é, como comunidade que vive a unidade no amor, antes de o ser por aquilo que diz ou faz (cf RM 23). «Quando os dias eram claros, de Punta Arenas podia-se ver, ao longe, a Ilha Dawson. Ir. Ângela Vallese então parava e pensava: “O que estarão fazendo as minhas filhas? Será que estão bem?”». Da janela, um coração missionário atravessa o Estreito de Magalhães e cuida e pensa e reza... mantendo viva a comunhão e por isso evangeliza!

maike@cgfma.org

ALMA E DIREITO

Mas, que família tens? Rosária Elefante A cultura e o direito ocidentais procuram aviltar o conceito fundamental e basilar da família. Tornar a figura paterna supérflua ou facultativa, de um lado e considerar altamente estéril e intercambial a figura materna, promovem e sustentam conceitos de “família”, que de Família, na realidade, nada tem.

A alegação é clara. Por meio de uma estranha catarse, com hábil manobra linguística, a própria liberdade absoluta que, na realidade, mal disfarça atrocidades e homicídios, transforma-se em autêntico direito “estabelecido” no âmbito da legalidade, com o fim de nobilitar aquilo que nobre não é; de fazer passar 10


por conquista aquilo que, em vez disso, é opressão dos mais fracos, de quem não fala, de quem não pode ainda dizer em voz alta que gostaria de ter, por exemplo, um pai e uma mãe. As novas hipóteses familiares são tantas e aqui a fantasia não encontra limites. Abre a dança, a “família alargada”, onde mamãe e papai junto com os respectivos namorados (ou cônjuges), e com outros filhos, - pela caridade, também irmãos -, reúnem-se em torno da mesma mesa com a ostentada “questão do respeito dos papéis”, onde a hipocrisia da emancipação é proposta e imposta como remédio infalível. Segue a “família restrita”, aquela onde se prefere eliminar o próprio cônjuge para poder decidir em absoluta autonomia como condicionar a vida do próprio filho, até o ponto de fazê-lo fazer o que na realidade não se conseguiu fazer na própria vida. A “família transgêneros”, onde ao lado de uma escolha toda pessoal e indiscutível de viver a própria homossexualidade em plena liberdade, apoia-se o espantoso e, em muitos Estados reconhecido, direito à genitorialidade. Em outras palavras, aquelas famílias onde há duas mães ou dois pais. Poder-se-ia continuar e não se diz que os cenários inéditos, até há alguns anos, não estão aumentando, reservando-nos surpresas que poderiam ser sempre menos toleradas. Sim, porque de tolerância se deve falar. Feitas as devidas exceções e reservas a quem precisou submeter-se a uma separação, é preciso verificar cuidadosamente este “não” conceito de família.

O núcleo perdido A agressividade ou a violência aparentemente inexplicável, que caracteriza grande parte dos nossos jovens e não só, o sentimento de desconfiança e a péssima autoestima, a perda da noção de autoridade, a

incapacidade de se tornar pai ou mãe, de criar uma família, a ausência do senso do limite e do sacrifício, a inevitável inadequação diante das derrotas e das desilusões, são todas atitudes neuróticas ou psicóticas em resposta a uma sociedade que perdeu o seu núcleo. Caminho aberto para o aumento do álcool, da droga, da desinibição ao erotismo, mas não como pura transgressão, que de certa forma poderia interpretar-se como um pedido de ajuda, mas como atitude entediada de quem, tendo ficado sem regras e pontos de referência, embala-se na dormência do próprio eu, onde também a solidão é capaz de ter um novo nome: amizade que, bem distante do sentimento puro que distingue o liame sincero, direto, autêntico entre duas pessoas, se confunde identificando-se com a amizade das redes sociais.

Respeito pelas regras e pelos valores Quando ulteriormente o jovem (ou o adulto) procura sufocar esta agressividade coletiva ou individual não controlada, mas muitas vezes mesmo regulamentada, refratária ao senso de autoridade e sem regras, começa quase uma regressão a uma situação infantil, sentindo-se frágil, esvaziado tanto de força como de criatividade, privado de energia também espiritual, agora ”reprojetado” para ter e possuir. O desafio hoje é chegar a ver os filhos do mundo no encalço da consciência do próprio ser, com suas exuberâncias e limitações, mas finalmente no reconquistado respeito pelas regras e valores. Somente testemunhos VERAZES, não comerciáveis nem sujeitos à corrupção, são capazes de sustentar um caminho onde a liberdade não pode senão ceder o passo ao bem e à tutela do outro, especialmente se este for um filho.

rosaria.elefante@virgilio.it

CULTURA ECOLÓGICA

Um planeta com recursos limitados Júlia Arciniegas 11


“A grande amnésia ecológica” É este o título que o ornitólogo e engenheiro ambiental Frances, P. J. Dubois quis dar a um recente livro seu. Ele afirma: «Tomados pela nossa automática vida industrial, a certa altura esquecemo-nos de que vivemos num planeta dotado de recursos limitados e que não podemos dispor dele como queremos». Mas o que parece ser mais interessante é a sua tese na qual sustenta que: «Nós nos livramos deste vício por meio da educação, sobretudo mais pequeninos, ensinandolhes o que é a Natureza, as suas leis e por que deve ser respeitada” (Cf http://www.neo-planete.com/2012/02/29/philippe-jdubois/). De fato, não é difícil demonstrar que os recursos do planeta são confiados à nossa responsabilidade; neste sentido afirma-se que muitos dos problemas ambientais hodiernos, como o aquecimento global, a poluição, o empobrecimento dos recursos naturais, a perda da biodiversidade, dependem do nosso modo de produzir e consumir. Consequentemente, a competição para o acesso aos recursos alimentares, hídricos e energéticos poderá aumentar no futuro, se não forem tomadas medidas alternativas nesses âmbitos.

Rumo a uma sociedade mais igualitária e humana O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no número 470, afirma: «A programação do desenvolvimento econômico, deve considerar atentamente a necessidade de respeitar a integridade e os ritmos da natureza, pois os recursos naturais são limitados e alguns não são renováveis». O Papa Francisco, na mensagem enviada à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, (FAO), por ocasião da “Jornada Mundial da alimentação 2013”, lançada com o slogan: “Pessoas sãs dependem de sistemas alimentares sãos”, reitera que: «fome e desnutrição não podem ser considerados um fato normal ao qual habituar-se, como se fizessem parte do sistema [...]. A emergência alimentar é um dos desafios mais sérios para a humanidade». E em seguida denuncia o que define como a “escravidão do lucro a todo custo”, que encontramos não apenas nas relações humanas, “mas também nas dinâmicas econômico-financeiras globais”. Em essência, é absolutamente urgente, explica o Papa: «pôr a pessoa e a sua dignidade sempre no centro e jamais vendê-la à lógica do lucro».

Relançamento da Agricultura familiar A Assembleia Geral das Nações Unidas, sob a pressão de 360 Organizações não governamentais de mais de 60 Países, industrializados ou não,

coordenadas pelo Fórum Rural Mundial, declarou 2014 “o Ano Internacional da Agricultura Familiar” (AIAF). Este vasto movimento de opinião bate-se contra a grilagem das terras a serviço das multinacionais da agro-indústria, e a dificuldade de acesso aos recursos produtivos com preços justos (terra, água sementes de qualidade, facilitações), da parte dos pequenos criadores e produtores agrícolas. A agricultura Familiar é um modelo que organiza a produção agrícola, silvestre, a pesca, a pastagem e a aquicultura por meio da gestão de uma família que depende predominantemente da força-trabalho dos seus componentes – homens e mulheres-, mais do que de operários assalariados. A família e a fazenda estão estreitamente ligadas, crescem juntas, e envolvem processos econômicos, ambientais, reprodutivos, sociais e culturais. A Agricultura Familiar constitui a chave na luta contra a fome e a pobreza. Os motivos são vários: 70 ‰ dos alimentos do mundo são produzidos pelos agricultores familiares; 40‰ dos núcleos domésticos do mundo dependem da agricultura familiar como estilo de vida; ela tem o dobro da eficácia com relação a outros setores produtivos na prevenção da pobreza e favorece um grande potencial de conservação de múltiplas qualidades de plantas. Quatro são os objetivos da AIAF: apoiar o desenvolvimento de políticas agrícolas, ambientais e sociais que favorecem a Agricultura familiar, sustentável, solicitando os governos a estabelecerem uma legislação adequada; reforçar o conhecimento, a comunicação e a tomada de consciência do público sobre este tema; adquirir uma melhor compreensão da necessidade da Agricultura familiar, dos seus recursos e fragilidades e garantir o apoio técnico; criar sinergias para a sustentabilidade, em particular com as cooperativas.

