Edição n°81 do Boletim da Campanha ANA - A luta dos povos indígenas no Brasil

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Ano V - Nº 81- Abril de 2019

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A luta dos povos indígenas no Brasil Por Kahu Pataxó Coordenador Geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas do Estado da Bahia - MUPOIBA e Estudante de Direito na UFBA

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território, mas também reconheceu que somos cidadãos. Mas, por que digo nos reconheceu como cidadãos? Porque antes da constituição de 88, o Estado brasileiro reconhecia os indígenas como pessoas incapazes. É a partir desse fato que o Movimento Indígena no Brasil ganha ainda mais força para continuar a fazer a batalha das batalhas, que é a garantia do direito ao território. Imagem retirada da Internet

A luta dos povos indígenas no Brasil é secular, e não dar para falar sobre a luta dos povos indígenas sem fazer um breve histórico sobre a nossa luta durante estes 519 anos de lutas. Vale lembrar que nós, povos indígenas, não somos índios. Somos p ovo s i n d í g e n a s. Sendo assim, é importante lembrar que na chegada dos europeus aqui, nós tínhamos mais de 3 mil povos, mais de 2 mil línguas faladas e uma população que variava de 4 a 10 milhões de pessoas. Isso significa que já existia sim um Brasil aqui, muito antes dos europeus chegarem. Mas, passados mais de 500 anos, essa diversidade foi exterminada pouco a pouco. Posso afirmar isso porque hoje temos somente pouco mais de 300 povos indígenas, somente pouco

mais de 200 línguas faladas e uma população de mais de 1 milhão de pessoas. Posso, então, afirmar que tivemos neste país um etnocídio, mas também um imenso genocídio. Esse breve histórico é para mostrar que a luta que nós, povos indígenas, viemos travando não é de agora, e nem começa na constituição e 1988. De fato, essa constituição foi a mais avançado em relação aos nossos direitos. Pois, não só garantiu nosso direito ao

EXPEDIENTE COORDENAÇÃO Lídia Rodrigues SECRETÁRIA EXECUTIVA Cecília Góis ASSESSORES DE CONTEÚDO Paula Tárcia

Rodrigo Corrêa Rosana França DIAGRAMAÇÃO Tatiana Araújo

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analisarmos as propriedades no Brasil, vamos observar que há uma

processo de luta é fundamental, seja pelo vigor de vida, seja pelas facilidades que nós temos de se apropriar do conhecimento dos não índios. Principalmente neste momento o n d e u m gover no que t e m características de ideologia de direita, vem promovendo um ve r d a d e i r o e sistemático processo de desmonte dos nossos direitos. Tal processo pode ser aqui e xe m p l i f i c a d o p a l a m e d i d a provisória 870, que reestrutura o governo federal. Com esta medida, o Governo Bolsonaro tira da Fundação Nacional do Índio – FUNAI a atribuição da demarcação das terras indígenas e transfere tal atribuição para a Secretaria de Reforma Agrária do Ministério da Agricultura. Tais órgão têm como seus dirigentes uma deputada federal auto declara da bancada ruralista como ministra. Essa bancada é a principal bancada contra os direitos indígenas, e tem como secretário da Secretaria de Refor ma Ag rár ia a pr incipal liderança da UDR - União Democrata Ruralista. Toda essa composição é cumpre um acordo de apoio dos ruralistas a este atual governo. Para combater estes retrocessos, o Movimento Indígena Nacional tem convocados atos a nível nacional para mostrar a nossa resistência contra esses retrocessos. Na Bahia não tem sido diferente. Neste ano, o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, definiu como lema do ano a frase “Diga ao povo que lute!! Lutaremos!!”. É com este lema que temos aqui na Bahia feito um intenso processo de resistência e luta. Imagem retirada da Internet

