Breve Hist贸ria da Tipografia Nacional Das fundidoras do s茅culo XIX aos tipos digitais
Ana Carla Quinelato Noia Maria Eduarda Martins de Oliveira
Breve Hist贸ria da Tipografia Nacional Das fundidoras do s茅culo XIX aos tipos digitais
Vit贸ria, 2014
Breve História da Tipografia Nacional: das fundidoras do século XIX aos tipos digitais Universidade Federal do Espírito Santo História do Design no Brasil Desenho Industrial 2014/1 Ana Carla Quinelato Noia - anacarlaqn@hotmail.com Maria Eduarda Martins de Oliveira - mariae.moliveira@hotmail.com
Diagramação: Ana Quinelato Colaboração: Maria Eduarda Martins Tiragem: Única Edição 01 Encadernação manual Tipograifas: Avenir, Garamond, Corbel
Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção de nota na disciplina História do Design no Brasil no curso de Desenho Industrial, na Universidade Federal do Espírito Santo. Orientação: Profa. Dra. Letícia Pedruzzi Fonseca
RESUMO O presente artigo expõe o desenvolvimento tipográfico no Brasil desde o século XIX até os dias atuais. Aqui serão apresentadas informações sobre o início da atividade de fundição de tipos e a evolução dessa atividade ao longo dos últimos anos, destacando a conversão de fontes para o meio digital e a contribuição de designers brasileiros para a evolução do campo profissional no país. Palavras chave: tipografia, design de tipos, fundidoras, OpenType, produção nacional.
sumário Introdução _11 1. A criação da Imprensa Nacional _12 1.1 O instituto dos meninos artesãos _14 1.2 Inicio da fundição comercial de tipos no Rio: Pinart e Balonchard _15 1.3 Catálogo de Tipos _16
2. Desenvolvimento Tipográfico no século XX _18 2.1 A produção digital _19 2.2 A produção Tipográfica Digital no Brasil _21 2.3 Produção comercial: as primeiras experiências internacionais _21
3- O século XXI e uma nova fase da criação _24 3.1 Eventos tipográficos _26 3.2 As principais referências em tipografia brasileira _27
Considerações finais _29 Referências bibliográficas _31
introdução
A
pesquisa realizada aqui conta um pouco da história da tipografia no Brasil, desde o século XIX, passando pelo seculo XX e pelos dias atuais com a atuação dos principais designers de tipos brasileiros e suas participações na Bienal de Tipos Latinos. Apresentamos então, as dificuldades do Brasil em entrar no mundo da tipografia, uma vez que durante anos foi proibido por Portugal de ter tal atividade. Contudo os registros da Biblioteca Nacional são muito importantes para entender como funcionou e quem foram os responsáveis por realizar este trabalho no país. Os tipos digitais tambem chegam de forma tardia devido a ditadura militar, mas nos anos 90 o computador se torna mais acessível, fazendo com que os designers possam fazer experimentações com os tipos digitais. Nos dias atuais temos grandes nomes brasileiros atuantes como designers de tipos digitais e que mantém projetos que dão destaque ao país pela criação de tipos novos.
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1. A criação da imprensa nacional
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o século XIX, a Imprensa Nacional começa a fundir tipos, a partir de 1810-11. Com a vinda da família real para o Brasil foram produzidos diversos documentos oficiais, ainda no navio, necessários à instalação do governo. Chega ao Brasil então 28 caixas de tipos ingleses (LIMA, 2008). Anterior a isto, em 1747, foi estabelecida a Segunda oficina de Antônio Isidoro da Fonseca no Rio de Janeiro. A iniciativa não contou com o apoio do governo e ele foi mandado de volta a Lisboa, junto com seu equipamento. Os portugueses só autorizaram a produção de tipos com a criação da Imprensa Nacional, seis décadas depois da primeira tentativa (LIMA, 2008). A Imprensa Nacional se tornou também uma gráfica oficial e editora de textos literários e didáticos. Dos nomes recebidos estão: Impressão Régia, Impressão Nacional, Tipografia Nacional, Imprensa Nacional. Sendo a única responsável pela impressão no país, começou a publicar o jornal Gazeta do Rio de Janeiro (figura 1) (LIMA, 2008).