As Congregações religiosas na FAO Em 2009 realizou-se uma reforma na FAO e no “Comitê sobre a segurança alimentar mundial” (CFS) e decidiu-se, entre outras coisas, ampliar a base das “partes interessadas” na CFS e, portanto, haver uma participação muito mais ampla de vozes na formulação das próprias políticas e programas. E foi assim que um grupo internacional de 20 religiosos/as de várias Congregações (ICR), na qualidade de membro observador começou a participar ativamente das reuniões e dos eventos da FAO. O Fr. Kenneth Thesing, MM é atualmente o representante do ICR junto à FAO. À pergunta sobre que contribuição os religiosos podem dar a esta Organização, responde que são principalmente dois “os valores adicionados”: o conhecimento da realidade da fome, da má nutrição, e de qualquer outro problema da vasta gama de questões tratadas pela FAO, nas 12


aldeias e comunidades locais onde estão presentes; a colaboração no desenvolvimento das políticas e dos programas elaborados pela FAO para uma eficaz

realização da parte dos governos locais e o envio destas informações ao ICR.

j.arciniegas@cgfma.org

CONTRA LUZ A EDUCAR-NOS E EDUCAR Como estamos enfrentando o desafio da fome no mundo? Que gestos e comportamentos nossos exprimem solidariedade? O que devemos mudar em nós para que a cultura do descarte não nos habite? Que boas práticas podemos implementar para conservar os recursos naturais e apoiar a “sustentabilidade ecológica”?

FIO DE ARIADNE

Diante do outro Giusy Fortuna Quando olho uma pessoa nos olhos, então descubro por assim dizer o seu ser um eu. (E. Stein, 1998) Nunca como hoje a humanidade viveu as relações interpessoais com modalidades tão flexíveis e dinâmicas, por meio da emancipada expressividade do caldeirão emocional pessoal, mais ou menos flutuante, que governa pensamentos e comportamentos. Não obstante esta tão perseguida, e obtida, autonomia comunicativo-ideativa presente na base das interações com os outros, os homens e as mulheres vivem, hoje mais que nunca, um estado de insatisfação com a qualidade dos próprios relacionamentos, sempre menos tranquilizadores e mais conflitantes em vários níveis e nos diversos contextos sociais. Por trás de cada conflito, podem estar escondidas necessidades insatisfeitas, como a estima, o respeito, a autonomia e a compreensão e/ou a manifestação de

esquemas rígidos de comportamento nos quais existe uma atitude avaliativa em que a pessoa assume a posição de juiz implacável, que aponta o dedo contra o outro, com crueldade. Desta forma, não se levam em conta os vários fatores que podem ter causado a reação do outro, como o cansaço, a fragilidade, o nervosismo, etc., nem existe a acolhida da alteridade do outro, nos pensamentos e nas ações. Assim cria-se um clima de litígio e ausência de empatia. A empatia, ou a descoberta da realidade daquilo que vive a outra pessoa, é o centro e o fundamento primordial de cada relação. A incapacidade de perceber a existência distinta e peculiar do outro, é limitante.

A relação com o outro A realidade verdadeira e profunda de cada ser humano está na consciência de que a sua identidade se forma em-relação. 13


Dentro da relação diádica mãe-filho, a presença de um Tu que está diante de um Eu, já delineia os contornos. Não podemos, então, fugir de tal realidade: O Eu está ligado com fio duplo ao Tu, eles se determinam e se atualizam reciprocamente. A relação, portanto, é alimento de vida cotidiana, é testemunho da nossa existência e incide notavelmente sobre a percepção pessoal de satisfação/insatisfação relativamente a si e, mais em geral, à própria dimensão social e existencial. A ruptura ou a presença de dificuldades em um relacionamento, geralmente provoca na pessoa a sucessão, um tanto confusa, de sentimentos também muito diferentes entre eles: da raiva inicial, pela diversidade de opiniões ou pela queixa súbita, passase à amargura, à frustração, chegando até os possíveis sentimentos de culpa. Portanto, a qualidade das nossas relações interpessoais influencia diversos aspectos da vida e também, a definição da própria identidade. Cada um de nós tem uma identidade complexa e «composta, fruto do encontro das nossas posições de identidade com as que os outros reconhecem em nós em um relacionamento de mútua definição, em contínuo vir-a-ser» (Talamo, Roma, 2007). Davide Sparti, sociólogo e filósofo italiano, fala, a tal propósito, do Eu diante dos outros, para indicar o papel que assume o confronto com outro eu, no decurso do processo de definição da identidade. A tese que Sparti propõe e sustenta, põe em evidência a forte correlação que existe entre a imagem que cada um de nós tem de si e os reconhecimentos que provêm dos nossos outros significativos. Como escreve o mesmo Sparti, isto quer dizer que o Eu se constrói em relação com o “tu”, ou seja, a partir do reconhecimento do outro, e não da sua negação. A identidade é vivida, então, como uma espécie de espelho no qual está refletida a percepção pessoal do sujeito (que se auto-valoriza, auto-define, autopercebe) e a imagem que é projetada pelo olhar do outro significativo, a qual serve de comparação e determina um remodelamento da própria opinião sobre si. O Eu defronte a si mesmo, portanto, e contemporaneamente defronte outro para definir-se. Quem pioneiristicamente introduziu no trabalho “Human Nature and social order” o conceito do autoreflexo (Looking Glass Self), foi Charles Horton Cooley. Para o autor, os outros significativos constituem um espelho social no qual o indivíduo olha com insistência para vislumbrar as opiniões dos outros sobre a sua pessoa. Deste modo as «avaliações reflexas se tornam as próprias avaliações» (Talamo, Roma, 2007). Em outras palavras, o conceito do Eu forma-se no indivíduo como projeção do modo com que os outros o percebem, reagindo como se estivesse se vendo em um espelho; de modo que «a personalidade é quase

inteiramente formada pelo perene jogo de relações que o indivíduo entretém com uma série de outros» (Argiolas, Spinedi, 2001). O homem como ser social plasma-se a si mesmo no mundo, em relação e no confronto constante com aquilo que o circunda e com quem o circunda. Portanto, a identidade, embora individual, não pode ser entendida como uma dimensão puramente pessoal, mas como «dimensão que traz sempre os traços da contextualização do sujeito que lhe é portador, sendo sempre expressão da articulação entre os aspectos psicológicos e a experiência subjetiva com os contextos da existência» (Floriani, 2004).

Elementos irrenunciáveis O que fazer para viver relações gratificantes? Eis alguns elementos irrenunciáveis. Diálogo assertivo - Cada pessoa estruturou no decurso do seu desenvolvimento, modalidades peculiares de percepção e compreensão do mundo circunstante. A interação, portanto, entre as pessoas que usam lentes diferentes na observação da vida, pode não ser sempre linear e isenta de mal-entendidos e dificuldades. Sucede com frequência que podemos esquecer a alteridade, pretendendo que o nosso interlocutor compreenda imediatamente a mensagem, com as características pensadas em nossa intencionalidade comunicativa. Porém, quando surgem problemas na comunicação descarregamos toda a responsabilidade no outro dizendo que não entendeu, que não escutou, que não esteve totalmente presente no momento da conversação. Diferentemente disso, seria oportuno parar e procurar entender que a responsabilidade pessoal em uma comunicação não se reduz à mera verbalização do conteúdo da mensagem, mas vai além até o acerto com a real compreensão da parte do outro. De fato, uma pessoa que ama o contato com os outros não pode pensar somente no conteúdo a ser comunicado, mas deve prestar muita atenção também nas modalidades por meio das quais veicula a própria mensagem. Neste sentido, é importante desenvolver um estilo relacional que possa aproximar-nos do outro, demonstrando respeito e ausência de prevaricação. A assertividade e a empatia são dois elementos importantes que permitem a ambos os protagonistas da comunicação interagirem de maneira satisfatória. A pessoa assertiva e empática é realmente segura e decidida, mas sabe admitir os próprios erros, aceitar a crítica e, por sua vez, criticar de modo construtivo. Tem um olhar aberto, levado à escuta ativa e sabe colocar o interlocutor à vontade. Acolhe o outro no pleno respeito aos direitos de ambos. Aceitação de si e do outro - Pode acontecer que os sentimentos negativos experimentados com relação ao 14


nosso interlocutor possam ter origens específicas na falta da autoestima. O medo de que as próprias necessidades primárias de filiação, afeto e estima, sejam rejeitadas e negadas pelo outro, poderia levar a pessoa a programar movimentos de fechamento, manifestados por meio de atitudes hostis, rejeição e inveja do outro. É importante, portanto, procurar conhecer e acolher também as partes de si mesmo que não são amadas ou que se preferiria esconder. Aceitar-se a si mesmo e os próprios limites, nos capacita a abrir as portas ao outro, enxergando a sua diversidade como riqueza e como critério com o qual pôr-se em confronto. Reciprocidade indireta - A construção da reciprocidade indireta refere-se ao sentimento de gratidão que experimentamos quando recebemos um bem, material ou não, de uma pessoa. A gratidão de per si, determina na pessoa que a experimenta, sensações positivas: felicidade, tranquilidade, serenidade interior e gera o desejo de desenvolver ações pró-sociais. De fato, o conceito de

reciprocidade indireta refere-se à tendência, na pessoa que recebeu algo positivo de um benfeitor, não só de retribuir diretamente a ele (relacionamento diádico: tueu), mas também ao desejo de abrir-se aos outros, gastando as próprias energias para ajudar as outras pessoas (relacionamento triádico tu-eu-outro). Este círculo virtuoso, no qual o bem recebido é doado a outros, determina um estado de bem-estar psicológico que se expande de sujeito a sujeito, gerando a passagem de beneficiário a benfeitor. Ter alguém que em um dado momento de dificuldade nos estende a mão, afrouxa os sentimentos de desespero e solidão. Do mesmo modo, sentir-se útil aos outros faz nascer uma abertura emotiva e cognitiva para com o outro. A gratidão e a reciprocidade indireta são, portanto, elementos importantes para a satisfação pessoal e social e para a manutenção de relacionamentos positivos na comunidade.