Faço aqui uma pausa para melhor esclarecer o que é território p a r a n ó s indígenas. Para muitos, o território confunde-se com terra. Por isso, há um entendimento equivocado na nossa luta pelo território com a luta por terra. Entendam que nós, povos indígenas, não lutamos por terra e sim por território. Mas, o que é território mesmo? Essa é a pergunta que está na cabeça de vocês neste momento. Território, para os povos indígenas, é uma composição de áreas (porções de terra) que têm cada uma finalidade própria: uma área sagrada onde é exclusiva para nossos rituais (celebrações religiosas), uma outra área exclusiva para o cultivo de subsistência, uma outra área exclusiva para sobrevivência da própria natureza, uma outra área para caça. Todas estas áreas compõe um território, mas vocês devem estar se perguntando: mas e aquelas comunidades que não têm área suficiente para caça, elas ainda são um território? A minha resposta pra vocês é: sim! O território para um povo vai ser igual para outro. Após essa breve pausa, venho falar sobre a nossa grande l u t a o u b at a l h a c o m o d i s s e anteriormente. Para nós, povos indígenas, a luta pelo território é sem dúvida a principal e a mais perigosa, pois os nossos territórios, desde a invasão europeia, foram e continuam sendo invadidos e violados a todo momento. Muitos dizem que há muita terra para poucos índios. Olha, podemos talvez até concordar com esta afirmação, mas se tal afirmação é verdadeira, temos que também afirmar que há muita terra em mãos de poucos não indígenas. Se

concentração gigante de terras em nomes de algumas famílias. É aí que está a grande diferença. Quando falamos em um território indígena, estamos falando que ali mora um povo ou até mesmo, em muitos casos, vários povos em um mesmo território. Temos aqui que analisar uma outra situação. Tais territórios regularizados estão cerca de mais de 70% concentrados no norte do país, mais especificamente na região amazônica. Ficando o restante do país em apenas 30% dos territórios regularizados. Mas o que isso quer dizer mesmo? Que dizer que a maioria das terras indígenas são em áreas de matas distantes e que os interesses nessas áreas são basicamente para extração de madeira e expansão da criação de gado. A garantia ao território é a garantia da vida para nós povos indígenas, pois sem os nossos territórios a nossa sobrevivência em quanto povos está extremamente ameaçada. Essa luta, para todos os povos, tem sido uma luta que transpassa gerações e gerações. Aqueles que eram jovens quando a luta do seu povo começou, hoje nem estão mais entre nós. A geração que hoje está à frente das lutas é uma geração que, em sua maioria, ainda nem existiam e seu povo já lutava p a r a m a n t e r e re t o m a r s e u território. O papel da juventude nesse

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MURALIDADE

FIQUE

por dentro Dívida histórica do mundo os povos indígenas A presidente da Assembleia Geral da ONU, Maria Fernanda Espinosa, afirmou nesta semana que o mundo tem “uma dívida histórica para com os povos indígenas”. Em pronunciamento na abertura do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, a dirigente ressaltou no dia 22 de abril (segunda-feira) que 15% das pessoas mais pobres do mundo são indígenas. A ex-ministra das Relações Exteriores do Equador enfatizou ainda que a inclusão plena dos povos originários é crucial para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda global da ONU para 2030. Ao longo das próximas duas semanas, o fórum permanente da ONU reúne lideranças indígenas de todo o planeta para discutir a preservação dos direitos e da cultura dessas populações. Em 2019, o encontro tem o tema Conhecimento tradicional dos povos indígenas: geração, transmissão e proteção. Fonte: www.nacoesunidas.org

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dICIONÁRIO DE DIREITOS HUMANOS Feminicídio: Genocídio: extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. destruição de populações ou povos. Transgênero: visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais.

Fique ligado nas matérias do boletim desse mês de abril. Temos várias matérias interessantes falando sobre o dia do índio e a história do povo indígena.

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da rede

Dia da Terra. Em tweet para marcar o Dia da Terra, celebrado no dia 22 de abril, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu que todos se envolvam, da maneira que puderem, em ações contra as mudanças climáticas. Na sede da ONU, em Nova Iorque, dirigentes da Organização e de seus países-membros alertaram para os riscos trazidos pelo aquecimento global e pela destruição do meio ambiente. Também no Twitter, a presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Maria Fernanda Espinosa, disse que cuidar da natureza significa “cuidar das pessoas”. A equatoriana enfatizou a necessidade de respeitar os ciclos de vida naturais e de contribuir com a manutenção da biodiversidade, de modo que o mundo possa “continuar (a existir) e prosperar”. “Somos a última geração que pode impedir danos irreparáveis ao planeta e aos seus habitantes”, tweetou Maria Fernanda. “Estamos numa encruzilhada. Esse é o momento em que decidimos o caminho que queremos tomar, para evitar chegar a um caminho sem volta no aquecimento global. Já sabemos os resultados da inação.” Fonte: www.nacoesunidas.org

Olá pessoal!

