(in)transiçþes
entre fixos e fluxos sobre a marginal botafogo
matheus amorim gomes
(in)transições entre fixos e fluxos sobre a marginal botafogo
matheus amorim gomes orientação: maíra teixeira (fernando melo)
trabalho de graduação final 1 apresentado no curso de arquitetura e urbanismo da universidade estadual de goiás, sob a orientação da professora maíra teixeira (fernando melo).
anápolis 2017
Aproveitar o tempo! Ah, deixem-me não aproveitar nada! Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser! Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa, a poeira de uma estrada involuntária e sozinha, o vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras, o pião do garoto, que vai a parar, e oscila, no mesmo movimento que o da terra e extremece, no mesmo movimento que o da alma, e cai, como caem os deuses, no chão do Destino. Alvaro de Campos, 1928
3 1
INTRODUÇãO, 8
2
A MEDIDA DO TEMPO, 10
GOIÂNIA A CIDADE DO TEMPO AUSENTE, 20
sumário 5 4
ÀS MARGENS DA MARGINAL, 26
POR UMA NOVA TEMPORALIDADE URBANA, 44
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 62
NTRO dução - e se não for possível? perguntou - e se não for impossível - e se não for? quem vai para onde vai e se não for possível possível passível de possíveis possibilidades irreais, inviáveis improváveis desestimuláveis - isso só é possível em sonho (e por ser sonho deixa de ser real?) se não for impossível é melhor nem sonhar e se?
Matheus Amorim, 2017
As experiências pessoais, a qual adquiri no percurso de graduação em arquitetura e urbanismo, foram o carro chefe para a realização desse trabalho que se inicia agora. No estudo, enxergo a arquitetura como uma área que além do conhecimento técnico, ancora-se essencialmente em uma sensibilidade poética e artística a respeito da mais complexa criação humana: as cidades, Algumas indagações, no entanto, foram cultivadas a medida em que meu conhecimento se expandia e vivenciava a cidade com outros olhares - não mais somente como o de um “ser-humano” mas sim como o de um “ser-urbano”. Essas inquietações se transformaram em questionamentos, a partir dos quais a proposta deste trabalho foi estruturada. A primeira delas se dá a respeito do tempo. O tempo como ser físico, palpável e principalmente dilatável. O tempo como aspecto primordial para se entender a dinâmica social e de sua consequente transformação. O tempo e a sua materialização, tendo como partida a gênese da chamada “cidade moderna” e preconização dos fluxos e da velocidade. Um paradoxo onde, justamente, a “perda” de tempo se torna um entrave para o progresso e o espaço urbano um empecilho para o deslocamento do “homem-máquina”. Com isso, trago essa discussão para a cidade em análise: Goiânia, lugar responsável por amoldar grande parte da minha experiência pessoal. A questão central insere-se de como o tempo nela é representado, seja através de símbolos ou de omissões, contando sua história tendo como enfoque o planejamento urbano e como este se perdeu com o decorrer dos anos. Dentro da cidade, escolho uma área como justificativa para testemunhar essas diferentes percepções temporais, no caso a marginal botafogo, a qual se configura como uma barreira física de transposição entre suas bordas, além de ser vivenciada e assimilada de diferentes maneiras para quem a percorre a pé ou de carro. Para o seu estudo, considero importante duas formas de análise, a primeira baseada em fatos históricos e da visão parcial de “cima” dela, ou seja, a visão de quem não mora no lugar e a segunda através do olhar mais próximo dos moradores buscando uma escala mais íntima das suas atividades diárias. Por fim, busco encontrar proposições, experimentações e investigações que se convertam em intervenções para o local, transpondo as demandas e inquietações existentes em possibilidades passiveis de interpretações e ressignificados, sempre me perguntando: seria possível a criação de novas temporalidades?
9 [1] Foto: Alexei Bednij
INTRO
A MEDIDA DO TEMPO
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 11 a medida do tempo
Nasço amanhã Ando onde há espaço: — Meu tempo é quando. vinicius de morais, 1954 O DEVIR DA MODERNIDADE
O tempo nada mais é do que um símbolo. Para Elias (1998), é a representação da síntese apreendida por um grupo social resultado de um longo processo de aprendizado construído a partir de gerações anteriores. As primeiras representações a respeito do tempo se davam com a observação de elementos celestes como o movimento do sol, da lua e das estrelas, além de eventos naturais que se repetiam constantemente como a passagem das estações do ano. Através dessas observações, o surgimento de importantes atividades humanas, como a agricultura, foi preponderante para o assentamento e sobrevivência da espécie primitiva, ou seja, era preciso saber qual o momento certo para se realizar tais atividades. Afim de preservar tal assimilação, foram criados vários artifícios para a sua medida e dosagem. Quanto mais os humanos foram ganhando extensão e autonomia em favor da urbanização, comercialização e mecanização, mais ele se tornou dependente de uma medida para o tempo. A noção de tempo, intrinsicamente, se refere ao devir, conceito relacionado à mudança das coisas e sua permanente transformação. Para o filósofo Heráclito (535 a. C.) tudo flui e nada permanece fixo. A inconstância das coisas é a causa da sua permanência. Se tudo fosse imóvel, não teríamos tempo. Mas se o tempo não é algo acessível à percepção sensível, como é possível medi-lo?
12 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO a medida do tempo
Para se medir o tempo é preciso algo em movimento; algo em duração contínua e periódica também passível de analogia. Os gregos utilizavam a ampulheta como forma de comparar o deslizamento da areia no interior do vidro afim de determinar as durações temporais que precisassem obter. A importância do fluxo aqui se evidência na percepção do movimento como objeto de comparação. Ao longo da história estabeleceu-se essa dialética entre os fixos e os fluxos. “Como pares de uma oposição dialética, os fluxos pressupõem a existência dos fixos e vice-versa. Eles se implicam e se explicam mutualmente” (DUARTE, p. 30, 2006). Mas assim como o espaço, poderia o tempo apresentar características semelhantes tais como compressão e dilatação? A possibilidade de intercambio espaço-temporal foi bastante utilizada pelo gênero de ficção científica como na obra de Stanley Kubrick, 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), onde o personagem é capaz de viajar pelo espaço-tempo, encontrando-se em outras realidades. Os postulados de Albert Einstein, em 1905, através da sua da teoria da relatividade, foram imprescindíveis para se constatar que o tempo também pode passar mais rápido ou devagar dependendo do seu sistema de referência. Corpos que viajam em diferentes velocidades possuem temporalidades diferentes (nós, aqui na terra nos movimentamos mais rápidos de quem se movimento no espaço, por exemplo). Contemporaneamente, os relógios e calendários são as medidas artificiais mais comumente usadas para se medir o tempo. Mas, por que o aprisionar entre ponteiros de uma sequência numérica é mais impor-
tante do que a apreensão das folhas que secam e caem no transcurso das estações? Por que a marcação de datas festivas torna o tempo mais visível do que o nosso próprio rosto em transformação no espelho? A mudança na percepção temporal foi a diferença mais marcante enfrentada pelo surgimento da modernidade. A medição imprecisa que antes era ligada a fenômenos naturais e religiosos, agora passa cada vez mais a ser calculada com exatidão matemática. O homem moderno que emerge com a revolução das ciências e que se aprisiona ao modo de vida da era industrial, é o homem que não pode “perder” tempo. Afastada do mundo religioso e erigindo-se a beira das fábricas, surge a chamada cidade moderna, onde a arquitetura do passado cede lugar aos contornos no mundo da produção e do trabalho. Menezes (2008) explica que o ritmo urbano mudou para acompanhar não mais o badalar dos sinos em mosteiros, mas o tic-tac mecânico do relógio: O século XIX, de Charles Baudelaire, foi, talvez, o período da história em que o homem mais tenha sido desnudado, em que as crenças e as tradições deste mesmo homem tenham sido quebradas para ceder espaço a um novo tipo de vida que se organizava: a sociedade capitalista. (MENEZES, 2008, p. 113)
Deslocando-se pela cidade o homem agora vivencia a transição entre as diferentes escalas temporais e espaciais. A acentuação do movimento de pessoas, coisas e ideias transformou os modos de vida afetando a maneira de se compreender o tempo e o espaço. E nessa mudança, a principal alteração observada foram a estrutura e o consequente uso das ruas.