giusyfortuna@gmail.com

hino à vida

QUANDO UMA OBRA É DE DEUS, É O MESMO DEUS QUE SE EMPENHA EM SUSTENTÁ-LA. LUCIA FILIPPIN 15


hino à vida

O SILÊNCIO E A ORAÇÃO SÃO AS ARMAS MAIS IMPORTANTES DA NOSSA COMUNHÃO COM DEUS. THOMÁS MERTON

AS COISAS BELAS PROPICIAM A DEVOÇÃO, ASSIM COMO A CRIAÇÃO, QUANDO OBSERVADA, LEVA A AMAR A DEUS. GIUSEPPE SIRI

dma em busca: Leitura evangélica dos fatos contemporâneos

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EJS - CULTURAS

Amar e compartilhar Mara Borsi

A espiritualidade salesiana envolve os jovens em um projeto de vida que suscita comunhão e colaboração. Adultos e jovens juntos se educam, se formam, bebem nas fontes da espiritualidade, identificam-se com os valores fundamentais do carisma salesiano a serem traduzidos em escolhas concretas de vida. Nas casas salesianas jovens e adultos, embora partindo de perspectivas diversas, tendem juntos para a mesma meta por meio de relações interpessoais marcadas por um estilo de reciprocidade: descoberta de si mesmos, da própria interioridade habitada por Deus e crescimento em humanidade. O modo de viver no Espírito de Jesus inaugurado por Dom Bosco e por Madre Mazzarello pode ser definido como a experiência de uma grande empresa. Jovens e adultos empenhados na missão educativa e apostólica não têm os mesmos deveres, porque respondem a vocações específicas diversas, todos, porém, encontram-se em torno de um projeto comum, que se enraíza em uma rede de relações fraternas e de colaborações eficazes. Uma rede de relações que tende a fazer com que tanto a comunidade como cada pessoa amadureça na fé e exprima uma cidadania ativa e responsável. Nesta espiritualidade o papel do adulto está no horizonte da reciprocidade, no entanto ele é fundamental na relação. Tudo se evapora se o adulto

não souber esperar, ser paciente, acolher e conter as contradições, as fragilidades de quem está em crescimento. Tudo se evapora e falha quando falta a capacidade de permanecer na soleira. O amor sabe esperar, e esperar bastante, até o extremo. Ele não se impacienta, não age com precipitação e não é impositivo. Conta com a demora. (Dietrich Bonhoeffer).

A soleira A relação educativa, assim como a relação entre as gerações, não é simples, requer esforço, lucidez, amor e capacidade de permanecer na soleira evitando palavras e gestos que soem mesmo remotamente como invasão de privacidade, do território que está além. A sarça do Horeb arde sem se consumir. Moisés dá alguns passos procurando desvendar aquele segredo. De dentro da sarça ouve um grito: «Não te aproximes daqui! Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é chão sagrado» (Ex. 3, 5). O grito requer do outro o reconhecimento do mistério. Reconhecimento que o detém na soleira. Como Dom Bosco no relacionamento com os seus jovens, respeitoso e jamais invasivo, como Maria Mazzarello que, diante da jovem Corinna, a envolve com confiante paciência. Tire as sandálias, reconheça a sua fragilidade, renuncie aos seus prejulgamentos. Nem Deus nem o outro são terra a ser ocupada, terra a ser invadida ou terra que você merece. Mesmo no amor educativo reconheça a distância.

mara@cgfma.org

dma damihianimas REVISTA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA

ANO LXI ● MARÇO – ABRIL DE 2014

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As surpresas do amor Em 2011 fui enviada para ensinar a língua polonesa em uma escola de Ostrów Wielkopolski (Polônia). Fiquei ali apenas um ano, mas para mim foi muito significativo. Inicialmente o grupo dos jovens não me aceitou, estavam ainda muito ligados ao professor precedente. Em um dos primeiros encontros disseramme: “Por que mudaram o professor?”. Esta situação me surpreendeu. Entendi que me esperava um ano trabalhoso, devia demonstrar àqueles jovens que eu queria me aproximar-me deles. Disse, então, a mim mesma: «Jolanta, coragem! Seja boa e paciente». Na aula seguinte apresentei-lhes o programa do ano, perguntei-lhes o que haviam achado e se estavam dispostos a projetar juntos, o conteúdo da matéria. A esta altura, foram eles que se surpreenderam. Começamos a brincar e a compartilhar ideias sobre livros, filmes, músicas, outras expressões culturais, etc., dialogamos muito e no final disse que iria rever a minha programação. Quem sou? De onde venho? Para onde vou? Foram as perguntas que coloquei no início da nova programação. O ano escolar foi para mim muito rico e me fez crescer porque constantemente devia variar a

metodologia para atrair a sua atenção, não cansá-los, provocar perguntas e fazê-los pensar. Minha intenção era usar os textos, as palavras, os eventos históricos e contemporâneos e relê-los à luz da visão cristã da vida. Respondemos àquelas perguntas iniciais com trabalhos interdisciplinares, aprofundando a história da literatura, a filosofia, a música, a arte. Os diálogos em classe, dia após dia, tornavam-se sempre mais animados e participativos: as discussões e os intercâmbios não ficavam concluídos com o término da aula, e assim nasceu a ideia de reencontrarnos em outros espaços – não apenas escolares – de criar um grupo para permanecermos juntos com a finalidade de crescer como pessoas, refletir sobre si mesmos, saber ir “contra a corrente”, fortalecer o caráter e a personalidade, também por meio do teatro. Preparamos juntos dois espetáculos teatrais. O segundo sobre Dom Bosco, intitulado ‘Os envelopes sem endereço’ (Niezaadresowane koperty) foi realizado a partir de um texto escrito por um salesiano polonês. Foi muito interessante colocá-lo em cena porque tocava problemáticas juvenis, como a solidão, a falta de afeto e de atenção nas famílias, o individualismo, a falta do sentido da vida. Quando souberam que eu iria partir para estudar em Roma, cada um deles me escreveu uma carta compartilhando o próprio caminho interior, o reconhecimento por terem sido escutados, valorizados e acolhidos assim como são. Kosinska Jolanta, Polônia

PASTORALMENTE

Os jovens inspiram medo? Gabriella Imperatore, Anna Mariani

Que música é mais encantadora do que as vozes dos jovens, quando não ouves o que dizem? (Logan Pearsall Smith). Uma sociedade que não se renova é uma sociedade velha e sem futuro, sem inovações nas ideias e nos projetos, fixada com prego ao seu passado e incapaz de olhar adiante. É preciso coragem para distinguir o

que está vivo e do que está morto, na ação educativopastoral, e admitir que existe um certo imobilismo nos ambientes onde poderia amadurecer e crescer uma autêntica consciência da fé. Somente na base desta coragem pode nascer alguma coisa, como o risco de uma nova aposta sobre o anúncio e para o anúncio do 18


Evangelho aos jovens do nosso tempo. Este trabalho de reposição, porém, funcionou por longos anos. “Profetas” como Dom Bosco e Madre Mazzarello souberam enxergar para além dos próprios horizontes e descobrir no coração dos jovens, mesmo daqueles mais hostis e impenetráveis, um ponto acessível ao bem. Os tempos mudaram... Educar nunca foi fácil, e hoje o desafio parece ainda mais árduo. Os pais, os professores, os sacerdotes, as fma que fazem dos jovens a sua razão de ser, sabem bem disso. Fala-se de “emergência educativa”, confirmada também pelos insucessos dos educadores no esforço de formar pessoas sólidas capazes de colaborar com os outros e de dar um sentido à própria vida. Os jovens mudaram... Eles viajam com uma velocidade surpreendente, são filhos de uma geração sem pressa de crescer, sem um trabalho estável e perspectivas certas, sem uma intenção aproximada de família, sem as prerrogativas sociais próprias dos coetâneos do passado, sem espaços e papéis de relevo capazes de oferecer segurança e de fazer sentir a sua marca geracional. Os jovens criaram um ambiente próprio, um habitat virtual no qual se sentem donos, exigem linguagens novas, novos métodos de educação e de evangelização. Eles desejam ser autores e atores do seu espaço, da sua linguagem e dos seus conteúdos, inventam e recriam a própria pessoa e exigem liberdade de navegação e de diálogo. Os adultos mudaram? Onde estão os educadores? Como se colocam defronte a estes jovens? De que lado estão e que tipo de olhar têm?

