Universidade e Movimento em Defesa da Reforma Agrária

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ANA CLAUDIA HONORIO E EDGARD LEITE OLIVEIRA (ORGS.)

UNIVERSIDADE E MOVIMENTO

EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

A CONSTRUÇÃO DA JORNADA UNIVERSITÁRIA EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA EM VIÇOSA, ZONA DA MATA DE MINAS GERAIS



ANA CLAUDIA HONORIO E EDGARD LEITE OLIVEIRA (ORGS.)

UNIVERSIDADE E MOVIMENTO

EM DEFESA DA REFORMA AGRร RIA

Viรงosa, 2019


ORGANIZAÇÃO Ana Claudia Honorio e Edgard Leite Oliveira

REVISÃO Tais Oliveira e Valdinei Siqueira

PROJETO EDITORIAL E GRÁFICO Ana Claudia Honorio

FOTOGRAFIA

Rodrigo Avelar Vinicius Viveira Cobertura colaborativa da JURA

UNIVERSIDADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA, PUBLICAÇÃO INDEPENDENTE. VIÇOSA, 2019.


ÍNDICE APRESENTAÇÃO-------------------01

A JORNADA UNIVERSITÁRIA EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA ENTRE ESTRUTURAS E CONJUNTURAS--------------------02

A PRIMEIRA EDIÇÃO DA JURA EM VIÇOSA-------------------------------06

A SEGUNDA EDIÇÃO DA JURA EM VIÇOSA---------------------------------14

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS------50


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

APRESENTAÇÃO “Para os poderosos, o nosso silêncio era uma benção. Calados morríamos, sem palavra não existíamos. Lutamos para falar contra o esquecimento, contra a morte, pela memória e pela vida. Lutamos pelo medo de morrer a morte do esquecimento”. (EZLN, IVDeclaração da Selva Lacandona, 1995)”

Esta revista é um memorial do processo de construção da Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária de Viçosa organizada a partir de uma articulação entre o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, entidades do movimento estudantil e professores da Universidade Federal de Viçosa engajados com o estudo e a luta pela Reforma Agrária e outros movimentos sociais feministas, negros, sindicalistas e agroecológicos. Aqui você encontrará fotografias, textos e relatos que documentam as etapas organizativas da JURA e que demarcam a linha política da nossa organização. A JURA oportuniza uma série de ações e reflexões em torno da questão agrária brasileira a partir de diálogos entre professores, estudantes e a classe trabalhadora organizada do campo. A presença de trabalhadores Sem Terra, indígenas e quilombolas ocupando a universidade como palestrantes e mediadores de espaços formativos abre caminho para trocas de saberes populares e destrona a elite intelectual acadêmica de ser a única enunciadora do conhecimento nessa instituição. Esperamos que este material sirva de apoio para organizar futuras edições da jornada, seja na universidade de Viçosa ou em outras instituições de ensino. A sistematização das experiências aqui documentadas é uma forma de manter acesa a memória dos aprendizados, dos encontros e das trocas que vivenciamos. A JURA demostrou não ser um mero evento acadêmico, mas um marco político de enfrentamento ao agronegócio que domina parte da produção de ciência e tecnologia na universidade. É certo que a nossa organização nos fortaleceu para prosseguir as lutas contra o capitalismo. Sem nos render ao capital, seguiremos com indignação e coragem para lutar em defesa de nossos territórios, pela memória dos nossos e por uma vida digna no campo e na cidade. Pátria Livre! Venceremos!