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 13 a medida do tempo
[2]: Cena do Filme 2001: Uma Odisséia no Espaço de Stanley Kubric (1968) onde o personagem atravessa um buraco de minhoca, local de convergência entre o espaço-tempo Fonte: http://www.denofgeek.com
14 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO a medida do tempo
AS RUAS E O FLANÊUR
No estudo morfológico feito em diferentes contextos (LAMAS, 1993), as ruas se mostraram como um dos elementos principais para a caracterização de uma cidade. Espaço de deslocamento, mas também, lugar de trocas e de convivência. É por meio da rua que se dá a continuidade do tecido urbano, agregando os edifícios que as delimitam e as conformam. Para Duarte (2006), a fachada principal de toda edificação, por mais isolada que seja, já postula a existência virtual de uma rua que lhe dá acesso: “as edificações participam da constituição das ruas que, por sua vez, são partes constitutivas das edificações” (2006, p. 54). Desde as primeiras civilizações, a morfologia da malha urbana sempre levou em consideração a relação entre o “dentro” e o “fora”; entre o “fixo” e o “fluxo”. Com isso, a cidade tradicional se estabeleceu através do agenciamento entre ruas, lotes e quadras onde a escala humana era a medida de referência para a medição. No entanto, com o advento da modernidade, impulsionada pela industrialização do século XIX, o rápido crescimento e expansão das cidades ocasionou na racio-
nalização da produção e numa nova lógica baseada na técnica e na ciência. As novas exigências da vida moderna culminaram, obviamente, na necessidade de reformulações urbanas (DUARTE, 2006). As transformações realizadas em Londres, Paris e Barcelona, por exemplo, evidenciam o consenso da época em afirmar a morte da cidade tradicional em prol de uma nova imagem de cidade hierarquizada através de grandes avenidas e bulevares. Ao construir-se sobre si mesma, a cidade moderna deforma a cidade pré-existente, em nome da higiene, do trânsito e de um novo padrão estético. No momento em que as “ruas” tornam-se “vias de circulação”, o homem que as habitava agora passa, meramente, a se movimentar e transitar. O flâneur, interpretado por Walter Benjamin segundo a poesia de Charles Baudelaire, é novo homem que, ao caminhar pelas ruas, vaga por entre por entre a história e os edifícios. O novo homem que “flana” é o homem que assiste essa transmutação e inaugura a modernidade.
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 15 a medida do tempo
[3] Na imagem acima, a rua no contexto urbano de Londres século XIX. Local: Trinity Almshouses, Mile End Rd, Londres. Fonte: http://spitalfieldslife.com
16 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO a medida do tempo
[4]Paulo Gavarni, Le Flâneur, 1842
Walter Benjamin evidencia a importância da rua, do preambular e admirar a paisagem urbana como extensão da vida privada:
[5] O centro da Radieuse City de Le Corbusier, 1925. Super avenidas, mega estruturas e finos pontinhos de seres humanos quase imperceptíveis. Fonte: Archdaily.com
“As ruas são morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente inquieto, eternamente agitado, que, entre os muros dos prédios, vive, experimenta, reconhece e inventa tanto quanto os indivíduos ao abrigo de suas quatro paredes” (1989, p. 194).
[6]: A “Walking City” (1964) se locomovendo através de suas imensas pernas tubulares mostrando uma imagem futurista do que seria Manhattan. Fonte: archkiosk.wordpress.com
Durante o século XVIII, galerias, cafés e cafeterias eram verdadeiros centros de encontro de lazer da classe intelectual burguesa, tornando a cidade um local efervescente de encontros e intercâmbios . Entretanto, o processo de aburguesamento é algo que provoca mudanças significativas na esfera pública das cidades europeias. O burguês, agora iminente a qualquer desestabilização social, precisa fortalecer a sua autoridade através do controle da ordem pública e também, por decorrente, do seu espaço. A rua, aos poucos, deixa de ser o local de encontro e torna-se somente o ambiente de passagem entre a moradia e o trabalho. Para Beteson (apud MARCHETTI, 2007, p. 21) “a Revolução Industrial impediu o homem de perceber que a criatura que ganha do meio ambiente na verdade está destruindo a si mesma”. E para firmar tal individualização da sociedade em concordância com a aceleração de fluxos, uma nova invenção se tornou por excelência a representação e materialização desse pensamento: o motor a explosão em veículos motorizados - o carro.
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 17 a medida do tempo
O CORRÊUR
O automóvel constituiu-se como personificação da liberdade e da circulação. Livre e com uma infraestrutura capaz de fazer circular para qualquer lugar, a máquina se converteu em uma quase extensão do próprio corpo humano totalmente adaptável ao tráfego da cidade, invadindo de vez a paisagem que antes era representada por pedestres e animais. Sentimento de progresso e desenvolvimento que direcionou as discussões e propostas para uma nova cidade, nos emblemáticos Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAM’s). Neles, os pioneiros do Movimento Moderno conceberam a ideia de uma Cidade Ideal, que mais se assemelha a uma mega estrutura, onde o espaço urbano seria regido e hierarquizado pelo zoneamento de funções, conectados por grandes vias contínuas, dimensionadas para a grande vazão de movimento dos automóveis. A apropriação distorcida do legado deixado pelo urbanismo moderno trouxe, como consequência, a fragmentação das cidades em áreas com centralidades desconexas. A localização tornou-se essencial para o surgimento da valorização do solo urbano, como mostra Villaça (2001), e o tempo de deslocamento um fator determinante para a especulação do território. A utopia da cidade ideal se mescla com a utopia da cidade móvel, sendo uma inteiramente dependente da outra. O dogma moderno construiu a ideia uma grande máquina em que suas partes motoras se locomovem e se articulam sem problemas de operação. A “Walking City” proposta pelo grupo britânico Archigram anos mais tarde, em 1960, tenta reformular
18 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO a medida do tempo
alguns desses dogmas criando uma cidade utópica inteiramente em movimento. As estruturas urbanas possuiriam articulações capazes de se deslocarem para qualquer lugar, entretanto, ainda assim os seus habitantes estariam envolvidos em capsulas impulsionadas por qualquer coisa sem contato humano, semelhante aos automóveis. Fatores como o solo urbano assumido como mercadoria, associados à mítica ilusão da mobilidade possibilitada pela máquina gerou, ainda, o espraiamento das cidades com a ocupação de subúrbios longe do centro históricos, dissolvendo e enfraquecendo o sentido de urbanidade e de convívio social. Em movimento, o então motorista está sempre de passagem, blindado de uma possível interação com os outros. O homem, aos poucos, perdeu a sua capacidade de assimilação da paisagem estática substituindo-a pela paisagem cinética, quando a cidade torna-se apenas um plano de fundo durante o percurso.