Audácia salesiana ou medo dos jovens? É preciso ter coragem para se deixar interpelar pelos desafios da cultura de hoje e, sobretudo para encarar a geração jovem. São marcantes as críticas feitas aos jovens, objeto de estudos, de pesquisas e de sondagens. Frequentemente sublinham-se as diferenças e os educadores parecem declarar a própria inadequação e também o medo de enfrentar os jovens de hoje, de estar a par dos tempos. Sentem-se ingênuos e analfabetos. Jovens e adultos viajam sobre binários às vezes paralelos. Neste contexto ressoa atual a carta de 1884, na qual Dom Bosco relata ver poucos padres e clérigos espalhados entre os jovens, e ainda mais, poucos tomando parte nos seus divertimentos, e lembra o seu segredo: “quem sabe que é amado, ama; e quem é amado obtém tudo, especialmente dos jovens. Esta confiança coloca uma corrente elétrica entre os jovens e os superiores. Os corações se abrem, fazem conhecer as suas necessidades e revelam os seus defeitos. Este amor leva os superiores a suportarem as fadigas, as dificuldades, as ingratidões, os distúrbios, as faltas, as

negligências dos meninos. Jesus Cristo não quebrou o caniço rachado nem apagou a chama que fumegava”.

Da parte dos jovens É necessária, então, uma conversão pastoral. Onde os jovens estão ali devemos estar também nós: educando, anunciando, testemunhando. Fora dos novos espaços e linguagens de hoje não somos mais nem vistos, nem escutados, nem entendidos pelos jovens. Voltar aos jovens significa então “estar no pátio”, em atitude de escuta, de conhecimento e de compreensão para descobrir neles a presença de Deus e convidá-los a abrir-se ao seu mistério de amor. Escutar as perguntas dos jovens é fruto do nosso desejo de encarnar-nos na sua história onde a linguagem é diferente, onde a solidão e o vazio compõem o cenário de um território privado de adultos autênticos e de modelos a serem seguidos. À escuta segue o conhecimento autêntico. Conhecer o mundo dos jovens está se tornando para nós, educadores, o maior desafio e, exatamente por isso, o mais necessário e urgente. O conhecimento pressupõe uma atitude de humildade, de serviço e a capacidade de ser pacientes e compassivos. Acolhendo a sua história e compartilhando o peso das suas incertezas, ilusões e falhas, somente assim, como Cristo na estrada de Emaús, podemos oferecer-lhes um testemunho capaz de aquecer os corações, iniciar processos, entusiasmar os ânimos, tornando-os protagonistas da própria vida. Os jovens reivindicam a necessidade do sagrado, a urgência de serem educados ao transcendente. Nós, educadores e educadoras, devemos colher a partir de dentro de um coração consagrado a Deus o anseio do coração juvenil cuidando e despertando o sentido de Deus, que traz consigo o sentido da vida.

Uma comunidade que testemunha Dom Bosco e Madre Mazzarello nos ensinam que estamos entre os jovens hoje por meio do testemunho e da ação de uma comunidade educativa que vive o seu espírito, animada pela mesma paixão apostólica. A cada FMA, a cada educador, eles recomendam ir ao encontro dos jovens com alegria no seu cotidiano, empenhando-se em escutar seus apelos, conhecer o seu mundo, encorajá-los a um saudável protagonismo, despertar neles o senso de Deus e propor-lhes itinerários de santidade segundo a espiritualidade juvenil salesiana. Pedem que enfrentem com audácia os desafios juvenis e deem respostas corajosas à crise de educação atual, comprometendo-se num vasto movimento de forças em benefício da juventude. gimperatore@cgfma.org comunicazione@fmairo.net 19


UM OLHAR SOBRE O MUNDO

No mercado de Cotonou Anna Rita Cristaino

Para compreender o coração da Cidade de Cotonou, no Benin, basta ir ao mercado. É um cruzamento de vozes, rumores, gestos olhares. Uma confusão de cores, aromas, sabores. Aqui, como em muitas cidades africanas, o mercado é um lugar de encontro, onde se vende e se compra e também se tecerm relações. É feito de mercadorias, mas sobretudo de pessoas. Como na maior parte dos mercados, o de Dantokpà é um ambiente essencialmente feminino: são as mulheres que transportam os produtos, preparam as bancas, administram as negociações. O mercado é o ponto de contato entre a tradição e a modernidade. Podem-se encontrar mercadorias que provêm de todas as partes do mundo, mas acredita-se que foram os antepassados que indicaram o lugar onde surge o mercado: um lugar de paz onde é proibido entrar armado. Hoje, porém, também o mercado é palco de uma realidade dramática, o da exploração e do tráfico de menores. São 14 mil as crianças que trabalham no mercado de Dantokpà, como vendedores ambulantes ou, com mais frequência, transportando mercadorias ou ainda recolhendo o lixo.

A história de Ruphine Muitas crianças, precisamente no mercado, são vendidas como mão de obra doméstica. É o que nos diz Ruphine relatando a sua história: «Eu tinha 6 anos quando meu pai veio buscar-me na aldeia. Ali eu era muito feliz, cultivava os campos com minha avó. Nunca desejara viver na cidade, em Cotonou, gostava de ser camponesa e trabalhava no campo como outras jovens da aldeia. Mas, certo dia de manhã bem cedo, meu pai procurou minha avó e lhe disse que tinha vindo buscar sua filha para levá-la a Cotonou para ficar com a tia e assim poder estudar. Eu não tenho tias, tenho apenas tios. Disse-lhe que queria rever minha mãe antes de partir. Meu coração batia forte, tive o pressentimento de que não veria mais minha família. Meu pai me disse que eu não tinha mãe, e eu lhe respondi que me

lembrava dela quando me amamentava todas as manhãs». Realmente, esperando Ruphine na cidade estava uma mulher que apenas precisava de uma empregada doméstica.

«Assim que chegamos, fez-nos uma bela acolhida, porém, poucos minutos depois percebi que dava dinheiro ao meu pai. Ele me disse que ia sair para pagar algumas dívidas e que voltaria para me pegar. Dez minutos depois a mulher me disse para trocar de roupa e começar os trabalhos domésticos e eu repliquei: “Não vim para isso, vim para estudar”. E ela me respondeu que, com o dinheiro que dera ao meu pai, havia me comprado e que agora eu era a sua empregada doméstica e que iria fazer comigo tudo o que quisesse». Infelizmente Ruphine não é a única a viver este tipo de situação. Chamam-na Vidomegon, que na língua local quer dizer “menina junto de alguém”. Realmente, segundo uma prática tradicional muitas famílias escolhiam confiar os próprios filhos a um tutor para lhes garantir condições de vida melhor e acesso à instrução. Porém, a partir dos anos 80, com o progressivo empobrecimento das famílias, esta tradição perdeu sua essência de solidariedade e degenerou em tráfico de meninas, vendidas como força de trabalho, gratuita. As Filhas de Maria Auxiliadora presentes em Cotonou pensaram que a sua presença no mercado podia ser a chave para reiniciar um caminho oferecendo a estas meninas uma nova oportunidade. 20


Ir. Maria Antonietta Marchese relata: «Começamos em 2001, em um parque de estacionamento do mercado, por onde passam, durante o dia, muitíssimas meninas, vendedoras ambulantes. Construímos uma barraca onde está escrito “Vidomegon”. Por aqui as meninas passam, nós as convidamos a parar um momento, as escutamos e vemos qual é a sua situação. Às vezes ficam, descansam, há um grupo que frequenta o curso de alfabetização e à tarde, atividades várias: costura, higiene...». Ruphine relata o seu encontro com Ir. Maria Antonietta, fala do chocolate e dos vestidos que ganhou, mas diz também que foram jogados fora pela patroa, que a deixava com pouquíssimas roupas para se vestir. Aos poucos Ir. Maria Antonietta consegue fazer amizade com esta menina que lhe exprime o desejo de frequentar a escola. Oferecem-lhe a oportunidade de ficar no foyer, uma casa para meninas em que lhe foi dada a possibilidade de estudar. Mas a patroa se recusa a deixá-la sair. É feita uma verdadeira negociação. No final Ruphine se transfere.