Figura 1: Gazeta do Rio de Janeiro, 1808, o primeiro jornal impresso no Brasil.
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Em 1811 foi feito o primeiro pagamento aos aprendizes e,em 1813, a Junta da Imprensa Nacional fornece uma bolsa de estudos à Alexandrino José das Neves para o aperfeiçoamento do mesmo em uma fundidora de tipos inglesa. De volta ao Brasil ele não se interessa com o trabalho e vai a Portugal onde trabalha na Imprensa Nacional Lisboeta. Esta atitude, segundo Lima (2008), desanimou o governo de outras tentativas de formação de puncionistas no exterior. O setor de fundição de tipos não teve um desenvolvimento constante, sendo ainda praticada a compra de tipos no exterior. Em 1822, intermediada pelo livreiro francês Paulo Martin, foram comprados tipos franceses (LIMA, 2008).
1.1. O instituto dos meninos artesãos Em 1859, foi criado o Instituto dos Meninos Artesãos. Um mestre foi contratado para dar aula aos jovens infratores da prisão carioca, porém devido aos custos o projeto não teve andamento. Paralelo a isto ocorreu a chegada do fundidor Luis Muratet. Ele ficou responsável por ministrar as oficinas aos menores da Casa de Correção, ensinando-os a fundir tipos. Lima (2008) propõe que Muratet tenha conhecido pessoas influentes na Corte, o que explicaria o contrato assinado em 1863 para que vendesse sua oficina de fundição e esta passasse a funcionar na Casa de Correção, junto com o projeto de recuperação no Instituto dos Meninos Artesãos, conforme contrato:
As condições podem ser resumidas no seguinte: a oficina, avaliada por peritos, foi apreçada em 17:000$000, sendo situada no Instituto dos Menores Artesãos, e regida pelas mesmas regras das demais oficinas dessa instituição. Caberia ao Mestre criar o regulamento interno a ser aprovado pelo Diretor da Casa de Correção. Luis Muratet receberia duzentos mil réis mensais para dirigir a oficina (figura 2). O governo se comprometia a fornecer os materiais solicitados pelo Mestre e este poderia rejeitá-los, caso não fossem apropriados, seja pela qualidade, seja pelo preço exorbitante. O Governo ainda realizaria os reparos e concertos no maquinário que fossem necessários. Mas o pagamento da oficina se faria pelo rendimento da fundidora. (LIMA, 2008, p.30)
Contudo a oficina foi fechada em 1865 pelo Ministério da Justiça, alegando o alto custo e pondo a finalidade educativa e criativa não condizente com a Casa de Correção. A fundição foi manejada para a Imprensa Nacional e o Ministério da Justiça assumiu a responsabilidade
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de pagar o devido a Luis Muratet (LIMA, 2008).