A consolidação desse processo, da propagação do automóvel como objeto de desejo, estimulado pelas políticas públicas que reforçaram a implantação de vias expressas e longas avenidas, gerou a transformação do homem que anda para o homem que se locomove. Para Peter Blake (1999), a mobilidade é sim um fator importante para a dinâmica operacional de fluxos e permanências, no entanto, para a concretização da chamada Cidade Ideal seria preciso formas de transporte mecânico mais semelhantes e de acordo a anatomia e escala humana. A cidade ideal é a cidade dos pedestres, onde as ruas deveriam ser palco para diversões, interações e até mesmo discussões. O que falta nessas cidades utópicas são pessoas. O homem-máquina, diferentemente do flâneur, parece não admirar nem se envolver com a cidade. Apenas a vê como um empecilho à fluidez do deslocamento (DUARTE, 2006). O flâneur agora dá lugar
a uma nova categoria: corrêur, o homem da impermanência, marcado pelo ritmo interposto das grandes metrópoles. O tempo do homem máquina é medido pela distância de deslocamento, pela vazão de movimento e pela aceleração cada vez mais intensa. O tempo precisa passar mais rápido a cada instante, os motoristas sempre blindadas por detrás da lataria e mudos em relação a cidade devido aos vidros sempre fechados. não conseguem apreender a paisagem urbana nas ruas, muito menos as pessoas que estão nela. Duarte & Pinheiro afirmam que a identificação é a base do sentimento de pertencimento a um lugar, mas para o homem contemporâneo, a impressão da velocidade no cotidiano tornou a sua identificação indiferente, e “pertencer já não é mais uma obrigação latente para a absorção dos espaços.” (2008, p. 73). O tempo do homem se torna agora o tempo da máquina. E para a máquina, o tempo não pode ser desperdiçado, a rua não deve possuir obstáculos e a cidade não deve ser experimentada.
[7] Uma reflexão sobre a lógica do automóvel nas cidades, fotografia e colagem de Cássio Vasconcelos, para a instalação Coletivo (2008)
Goiânia e a cidade do tempo ausente
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 21 goiânia e a cidade do tempo ausente
“A cidade planeja nossa morte: máquina de nervos e ódio A cidade nos tritura do olho até os ossos” BRASIGOIS FELÍCIO, 1981
As cidades projetadas, geralmente se diferem das demais, por não apresentarem uma longa espessura temporal. Enquanto o tempo é alimento constantemente nas cidades históricas, as cidades planejadas se caracterizam pelo tempo ausente, “O tempo ausente, entretanto, não é um tempo abolido, inexistente, mas sim um tempo que espera “acontecer”, que espera para transcorrer.” (SILVA, 2013, p. 2) A preocupação com tempo parece se materializar nos espaços de Goiânia. Os símbolos e monumentos como o relógio em art-déco da Avenida Goiás, o antigo jardim relógio de flores na rotatória da Jamel Cecílio, o relógio da estação ferroviária e da catedral metropolitana marcam esse simbolismo da paisagem. Os relógios que marcam e anunciam a própria modernidade em contradição com as suas origens provincianas. Esse choque de temporalidades se evidencia na conjunção da metrópole-sertão, onde apesar do desejo em se considerar cosmopolita, o imaginário popular dos seus habitantes faz surgir dualidades como a construção da cidade a partir de técnicas rudimentares ainda com o auxílio de animais, além do traçado modernista que com o tempo acabou se confundindo com o manto religioso. Do plano de Atíllio Correa de Lima, posteriormente reformulada pela equipe técnica da construtora Coimbra Bueno & Cia com supervisão de Armando Augusto de Godoy, Goiânia nasceu para ser a nova capital
22 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO goiânia e a cidade do tempo ausente
[8] Projeto de Attílio Correa para Goiânia (1933), onde o centro cívico se ramifica em largas vias de automóveis. Fonte: https://theurbanearth.wordpress.com/2009/03/10/attilio-correa-lima-o-inventor-de-goiania/
do estado de Goiás. O início das obras da nova cidade se deu em 1933, em pleno sertão brasileiro, baseado em preceitos e paradigmas urbanísticos materializando alguns dos ideais da modernidade. Para Manso (2001), Goiânia perpassa por características da cidade moderna baseada nas “experiências das cidades jardins e das unidades de vizinhança, no funcionalismo da Carta de Atenas, nas propostas de Le Corbusier e nos postulados dos CIAM’s.” (MANSO, 2001, p.21). Além, obviamente, do modelo adotado por Haussmann em sua requalificação da cidade de Paris, ocorrida entre 1852 e 1870. A partir dessas referências, a capital moderna construída no sertão goiano trouxe na sua essência um desenho lógico que expressava a sua marca moderna, apresentando um partido que buscava monumentalidade condicionando os espaços públicos à localização dos edifícios administrativos, premissas de um zoneamento de funções e, claro, um traçado pensado no fluxo dos automóveis. Na região central, a composição do traçado viário privilegiando o tráfego de veículos, pode ser observada na articulação das três grandes vias - Av. Goiás, Av. Tocantins e Av. Araguaia – pensadas para distribuir o fluxo, evitando o congestionamento no interior da região delimitada por essas avenidas. Os córregos e rios também foram importantes para a conformação do tecido urbano, já que apesar da topografia ser acentuada ao longo do curso d’agua, entre eles o terreno é mais plano, tornando-se ideal para o parcelamento e ocupação. (PANTALEãO, ZÁRATE, 2014) Os córregos Botafogo e Capim Puba faziam o papel de limite da cidade entre as porções Leste, Oeste e Norte, mas com o crescimento da cidade, os limites físicos que os córregos representavam são transpostos, sem que os cursos d’água sejam efetivamente incorporados a malha urbana. A morfologia revela um território fragmentado em função da proximidade com as águas, onde quan-
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intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 23 goiânia e a cidade do tempo ausente
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[9] Diagrama de análise dos condicionantes naturais da estrutura espacial de Goiânia 1: Na imagem, os elementos naturais como a topografia e os córregos delimitando o território. Fonte: ZÁRATE E PANTALEÃO (2014) / Releitura do autor
[10] Diagrama de análise dos condicionantes naturais da estrutura espacial de Goiânia 2: A morfologia diretamente condicionada aos elementos naturais e geográficos na delimitação de bairros e regiões da cidade. Fonte: ZÁRATE E PANTALEÃO (2014) /Releitura do autor
24 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO goiânia e a cidade do tempo ausente
to mais próximo delas, o desenho das quadras se torna praticamente orgânico alinhado ao percurso, mas a medida em que há o afastamento dos veios hídricos, a malha urbana assume um traçado mais regular devido a suavização da topografia. Durante a década de 1950, houve o primeiro momento de expansão da cidade em decorrência da chegada da ferrovia e da construção de Brasília em 1960. O crescimento populacional acarretou no adensamento das áreas já consolidadas, no aumento do tráfego local e na ocupação de novas áreas: a leste, próximas ao Córrego Botafogo e na Zona Industrial; a oeste com a aprovação do Setor Coimbra próximo a Campinas; e na região norte influenciada pela implantação efetiva da ferrovia (1952). Como resultado, iniciou-se a formação de um tecido urbano descontinuo e distante do plano original. Com isso, Goiânia se fragmentou em novas centralidades conectadas por vias de fluxo intenso destinadas exclusivamente para o veículo motorizado. Os córregos e rios se transformaram em barreiras incorporadas na dinâmica urbana, mas completamente esquecidos e relegados em segundo plano em prol de uma lógica funcionalista de mobilidade. A efetiva construção da Marginal Botafogo (1992) criou uma “cicatriz” na cidade preexistente, minando a capacidade articuladora do espaço existente ao longo do córrego. Se, por um lado, a via expressa potencializou o fluxo no sentido Norte-Sul (exclusivo para veículos), por outro, segregou a cidade em dois lados, ao limitar as interligações entre as suas bordas, sobretudo para o fluxo pedonal.