A primeira etapa foi no Foyer Laura Vicuña. Nesta grande casa família que as Filhas de Maria Auxiliadora fundaram em Zogbo, um quarteirão de Cotonou, num vai e vem são hospedadas cerca de 400 meninas com idade entre 16 e 17 anos, subtraídas ao tráfico pela polícia dos menores, ou resgatadas no mercado pelas mesmas Irmãs ou pelos educadores que trabalham com elas.

Uma casa e uma família Para as meninas, a chegada à casa família é o marco de um novo percurso. Ali podem encontrar o calor humano que nunca tiveram. Após a primeira acolhida, na esperança de serem reinseridas nas famílias de origem podem permanecer no foyer de permanência e fazer cursos de alfabetização, ir para a escola, ou aprender uma profissão, de costureira ou cabeleireira, ou ainda participar das atividades de jardinagem, cozinha e da preparação do sabão, de modo a terem uma habilidade a mais quando retornarem às suas aldeias. As meninas mais motivadas participam do projeto do Foyer da Excelência, que tem o objetivo de acompanhá-las no

prosseguimento dos seus estudos. Entre elas está também Ruphine, que sonha tornar-se parteira. Outra menina, Elizabeth, também foi vendida como doméstica para diversas famílias e, conseguindo escapar, chegou ao Foyer. Depois da formação em corte e costura, trabalha numa oficina como profissional. «Hoje sou orgulhosa de mim mesma – diz Elizabeth, porque aprendi alguma coisa, posso trabalhar, e amo este trabalho». O projeto “Casa da Esperança” nasceu para dar uma ajuda contínua às meninas que se encontram em situações difíceis. Aqui as meninas que dormem sozinhas nas ruas, antes de tudo podem contar com um abrigo em condições higiênicas decentes onde se preparam para recomeçar o seu dia de trabalho no mercado. As que querem também podem participar das atividades de pastelaria, padaria e cosméticos. Para as mulheres adultas que trabalham no mercado foram ativados projetos de formação em direito dos menores: saúde, higiene, e um fundo de microcrédito graças ao qual podem mandar os filhos para a escola e subtraí-los à espiral do tráfico. Os mais pequeninos, em vez, passam o dia com os animadores das escolas maternas, montadas no mercado. O sonho e o empenho das fma vão nesta direção: restituir ao mercado o seu valor tradicional para que volte a ser um lugar de encontro e não de relações desiguais, de trabalho digno e não de exploração. Um ambiente que permita às meninas e às adolescentes crescerem e se tornarem mulheres plenamente conscientes do seu valor. No vídeo, Nunca mais Vidomegon, produzido e realizado pelas Missões Dom Bosco em colaboração com o Âmbito das Comunicações Sociais, além da história de Ruphine, são contadas outras histórias de outras meninas e adolescentes que, graças ao encontro com as fma, conseguiram terminar os estudos, aprender uma profissão e encontrar um trabalho. Em Cotonou, há dois monumentos importantes: a porta do não retorno que lembra os muitíssimos africanos deportados e vendidos como escravos, e a porta do retorno que simboliza de que modo a terra da África acolhe quem retorna e espera por aqueles que têm a esperança de poder um dia voltar para as próprias raízes. No vídeo é relatado o que representam hoje estes dois símbolos e como estes são importantes para lembrar a todos a brutalidade e o não sentido da escravidão.

arcristaino@cgfma.org

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dma comunicar:

informações, notícias e novidades do mundo da mídia

FAZ-SE PARA DIZER

Explorar Patrizia Bertagnini

Quando, no século XIX, a literatura do Ocidente imperialista desenvolveu a figura literária do explorador, dedicado à descoberta de novas terras e novas culturas, ninguém havia imaginado que, à distância de pouco mais de um século cada pessoa iria poder compartilhar com os protagonistas daquelas histórias o mesmo destino aventureiro, embora permanecendo solidamente ancorado na própria casa. À primeira vista parece que os habitantes do terceiro milênio conservaram a mesma fome de conhecimento, o mesmo impulso de não contentar-se com aquilo que são e que têm, a solícita propensão ao exótico e ao inédito, que moveram os seus antepassados. Se, porém, ousarmos vasculhar com o olhar em profundidade será muito fácil perceber quanta distância existe entre a exploração dos pioneiros e nós.

associa-se de modo imediato ao programa “explora recursos” que permite ter acesso a todos os dispositivos de um sistema; de outro lado ela é facilmente rastreável e pode ser reconduzida ao conceito de “motor de busca”, um sistema automático que recolhe e analisa dados fornecendo um índice dos conteúdos disponíveis.

Explorar x comunicar

Bastam estes simples relevos para captar como o mundo digital que veicula boa parte da nossa comunicação, altera na verdade o sentido originário da exploração reduzindo-a, no primeiro caso, a um simples exame criterioso do que já está na posse do usuário sem a possibilidade de que ele possa projetarse para além do próprio universo; e, no segundo caso, transformando-o em uma mera decodificação das respostas que alcançam o ‘investigador´ sem que este se preocupe em ir procurá-la.

Na cultura digital que conota o nosso mundo e que pretende tornar-nos mais curiosos, empreendedores e abertos ao conhecimento, a pesquisa fica sacrificada a duas lógicas que assumem o seu nome esvaziando-a de significado: de um lado a ideia de exploração

Aquilo que se esconde nos significados que subtendem estas lógicas, é exatamente o contrário da exploração que é, em vez, a capacidade projetual que orienta a curiosidade rumo a ambientes desconhecidos. 22


Exatamente no meio do caminho entre o árido debruçar-se sobre si e a exposição incondicional do que nos alcança de fora, coloca-se o significado autêntico da exploração, disposição para entrar em novas regiões transportando consigo a bagagem daquilo que se tornou. Nesta ótica adquire valor o que caracteriza o explorador como tal: cultivar um olhar atento, maravilhado e benévolo sobre a realidade que vai descobrindo – pessoas, situações, eventos que pedem para serem reconhecidos na sua tipicidade – e ancorar no essencial que caracteriza a sua original e irrenunciável experiência de vida.

“Vamos para qualquer outro lugar...” Não existe locução evangélica como esta que exprima com tanta eficácia a ideia de que um missionário, um homem que como o Mestre realiza a sua tarefa de anunciar a Palavra, é sempre, por natureza, um explorador; ir para qualquer outro lugar indica a necessidade urgente de colocar-se a caminho na direção de países ainda não alcançados pela

mensagem de Jesus, para povos e pessoas que ainda não encontraram Deus. A dimensão ‘exploradora’ da comunidade cristã é reclamada na Evangelii Gaudium, que indica em uma Igreja ‘em saída’ o ideal a ser encarnado: «fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repulsas e sem medo» (EG 23). É claro que para fazer isto ocorre aliviar a própria bagagem, ancorar naquilo que é essencial para conseguir a flexibilidade, o dinamismo e a capacidade de adaptação típicos de quem se move, respeitoso e atento, em terrenos não usuais: «Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que realmente chega a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio se concentra sobre o essencial, sobre aquilo que é mais belo, maior, mais atraente e ao mesmo tempo mais necessário» (EG 35). Explorar é então a resposta do cristão de hoje ao apelo do Papa: «Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo» (EG 49).

Cloud, a ilha que não existe nas nuvens da web... É o sonho de muitos: uma Rede completamente livre, não mais ancorada – para salvar os conteúdos mesmo pessoais – no computador (e nos dispositivos) que se utilizam. Por trás disso, informação acessível em qualquer lugar e de qualquer forma e troca sem fronteiras de dados (textos, vídeos, áudios) protegidos pela copyright. Já é uma realidade: plataformas como o Google Drive, Dropbox, OnLive, Kindle Fire,

Aruba Cloud, Bitcloud... permitem elaborar programas, arquivos, recuperar programas e dados por meio da web e uma simples internet browser (Mozilla Firefox, Chrome, Opera, Safari, Internet Explorer). Uma rede sem nós, sem censura e sem controles. Certo? Os trabalhos estão em andamento para garantir a segurança dos dados e dos conteúdos, salvaguardar a privacidade, contrastar o alastrarse da pedo-pornografia e a

prática do sexting... Um dado é certo: estamos apenas no início. Novos serviços online já estão no horizonte: Wetube para partilhar vídeos e áudios, como alternativa YouTube, Spotify, Sound-cloud e outros...para dar forma a uma Rede toda “tão grande quanto o mundo”, a ser explorada. suorpa@gmail.com

dma damihianimas REVISTA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA

ANO LXI ● MARÇO – ABRIL DE 2014

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MULHERES NO CONTEXTO

O rosto feminino da compaixão Debbie Ponsaran

Dorothy Day, fundadora do movimento Catholic Worker (Trabalhadores Católicos), jornalista e ativista liberal, nasceu em Nova York, em 8 de novembro de 1897 e morreu em 1980. Aos trinta anos foi batizada na Igreja católica. Dedicou toda a sua vida à causa da justiça social, em defesa dos pobres e dos sem teto. Amada por muitos, mas também uma pessoa incômoda. Em 8 de dezembro de 1932, festa da Imaculada, depois de haver participado de uma manifestação, entrou numa igreja e rezou assim diante da imagem de Nossa Senhora, «para que eu encontre o modo de usar os meus talentos em favor dos meus companheiros de trabalho e em favor dos pobres».