Figura 2: Contrato com Luis Muratet constando do Relatório Ministerial do Ministro da Justiça de 1863
A experiência de Muratet trouxe para a Tipografia Nacional, segundo Lima (2008), equipamentos, utensílios e materiais que ampliaram sua participação na fundição de tipos.No final do século XIX, com noventa anos de existência da Imprensa Nacional, não se pode afirmar a existência de tipos criados por seus técnicos
1.2 Inicio da fundição comercial de tipos no Rio: Pinart e Balonchard Começam a aparecer nas primeiras décadas do século XIX, no Rio de Janeiro, as primeiras oficinas de fundição de tipos particulares. No estudo da fundição de tipos, não encontramos somente criadores de novos alfabetos, mas tambem artesãos que sabem reproduzir matrizes, fazendo os tipos de metal com perfeição (LIMA,2008). Pierre Joseph Pinart foi o primeiro nome ligado à fundição comercial de tipos. Espingardeiro de profissão, era responsável pela fabricação destas armas. Este trabalho requeria forjar metais, o que era comum com o trabalho de fundidor. Em 3 de fevereiro de 1829 ele anucia no Diário do Rio de Janeiro o estabelecimento de uma fundidora de caracteres de imprensa. Contudo desiste do negócio em janeiro de 1832, quan-
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do publica a venda de moldes para uma fundição de tipos (LIMA,2008). Isaac Balonchard, frances, chega ao Brasil em 1837 com sua mulher e dois filhos. Ele estabelece a primeira fundidora de tipos comercial do Rio de Janeiro. Orgulhoso de sua posição de pioneiro, Balonchard se intitula “primeiro fundidor europeu vindo em socorro da imprensa brasileira”. Seus anucios são publicados quatro vezes no famoso Almanack Laemmert, que é uma lista de pessoas e firmas atuantes no Rio de Janeiro (LIMA,2008). O Almanack Laemmert separava as listas de profissionais por grupos, e um deles era o dos Fundidores e Maquinistas que no ano de 1844 só apresentava Balonchard como fundidor de tipos. .
1.3 Catálogos de Tipos Fundição Francesa é o nome fantasia para a empresa de Balonchard pois, após sua morte foi comprada por sucessores também franceses. Esta empresa merece destaque pela longevidade, contabilizado 55 anos de atuação que termina no inicio do século XX, depois da composição dos jornais começar a ser feita por máquinas de linotipo. Sua importancia é dada também pela existencia no acervo da Biblioteca Nacional, um catálogo de tipos de sua autoria (Lima,2008). O exemplar do catálogo existente é da Fundidora Francesa de Bouchaud e Sobrinho, tem a maioria dos textos em frances, indicando a nacionalidade de seu compositor. Embora possa haver tipos criados desde sua fundação, a afirmação nas páginas de ser o Catálogo da Fundição Fracesa de Bouchaud e Sobrinho (figura 3), restringe a publicação entre 1877 e 1887, quando tio e sobrinho comandaram a empresa (Lima,2008). Tendo Balonchard chegado no Brasil em 1845, os tipos podem ter sido adquiridos na França, mas representam a tipografia ornamentada dos anos da Revolução Industrial (LIMA,2008).
Figura 3: Catálogo fechado, capa dura com dourações
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Em bom estado de conservação, falta-lhe apenas a folha de rosto. Os estudos das fontes nesse catalogo tem como base a tabela da obrada historiadora Nicolette Gray (1976), fundamental para o conhecimento das tipografias do século XIX. Tendo Balonchard chegado no Brasil em 1845, os tipos podem ter sido adquiridos na França, mas representam a tipografia ornamentada (figura 4) dos anos da Revolução Industrial, sendo comprados depois de estarem na moda por um possível preço menor (LIMA,2008).
Figura 4: Exemplo de fonte do Catálogo da Fundição Francesa
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2. Desenvolvimento tipogrĂĄfico no sĂŠculo xx
O
desenvolvimento tipográfico se tornou obsoleto nos anos finais do século XIX, permanecendo apenas o aperfeiçoamento e uso das prensas de uso manual já existentes. No século XX foi implantado no Brasil a Minerva, máquina de platina que possui modelos manuais e automáticos. Máquinas rotativas de baixa e alta rotatividade eram usadas nos primeiros anos do século para impressão de grandes tiragens, como os jornais diários. Na década de 1970 a produção de tipografia manual e os processos de impressão usados até então foram perdendo destaque por causa do advento do sistema de impressão offset e logo adiante com o surgimento dos computadores.