[11] No mapa ao lado a representação de uma morfologia diretamente condicionada também a aspectos articificais como as vias de transporte e as subcentralidades. Fonte: ZÁRATE E PANTALEÃO (2014) / Releitura do autor
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 25 goiânia e a cidade do tempo ausente
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intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 27 às margens da marginal
“cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares” italo calvino, 1972
A palavra barreira, de acordo com Panerai (2006), remete à ideia de obstáculo. Um obstáculo, de modo geral, desempenha um papel de limite que pode ser tanto natural (topografia, cursos d’agua e florestas) como também artificial (muralhas, ferrovias e estradas). Apesar desse carácter fragmentador, as barreiras também podem ocasionar o surgimento de novos “começos”, orientando o crescimento e sendo capazes de rearticular o tecido urbano gerando um tecido inteiramente novo. Já o crescimento é caracterizado pelo autor como fenômeno contínuo, através do prolongamento direto agregando porções urbanas já construídas, e também descontínuo, quando há uma ocupação mais aberta do território preservando rupturas naturais entra as partes antigas e as novas extensões. Pela fisionomia atual da cidade de Goiânia é possível observar que a cidade passou tanto pelo processo de crescimento contínuo quanto descontínuo: o primeiro em função da sua topografia aliada ao percurso dos rios e o segundo através das infraestruturas metropolitanas. Para Milton Braga (2006), as infraestruturas metropolitanas (ônibus, metrô, BRT’s e vias expressas) se diferem das infraestruturas urbanas (serviços públicos, vias públicas, praças e passarelas) por se relacionarem a uma demanda de maior escala. Dessa forma, ainda como mostra Panerai (2006, p. 45), esses dois efeitos resultam de uma “(…) confrontação não negociada de duas escalas: aquela territorial, das infraestruturas, e aquela local, da massa edi-
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INTRANSIÇÕES: POR UMA NOVA UTOPIA URBANA as margens da marginal 24
ambiente natural legenda ÁREAS VERDES margem de proteção ambiental (30 m) córrego botafogo 0
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ficada”. As vias expressas, por se tratarem de uma infraestrutura metropolitana, servem à cidade numa escala macro. No entanto, ao nos aproximarmos o olhar em nível local e humano, percebemos que essas práticas se tornam essencialmente reativas, formando espaços colaterais como fala Cançado et al. (2008). Esses espaços dissolvem temporariamente os limites entre o público e o privado denunciando a precariedade das fronteiras e a volatilidade das barreiras. A marginal Botafogo é um dos exemplos claros desse processo de ação e reação na cidade. Desde a sua construção em 1992, as polêmicas e controvérsias entre especialistas, ambientalistas e políticos tornou-se uma prática comum. Quando Goiânia foi idealizada, mesmo já havendo a previsão de crescimento para além do limite natural, a preocupação em se evitar a ocupação das áreas as margens dos córregos era uma conformação afim de direcionar o crescimento da cidade no sentido norte-sul (PANTALEÃO, BUIATI, 2010). Porém, o que aconteceu é que logo a faixa de preservação foi ocupada por habitações informais devido a sua proximidade com o núcleo original tendo o início da expansão da barreira nos sentidos leste e oeste. Luís Saia, em seu estudo sobre a área realizado em 1960, identificou essa tendência de crescimento já que em sua extensão se encontrava um dos maiores núcleos de apropriação indevida de Goiânia. Entretanto, no rastro do crescimento urbano, as propostas de planejamento voltaram-se para a expansão do sistema viário, demarcando eixos de conexões através do prolongamento de vias existentes. Baseados no Urban Planning americano (PANTALEÃO e TREVISAN, 2011 p.10).), a circulação de veículos foi priorizada com a construção de uma via expressa margeando o Córrego Botafogo, sob responsabilidade de Jorge Wilhein (1969), que desconsiderou os aspectos ambientais e o potenciais da área diante de suas condições naturais. A construção ignorou a existência do curso d’agua através da retirada da sua mata ciliar acelerando o escoamento vertical e erosivo. Para reforçar essa situação, a legislação municipal propôs diretrizes que visavam uma circulação rápida e funcional, proibindo a abertura de fachadas frontais voltadas à marginal, desestimulando o uso de pistas de desaceleração e de pedestres (QUEIROGA, O POPULAR, 2010, p. 5). O ambiente natural evidenciado no primeiro mapa mostra as áreas de proteção remanescentes do córrego.
