Boletim da ana edição 57

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Ano IV - Nº 57 - Maio de 2017

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI

LGBTfobia no ambiente escolar Bruno Alves Chaves Assistente Social Diretor do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais

Entre os diversos termos que podemos utilizar para denominar o preconceito e a discriminação envolvendo a população LGBT, vamos adotar uma recente construção dos movimentos sociais, que defendem que o termo homofobia não é suficiente para traduzir os diferentes impactos do preconceito nos diferentes sujeitos em debate. O uso da expressão LGBTfobia foi ratificado durante a última conferência nacional LGBT e tem sido construído cotidianamente nos espaços de luta social. Para o assunto que trataremos aqui vamos abordar a LGBTfobia no espaço escolar, população LGBT. O debate posto considerando três atores principais: permeia várias esferas da vida social e coloca em pauta a necessidade de escola, família e sociedade. políticas públicas capazes de No último período vivenciamos um transformar as realidades e garantir a importante crescimento no debate existência plural, livre e democrática. sobre as opressões e negação de direitos, envolvendo diferentes Como foco da discussão a escola é segmentos sociais, entre eles a um espaço onde a LGBTfobia é uma

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EXPEDIENTE COORDENÇÃO Lídia Rodrigues SECRETÁRIA EXECUTIVA Labelle Rainbow ASSESSORES DE CONTEÚDO Paula Tárcia

Rodrigo Corrêa Rosana França DIAGRAMAÇÃO Tatiana Araújo

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realidade e se apresenta como um fator nos níveis de evasão, adoecimento, rendimento e demais problemas causados pelo preconceito. Porque isso acontece? A escola não está isolada da realidade social, ela faz parte dos contraditórios do cotidiano e está permeada por valores e comportamentos que tendem a “corrigir” os desvios da norma. Mais do que a aprendizagem ligada aos conteúdos à escola também pode perpetuar comportamentos, preconceitos e regras de convivência ligados a valores altamente excludentes. Nesse aspecto reside à grande polêmica sobre os debates de diversidade na escola, as tensões colocadas nos limites, entre o público e o privado, ou seja, aquilo que cabe a escola em confronto com os valores recebidos na vivência familiar. Exemplo disso a grande polêmica envolvendo o Plano

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Nacional de Educação, que evidenciou toda uma fragilidade envolvendo as formas de abordagem do tema e também o como comunicar com a sociedade. Conceitos destorcidos, discursos de ódio, falácias sobre de ideologia de gênero, são alguns dos efeitos causados pelas tensões entre o público e o privado. As intervenções construídas com o objetivo de garantir os direitos da população LGBT na escola, enfrentam grande resistência da sociedade, porque alteram valores e normas que estão cristalizadas socialmente. Nesse sentido, o lócus de intervenção se amplia para o debate com toda a comunidade escolar envolvendo as famílias, alunos, professores e demais agentes, na tentativa de alterar padrões e garantir a pluralidade de expressões de gênero e orientação sexual. Muitas vezes na escola é que se evidenciam as situações de

violação a que estão expostas a população LGBT no ambiente familiar, negligência, agressões físicas e psicológicas entre outras. Cabe ressaltar que a escola sozinha não é capaz de solucionar todo esse grupo de questões, é necessária uma abordagem em rede que acione outras políticas públicas como assistência social, saúde, cultura capazes de construir uma estratégia articulada para a garantia de direitos. Enfim para além da formação dos profissionais é necessário um diálogo constante com a sociedade, que seja capaz de desconstruir práticas preconceituosas e ciclos de violência baseados em valores conservadores. A existência plural, livre e democrática só é possível em uma sociedade que aprenda a reconhecer as diferenças e abandone os mecanismos de sanção utilizados para punir quem descumpre a heteronormatividade.

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MURALIDADE

Fique por dentro A LGBTTFobia, o conservadorismo e a escola O avanço do conservadorismo é uma realidade, não só no Brasil mas também em diversos outros países. As diversas formas de preconceitos são algumas das expressões do conservadorismo. A discriminação racial, de gênero e orientação sexual, nos últimos anos, acentuaram-se e muitos grupos fundamentalistas buscam combater a liberdade de manifestação por meio da repressão. Uma das maiores polemicas é o ensino da educação sexual, nas escolas, com foco em pré-adolescentes e adolescentes. A proposta de implementação da disciplina de educação sexual veio acompanhada de um programa multidisciplinar e, também, da elaboração de conteúdos que facilitassem o processo de aprendizagem. Na contramão da liberdade de manifestação, os conservadores logo trataram de intitular, esse programa multidisciplinar, de "kit gay ou ideologia de gênero". Nada mais fizeram que difundir sua ideologia conservadora, pautada na repressão e no discurso de ódio. Devemos nos contrapor a ideologia e as práticas conservadoras, rebater o discurso de ódio e propagar a liberdade, algo tão caro nos dias de hoje.