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notÍcias

www.anamovimento.blogspot.com

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entrevista

Soraya Vanini Tupinambá é engajada na ecologia política, engenheira de pesca pela Universidade Federal do Ceará, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFC, Mestre em Des. e Meio Ambiente pela UFC, e Mestre em Gestão de áreas Litorâneas pela Universidade de Cádiz- Espanha. Sócia fundadora do Instituto Terramar e sua atual presidente, também assessora parlamentar na área de meio-ambiente do Dep. Estadual Renato Roseno do PSOL CE. Dedicou toda a sua vida ao trabalho com a temática ambiental e as populações tradicionais e originárias (indígenas) do estado do Ceará, desde 1993.

Campanha Ana: Como é ser uma mulher indígena lutando na ocupação da política “tradicional”? SorayaTupinambá: Bem, sabemos que a participação de alguns segmentos na vida política oficial é muito menor do que deveria ser, afirmo isso porque as mulheres, mas não só elas, negros(as), indígenas, e outros segmentos estão ausente ou subrepresentados(as) nos espaços políticos de vida. Vemos as mulheres e esse outros grupos presentes nos espaços de vida, denomino assim os espaços de vida comunitária, onde as mulheres e estes grupos se destacam como lideranças políticas expressivas. Muitas são lideranças pela conservação ambiental de seus territórios, são lideranças em luta pela educação, saúde e tantas outras causas significativas para a qualidade de vida de suas localidades. No parlamento nacional as mulheres em 2019 ocupam 15% das duas Casas Legislativas. Atualmente, o país ocupa a 156ª posição na lista de 190 países refletindo a baixíssima participação política das mulheres na política oficial. O que reflete uma sociedade machista, e fortemente patriarcal, mas ainda racista e conser vadora. A porcentagem de mulheres na política oficial ainda é baixa, mantém o Brasil no rodapé de um

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ranking mundial de presença feminina em Parlamento...Ao meu ver a política oficial deveria refletir a presença e o exercício que as mulheres tem na vida política real, bem como a de negros(as), e de indígenas. As cotas portanto deveriam estar presentes nos parlamentos. C. Ana: O que os povos indígenas podem ensinar às pessoas não indígenas? Soraya T.: Muita coisa, sobretudo em u m m u n d o q u e v i ve u m a c r i ve civilizacional sem precedentes, onde o modo de vida baseado no hiper individualismo e no hiperconsumo nos levou a um planeta superaquecido onde a vida está ameaçada, assim como a biodiversidade, a água, o clima.Aprender com os indígenas é aprender a respeitar o metabolismo da natureza, é viver e deixar viver, é cuidar das bases de reprodução da vida, nos comprometendo com o futuro do planeta e das novas gerações. É aprender a dimensão sagrada da natureza e a noção de cuidado estendida aos parentes, que extrapolam em muito a família como a conhecemos. Essa noção se estende ao cuidado com todos(as) que integram uma aldeia por exemplo. A sociedade atual precisa alargar sua esfera de cuidado a mais seres, aumentando sua empatia e seu compromisso com um projeto de vida. C. Ana: Os/ as indígenas, culturalmente entende a criança indígena como responsabilidade de todos os integrantes da aldeia. Na cultura indígena isso é comum a todas as tribo/etnias? Ou apenas em algumas? Em linha gerais como é para as pessoas indígenas essa fase criança e adolescente? Soraya T.: Essa é uma dimensão muito presente na cosmovisão indígena, o sentido de família alargada, a grande família humana que se configura na aldeia, mas também a grande família estendida dos "parentes", como assim denominam outros indígenas, e podemos dizer de sua grande visão de solidariedade e afeto estendida aos seres humanos, mas também ao não humanos, como animais e plantas. A dimensão do sagrado também aporta muito essa cosmovisão o que faz com que essas comunidades tenham uma visão mais solidária e cuidadosa com todos os seres. Lembro-me de uma vez estar na comunidade dos Tupinambá na Serra do Padeiro e ouvir de Dona Maria, grande liderança indígena Tupinambá e mãe do cacique Babau dizer, "olha aquela criança, está na hora dela ir pra casa, espera que eu vou dizer pra ele descer daquela cerca e ir pra casa dele, porque aqui na nossa aldeia é assim, todos(as) são nossos(as) filhos(as), são filhos (as) dessa grande comunidade, aqui todo mundo