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

A JORNADA UNIVERSITÁRIA EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA ENTRE ESTRUTURAS E CONJUNTURAS A luta pela democratização do acesso a

O Agronegócio é um modo de

terra no Brasil não é nova e hoje somos

produção que resulta de uma aliança

uma força de resistência que se coloca

de classe entre a burguesia das

como alternativa ao modo de produzir e

empresas transnacionais, os banqueiros

viver que nos ditam as grandes

(o capital financeiro), a burguesia

corporações capitalistas. O ponto crucial

proprietária das empresas de

que justifica a necessidade da Reforma

comunicação de massa e os grandes

Agrária é a existência do latifúndio, uma

proprietários de terra que instaurou um

velha estrutura da sociedade brasileira

império que controla a

que, no passado foi fundado nas bases

produção de medicamentos e

do colonialismo (subordinação nacional), agroquímicos e sementes em nível da escravidão em massa e da

mundial. O moderno agronegócio

propriedade privada de gigantescas

carrega consigo todas as estruturas do

extensões de terras desmatadas que

latifúndio do passado colonial: a

produziam monoculturas. Hoje, após 50

violência nos territórios de camponeses

anos da Revolução Verde, o latifúndio

sem terra, quilombolas e indígenas, a

foi transvestido com uma nova

grilagem de terras, o trabalho escravo,

roupagem: o Agronegócio, que é

o arco de desmatamento que cresce

promovido pela grande mídia como

desde centro-oeste no cerrado até a

sinônimo de inovação e modernidade

Amazônia. O agronegócio envenena

ligado a polos tecnológicos de pesquisa

nossa mesa e a ofensiva política dos

científica de ponta e que gera emprego

ruralistas, militares e a frente

e renda.

parlamentar evangélica vem


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

atropelando todas as leis e direitos

Agrária Popular. Esse projeto se insere

ambientais e humanos e, se

na luta da classe trabalhadora pela

colocando como base do

construção de relações sociais de

propedêutico governo Bolsonaro,

produção que eliminem a exploração

vem legalizando o uso massivo e

de trabalhadores, a concentração da

intensivo de agrotóxicos antes não

propriedade privada, a injustiça e as

permitidos, ocultam dados de

desigualdades e a destruição da

desmatamento, legitimam o uso de

natureza.

armas de fogo por civis enquanto cresce a violência a violência policial

A Reforma Agrária Popular é um

nas periferias, facilitam a grilagem de

conjunto de políticas e ações que tem

terras e extinguem todos os órgãos

como finalidade a distribuição de

públicos de fiscalização ambiental e,

terras com a instauração de um novo

de forma autoritária, estão acabando

modelo de produção (a agroecologia)

com as instâncias de participação

por meio de técnicas agrícolas que

popular como os fóruns e conselhos.

estejam em equilíbrio com a natureza

Não bastassem todas as ameaças

sem uso de veneno; prevê também a

contra nossas riquezas naturais e à

garantia do acesso à escola desde o

nossa própria existência, querem,

ensino fundamental até o ensino

ainda, criminalizar nosso direito de

superior a todos os jovens que vivem

lutar contra esses retrocessos.

no campo e a superação completa do analfabetismo entre os trabalhadores

A luta contra o agronegócio acontece

adultos; e, finalmente, compreende

por diversos meios e estratégias.

um amplo programa de promoção da

A grande frente de resistência é

saúde popular, da igualdade racial e

protagonizada por movimentos

de gênero, e a valorização das

sociais do campo articulados

manifestações culturais populares.

internacionalmente na Via Campesina: o Movimento dos

Esse modelo já possui bases sólidas

Trabalhadores Rurais Sem Terra

que pavimentam um caminho rumo a

(MST), o Movimento dos Pequenos

uma sociedade em que o respeito à

Agricultores (MPA), o Movimento das

natureza e a superação das

Mulheres Camponesas (MMC Brasil), o

desigualdades sejam os elementos

Movimento dos Atingidos por

estruturantes das políticas de saúde,

Barragens (MAB), o Movimento das

educação, trabalho e

Comunidades Quilombolas do Brasil,

desenvolvimento. Esse projeto está

e, dentre outras entidades, defendem

sendo construído por meio de uma

a necessidade de uma Reforma

intensa articulação entre


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

comunidades tradicionais,

A jornada na Universidade Federal de

movimentos sociais, organizações de

Viçosa ocorreu em duas edições sendo

apoio à agroecologia, sindicatos,

fruto de uma parceria entre o MST Zona

partidos e entidades públicas de

da Mata com alguns setores da

pesquisa que buscam massificar a

universidade (estudantis, órgãos de

luta mobilizando amplamente a

apoio à pesquisa, corpo docente,

população urbana e camponesa por

grupos culturais) engajados com a

essa causa.