1 trecho 4: 1997 ência
nd av. indepe
trecho 1: 1992
av. a ragu aia
marginal botafogo
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er av. anhagu
“A via assume um duplo papel, o de articuladora parcial dos fragmentos de parcelas semelhantes e vizinhas, leia-se bairros e, ao mesmo tempo, de marco de diferenciação entre os bairros de um lado e de outro da avenida. Os locais de transposição desta via expressa, os cruzamentos, são pontos de conexão entre os fragmentos dispostos de cada lado. Cada um desses fragmentos possui características próprias, como, por exemplo, presença de grandes equipamentos em determinada parcela, ou diversos conjuntos habitacionais de interesse social em outra parcela, ou existência de chácaras no meio urbano.” (Pantaleão e Buati, 2011, pag. 2) O resultado disso é a construção de uma paisagem em deslocamento constante, onde a velocidade dos automóveis torna invisível os moradores e os passantes do local. A falta de transposição exclusiva para pedestres pelas avenidas que cortam a Marginal cria áreas opacas sob os viadutos; espaços reclusos e pouco apreendidos por seus usuários que os tornam pouco expressivos e comprometem
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trecho 5: 2004
av. goiás
Atualmente essas áreas se encontram desconexas e dispersas em meio a um tecido urbano que com o tempo se tornou cada vez mais consolidado e adensado. A topografia em destaque mostra o caráter de fundo de vale da região, onde nem mesmo a faixa de preservação foi respeitada para a construção da via. A implantação da Marginal entre a Avenida Jamel Cecílio e a Avenida Goiás, num percurso de aproximadamente 6,3 Km, ocorreu por etapas: iniciando-se na parte mais central da cidade; depois com dois trechos a sul e outros dois a norte. As etapas evidenciam uma clara prioridade em primeiramente interligar o centro aos principais setores econômicos da classe alta na porção sul. As etapas mostram também a fragmentação físico-espacial, sendo cada fragmento demarcado por uma via que conecta o Setor Central ao lado Oeste do curso d’agua. O mapa 2 destaca essas vias estruturantes que atravessam e cortam a barreira. As duas principais vias da cidade - Goiás e Anhanguera - fazem essa interseção com o local enquanto as demais se ligam ou se sobrepõem a ela de forma direta. Para Pantaleão e Buati:
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trecho 2: 1993 rua
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conformação das vias via expressa
trecho 3: 1993 av e
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30 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO às margens da marginal
a urbanidade em seu entorno. Ao longo da via, vão surgindo, aos poucos, ocupações irregulares. O jornal O Popular (2015) destaca as ocupações da área, como no viaduto da 87 no Jardim Goiás, apropriado por três barracos improvisados, além de uma família com seis pessoas que vive sob a Avenida Universitária na estrutura metálica do edifício que deveria ser – ironicamente - a área do Instituto de Arquitetos de Brasil (IAB) e uma praça. A falta de conexão em os bairros ligados às bordas da Marginal ocasiona, também, cenários e contextos bastante heterogêneos. Regiões como o Setor Norte Ferroviário e Central, por exemplo, se caracterizam por conter zonas comerciais em oposição aos bairros Crimeia Leste e Vila Nova, predominantemente residenciais. A permeabilidade e a conexão para pedestres se dão somente por passagens com espaço mínimo comparado ao espaço dos carros. Essa desintegração e a ausência de espaços habitáveis, juntamente com os olhos cinéticos do homem-máquina, são incapazes de estabelecerem a relação com os “outros” ao redor, como defende Augé (2012), já que a paisagem muda constantemente.
[14] Barraca improvisada montada às margens da marginal. A 80 km/h é impossível se atentar a esses detalhes na paisagem. Foto do autor
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 31 às margens da marginal
[15] Transposição precária e perigosa feita pelos moradores da Região da rua 44 para encurtar a travessia. Foto do autor
[16] Ponte sobre a Av. Universitária, espaço de pedestres mínimo em comparação ao espaço de travessia de carros. Foto do autor
32 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO às margens da marginal
Diante da problemática analisada, pretende-se agora analisar qual seria a percepção dos motoristas em alta velocidade dessa paisagem em movimento. O percurso feito de carro pela Marginal Botafogo revela uma paisagem árida e pouco atrativa visualmente. O córrego botafogo se torna secundário comparado ao rio de veículos que trafegam em alta velocidade pelo local. A silhueta das casas e dos prédios se perdem a medida que o motorista atravessa sem se dar conta da cidade ao redor.
A maior forma de deslocamento é através do veículo motorizado, seja ele carro, moto ou caminhão. Entretanto, é possível também perceber a coragem de algumas pessoas ao se utilizarem de outros modais como as bicicletas ou até mesmo a pé, dividindo a pista em uma velocidade mais lenta do que a habituada. A sensação é que essas pessoas são quase invisíveis já que o deslocamento apressado só permite que o motorista veja uma turva silhueta dos passantes.
PAISAGEM EM MOVIMENTO Sob as pontes de passagem da Marginal a paisagem que se revela é de uma completa penumbra e opacidade. A falta de interação de pedestres nos locais potencializa o seu caráter residual se tornando propícia para apropriações de moradores de rua, que se abrigam e se escondem nesses locais longe da luz ambiente.
Enquanto os carros ignoram a paisagem, a cidade em si também ignora a marginal, já que segunda a legislação é proibido abrir fachadas para a frente da via. A rua fica sem olhos, além daqueles pintados pelos grafites e pichações dos muros de contenção.
34 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO às margens da marginal
Figura 6: Imagem do Córrego Botafogo ladeado pela via expressa Marginal Botafogo Fonte: <www.panoramio.com>. Acesso em: 10 mar. 2014. PANTALEÃO E ZÁRATE (2014) Releitura do autor
intransições: por uma nova utopia urbana 1 as margens da marginal
ANÁLISE DAS TRANSIÇÕES Chama-se de transição o estado intermediário entre uma coisa e outra; indica também o movimento, a passagem. Para que esta se realize é preciso um percurso. Os percursos, por sua vez, precisam de uma motivação, de um objetivo a ser traçado e de um destino a qual devam se referenciar. As transições só existem em função de um percurso já idealizado. Partindo dessa ideia, entende-se aqui como transição essa passagem de um lugar a outro e a sua motivação. Para poder entender e vivenciar as transições é preciso olhar mais atentamente o território em nível local e humano. É preciso neste momento se despir das asas de Dédalo, da apreensão de cima, da visão dos deuses arquitetos - detentores do conhecimento e da razão - e se adentrar no labirinto onde Teseu percorre, onde Teseu representa a pessoa comum, que precisa, no seu cotidiano, de pistas para chegar ao conhecimento. (HOLANDA, 1999) É nesse olhar que essa parte do trabalho se propõe, compreender como as pessoas em nível local enfrentam a Marginal Botafogo diariamente, se apropriando e deslocando em uma via que não foi feira para elas, mas para as máquinas. O que motiva os deslocamentos? O que gera rupturas e continuidades? Quais as diferenças ou semelhanças existentes entre um lado a outro? Para se responder a tais perguntas, é impossível se basear somente na macro escala, é preciso vivenciar uma nova perspectiva de apreensão, uma escala mais próxima das pessoas e de suas temporalidades pessoais. É preciso adentrar-se na escala do cotidiano.
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st. norte ferroviário // nova vila e criméia leste
St. norte ferroviário
1
Setor criméia leste
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A ponta inicial da Marginal Botafogo já evidencia um enorme descaso ambiental: a nascente se encontra sufocada pelo fluxo de carros, além de áreas de preservação ocupadas por moradias irregulares (1) onde a paisagem revela traços rurais em oposição a vida agitada da metrópole. Ao caminhar pelo percurso marcado pela presenta do Terminal Rodoviário e do Araguaia Shopping, nos defrontamos com uma região de intenso comércio popular em contraste com o bairro residencial em oposição - o Crimeia Leste e Nova Vila. Com essa diferença de usos é possível encontrar um pontilhão improvisado pelos moradores (2) com o intuito de diminuir as distâncias de transição, diminuindo o tempo de deslocamento. A passagem se aproveita do ferro dos encanamentos e pedaços de tábuas tornando o risco de acidentes iminente. Mais à frente, o polo comercial e turístico popular da Rua 44 se caracteriza pelo grande fluxo de pessoas, mercadorias e vendedores ambulantes, intensificado aos finais de semana pela Feira Hippie. A Avenida 1 que se liga ao bairro Nova Vila através de uma ponte (com prioridade para veículos), carrega um pouco desse uso comercial gerando uma continuidade. Exceto pela via que conecta as duas porções, o bairro no lado oposto mantém a sua predominância residencial.