cuida, não tem isso de ser meu, teu filho(a), são nossos filhos e filhas, dos Tupinambá". Achei fantástica essa ideia e fiquei pensando que se tivéssemos essa visão em meio aos grandes centros urbanos talvez pudéssemos ter maior empatia com crianças, adolescentes, jovens, com todos e todas, produzindo uma convivialidade mais cuidadosa e empática capaz de criar melhores condições para o florescimento das potencialidades humanas. C. Ana: Embora seja um dia importante, o dia 19 de abril (dia do índio no Brasil) colabora ou prejudica a imagem da cultura, dos saberes e dos conhecimentos sobre as pessoas indígenas no País? S o r a y a T. : B e m h o j e h á u m a folclorização desse dia, tem servido mais a uma visão congelada como a que vemos até mesmo nos ambientes escolares, o índio de cocar e de penas. Predomina um olhar folclorizado do indígena e pouco se tem conquistado a população brasileira e internacional para se solidarizar com a espoliação das terras indígenas, com a usurpação de seus territórios, com o reconhecimento de indígenas que estão nos centros urbanos ou que já apresentam costumes e vestuário semelhante à das populações não indígenas. É como que se a indigeneidade fosse definida por trajes, acesso ou não à tecnologia. Entretanto essas culturas não estão congeladas, elas se atualizam e se relacionam com outras culturas. C. Ana: Soraya, quais caminhos são necessários para que haja uma relação entre ser humano e natureza de forma saudável e transformadora, não predatória? Por onde começar? Soraya T.: Acho que precisamos nos desalienar da relação com a natureza, precisamos nos relacionar de maneira mais aproximada com os circuitos naturais, através de uma alimentação que busque substituir os produtos ultra processados por produtos naturais, precisamos ainda enfrentar o envenenamento dos alimentos e do ambiente através de agrotóxicos, enfrentar a degradação da agrobiodiversidade combatendo os transgênicos, buscar alimentos de cadeias locais fortalecendo os sistemas produtivos locais, batalhando pelas suas sustentabilidades. Enfrentar a superexploração dos bens comuns, como a água, o solo, as florestas. Precisamos fortalecer o cuidado como dimensão relacional e suplantar a perspectiva capitalista que transforma tudo em mercadoria, expoliando e comprometendo a integridade da vida em nosso planeta.

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Fica dica

Livros O que lugar de fala?

Filmes Terra Vermelha Um grupo de índios vive em uma fazenda trabalhando como escravos e ganham alguns trocados para posarem como atração turística. Eles decidem reivindicar suas terras e de seus ancestrais, começando um grande conflito com os fazendeiros. Enquanto isso, o jovem Osvaldo, que vive um ter rível embate contra o desejo de morrer, vai furtivamente buscar água no rio que corta a fazenda e conhece a filha do fazendeiro. Um encontro em que a força do desejo transpassa e ao mesmo tempo acentua o desentendimento entre as civilizações.

Flor Brilhante e as cicatrizes de pedra Flor Brilhante é a matriarca de uma família indígena de rezadores GuaraniKaiowá que vive na reserva de DouradosMS, Brasil. Lá, cerceados de seu modo de viver originário, tentam s o b r e v i v e r preservando conhecimentos e hábitos da cultura dos antigos, enquanto convivem com os efeitos e mazelas causados pelas explosões continuas de uma usina de asfalto, que dinamita e explora uma pedra sagrada no território da aldeia há mais de 40 anos.

Neste livro, o leitor vai conhecer a história de uma criança indígena brasileira que poderia pertencer a qualquer povo ou falar qualquer língua. Vai descobrir que ela faz muitas coisas que toda criança faz, mas com uma grande diferença: a criança indígena não perdeu o contato com a natureza, não tirou o pé da terra e sabe escutar os sinais da floresta. Vamos aprender um pouco com ela?

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Cofinanciador

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Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é de exclusiva responsabilidade da Associação Barraca da Amizade e não pode, em caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

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