2.1 A produção digital Os começo da produção digital de tipos ocorreu em 1975, quando Herman Zapf e Gerard Unger traduziram para o computador os desenhos tipográficos das famílias Marconi e Demos, respectivamente. Segundo Gomes (2010), esses primeiros tipos digitais eram traduzidos em linhas de contorno a partir de equações matemáticas simples, e renderizados em pixels nos seus diversos tamanhos de corpo, utilizando um sistema desenvolvido pela empresa UWK, em 1973, denominado Ikarus. Durante a década de 1980 o interesse dos desenvolvedores de fontes passou a ser voltado à produção para uso em telas de baixa resolução dos computadores usados então.
As fontes bitmap seriam adequadas para essa situação de uso e suas formas eram definidas por um mapa de pixels para cada caractere, em cada tamanho que seriam exibidas na tela. Na impressão, no entanto, seu aspecto seria bastante precário quando ampliado a grandes tamanhos. Com o surgimento de fontes em arquivos vetoriais escalonáveis, passou-se a desenvolver também fontes que pudessem ser utilizadas adequadamente na impressão, por meio de instruções matemáticas precisas que previam as formas das letras em diferentes tamanhos quando impressas (GOMES, 2010, p.42).
Nesse período a produção gráfica evoluiu muito, pois, houve uma redução no custo e mão de obra na fabricação. Ocorreu também
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uma expansão no número de profissionais atuantes na indústria tipográfica. Para Bringhurst, o advento dos computares foi ocorrência fundamental para tais acontecimentos:
A inovação mais importante no período 1960-1980 não foi a conversão das fontes para o filme ou para o metal, mas o advento dos computadores para editar, compor, corrigir o texto e comandar as ultimas gerações de máquinas de composição (BRINGHURST, 2005, p.155).
Atualmente o padrão tipográfico é denominado OpenType e trata-se de um novo formato de programação tipográfica. O projeto iniciado em 1995 quando, em conjunto, as empresas Microsoft e Adobe desenvolveram um híbrido dos formatos existentes que fosse compatível com ambas plataformas. Vale ressaltar que essa parceria só ocorreu depois que a Apple desenvolveu e melhorou algumas extensões que permitiam a criação de fontes que pudessem ser ampliadas e usadas na impressão sem perder a qualidade gráfica. O primeiro formato desenvolvido, em 1985, nomeado PostScript foi difundido rapidamente, se tornando um padrão de mercado, porém, a tecnologia não permaneceu por muito tempo, pois, logo no final da década de 80 a mesma desenvolvedora se encarregou de criar um novo formato, chamado TrueType, que anos depois foi lançado no sistema do Mac OS X e posteriormente adotado pela Microsoft. De acordo com Gomes (2010), a Microsoft não permaneceu muito tempo usando a tecnologia, apesar de ter aceito novo projeto, pelo fato de ter de pagar royalties a sua principal concorrente, preferindo fazer a sua própria extensão, batizada de TrueType Open. Foi em 1996 que a Adobe, que já havia se associado a Apple seis anos antes e patenteado o projeto do PostScript Type I, se atrelou a Microsoft e então fundiu a programação do PostScript com a TrueType Open fazendo nascer a atual OpenType. Sandro Fetter (2010), faz o seguinte apontamento acerca da nova tecnologia: As novas tecnologias trouxeram consigo uma grande sensação de liberdade, e permitiram ao mundo do design gráfico fácil acesso e a exploração de uma nova especialidade aparentemente sem limites: a tipografia digital. [...] Desta revolução tecnológica, surge um breve período de energia e produção em alta escala, que termina tão rápido quanto se inicia. […] Este avanço permitiu o desenvolvimento de novas fontes tipográficas que contenham vários sistemas de escrita unidos em um único arquivo. Isso possibilitou também a reprodução tipográfica de sistemas de escrita altamente complexos, como o japonês. ¬(FETTER, 2010, p.07)