causa da reforma Agrária. O evento é um marco de resistência num espaço

A Jornada Universitária em Defesa da

institucional onde se predomina a

Reforma Agrária nasce desse

produção de saberes em prol do

conjunto de lutas e articulações. A

agronegócio, Sendo assim, contrariando

JURA é uma estratégia de denúncia

esse modelo que mantém a

contra as mazelas do agronegócio e

desigualdade no campo que a Jornada

anúncio das resistências que buscam

Universitária em Defesa da reforma

a Reforma Agrária Popular.

Agrária é um importante instrumento de alinhar a produção científica às

A jornada foi projetada no ano de

demandas dos movimentos

2013 durante o II Encontro Nacional

camponeses.

dos Professores Universitários e, desde então, é articulada em diversas

Bradamos que outro modelo de

universidades por todo o Brasil.

produção é urgentemente necessário

Ocasionalmente o evento acontece

para a promoção do bem viver das

durante o mês de abril para somar ao

populações do campo e da cidade e

mês de lutas do Movimento de

através de nossa articulação e luta

Trabalhadores Sem Terra, quando se

alcançaremos esse horizonte.

rememora e denuncia a impunidade do massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996 quando policiais militares assassinaram 19 trabalhadores Sem Terra. A jornada em defesa da reforma agrária é uma articulação entre alguns setores da universidade e movimentos sociais que lutam pela reforma agrária.


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

"DECLARAMOS LATIFÚNDIO

OCUPADO

DO

SABER"

O


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

A

REFORMA

LUTA

AGRÁRI A

CONTRA

EDUCAÇÃO,

O

E

A

GOLPE:

TERRA

E

TRABALHO

A PRIMEIRA EDIÇÃO DA JURA EM VIÇOSA A primeira JURA em Viçosa aconteceu

assolando os direitos dos trabalhadores

entre os dias 05 a 07 de junho de 2017 e

e educandos do campo. Além de

foi mobilizada pela articulação do MST

debates, oficinas e culturais, estudantes

(Movimento dos Trabalhadores Rurais

e professores se somaram às ações de

Sem Terra), MAB (Movimento dos

luta do MST participando da ocupação

Atingidos por Barragens), Levante Popular da Fazenda Liberdade que integra o da Juventude, Licena (Licenciatura em

Complexo Reunidas HD nos municípios

Educação do Campo), ENEP (Escola

de Coronel Pacheco e Goianá.

Nacional de Energia Popular) e o Departamento de Educação da

A JURA em 2017 foi um marco de

Universidade Federal de Viçosa.

resistência das diversas frentes de lutas contra o golpe denunciando os

A temática da jornada teve como foco

desmontes da Educação do Campo e

debater três eixos essenciais vinculados à

das políticas públicas para a

luta pela Reforma Agrária: educação,

agricultura familiar e somando forças

terra e trabalho. Esses temas foram

nas ações mais radicais do MST Zona

pensados a partir do contexto do golpe

da Mata em defesa da Reforma Agrária

parlamentar-jurídico-midiático-

Popular na região.

empresarial que prosseguia em 2017


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

DIVULGAÇÃO

PROGRAMAÇÃO GERAL DO EVENTO


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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

CARTAZES DE DIVULGAÇÃO DAS MESAS DE DEBATE


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DIVULGAÇÃO DE OUTRAS ATIVIDADES DA PROGRAMAÇÃO: OFICINAS E FEIRA DE PRODUTOS DA REFORMA AGRÁRIA


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RETRATOS

MÍSTICA DE ABERTURA ENCENADA POR ESTUDANTES DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MESA DE ABERTURA NO ESPAÇO FERNANDO SABINO. ESTIVERAM PRESENTES NO DEBATE LETÍCIA OLIVEIRA, DA DIREÇÃO ESTADUAL DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, GUSTAVO IORIO PROFESSOR E PESQUISADOR DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA UFV E NEI ZAVASKI DA DIREÇÃO ESTADUAL DO MST.


