7 de Outubro de 2009 | Quarta-feira | a
cabra | 7
CULTURA
Deuses procuram boas almas em tempos de crise PAULO ABRANTES
Teatrão e Brecht unem-se mais uma vez, dispostos a tirar o público dos assentos para a procura do melhor fim MARIA LASTRES PEDRO LEITÃO FILIPA MAGALHÃES É a segunda incursão da companhia do “Teatrão” pela obra de Bertolt Brecht. Até 18 de Outubro, estará em palco, na Oficina Municipal de Teatro (OMT), “A Boa Alma de Setzuan”, peça encenada pela holandesa Corrina Manara. A actriz Leonor Barata explica: “não queremos que o público venha para assistir confortavelmente a um espectáculo” e por isso Brecht – exímio aniquilador das falas vazias, da boca para fora, e respeitável coreógrafo dos silêncios e dos gestos – foi a escolha. Exige-se uma consciência pela parte de quem vem assistir pois, como diz outra das actrizes da companhia de teatro, Inês Mourão, “estamos a falar de realidade e com pessoas concretas”. Na Setzuan (espaço ficcional onde decorre o drama) da OMT, não há palco, na parede defronte da plateia está uma comprida cortina de plástico límpido, que atrás esconde ora o limbo, ora a fábrica dos operários. A peça principia com o vendedor de águas, Wang, que desliza por todo o espaço, de bicicleta, a anunciar a vinda dos deuses, “só eu sabia que vínheis”. Logo aparecem três entes divinos (a lembrar as três moiras da
“TRÊS MOIRAS da mitologia grega, figurantes do destino, deselegantes e adrajosas” mitologia grega, figurantes do destino) deselegantes e andrajosos, à procura de uma alma boa. Wang logo lhes explica que Setzuan encontrase em estado de penúria, não há dinheiro, e os que são bons, vestem pesadas carapaças de inveja; os deuses esclarecem que não se metem em assuntos económicos. A fuga de Shen-Té A boa alma de Setzuan revela-se, e é a modesta Shen-Té, uma prostituta que, por aceitar receber os deuses em
sua casa, é abonada por uma apetecível maquia de dinheiro. Shen-Té adquire então uma tabacaria, pronta a encaminhar a sua vida por trilhos mais humildes. No entanto, logo se vê rondada pelo ciúme dos próximos, desesperados aproveitadores, e toda a bonomia que lhe recheava a alma se vê fragilizada; instaura-se o conflito central da peça que subjuga a protagonista à dúvida maniqueísta, da aflita procura pelo terreno em que, como diz Brecht num dos seus poemas, seja possível “criar um estado de
coisas que torne possível a bondade; ou melhor: que a torne supérflua!”. A solução organizada por Shen-Té é então fazer nascer alguém novo, fragmentar-se num alter-ego, que é Shui-Tá, seu suposto primo, homem rígido e perspicaz, personagem-tipo correspondente ao novo homem do capital. É ele que salva a tabacaria dos credores e que, com a força que é a precisa para “construir impérios”, edifica em Setzuan uma fábrica capaz de empregar toda a população e terminar com a imoralidade imposta
pelos árduos tempos. Todo o dilema se adensa quando Shen-Té se apaixona pelo perspicaz aviador Yang Sun e a tabacaria finalmente fecha. A realidade que falava Inês Mourão é esta: um caótico mundo de homens transfigurados pelo medo e pela miséria. Pelos melhores ou piores caminhos, cabe ao público decidir o desfecho desta (e da sua) existência. O certo é que, como diz a protagonista “as boas almas são como os sinos, se lhes tocam, tocam, se não lhes tocam, não tocam”.
Centro, com um reportório de música tradicional do seu país de origem. No dia 17 há a projecção do filme “À beira do mar azul” do autor Boris Barnet e no dia 10 o padre Arsénio aborda o tema da religião no país transcontinental. Dia 16 é entregue à exibição de curtas-metragens de vários realizadores russos. O dia 31 fica reservado para o célebre escritor Nikolai Gogol, interpretado por Nina Guerra e Filipe Guerra. Outubro encerra-se pelas mãos do grupo “Aranhiças e Elefantes” que teatralizarão a literatura russa numa “Salada Rússia”. Para uma reprodução fiel da cultura nacional de cada mês, explica a co-organizadora do evento, “estabelecemos uma colaboração próxima com pessoas com quem iremos discutir sobre o genuíno do país”. No caso da Rússia foi o professor da Faculdade de Letras, Vladimir Pliassov,
além da colaboração permanente da Videolab, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e da própria Embaixada Russa. Graças a este projecto foram criadas aulas de conversação gratuitas. “A ideia resultou do contacto com os convidados dos vários países, propomos este projecto e eles aceitaram”, conta a co-organizadora do evento Não vão haver lições dos idiomas, mas diálogos entre os participantes. Inglês, persa, hindi e português (para estrangeiros) são as línguas que vão sendo faladas na Galeria Santa Clara desde do início deste mês. Segundo Olga Seco o balanço é positivo: “as pessoas que vêm ver o mês temático de um país acabam por vir ver os países seguintes”. O mês de Novembro será dedicado a São Tomé e Príncipe e para Dezembro, último mês temático, está programada uma selecção das melhores actividades de todo o ano.
“Um mês, um país”, a vez da Rússia Cultura, arte e gastronomia do país dos czares durante Outubro, nas Galerias de Santa Clara ANA MARIA COELHO FILIPA MAGALHÃES Desde o início do ano que o Galeria Bar de Santa Clara é mensalmente redecorado consoante as tradições dos diferentes países, programados pela iniciativa “Um mês, um país”. A co-organizadora deste périplo cultural e responsável pelas galerias, Olga Seco, confirma que Angola, Cabo Verde, Marrocos, Turquia, Cuba, Irão, Brasil, Iraque e Estónia foram países que por já lá passaram. A partir de 9 de Outubro começam as actividades dedicadas à Rússia. A ideia surge, segundo Olga Seco,
da crescente e sentida internacionalização das populações, bem patente na cidade de Coimbra: “a sociedade é cada vez mais internacional e acaba por ser natural pensar em termos multiculturais”. Acrescenta ainda a necessidade de integrar quem vem de fora: “ao fazer o mês do Irão acabámos por conhecer todos os iranianos de Coimbra”, valoriza. Todos os fins-de-semana, a partir da próxima sexta-feira, contarão com actividades que vão desde a leitura de contos, a conversas sobre temas correntes da contemporaneidade russa e sessões de cinema. O dia de estreia inicia com uma mostra da gastronomia típica, a chamada “Mesa Russa”, tendo a colaboração do único estabelecimento de produtos russos em Coimbra, o supermercado “Matriosca”. Actuam ainda no mesmo dia o duo Marina e Vladimir, pertencente à Orquestra Regional do