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2.2. A produção Tipográfica Digital no Brasil Na década de 1980 o uso de computadores pessoais ainda era restrito a programadores e engenheiros e a maioria dos softweres e hardweres mais sofisticados eram importados. No ano de 1884, quando o país passava pela transição da ditadura militar para a democracia, entrou em vigor a denominada Lei de Reserva de Mercado (n. 7.232/84) que servia como estímulo para a produção local e proteção ao mercado interno. Essa lei teve como conseqüência um atraso tecnológico de cerca de sete anos, além da incitação a pirataria quando empresas nacionais copiavam as empresas norte-americanas. O acesso as tecnologias estrangeiras só foi permitida no Brasil em 1991, quando uma nova lei autorizou a importação desses materiais e um maior número de designers teve condições de fazer experimentações tipográficas. (GOMES, 2010). Apesar das condições nada favoráveis, o designer Rodolfo Capeto, em 1980, iniciou testes e experimentações utilizando as possibilidades técnicas disponíveis na época, criando formatos específicos para legendas de vídeos em monitores CRT, realizando a construção digital de fontes já existentes, como a Helvética. O primeiro desenho inédito de fonte digital brasileira foi feito em 1989, quando o designer Tony de Marco criou a Sumô (Figura 5), fonte com formas geométricas rígidas e com baixa legibilidade.
Figura 5 – Sumô (1989) de Tony de Marco
2.3 Produção comercial: as primeiras experiências internacionais
A partir de 1990 a produção nacional caracterizou-se principalmente pela liberdade formal e a produção de fontes do tipo display com influências pós-modernas e a desconstrução de formas. Fernandes (2008) citado por Gomes (2010) destaca algumas características dessa primeira fase de desenvolvimento produtivo de tipografia no país: Tínhamos muito pouca informação, muito pouco conhecimento. E na época, também, acho que todo mundo aqui no Brasil estava um pouco fascinado
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com a coisa de desconstruir. [...] Lembro que entre as primeiras fontes que fizemos, haviam essas detonadas, que eram processadas por um filtro a partir de duas fontes diferentes. Outros temas de criação eram fontes a partir da escrita popular e fontes a partir da geometria. As pessoas que estão começando tem tendência a fazer fontes geométricas. (FERREIRA, 2008. In: GOMES, 2010. p. 78)
Prisclia Farias e Cláudio Rocha foram pioneiros na publicação e distribuição de tipos no exterior, quando, entre os anos 1997 e 1998, comercializaram seus trabalhos através das empresas T-26 e a Typeface Corporation (ITC), respectivamente. O vínculo com essas distribuidoras de tipos permitiu aos produtores uma estabilidade financeira muito maior do que a existente no Brasil, já que nos EUA o mercado de fontes licenciadas já havia se expandido. As fontes desenvolvidas por Rocha foram as primeiras simulações de escrita manual vendidas internacionalmente (GOMES, 2010). Ainda no ano de 1998, no Rio de Janeiro o grupo Subvertaipe, sob liderança do designer Billy Bacon, deu início a produção e distribuição independentes de fontes de caráter desconstrutivo, compatíveis com os sistemas Mac e PC. Essas fontes eram adquiridas por agências de design e publicidade. Esse fato é característica da tentativa de criar um mercado interno de licença e uso de tipos experimentais. Neste mesmo período outros grupos dedicados ao trabalho surgiram no país, inspirados nos trabalhos de Bacon. No Rio de Janeiro, nasceu o grupo Fontes Carambola, composto pelos então estudantes Gustavo Ferreira, Fabio Lopez, Guilherme Capilé, Emílio Rangel, Erik Grigorovsky e AngeloBottino. O grupo Tipos do aCASO, de origem no Recife, era composto por jovens designers pernambucanos que desenvolveram variadas fontes de caráter desconstrutivo, com referências vernaculares ou formas geométricas e modulares. Ambos os grupos fizeram e distribuíram seus trabalhos de forma independente e permaneceram ativos até os anos 2000. Gomes (2010) fala acerca da produção na década de 1990: A referência ao pouco acesso aos conhecimentos específicos é bastante recorrente em relatos de designers de tipos brasileiros, quando falam da situação na década de 1990. Mas isso não impediu as iniciativas pioneiras de pessoas que pareciam querer, sobretudo, aprender fazendo (GOMES, 2010).