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Setor Nova Vila es
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1 3 continuidades
Temporalidades rurais em contraste com o ritmo acelerado dos automóveis na pista. Foto do autor
Setor Nova Vila
2 rupturas
rupturas
Transição improvisada pelos moradores. Foto: Matheus Amorim
3
Principal passagem da região pela Av. 1, Foto do autor
predonimância comerical
predonimância residencial
PÓLOS DE conexão go fo ota lb ina rg ma
hipermercado bretas pontilhão improvisado
terminal rodoviário de goiãnia / araguaia shopping
parque agropecuário rua 301/ avenida 1
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região comercial da rua 44
av. independência via de barreira
transposição com prioridade para carros
transposição exclusica de pedestres
Vista aérea da região do Norte Ferroviário e Nova Vila com destaque para os principais pólos de atraçao entre os bairros. (sem escala)
Os principais polos de atração entre as duas regiões se dão, principalmente, pelo comércio, pelo Araguaia Shopping - Terminal Rodoviário, onde está a grande oferta de serviços e de lazer, atraindo os moradores da Região Norte e Noroeste da cidade. A rua 44 recebe pessoas de todo o país para compras no atacado e no varejo, oferecen-
do vários serviços de hotelaria econômica. Do outro lado da barreira, o Hipermercado Bretas é um dos principais motivos de transposição para o bairro oposto e, durante o período de exposição, o Parque Agropecuário se torna um atrativo local devido aos shows e atrações que acontecem anualmente.
st. centro // st. vila nova e universitário
38
continuidades
“BAIXO” CENTRO uid
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ST. vila nova con tin
1
rupturas
rupturas
2
ST. CENTRAL
Ao se chegar na ponte da Av. Independência é possível sentir o ritmo acelerado da capital, pelo auto fluxo de veículos e ônibus. As áreas verdes do Parque Mutirama e Bosque Botafogo funcionam como lugar de pausa e descanso em contraste com a agitação, mas apesar da Av. Araguaia interligar parte do bosque ao parque através de uma via elevada de pedestres, essas áreas verdes se encontram soltas no meio urbano, sem uma forma de interação com os bairros vizinhos. A ponte da avenida Anhanguera é a próxima zona de transição sobre a marginal. Mesmo sendo umas das vias mais importantes da cidade há um caráter de descontinuidade entre a parte de comércio e serviço, em oposição ao bairro Vila Nova, de uso residencial predominante. Algo que provavelmente impulsiona o deslocamento de um lado a outro a procura do que falta em cada região. A localização privilegiada em concordância com a falta de “olhos” e interação urbana entre as transições se torna foco para que moradores de rua habitem o baixio das pontes e estruturas abandonadas, gerando um aspecto residual e colateral. No Setor Universitário, polo de universidades e habitado predominantemente por estudantes, torna a localidade atrativa tanto para comércio e moradia, gerando uma continuidade com o Setor Central. 1
ruptura
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ruptura
s
Parque Mutirama, via elevada de pedestres.
2
continuidades
3
continuidades
Passagem elevada da Av. Anhanguera, mais uma vez predominante para carros
ST. SUL misto
predonimância comerical
ST. UNIVERSITÁRIO
predonimância residencial
3
Apropriação de moradores de rua na ponte da Av. Universitária
marginal botafogo
PÓLOS DE conexão Parque mutirama
bosque botafogo
praça botafogo
av. araguaia
av. anhaguera
rua 21
praça cívica
praça subtulizada praça universitária av. universitária
marginal
transposição com prioridade para carros
transposição exclusica de pedestres
botafogo
via de barreira
Vista aérea da região Central com os principais espaços públicos em destaque. Foto sem escala
O percurso por sobre a Marginal corta algumas das principais avenidas da cidade como a Araguaia, Anhanguera e Universitária. A grande oferta de serviços e moradias na região central é um dos principais motivos de deslocamentos entre um lado e outro. Entretanto, ao se observar
mais atentamente o mapa, é possível identificar uma certa variedade de espaços públicos que se encontram espraiados e desconectados devido a barreira da marginal botafogo, atuando cada um com uma característica e público próprio de acordo com a região onde se encontra.
st. sul // st. sul
40
O setor sul em Goiânia já apresenta uma dinâmica particular. Por ter sido planejado desde os primeiros anos da ocupação, o bairro é organizado segundo o modelo de cidade-jardim, onde as casas se agenciam ao redor de um espaço público de uso comum. No entanto, o que se observou ao passar dos anos foi a negação desses espaços pelos moradores locais, fechando suas casas e fachadas a eles. Assim, os locais se tornam vazios boa parte do dia, mas apropriados pela parte jovem das quadras e dos mobiliários para a prática de esportes. Uma característica forte desses espaços é a utilização dos muros como painéis para grafites: a arte urbana com forte expressão nos muros que hoje negam as praças. O caráter residencial é predominante nos dois sentidos da Marginal, diminuindo a intensidade das transições existentes em cada ponte ou rua de passagem. Há ainda a predominância de serviços de lazer noturno próximos a região sendo ponto de encontro de toda a cidade. No entanto, isso não exclui os problemas decorrentes de contra-usos do espaço como de moradores de rua.
1
ST. sul ST. sul rupturas
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Moradia improvisada as margens da marginal
2
ST. sul
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CEPAL
ST. sul
predonimância comerical
3
predonimância residencial
Ponte da rua 243 sobre a Marginal Botafogo
PÓLOS DE conexão botaf marginal ogo
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rua
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botafogo
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marginal
via de barreira
transposição com prioridade para carros
Vista aérea da região do Setor Sul com o CEPAL em evidência. Foto sem escala
O CEPAL é um dos polos de convergência. Aos finais de semana é usado para uma feira e, ocasionalmente, para realização de eventos e exposições.
Entretanto a falta de um projeto adequado limita o seu aproveitamento para outros usos, não explorando todo o seu potencial.
st. sul // jd. goiás
42
ruptura
ST. sul
O trecho final do percurso revela uma região marcada por suas rupturas. A parte que compreende o Setor Sul em oposição ao Jardim Goiás evidencia uma diferenciação tanto tipológica quanto social. As áreas verdes desconexas fragmentam e segregam ainda mais o local, impedindo a permeabilidade entre um lado e outro. Enquanto o setor sul mantém sua característica residencial com alguns serviços e comércios de apoio, o setor Jardim Goiás se apresenta como um bairro nobre da cidade, com verticalização acentuada e alta densidade. A localização do Parque Flamboyant, do Shopping Flamboyant e de hipermercados tornam-se instrumentos para especulação imobiliária elevando o custo de vida na região. A construção do viaduto na Avenida A perpetuou os problemas herdados do urbanismo moderno pautado na rede de infraestrutura exclusiva para a passagem de carros, sem pontos de transposição para pedestres, reforçando mais ainda a barreira da Marginal. Aqui neste ponto, a barreira é de fato materializada com um muro de contenção.