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dICIONÁRIO DE DIREITOS HUMANOS Heteronormatividade: designa que a heterossexualidade é a única orientação sexual que deve existir. LGBTfobia: é o preconceito contra a diversidade sexual, pois as vítimas pertencem a diferentes grupos minoritários de orientação sexual (lésbicas, gays e bissexuais) ou de identidade de gênero (travestis, transexuais, intersexuais, transgêneros).

noticias

da rede

ANA e ECPAT Brasil participam de encontro sobre desenvolvimento sustentável Representantes da Campanha ANA, da Rede ECPAT Brasil e do Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual participam do IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, realizado de 24 a 28 de abril, em Brasília. O encontro, realizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), acontece bianualmente e reúne prefeitos de todo país, além de ministros, parlamentares, secretários municipais e estaduais, pesquisadores, estudantes, Organizações sociais e integrantes de delegações estrangeiras e organismos internacionais. Com o objetivo de discutir soluções para os desafios das cidades brasileiras e elaborar as propostas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Isso é algo muito importante, pois é uma oportunidade que a Campanha ANA, a Rede ECPAT e Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual têm de expor suas ideias e influenciar nas discussões.

Gente, Maio chegou e nesse mês acontecem grandes mobilizações sobre a

www.anamovimento.blogspot.com

violência sexual no 18 de maio e também o Dia Internacional Contra a Homofobia

que acontece no dia 17. No nosso blog está com sugestões de atividades vai lá.

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entrevista

Nesse mês de abril a Campanha ANA entrevistou Toni Reis, 52 anos, professor por profissão, casado com David há 27 anos. Tem dois filhos e uma filha, atualmente com 16, 11 e 14 anos, respectivamente. Militante no movimento LGBTI desde meados dos anos 1980. Foi um dos fundadores do Grupo Dignidade em 1992 e foi o primeiro presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, quando foi fundada em 1995. Foi presidente por mais dois mandatos e atualmente é Secretário de Educação. Também é presidente da Aliança Nacional LGBTI, formado em letras e pedagogia, especialista em sexualidade humana e dinâmica dos grupos, mestre em filosofia e doutor e pós-doutor em educação, com ênfase em questões LGBTI na educação. Toni Reis também é membro titular do Fórum Nacional de Educação, na área de diversidade.

Campanha Ana: Toni, como foi que você começou sua militância pelas questões LGBT? Qual foi o fato que te deu o clique? Toni Reis: Nasci e me criei no interior do estado do Paraná. Eu sofri muito dos 14 aos 21 anos. Tive homofobia internalizada muito grande, pela pressão da minha família, da minha religião, na minha escola, também pela minha ignorância. Eu mesmo procurei ajuda da família, procurei várias de forma me “curar” (medicina, religião, simpatias e tudo mais). Tive a possibilidade de vir morar em Curitiba. Me formei em Letras pela Universidade Federal do Paraná, participei do movimento estudantil, de partido político. Tive contato com