Contrapondo as características experimentais que prevaleciam na época, alguns designers mantiveram o foco na criação de fontes institucionais feitas sob encomenda. Foi o caso da paulistana Fernanda Martins, responsável por abrir caminho a um novo tipo de produção
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preocupado em manter a legibilidade e gerar soluções visuais. Gomes (2010) cita outros projetos importantes e grupos nascidos nos anos 90. São eles: Periódico Design de Bolso(Rio de Janeiro, 1997), Grupo Tipos Maléficos (Curitiba, 1998), Grupo Gemada Tipográfica (Brasília, 2000), Revista Tupigrafia(São Paulo, 2000). Dentre esses grupos, alguns tentaram investir no consumo local, enquanto outros apostaram em contatos internacionais nos Estados Unidos e Europa. Houve também o investimento em projetos sob encomenda, mas todos na tentativa de ocupar espaço e criar uma identidade tipográfica nacional. Características que marcaram a imersão do país na produção digital (GOMES, 2010).
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3. O século xxi
e uma nova fase da criação
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m 2001, inicia-se uma nova fase no âmbito da criação digital, quando Rodolfo Capeto projetou para o dicionário homônimo a família tipográfica Houaiss (Figura 6), que se tornou referência por ser a primeira família para texto e ter uma diversidade de versões, além de sua alta complexidade tecnológica. Gomes (2010) aponta que o trabalho foi o canal para o surgimento de novas fontes brasileiras para texto e marco de uma nova etapa da produção nacional.
Figura 6 – Houaiss, desenvolvida para o dicionário homônimo, por Rodolfo Capeto
Nesse período de amadurecimento da atividade, alguns designers do país se especializaram em Design de Tipos na Europa e obtiveram novas experiências. Observa-se a permanência na elaboração de fontes display, comuns nos anos 90, sem haver queda na importância da produção de fontes para leitura. No entanto as fontes display deixam de ser totalmente experimentais e adquirem uma expressividade mais evidente. Gomes (2010) aponta que:
Ao longo da década de 2000 foram desenvolvidas famílias cada vez mais complexas em termos de variações de peso, largura, inclinação, entre outros elementos construtivos. Nesse tipo de projeto tipográfico, com certa freqüência, são necessárias definições de variáveis sob as quais o desenho irá se comportar, na construção de identidade e alteridade entre diferentes fontes numa mesma família (GOMES, 2010, p.94).
Há então, nessa nova faze uma adaptação aos padrões estéticos do mercado, a divulgação e comercialização de novos projetos para uso em empresas estrangeiras de comunicação. No entanto, a identidade brasileira nesses projetos ainda não é imponente, Gomes (2009) afirma que a identidade tipográfica se mostra um pouco deslocada, já que os brasileiros possuem uma tendência histórica a absorver elementos estrangeiros e rearranjá-los. O autor destaca também que esse novo arranjo cultural pode ser favorável, já que evidencia a criatividade da
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produção tipográfica. Vale destacar a importância da rede mundial de computares para a expansão do mercado brasileiro mundo a fora. A comunicação instantânea facilitou a migração da compra e vendas de tipos e também o surgimento de parâmetros avaliativos o que teve como consequência um mercado mais competitivo e exigente (GOMES, 2010).