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CULTURAL E FEIRA DA REFORMA AGRÁRIA NO GRAMADO DO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA DA UFV


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A OCUPAÇÃO GABRIEL PIMENTA Contrariando a teses que afirmam não existir latifúndio na Zona da Mata, o MST dá mais um passo na luta pela democratização do acesso a terra na região ocupando a Fazenda Liberdade que integra o Complexo Reunidas HD pertencente ao latifundiário Horácio Dias. A ocupação ocorreu na madrugada do dia 04 de maio de 2017 quando cerca de 200 famílias começaram a erguer suas barracas. Integrantes do movimento estudantil das universidades Federais de Viçosa e Juiz de Fora também participaram dessa ação somando forças ao movimento. O Acampamento Gabriel Pimenta demonstra a potência do MST em mobilizar a classe trabalhadora do campo e da cidade no enfrentamento ao latifúndio e consolida o terceiro território do movimento na Zona da Mata mineira.


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A REFORMA AGRÁRIA E A LUTA CONTRA O GOLPE: EDUCAÇÃO, TERRA E TRABALHO

A SEGUNDA EDIÇÃO DA JURA EM VIÇOSA A JURA em 2018 aconteceu entre os

Fundação Arthur Bernardes –

dias 22 a 25 de agosto e teve como

Funarbe e a Pró-Reitoria de Extensão

objetivo central rememorar os 30

e Cultura.

anos do MST em Minas gerais e pensar a reforma agrária na

A programação da jornada contou

perspectiva da unidade das lutas

com mesas de debate, feira da

indígena, quilombola e sem terra. A

Reforma Agrária, oficinas, partilhas

construção da jornada foi

de experiências e finalizamos com

protagonizada por diversos

um Terreiro Cultural que aconteceu

movimentos: O Movimento dos

na sede do Assentamento Olga

Trabalhadores Rurais Sem Terra, o

Benário em Visconde do Rio Branco.

Coletivo Acadêmico Carlos Marighella (Centro Acadêmico de Geografia), o

A presença de quilombolas,

Diretório Central dos Estudantes, o

indígenas e sem terras na UFV

Núcleo de Estudos Educação e

diversificou o público

Trabalho, a Associação de Geógrafos

majoritariamente elitista que

Brasileiros, o Movimento

frequenta o campus da

Agroecológico de Viçosa e o Estágio

universidade. A JURA proporcionou

Interdisciplinar de Vivência. Além

momentos de ricos aprendizados e

disso, contamos com apoio de alguns

de partilhas de vivências e saberes

setores da universidade como os

entre a comunidade acadêmica e

departamentos de Educação e

nossos mestres e lutadores

Geografia, a Seção Sindical dos

populares

Docentes Universitários – ASPUV, a


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Memória e unidade pela luta Suzani M.G. de Paula Caros companheiros e companheiras, A jornada universitária está começando, Então seguimos avante lutando, Por reforma agrária e educação do campo. Buscamos neste espaço, Partilhar nossas memórias e resistências, Dialogar campo e cidade, E afirmarmos nossa identidade. Através das partilhas, Almejamos nos formar, Desigualdade social e educacional, É o que vamos transformar. Alerta, alerta! Pela formação, Homens e mulheres, Para a revolução. Para emancipação do sujeito, Unificar nossas lutas é necessário, Já são 2 anos de jornada, Então vamos juntos construir uma sociedade igualitária. Sabemos que a coletividade, É um ponto fonte na luta de classes, Entao venha lutar connosco, E ampliar esta diversidade. "Esta luta é nossa, Esta luta é do povo, E é só lutando que construímos um Brasil novo."