Uma política alternativa feminina A sociedade global hoje não é uma sociedade ‘compassiva’. Fala-se de sociedade global, e a descrevemos como tal, mas na realidade parece que existem dois mundos: um vergonhosamente rico e outro desesperadoramente pobre, e a distância entre estes dois mundos está aumentando. É claro que não se pode considerar compassiva uma sociedade onde aproximadamente a metade da população global – mais de 3 bilhões de pessoas – vivem com 2,50 dólares por dia. Não se pode, é claro, considerar compassiva uma sociedade quando diariamente 22.000 crianças morrem em consequência da pobreza. O mundo precisa de mais compaixão, assim acredita o Dalai Lama: «Deixemos que os valores femininos desabrochem em nossa sociedade a fim de que mudem a mentalidade das pessoas. O altruísmo das mulheres que buscam a harmonia com o próximo e consideram a felicidade dos outros como parte integrante da própria felicidade, é o caminho para a transformação pacífica da civilização humana». “Como Jesus que, ao sair do barco viu aquela grande multidão e sentiu compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mt 14,14) . A compaixão é ver com os olhos do coração. «A compaixão que Deus experimenta pela miséria humana é comparável à reação de uma mãe diante do sofrimento dos filhos – disse o Papa

Francisco – que não é apenas sentimento, antes, é uma força que dá vida, que ressuscita o homem”. A experiência da consciência feminina deve acolher tanto a vulnerabilidade quanto a capacidade de gerar. Trata-se de uma forma de energia mais gentil porque é compassiva, mas poderosa no seu modo de ser. A verdadeira feminilidade pode ser uma energia intensa e protetora. Confiando-se à intuição e à imaginação fará de tudo para fazer emergir a justiça a fim de que o verdadeiro amor vença. Como Diarmuid O´Murchu escreve em Consecrated Religious Life, «A questão em jogo não é a rebelião, mas a assertividade por uma questão de justiça... que, às vezes, evoca a justa ira. E este é um dos dons femininos do qual a nossa cultura tem urgente necessidade».

O comando feminino baseado na compaixão Dorothy dedicou grande parte de sua vida para estar com o povo. Fundou uma casa de hospitalidade para os pobres da Depressão, aqueles que estavam desempregados e haviam perdido as suas posses. Ela mesma vivera pobre entre os pobres, vestira-se com roupas recebidas de esmola e comera o que vinha à mesa. O movimento de Dorothy difundiu-se rapidamente: as casas do Catholic Worker, agora mais de duzentas espalhadas pelo mundo todo, oferecem alimento, roupas e amor a todos os últimos da terra. Dorothy foi uma mulher muito corajosa, uma pacifista ativa que dedicou toda a sua vida à não violência e à solidariedade com os deserdados. Lutou contra a guerra do Vietnam e conjugou o forte empenho político com as batalhas em defesa dos marginalizados. Ela, expressão do pacifismo católico americano, foi controlada durante toda a sua vida pelo FBI e foi muitas vezes presa. Dorothy tinha um grande interesse e uma forte capacidade de alcançar as pessoas e de se comunicar com elas também em nível pessoal, dizia que não existe apenas a hospitalidade da porta, mas também a hospitalidade do rosto e do coração e que «o verdadeiro amor é delicado e gentil, sensível 24


e compreensivo, cheio de beleza e de graça, de alegria indizível». Certo dia, um assistente social perguntou a Dorothy por quanto tempo os sem teto ficariam como seus hóspedes. «Nós os deixamos ficar aqui para sempre – respondeu Dorothy – eles vivem conosco, morrem conosco e lhes damos uma sepultura cristã. E vamos rezar por eles depois de sua morte. Desde o momento em que são acolhidos aqui, tornam-se membros da nossa família. Aliás, eles sempre foram membros da nossa família». A liderança que Dorothy nos deixou, tem um poder de transformação que está relacionado com a ética do cuidado, da compaixão e de permanecer profundamente ligados, escuta as vozes das pessoas que estão à margem ou nas periferias e lê nos olhos de quem está sem voz, sem esperança ou sem poder. Este estilo feminino requer que caminhemos ao lado das pessoas, que as acompanhemos, facilitando a mudança, não pelo controle, mas por amor.

lado dos últimos, por isso no ano 2000 João Paulo II concedeu-lhe o título de Serva de Deus, quando o arcebispo de Nova York abriu o seu processo de beatificação.

“Não me considerem santa, não quero ser arquivada assim facilmente” «Não me considerem santa...»: com estas palavras Dorothy Day liquidava quem dela falava de modo muito hagiográfico. Sem dúvida ela é um modelo de santidade que não evitou falar de Deus e da sua vontade e que viveu ao

Ao feminismo revolucionário ela acrescentou um feminismo cristão. Dorothy Day fez para a igreja de sua época aquilo que outros grandes fizeram em outras épocas: chamou a Igreja à fidelidade de suas raízes (Romano Guardini).

debbieponsaran@cgfma.org

VÍDEO

VOU À ESCOLA de Pascal Pisson – França - 2013

Mariolina Parentaler

Realizado em parceria com a UNESCO e AIDE ET ACTION, este filme celebrou o seu sucesso completo em toda parte, a partir da projeção como filme de encerramento do 66º Festival de Locarno (2013). São dois elementos que iluminam e caracterizam o fascínio de ‘Vou à escola’ do diretor francês Pascal Pisson: de um lado a relação entre documentário e ficção que fundamenta a sua encenação, e de outro lado o seu assunto: o direito à instrução que os quatro

jovens protagonistas do filme perseguem com muita determinação. Quatro destinos que se entrelaçam, quatro histórias cheias de esperança, compartilhadas com uma confiança inabalável no futuro e com uma contagiante alegria de viver. Há os pequenos quenianos Jackson e Salomé que caminham todas as manhãs por 2 horas, na savana, atentos aos perigosíssimos elefantes. Zahira e outras duas meninas de onze anos, toda segunda-feira andam 3 horas por entre as rochas do

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Atlântico marroquino. Carlito, em vez, o mais ‘afortunado’ do grupo, leva a irmãzinha Micaela para a escola, a cavalo, percorrendo 25 km nos planaltos da Patagônia. Enquanto o pobre Samuel, que teve paralisia infantil, chega à escola no golfo de Bengala, em sua velha cadeira de rodas empurrada pelos irmãozinhos. Um inesquecível e tocante documentário-ficção que se torna lição de vida.

Arriscar a própria vida para aprender Quem fala é o mesmo Pisson na entrevista publicada pela Escola Agis. A ideia de ‘Vou à escola’, diz, nasce de um encontro extraordinário que me tocou profundamente. Eu estava no norte do Quênia próximo ao lago Magadi, em busca de um lugar para um filme sobre a natureza. Percebi, ao longe, algumas formas estranhas. Era impossível saber se eram zebras ou qualquer outra espécie de seres. Caminhavam diretamente em nossa direção e quando se aproximaram descobri que eram três jovens guerreiros Masai. Conheço bem a tribo dos Masai e, imediatamente, observei as estranhas pastas que levavam aos ombros. Explicaram-me que eram suas bolsas com material escolar, que haviam deixado suas casas antes da aurora e que faziam uma caminhada de duas horas para chegarem à escola que fica atrás da colina, para além do lago. O mais jovem mostrou-me com orgulho sua lousinha e uma caneta. Até aquele dia eu desconhecia os esforços que essas crianças fazem para terem acesso ao conhecimento. Aqueles jovens Masai haviam renunciado à carreira de guerreiros para frequentarem a escola. O encontro me comoveu profundamente. Foi assim que decidi fazer um filme sobre eles. Sobre quem arrisca a própria vida para aprender. Percebi que eles, não apenas fazem o sacrifício de enfrentar grandes distâncias para frequentarem a escola, mas são muito conscientes da própria situação e do fato de que a escola tem um papel fundamental em vista do futuro.