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ST. sul
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jd. goiás Viaduto sobre a Av. A 2
predonimância comerical
predonimância residencial
Muro de contenção no viaduto sobre a Av. A
PÓLOS DE conexão marg o inal b
praça do cruzeiro
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áreas verdes desconexas
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áreas verdes desconexas
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via de barreira
estádio serra dourada
transposição com prioridade para carros
Vista aérea da Região do Setor Sul e Jardim Goiás com os equipamentos e áreas verdes em destaque. Foto sem escala
O Jardim Goiás é um dos principais polos de atra- bairro um dos principais motivos para os deslocamentos ção para a cidade devido à grande oferta de serviço, lazer por sobre a Marginal Botafogo é a presença do Shopping e moradia, principalmente de alto padrão. O que torna o e do Parque Flamboyant; do estádio Serra Dourada.
por uma nova temporalidade urbana
“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. - Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? - Pergunta Kublai Khan - A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra - responde Marco - mas pela curva do arco que elas formam. Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: - Por que falar das pedras? Só o arco me interessa Polo responde: - Sem pedras o arco não existe.” Cidades Invisíveis, Ítalo Calvino, 1972
Jd. Goiás - comércio de grife - supermercados - verticalização - parques - lazer noturno
St. Universitário - estudo - serviços - exposição de arte - feiras - festas - lazer
St. Vila Nova - comércio popular - mercado informal - habitação - feiras - festas - exposição agropecuária
St. Sul
St. Norte Ferroviário - comércio popular - mercado informal - habitação - feiras - festas
- serviços - lazer noturno - arte urbana - esportes - feiras - festas - shows - exposições - habitação St. Central - comércio popular - mercado informal - habitação - feiras - festas - equipamentos públicos
- praças - apropriação de moradores de rua - manifestações artisticas - shows - Serviços
Diagrama em forma de colagem evidenciando imagens marcantes de cada bairro e seus frequentes usos.
entre
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 47 por uma nova temporalidade urbana
do
fixo
ao fluxo
O cronotopo (AMORIN, 2006) é uma expressão criada para definir unidades de tempo e espaço através da junção das palavras gregas cronos (tempo) e topos (lugar). Nesta visão, podemos pensar a cidade como um cronotopo. Um momento no espaço, onde o tempo se materializa em uma superfície. No entanto, além de simples interações entre horas e lugares, as cidades pressupõem algo a mais, elas se preenchem de comportamentos, atores, personagens, grupos, classes e ritos. É sobretudo nessa sensibilidade coletiva que as cidades se tornam mais reais ao pensamento dos seus habitantes. Harvey (1992) aponta a sensibilidade como estrutura divisória entre a modernidade e pós-modernidade. Enquanto o modernismo travou uma guerra em prol da mecanização, aceleração e progresso, estabelecendo a ideia de um tempo linear e contínuo, o pós-modernismo surge não como completa ruptura com a modernidade, mas correspondendo a pontuais mudanças na forma de conceber o mundo. Para Silva (2010) a partir dos anos 1960, a história muda seu curso, o tempo linear e tomado pelo tempo circular, e mais do que isso rizomático. A sobreposição de tempos é uma abstração na qual se visualiza não apenas o acumulo material, mas também a soma de experiências e comportamentos. A cidade torna-se uma colagem de histórias e fragmentos confusos, abstratos e híbridos. Fragmentos que se dobram e se empilham sobre o rígido tecido modernista. Ao se morar em uma cidade planejada como Goiânia, baseada essencialmente em dogmas e preceitos progressistas, busca-se refletir como seria possível quebrar essa rigidez e revalorizar o imaginário social. Como seria possível tornar menos dispersa uma cidade que se desenvolveu em função de criar linhas de deslocamento? Como tornar a cidade do tempo ausente em uma cidade tempo sensorial? O caso da Marginal Botafogo torna evidente esse processo de ação e reação que as vias expressas causam
INTRANSIÇÕES
na urbe contemporânea, a setorização evidente de bairros interligados somente por meio automobilístico torna a cidade difusa e sem identidade, com bairros e realidades divergentes entre si. Diante disso, como estabelecer uma aproximação dos moradores a um local a “inóspito” para o convívio e interação de pessoas? As tentativas mais comuns a respeito de intervenções no local se dão em projetos de larga escala que tentam de certa forma transformar o fluxo, materializado pela vazão de movimento dos carros, em fixo, representado através dos parques lineares, espaços públicos ou masterplans. Apesar das melhorias em urbanidade, tais projetos ocasionam impactos sociais tão grandes quanto a construção de grandes avenidas, ao se pensar no número de desapropriações e nos processos gentrificatórios. É indispensável intervir para se revitalizar, mas ao se pensar em uma região tão consolidada em dinâmicas sociais, é preciso mais uma vez se desprender das asas do deus-arquiteto, e novamente, percorrendo o labirinto do cotidiano buscar intervenções precisas para o local. As intervenções pontuais na cidade se assemelham ao processo de acupultura urbana exposto por Jaime Lerner, é através delas que se propicia um começo, é o que faz uma cidade reagir. Para ele “quase sempre é uma centelha que inicia uma ação e a subsequente propagação dessa ação.” (LERNER, 2005) Assim é no intermeio entre os fixos e os fluxos que essa acuputura urbana será realizada, No espaço entre. É na experiência de se deslocar, mas em uma temporalidade desacelerada, em um ato de sair do fixo, mas sem restringir-se ao fluxo. É no sentido material de (in)transitar, onde o prefixo in- revela algo além de apenas se locomover, mas também, de certa forma adentrar, absorver e vivenciar.
48 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
Estádio Serra Dourada Praça Universitária
Parque Agropecuário Hipermercado Bretas
Praça Botafogo Parque Botafogo
CEPAL
Mutirama Praça Cívica Terminal Rodoviário
Praça do Cruzeiro
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 49 por uma nova temporalidade urbana
infraESTRUTURAs URBANAs Ao se pensar em transições sobre uma via expressa, é preciso se pensar em formas de conexão entre um lado a outro, materializadas principalmente através das pontes. Elementos como pontilhões e passarelas, exclusivos para a passagem de pedestres, são importantes por articularem a vida cotidiana voltando-se para a escala local, No entanto, na análise das transições e travessias que ocorrem sobre a via, percebe-se que essas infraestruturas se tornam inexistentes em meio a passagem acelerada de carros. Para que a acuputura proposta seja realizada é preciso tornar tais elementos de passagem voltados para as pessoas como protagonistas e atuantes, não se limitando somente a uma travessia direta e sem significado, mas sim de maneira a construir uma nova temporalidade urbana adicionando a experiência sensorial e corporal baseada nos usos frequentes do dia a dia. As novas transições, ou pontes propostas, buscam pontualmente de acordo com cada área se adequarem a realidade existente. As novas pontes servirão como um anexo as já existentes, se comportando não mais como uma infraestrutura urbana, mas assumindo de fato o caráter de estrutura urbana. Um elemento catalisador à cidade dos fluxos. A ponte do cotidiano é o primeiro protótipo dessa experiência que além da possibilitar a passagem oferecerá a possibilidade de
permanência, serviço, interação e contemplação, os pricipais usos identificados nas áreas de estudo. Seguindo essa mesma ideia de modulação, em alguns locais será preciso a implementação de novas passagens além daquelas que já existem atualmente, como na região da rua 44, suprindo a demanda de passagem já existente no local. Já na região do setor universitário, próximo a praça da rua 21, onde há a apropriação de moradores de rua, é proposto uma ponte voltada para o lazer ativo, enquanto na travessia da rua 10 propõe-se a construção de uma biblioteca elevada sobre a passagem da marginal. No Setor Sul, a importância do CEPAL se torna destaque para a construção de uma transposição que abrigue um novo projeto para a feira, mas que também possibilite a realização de shows e eventos. E por fim, sobre o viaduto entre a Av. A, se propõe além de uma nova ponte, um local de transposição entre o nível mais elevado do viaduto até o mais baixo, como uma nova experiência sensorial. Como forma de integração dessas estruturas urbanas se propõe a interligação através de uma ciclovia e passeio público elevado, à margem da marginal, de forma a possibilitar alternativas de mobilidade para a cidade além do veículo motor.