3.1 Eventos tipográficos Foram relatados no capítulo anterior alguns dos mais importantes movimentos tipográficos e grupos focados no desenvolvimento da atividade em todo o país. Agora, nessa nova etapa de produção e crescimento, é destaque o surgimento de diversos eventos e concursos voltados para a divulgação do trabalho dos profissionais e estudantes do campo. A seguir serão apresentados alguns dos eventos de maior evidência e também projetos expostos de maior destaque. TypeCon é o nome da primeira edição da exposição que aconteceu no ano de 2003/ Letras Latinas. Participaram os brasileiros; Priscila Farias, Eduardo Omine, Tony de Marco e Caio de Marco. Esses dois últimos foram responsáveis por desenvolver a família para títulos Samba (figura 7), inspirada no lettering de J. Carlos, e que foi ganhadora do prêmio no International Type Design Contest, promovida pela Linotype.
Figura 7 – Samba foi desenvolvida por Tony de Marco e Caio de Marco.
Em 2004, ocorreu a primeira Bienal Letras Latinas, no memorial da América Latina em São Paulo e simultaneamente na Argentina, Chile e Uruguai. Na ocasião foram apresentados 235 trabalhos, sendo que quarenta destaques eram brasileiros e dez desses foram selecionados por suas boas características visuais e estéticas (GRUNOW, 2004). A Letras Latinas prevaleceu até o ano de 2006 e em 2010 surgiu o Bienal de Tipos Latinos dando continuidade ao projeto já existente. A Bienal de Tipografia Latino Americana realizou em 2014 a sua sexta edição e é composta por 14 países: Argentina, Bolívia Chile, Colômbia, Cuba, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. (TIPOS LATINOS, 2014)
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Outra Bienal de destaque é a realizada pela Associação de Design Gráfico (ADG), ela vem acontecendo desde 1992, é o mais tradicional evento que reúne estudantes, profissionais e clientes da indústria criativa. Bruno Porto, coordenador geral do evento, diz que a bienal revela novas perspectivas acerca das principais mudanças e aperfeiçoamentos que o design vem sofrendo em relação ao Brasil e ao mundo (Porto, 2014).
3.2 As principais referências em tipografia brasileira Como vimos no capítulo três, a partir do ano de 1997 surgiram alguns grupos e projetos importantes para o crescimento da tipografia no país. As ações tipográficas apresentadas aqui são responsáveis por boa parte da produção tipográfica e pela imersão de novos talentos na área. São elas: Tipos Brasil, Tipocracia, Oficina Tipográfica de São Paulo, Outras Fontes, Just in Type, Tupigrafia, Crimes Tipográficos e Tipos do Acaso (TIPO DA FONTE, 2012). Os designers envolvidos nesses projetos são considerados os mais experientes e foram os responsáveis pelo crescimento e destaque do país no setor de criação de tipos digitais.
Priscila de Farias Referência entre os designers, Farias recebeu em 2002 o prêmio Ouro da Associação de Designers (ADG) de melhor categoria Tipografia na sexta edição da bienal promovida pela associação. Ela é criadora de uma das primeiras obras obras de referencia sobre tipografia digital ‘Tipografia digital: o impacto das novas tecnologias’.
Tony de Marco Considerado pioneiro na produção digita do país pois, em 1989 realizou o que é considerada a primeira tipografia digital denominada Sumô. Além disso Marco foi ilustrador na Folha de São Paulo. Atualmente é editor da revista Tupigrafia.
Fábio Lopez Trabalha com pesquisa e desenvolvimento de fontes digitais desde 1998 e tem projetos de design expostos e publicações nacionais e internacionais. Atualmente faz parte da organização da Bienal Tipos Latinos.
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Ricardo Esteves Desdica-se desde 2005 em pesquisas e design de fontes digitais. Coordena o projeto Outras Fontes. Responsável pelo desenvolvimento das premiadas Jana Thork e Maryam.
Gustavo Lassala Autor do livro ‘Pichação não é pichação’ cria e produz e comercializa fontes digitais pelo distribuidor americano MyFonts.