Por meio do apoio da UNESCO e do AIDE ET ACTION, uma organização internacional que trabalha em prol da instrução, fomos informados sobre alunos que enfrentam as viagens mais difíceis para alcançarem a escola e selecionamos cerca de 60 histórias provenientes de todo o mundo. Escolher não foi fácil. Queríamos evitar o efeito ‘catálogo’: cada história devia ter o seu significado no interior do relato da história em geral. Não só: os protagonistas dos 4 episódios narrados não podiam ser senão (como são) “eles próprios”, no papel de si mesmos. Estes jovens não são atores e gostaria que continuassem a viver a sua vida. Era importante que permanecessem eles mesmos não obstante a nossa presença. Assim escolhi viver um pouco com eles. Fiz também a viagem para a escola com cada um diversas vezes, para compreender realmente como era, o que acontecia durante o caminho e... «capturei as suas vidas». As crianças nunca haviam visto uma máquina fotográfica ou uma equipe de filmagem. A única coisa que pedi foi que não olhassem para a câmera. Quis que se comportassem com naturalidade e me posicionava na estrada para filmálos, um pouco por dia. Deram-me aquilo que queriam, segundo o relacionamento que havia nascido e vivido com eles. O filme apoia-se nisso, no seu carisma e na sua vontade de comunicar. O efeito? Um cinema que convence e pode realmente comover. São decididamente eles, os pequenos protagonistas que aumentam o poder e a força da narrativa. Eles que ocasionalmente sabem atravessar a tela com um sorriso ou um olhar que nenhum diretor saberia «recriar» e que presenteiam o espectador com a emoção e a verdade de um mundo pelo qual vale a pena lutar. Trata-se de uma realidade que perdemos de vista, mas que nos é lembrada com garbo e com muitas emoções, graças aos intensos e insistentes rostos daquelas crianças que não têm nenhuma intenção de deixar que o destino determine as suas vidas, aparentemente já escritas. m.perentaler@fmaitalia.it

PARA PENSAR A IDEIA DO FILME Documentar um belo exemplo – para nós, filhos do bemestar (que falsificam a assinatura dos pais no caderno das justificações): “a dura realidade cotidiana de 4 crianças que não renunciam a aprender” Para muitos pequeninos do nosso mundo ocidental, o acesso à instrução é uma norma e ir para a escola um passeio, frequentemente ainda mais agradável de automóvel ou de ônibus, confortáveis e climatizados. Mas não é assim para todos. Alguns devem lutar pelo conhecimento, conscientes de que estudar e aprender são as únicas armas para aguardarem um futuro melhor. Eis porque a crítica cinematográfica dá a sua sentença: «Nós precisávamos deste filme. Um documentário obrigatório para as mães que carregam no Suv seus filhos viciados, para acompanhá-los até dentro da sala de aula». Faz-nos descobrir que Jackson vive em uma pequena cabana de palha em solo nu, com outras 6 pessoas, mas

com a clara consciência de que a escola é a sua única possibilidade de conquistar uma vida melhor. Zahira, que mora num vilarejo nas montanhas do Atlântico, mas quer se tornar policial e convencer os pais, que retêm seus filhos em casa, a mandá-los para a escola. Enfim, Samuel na cadeira de rodas, e os seus dois irmãos que o acompanham. A solidariedade deles é um hino à vida que irrompe na tela. O SONHO DO FILME Colocar todas as pessoas diante das próprias responsabilidades, da necessidade ‘moral’ de não frustrar as expectativas de tantas crianças no mundo. Não é possível frustrar as Crianças que serão o nosso amanhã. O que toca no documentário não é apenas o fato de que estas crianças arriscam cotidianamente a vida para poderem usufruir de um de seus direitos, mas também o fato de serem extremamente conscientes de como a escola tem

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um papel fundamental no seu futuro. Querem se tornar médicos e pilotos, querem fazer alguma coisa não só para a família, mas para o país em que vivem, e lutam com unhas e dentes para alcançarem o seu objetivo. Um espetáculo de Dario Fo, de 1969, intitulava-se: “O operário conhece 300 palavras, o patrão 1000: por isso ele é o patrão”. Os protagonistas deste filme sabem quase instintivamente que o seu bem-estar, aliás, a sua sobrevivência, dependerá do conhecimento e da instrução escolar. Têm uma determinação justa ditada por uma pobreza que poderíamos

definir também com o termo de miséria, na qual, contudo, eles não têm intenção de permanecer e/ou resignar-se passivamente. Em síntese, o especialista Pisson elabora no docu-filme uma inesquecível «viagem de iniciação que mudará suas vidas para sempre», mas poderia/quereria melhorar também as nossas vidas.

O LIVRO

O silêncio da Palavra Damiano Modena

É notório que, tornando-se arcebispo emérito de Milão, o card. Carlo Maria Martini decide transcorrer o resto de seus dias naquela cidade que, para ele, é a pátria do coração para sempre: Jerusalém. Dom Damiano Modena, o autor destas memórias, era jovem sacerdote quando sentiu dirigida a si a perturbadora pergunta: «Você se sente de me acompanhar até a morte?». Outras vezes havia ficado em Jerusalém, onde o cardeal já havia tido os sintomas da doença que o levaria ao fim. Na Páscoa de 2008, depois de uma repentina insuficiência cardíaca, o Padre (não eminência, assim desejará ser sempre chamado), deixa-se persuadir a voltar para a Itália a fim de receber tratamento adequado de saúde. Dom Damiano acompanhou-o até Gallarate, ao Aloisianum, a casa para onde se retiram os jesuítas idosos ou enfermos e, convidado por ele depois de uma temporária retomada, acompanha-o a um breve período de férias em Val Formazza. Certa tarde ele lhe faz a inesperada pergunta. A resposta é pronta e incondicional: «Se você julgar que posso ser a pessoa adequada, sim, Padre, até mais que isso». O difícil acompanhamento durará três anos. A todos aqueles que o agradecerão pela assistência inteligente e amável prestada ao card. Martini até a morte, Dom Damiano dirá simplesmente: «Não fiz nada mais do que um filho faria com seu próprio pai».

O cardeal dizia que havia sentido os primeiros sintomas do mal de Parkinson quando, deixada a pastoral, após longa disputa com a mão direita, esta, em vez de repousar, balançava... Pouco a pouco a doença torna-se uma companhia sempre mais exigente e implacável. Precisa aprender a conviver “com a amiga” e ao mesmo tempo lutar contra ela. Até um total despojamento: até a impossibilidade de mover-se, de caminhar, até o enfraquecimento da vista (adeus às amadas leituras!), ao embotar-se do paladar (“parece-me mastigar plástico”) e, sobretudo, (a mais angustiante das provações) a perda da palavra. A luta contra a inexorável afasia (perturbação da linguagem) será feroz: quantos exercícios, quantas sessões de terapia da fala! A voz se tornará primeiro um sussurro quase imperceptível (Dom Damiano deverá aprender aquilo que as mães sabem por instinto, conseguindo compreender o mínimo balbucio do seu bebê) e deverá traduzir aos inevitáveis visitadores as últimas e preciosas palavras do card. Carlo Maria Martini. Ele não rejeita ninguém, nunca poderá renunciar à comunicação com os outros. Sente-se ainda responsável, devedor a qualquer um que o procurar para ter uma palavra de conforto, uma iluminação, um

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incentivo. Escuta, observa, sabe intuir num rosto um sofrimento secreto, um apelo não expresso. E basta uma palavra sua para pacificar e animar. Concede hora marcada a quem o pede. Antes, porém, aos que sofrem, não importa que estejam vestidos de púrpura ou apenas com vestes decentes. Jamais se percebe uma atitude de superioridade no seu modo de acolher. Quem o encontra não percebe que tem diante de si um homem que sabe doze línguas, que perdeu a conta das lauree honoris causa recebidas ou rejeitadas: sabe escutar sem interromper e, se interrompido, cala-se prontamente, cedendo logo o espaço ao interlocutor. Entristece-se pelo fato de ser atribuído a si, em vez de a uma causa real, certas jornadas negras... Para um homem habituado a uma rigorosa disciplina interior e ao mais delicado pudor, cada momento de angústia é percebido como um fracasso. Além disso, é habitualmente sereno e pronto às brincadeiras. Sente-se feliz por ficar dois ou três dias nas montanhas. Partem com uma bagagem incrível (transportar uma mala não é empresa fácil) e ele brinca com isso: «A família Brarnbilla vai para as férias!». A doença provoca frequentes quedas. Quando lhe perguntam o que sente ao perceber que está para cair, ele responde sorrindo «Fico curioso para saber como vai terminar!». Quando não consegue mais fazer-se ouvir usando a voz, bate na borda do leito, mas ninguém escuta. Então canta um estribilho: «Dom Damiano, Dom Damiano, por favor, me dê uma mão!». Eis-me, Padre, o que houve?». «Nada, responde alegremente, não me ouviu então inventei esta canção!».