50 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
análise de similares A análise de projetos e intervenções similares é importante para a buscar de referências que se utilizem das mesmas possibilidades e problemáticas investigadas, de forma a adaptadar os diferentes contextos ao projeto que será proposto
PABELLON FAV - república MUSEVI - TEN Arquitectos / México portátil / chile Um edifício temporário para o Festival de Artes de Valparaíso 2014. Um espaço para reuniões e um objeto urbano, que funciona como um pátio que reage com o meio ambiente e oferece um programa de atividades para o espaço público.
O MUSEVI – é um novo museu elevado complementado por um anfiteatro ao ar livre., conectando físicamente dois lagos atualmente isolados: o Vaso Cencalli e a Laguna de las Ilusiones, o MUSEVI propõe uma nova forma de exposição e espaço público que incentiva a conectividade e a integração.
Bicycle Snake - DISSING+WEITLING Architecture / DINAMARCA
The Luchtsingel - ZUS / Holanda
A ciclovia feita de aço na Ponte Kalvebod, sobre a Ilha Brygge ajuda sobre os ciclistas a passarem rapidamente e eficientemente pela área, enquanto experimentam a vista. Por fim, a pista elevada permite que os pedestres usem todo o cais, evitando situações perigosas.
“Baseado na ideia de temporalidade permanente, o Luchtsingel introduz uma passarela de 400 metros de comprimento conectando vários locais. sendo possível caminhar por um longe percurso a pé ou de bicicleta. Essas conexões distintas conferem à área uma posição única no tecido urbano da cidade.
11th Street Bridge Park, OMA + OLIN / Washington D.C.
Passarela de Pedestres e Espaço Recreativo Bostanlı - Studio Evren Başbuğ / TURQUIA
“Ele simultaneamente funciona como uma passagem para ambos os lados do rio, um ponto de contemplação com belas perspectivas, uma cobertura que abriga os programas e uma praça pública onde os dois caminhos se encontram.”
A proposta busca conectar os dois lados do rio Bostanlı e, assim, completar uma das partes faltantes do passeio contínuo pela costa. A passarela não é apenas um elemento urbano de infraestrutura que é usado exclusivamente para a passagem de pessoas, mas também se define como um ponto de lazer e atração pública que se relaciona de forma sensível com o seu entorno.
52 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
interação
permanência
Para uma boa acuputura, é preciso que além de pontual, ela seja rápida. Para a criação de novas transições toma-se como partida a ideia de modulação, como um elemento espacial que se abre para diversas possibilidades. Condensando os principais usos revelados pelo local como interação, permanência, exposição e serviço, o módulo será o permutação dessas diferentes possibilidades entre si, criando diversas identidades de acordo com cada local O diagrama ao lado e a imagem aérea abaixo mostram como as pondes do cotidiano irão se anexar as infraestruturas já existentes, atuando como um novo acontecimento urbano redefinindo novas formas de passagem e apropriação,
serviço
expositivo
3m
expositivo
serviço
3m
permanência
interação
3m
ponte do cotidiano
vistá aérea do módulo ponte em anexo as transições existentes
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 53 por uma nova temporalidade urbana
render módulo
exposições
palco
guarita quiosque
planta esquemática feira estrutura metálica
treliça metálica de sustentação
corte esquemático
mesas e cadeiras
54 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
ponte do comércio
vista aérea do novo edifício proposto
A conexão entre o setor norte ferroviário e o setor criméia leste é uma urgência para os moradores que se utilizam do pontilhão improvisado. De forma a sanar essa demanda, mas além disso se atentando as dinâmicas locais, a nova travessia proposta abrange em sua essência espaços destinados ao comércio popular, com estruturas que podem tanto se
comportarem como feiras cobertas, como assentos e mesas destinadas ao descanso e permanência das pessoas. A pista elevada de caminhada serve como um percurso visual sobre a paisagem, tornando a ponte um verdadeiro espaço público elevado.
perpectiva vista da marginal
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 55 por uma nova temporalidade urbana acesso vila megale
permanência feira
quiosques
feira e permanência
permanência acesso rua 44
pista de caminhada elevada
planta esquemática
quiosques feira
corte esquemático
56 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
ponte biblioteca
vista aérea do novo edifício proposto
Para a região do centro e do universitário, sobre a ponte da rua 10, pensa-se uma travessia desta vez materializada em um biblioteca-ponte. O edifício elevado pretende manter as transições já existentes durante a via, mas também transpor a ideia de percurso para dentro da
perpectiva vista da marginal
edificação. Assim, a biblioteca se comporta como uma grande ponte elevada, com espaços destinados para estudo, interação e descanso, mesclando espaços mais opacos com outros mais translúcidos propondo uma variação de experincas e possibilidades de apropriação.
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 57 por uma nova temporalidade urbana
circulação
biblioteca
terraço
terraço
circulação
terraço
planta esquemática terraço
placa metálica
vedação em vidro circulação vertical
corte esquemático
terraço
3,5 m circulação vertical
58 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
ponte cepal
vista aérea do novo edifício proposto
O CEPAL, por ser uma das grandes referências do Setor Sul, torna-se relevante para a construção de uma ponte que além da passagem, possa também abrigar os usos já existentes no local como a feira aos finais de semana, mas também que se seja adequado para festas e exposições esporádicas. Para isso, o projeto se configura além da ponte, em três cober-
turas com espaços abertos e livres para o uso e apropriação dos moradores. Na parte superior se propõe um jardim sensorial que se interliga com uma travessia sobre a marginal expressando uma continuidade do projeto. A estrutura também da cobertura também permite o fechamento em casos de festas ou shows, formando um módulo maciço e interativo.
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 59 por uma nova temporalidade urbana
jardim sensorial elevado
projeção cobertura
ponte de passagem projeção cobertura
rampa de acesso jardim sensorial
planta esquemática cobertura metálica
corte esquemático
jardim sensorial elevado
60 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO por uma nova temporalidade urbana
transposição render
ciclovia elevada
intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO 61 por uma nova temporalidade urbana
A ciclovia e as pontes surgem como um novo acontecimento urbano voltado para os intermeios entre o fixo e fluxo das cidades contemporâneas. A possibilidade de interação e vivência desses projetos pretende ressignificar o local tornando-o mais identidário aos seus moradores, uma pequena mudança que pode trazer grandes transformações. No entanto, nada nos garante de que as ações terão o resultado esperado, que as pessoas se utilizarão dos espaços e que a transformação esperada de fato ocorra. Tudo é incerto pois depende de um fator humano de reinterpretação do lugar por parte dos moradores, e isso, só o tempo é capaz de construir
62 intransições: ENTRE FIXOS E FLUXOS SOBRE A MARGINAL BOTAFOGO referências
REFERêNCIAS AMORIN, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos-chave. Beth Brait. (org.). São Paulo: Contexto, 2006, p.102-3
CANÇADO, W. et al. [org]. Espaços Colaterais/ Collateral Spaces. Belo Horizonte: InstitutoCidadesCriativas/ICC, 2008.
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