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militantes LGBTI desde 1984 com o Prof. Dr. Luiz Mott e o Dr. João Antônio Mascarenhas, entre outros, que me ensinaram muito. Tive a possibilidade de morar na Europa entre 1989 e 1991. Conheci o movimento LGBTI de lá, que na época estava bem mais avançado que o brasileiro. Com as leituras e vivências fora da minha cultura me despertei para minha autonomia e para minha cidadania e criei a consciência de quem não luta por direitos não os terá, infelizmente. Campanha Ana: A Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil realizada em 2015 e divulgada no ano passado, revelou que o ambiente escolar não e nada seguro para aqueles que não estão na lógica heteronormativa. Quais são os riscos e vulnerabilidade que adolescentes lgbt sofrem no ambiente escola? Toni Reis: Os principais achados da pesquisa foram que 73% dos/das estudantes LGBTI brasileiros/as sofrem bullying LGBTIfóbico nas escolas, 60% se sentem inseguros/as na sala de aula e 37% já sofreram violência física nas escolas. A pesquisa ficou muito rica porque foi autorrespondida (os/as respondentes não foram entrevistados/as, o que diminuiu a inibição de se expressar) e também pela possibilidade de responder livremente uma pergunta aberta sobre as experiências no ambiente escolar enquanto estudantes LGBTI. Foram diversos os relatos de faltar à escola por não aguentar mais ser objeto de chacota. A pesquisa mostrou o quanto a insegurança e o isolamento de estudantes LGBTI na escola afeta negativamente o rendimento acadêmico. Campanha Ana: Na sua avaliação, quais são as medidas necessárias para tornar a convivência mais harmônica, e permanecia dos adolescentes lgbts, já que muitos deles em função dessa violências acabam por abandonar a escola? Toni Reis: Primeiro, temos que ter políticas públicas, tanto no âmbito da legislação, quanto nas práticas pedagógicas, para o respeito à diversidade sexual, de preferência na área da educação em direitos humanos. Segundo, o respeito à diversidade

sexual deve constar especificamente nos marcos normativos, com a BNCC, e sobretudo nos regimentos escolares. Recentemente o Estado do Paraná deu um belo exemplo de respeito à orientação sexual e à identidade de gênero, recomendando que os regimentos de cada Escola/ Colégio contemplem a Diversidade Sexual, no documento da Secretaria de Educação intitulado “Fundamentação legal para a elaboração do regimento escolar da educação básica” http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/F ile/Manuais/manual_regimento2017.pd f

Campanha Ana: Em relação a essa educação que não leva em conta as questões de gênero e orientação sexual, você acredita que a não reflexão sobre pode abrir margem para que ocorra violência sexual a adolescente LGBTI? Toni Reis: Sim, com certeza. Temos que rememorar a Constituição Federal, artigos 205 e 206 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, quando estabelecem três 3 grandes pilares da educação: desenvolvimento humano, educação para a cidadania e educação para trabalho. Os dois primeiros pilares ficam prejudicados se a educação não trabalhar a questão do respeito às subjetividades dos/das estudantes. Campanha Ana: Quais desafios ou tarefas o movimento que luta por direitos de crianças e adolescentes tem diante dessas mudanças nos Parâmetros Curriculares Nacional? Toni Reis: A BNCC vem substituir os PNCs. Primeiro os movimentos devem participar e incidir politicamente no Executivo e no Legislativo, convencer o Conselho Nacional de Educação a incluir orientação sexual e identidade de gênero novamente na BNCC, denunciar toda e qualquer forma de discriminação, participar das etapas municipal, estadual e nacional das Conferências de Educação. Os currículos dos cursos de formação inicial de professores/as (graduação) precisam ter conteúdo específicos sobre o respeito à diversidade sexual, com formação continuada para profissionais de educação, para que estejam preparados/as para acolher efetivamente os/as estudantes LGBTI e agir diante dos problemas que surgem nas escolas. Vejam a entrevista na integra no Blog da Campanha Ana.

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Fica dica

Livros Não Existe Amor Errado (Aharom Avelino, Editora Metanoia)

Filmes As Melhores Coisas do Mundo É um filme Brasileiro de dramalançado em 16 de abril de 2010, dirigido poe Laís Bodanzky. O filme se passa num colégio de classe média em São Paulo, e narra o período de um mês da vida de "Mano", um jovem que vive os altos e baixos da adolescência como conflitos familiares e "a primeira vez". Sofrendo crises da adolescência aos 15 anos.

Vestido de Laerte No filme, uma mistura entre ficção e histórias vividas pelo cartunista, Laerte vai a uma espécie de órgão do governo entregar uma série de documentos para ganhar o direito a frequentar o banheiro feminino.

A escola pode ser um lugar complicado para qualquer adolescente, mas para um adolescente gay, ela pode ser ainda pior. Nando, Lipe, Caio e Júlia são quatro amigos que estão concluindo o ensino médio e precisam aprender a lidar com o preconceito, o julgamento e a agressividade dos outros alunos. Com coragem, amizade e, às vezes, muito humor, eles acabam descobrindo a 'dor e a delícia' de ser quem são. Mas, e se em meio a tudo isso, um deles se apaixonar pelo garoto mais gato da escola? E se esse garoto for heterossexual? Será que, no amor, vale tudo? Será que realmente não existe amor errado?

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Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade da Associação Barraca da Amizade e não pode, em caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

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