Para ajudá-lo a esperar a aurora nas noites intermináveis, puseram um ipod em posição de reprodução causal, com um leve e relaxante fundo musical: os salmos, o rosário, a imitação de Cristo e Mozart, a pura alegria da música. Cada fim de julho, oito dias antes da festa de S. Inácio, faz os seus exercícios espirituais. Duas vezes por dia pede a leitura de alguma página cuidadosamente escolhida e, em seguida, silêncio absoluto. Anualmente, o fruto é sempre o mesmo: «Assumo o empenho de fazer adoração diariamente». Sabe que a promessa, sempre a mesma, feita em tempos diferentes, torna novo cada momento vivido. A Eucaristia é o coração do dia. Poucas palavras, as suas, ditas com dificuldade: «O Senhor esteja convosco...». Todo o resto é deixado a outros. Ele está no altar como um diligente clerigozinho. Os lábios apenas se movem no momento da consagração. Certa vez, na pequena capela do segundo andar que está lotada e onde se percebem algumas barbas não cuidadas, naquele silêncio intenso explode uma oração: «Não são as ideias, não são as mãos, não é a pistola, fui eu que atirei. Peço perdão». O Padre fica comovido e diz quase num suspiro: «...Esta é uma belíssima noite para mim». O dia 31 de agosto é uma sexta-feira. As terapias não são mais necessárias. Já se espera pelo momento supremo Todos se reúnem em torno do seu leito. Seguram-lhe a mão, para acompanhá-lo, para que não se sinta só. Parece que do topo de um pico o moribundo esteja abraçando como num belo panorama todo o seu passado. São 15h43. O apóstolo, o enamorado da Palavra entra na alegria do seu Senhor.

MÚSICA E TEATRO

A música é social Mariano Diotto

Desde o início do século XX e da primeira comercialização do famoso disco fonográfico com 78 rotações, para depois passar ao disco em vinil, nos anos cinquenta do século passado, para chegar ao início dos anos Oitenta com a emissão no mercado do

disco compacto, a música devia ser comprada numa loja. Ali encontravas o “teu especialista em música” que te permitia escutar os discos em primeira mão, que te aconselhava sobre novas saídas e que sabia sempre 28


interromper e propor-te a música que satisfazia os teus gostos. Com a digitalização da música tudo isso está desaparecendo porque também a música se tornou social.

A música digital O ano de 2003 foi o ano da reviravolta porque a empresa Apple colocou no mercado uma plataforma chamada i Tunes que permitia a qualquer pessoa no mundo adquirir música sem um suporte físico, mas só com um arquivo de áudio que pode ser reproduzido no seu computador e em novos dispositivos chamados genericamente mp3. A passagem da música tradicional à digital foi velocíssima. Realmente, em 2008 a FIMI (Federação Industrial Música Italiana), que representa a maioria dos produtores e distribuidores no campo musical e discográfico, declarou: «De 45 rotações em vinil passou-se ao CD simples e agora ao suporte “líquido”; é o sinal de uma era que se movimenta em direção ao digital». Isto permitiu, sobretudo aos jovens, uma mudança nos hábitos de adquirir e usar a música.

A música nas redes sociais Como para outras realidades ligadas aos jovens, as redes sociais começaram a apresentar e a introduzir novas modalidades de conhecimento e de uso da música. Em 2003 nasce o Myspace, um espaço na internet onde os cantores, famosos ou não, podiam publicar e difundir a própria música: nasce assim o primeiro musical social. Muitos cantores, agora famosos, começaram publicando ali os seus trabalhos, sendo depois descobertos pelas gravadoras e ficando famosos: Adele, Arctic Monkeys, Lily Allen, Mika. O advento do Facebook cancelou esta plataforma e foi possível porque contemporaneamente nascia, em 2006, outra plataforma web de compartilhamento de música e de vídeo: o Youtube. Hoje, portanto, os jovens não têm mais necessidade de uma pessoa física, o negociante de discos de um tempo, que os aconselhe sobre a nova música em circulação e sobre as novas saídas. A rede se tornou o conselheiro. Basta navegar por poucos segundos para ver como os quadros de mensagens das redes sociais dos jovens (mas também dos adultos) são cheios de música. São postados arquivos de música de vídeo ou áudio que agradam e que transmitem emoções, de música que não se suporta, de música que se usam apenas em certas situações. Em suma, a música tornou-se uma expressão social das emoções e dos

estados de ânimo: tornou-se um novo narrador da vida das pessoas. Ela sempre o foi, mas agora tudo é comunicado também a todo o mundo. Este aspecto social tende, porém, a padronizar os gostos porquanto é óbvio que um cantor famoso postado por muitas pessoas, querendo ou não, será ouvido por muitos. A música de nicho, então, torna-se ainda mais de nicho porque as pequenas gravadoras e os cantores não têm muito dinheiro ou o suficiente para a propaganda de uma canção ou de um cantor ao ponto de competir com o Mayor da música.

Um serviço musical Uma solução poderia ser o nascimento de outra rede social, toda musical, chamada: Sportify. Nasce em 2008, mas em 2010 já tem cerca de 15 milhões de usuários conectados. Sportify é um serviço musical que oferece streaming on demand (escuta via web sob pedido) de trechos selecionados pelas grandes gravadoras (EMI, Sony, Warner Music Group e Universal), mas também com rótulos independentes. Quem se inscreve pode escutar a pagamento (e grátis em um período de prova) a música no próprio computador ou também em dispositivos móveis, tais como os smartphones, por meio de uma aplicação específica. A utilização destas novas plataformas mudou sensivelmente o usufruto da música também porque, se de uma parte dão a possibilidade de encontrar qualquer tipo de música em todo o mundo e, portanto ampliam as escolhas possíveis, de outra parte o excesso de escolhas comporta uma não relevância destas possibilidades. Se eu tenho muita música entre as quais escolher, por simplicidade, escolherei aquela que a maioria das pessoas escuta. Isso foi determinante para que, por exemplo, a canção de Miley Cyrus, Wrecking Ball em apenas 4 meses fosse vista e ouvida no Youtube 520 milhões de vezes. Será porque a canção é esplêndida e passará para a história? Muito provavelmente não, mas porque tem um vídeo que já suscitou muitas polêmicas e que continua a ser compartilhado nos quadros de mensagens das redes sociais Deste modo também os piores produtores conseguem visibilidade e se tornam famosos. Seguramente um retorno ao conselho face a face poderia tornar as escolhas musicais dos jovens mais originais e menos sociais.

m.diotto@iusve.it

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CAMILLA

Pães cotidianos

Caras amigas, não existe mais religião e eu descobri isso nos exercícios espirituais! Fiquem tranquilas, não vou repetir por inteiro a meditação sobre o Pai Nosso, que me tocou muito, mas quero apenas comunicar-lhes as reflexões que suscitou em mim. Diariamente pedimos a Deus o dom do pão cotidiano e Ele, na sua imensa bondade, nos ouve generosamente. E ainda – ao menos em minha casa – olhando tudo o que chega à mesa... muito mais do que o pão cotidiano! Pão, é claro, e depois macarrão, arroz, peixe, carne, legumes, queijo, verdura, fruta... e assim por diante! Já se passaram os tempos em que havia polenta no café da manhã, no almoço e no jantar. O que você quer, os tempos mudaram e nós evoluímos com eles; além disso, com todo trabalho que temos é necessário dispor da adequada ingestão calórica para desenvolver bem as nossas atividades! Sendo assim, como cada uma tem as suas necessidades pessoais, o nosso pão não é igual para todas! E então... pão macio e pão torrado, pão integral e pão de arroz, pão ázimo e com cereais, pão de batata e pão de forma, biscoitos de vários tipos. Você acha que eu estou exagerando? Porém... eu penso que do mesmo modo podemos elencar a carne, o peixe, os legumes, o queijo, as verduras ou a fruta e perceber que em nossas mesas o pão cotidiano não existe mais, foi

substituído por dezenas e dezenas de PÃES COTIDIANOS que satisfazem as nossas necessidades. Carne vermelha ou carne branca? queijos envelhecidos ou queijos frescos? verduras com folhas largas ou estreitas e coloridas? Temos mil motivos para escolher, mil direitos de pedir, mil justificações para exigir... Comecei a pensar, depois daquela bela meditação do pregador, que talvez tenhamos exagerado um pouco e ampliado as nossas necessidades, confundindo-as com os simples desejos; talvez nem sempre haja necessidade de certo tipo de pão, de peixe, ou de fruta... talvez, reduzir ao mínimo as nossas reivindicações ajudenos a nos sentir mais solidários com tantos pobres, com tantas famílias que são incapazes de chegar ao fim do mês... Então, disse a mim mesma: Camilla, é tempo de mudar decididamente o seu estilo de vida!!! Realmente, como gostei dos exercícios espirituais! O local era muito acolhedor... pena que não houve um dia – digo, ao menos um sobre sete! – em que tenhamos colocado o iogurte no café da manhã! Não existe mais religião! Palavras de C.

dma damihianimas REVISTA DAS FILHAS DE MARIA AUXILIADORA

ANO LXI ● MARÇO – ABRIL DE 2014

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No próximo número DOSSIÊ: Palavras e gestos: reciprocidade e partilha misericórdia CULTURA ECOLÓGICA: Interdependência e reciprocidade FIO DE ARIADNE:

Corresponsabilidade

EJS-CULTURAS:

Para ser testemunhas do Deus da vida

PASTORALMENTE:

Jovens fé e Igreja

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O SENHOR É O MEU PASTOR, NÃO ME FALTA COISA ALGUMA. SALMO 23

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