Yomar Augusto Ele ensina tipografia para publicidade, iniciou a carreira como designer gráfico e posteriormente fez mestrado em design de tipos pela Royal Academy of Art em Hague na Holanda. Yomar ganhou destaque por desenvolver a fonte Unity para a campanha da Adidas na copa de 2010 da FIFA e estampar a bola Jabulani e uniformes da Alemanha e Espanha.
Leonardo Buggy Criador da Tipos do aCASO, primeira fundição de tipos digitais do Nordeste, também trabalhou em campanhas para grandes empresas como a Ford, Unilever, Walmart. Buggy é autor do primeiro livro em português sobre design de tipos. Suas fontes mais conhecidas são: Cordel Disquete, Bitmap, Oxe, Régua, AvantBuggy, Lia e Fatwood.
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considerações finais
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bserva-se então que desde o século XIX até os dias de hoje, muitos foram os obstáculos para o desenvolvimento de tipografias nacionais. O governo do Brasil, desde a época da coroa portuguesa com a proibição da entrada de tipos móveis até a ditadura militar que proibiu a entrada de computadores estrangeiros, ilustra a escassa produção de tipos e fontes comparado com outros países. Contudo o cenário hoje do design de tipos brasileiro é muito bem visto mundialmente, com tipos premiados e designers bem sucedidos em suas obras que também são responsáveis pelo processo de formação de novos profissionais nesta área. Vale ainda destacar os eventos criados para premiar as fontes e seus autores, servindo de grande incentivo e reconhecimento do trabalho do designer de tipos. A grande participação de brasileiros nestas exposições mostra como o Brasil vive uma fase bem sucedida de criação de novas fontes digitais.
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referências bibliográficas GOMES, Ricardo Esteves. O design brasileiro de tipos digitais: a configuração de um campo profissional. São Paulo: Blucher, 2010. HORCADES, Carlos M. (org). Almanaque tipográfico brasileiro. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. TIPOS Latinos. Catálogo da 3ª Bienal Latino-Americana de Tipografia. São Paulo, 2008. TIPOS Latinos. Catálogo da 4ª Bienal Latino-Americana de Tipografia. São Paulo, 2010. LIMA. Edna Lucia Oliveira da Cunha. Fundidoras do Século XIX. Anunciantes no almanaque Laemmert. 2008. Disponível em: <http:// www.bn.br/portal/arquivos/pdf/Edna_Lima.pdf> Acesso em: 23 jun. 2014. TIPOS Latinos. VI Bienal Latino-Americana de Tipografia. Tipos Latinos. 2014. Disponível em: <http://www.tiposlatinos.com/2014/ index.php>. Acesso em: 20/Jul. 2014. IMPRENSA NACIONAL- Casa Civil. A História da Imprensa Oficial. Disponível em: <http://portal.in.gov.br/institucional> Acesso em: 25 jun. 2014 CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES. Almanak Laemmert. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/almanak> Acesso em: 25 jun. 2014. LIMEIRA. Aline de Moraes. Almanaque de Primeira. Revista de História. Com. 2010. Disponível em: <http://www.revistadehistoria. com.br/secao/leituras/almanaque-de-primeira> Acesso em: 26 jun. 2014. GRUNOW. Evelise. A Jovem Tipografia Brasileira. Arco Projeto
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Design. 2004. Disponível em: <http://arcoweb.com.br/projetodesign/ design/bienal-letras-latinas-2004-a-jovem-31-08-2004> Acesso em: 05 jul. 2014. FONTE, o tipo da. Quem faz tipografia no Brasil? Parte 2. O tipo da fonte. 2012. Disponível em: <http://tipodafonte.wordpress.com/2012/03/25/quem-faz-tipografiano-brasil-parte-2/> Acesso em 10 jul. 2014. PORTO, Bruno. Duas décadas de Bienais Brasileiras de design Gráfico da ADG Brasil. 2014. Disponível em: <http://www.bienaladg.org.br/ conferencia/> Acesso em: 11 jul.2014
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