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MST 30 ANOS EM MINAS GERAIS: MEMÓRIAS E LUTAS POR DIREITO À TERRA E TERRITÓRIO Por Marilda Teles Maracci A Jornada Universitária da Reforma Agrária de 2018 trouxe o chamado para a construção da unidade política na luta pela terra e território entre populações camponesas, indígenas e quilombolas. Unificar as lutas significa uma ampliação do sentido e/ou do entendimento político-epistêmico do que deva ser uma Reforma Agrária efetivamente popular, protagonizada pelas lutas dos povos do campo e da cidade, constituindo assim a unidade na diversidade. O chamado contém o entendimento de que a perspectiva da unidade das lutas pela Reforma Agrária requer a partilha das memórias das existências e resistências, das lutas, conquistas e projetos. Tal unidade das lutas perpassa por temas que a sociedade coloca cada vez mais como imprescindíveis, tais como, a apropriação privada da terra, relações de produção e agroecologia, democratização da terra e da água, soberania alimentar e territorial, justiça social a partir do reconhecimento da diversidade de sujeitos.

A Reforma Agrária envolve um conjunto de temas, questões e direitos e por isso é urgente reconhecermos que os sofrimentos sociais que nos atinge nas singularidades e particularidades é o que nos une no enfrentamento e superação da dominação capitalista que nos violenta a todas e todos! E é o que nos une na construção da sociedade que queremos!


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A ORGANIZAÇÃO DA JORNADA

MUTIRÕES PARA PREPARAR A SEDE DO ASSENTAMENTO OLGA BENÁRIO PRO TERREIRO CULTURAL

CÍRCULO DE CULTURA NO EVENTO TROCA DE SABERES

REUNIÃO NA SEDE DO ASSENTAMENTO OLGA BENÁRIO EM VISCONDE DO RIO BRANCO


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DIVULGAÇÃO

PROGRAMAÇÃO GERAL DO EVENTO


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CARTAZ DE CHAMADA PARA A MESA DE ABERTURA DO EVENTO


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RETRATOS

MÍSTICA DE ABERTURA ENCENADA PELOS ESTUDANTES DA LICENA UFV REPRESENTANDO AS DIVERSAS FRENTES DE LUTAS PELA REFORMA AGRÁRIA


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MESA DE ABERTURA: MEMÓRIAS E UNIDADE NA LUTA PELA TERRA COM REPRESENTANTES SEM TERRA, QUILOMBOLA E INDÍGENA. A MESA FOI MEDIADA POR MARILDA MARACCI, PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA UFV. NO DEBATE: ELISANGELA CARVALHO DA DIREÇÃO ESTADUAL DO MST PELA ZONA DA MATA. É ASSENTADA DA REFORMA AGRÁRIA NO ASSENTAMENTO DÊNIS GONÇALVES E EDUCADORA DA ESCOLA DO CAMPO CARLOS HENRIQUE RIBEIRO DOS SANTOS, JULIUS SILVA, REPRESENTANTE DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO BUIEIÉ, FORMADO EM DIREITO E GRADUANDO DE COOPERATIVISMO, MEMBRO DO GRUPO JUVENTUDE QUILOMBOLA E DO CONSELHO DA IGUALDADE RACIAL DE VIÇOSA E KAPUA LANA PURI É INDÍGENA BIÓLOGO MILITANTE NAS CAUSAS INDÍGENAS E AMBIENTAIS.


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AS PARTILHAS DE EXPERIÊNCIAS

O SEGUNDO DIA DO EVENTO COMEÇOU COM AS PARTILHAS DE EXPERIÊNCIAS, FORAM MOMENTOS RIQUÍSSIMOS DE TROCA E REFLEXÃO SOBRE AS DIVERSAS FACES DA LUTA EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA POPULAR!


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: ORGANIZAÇÃO COLETIVA DE MULHERES DO CAMPO PRESENÇA DE REPRESENTANTES DE COLETIVOS DE MULHERES DO ASSENTAMENTO OLGA BENÁRIO, MST E DO COLETIVO DE MULHERES DO MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES.


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: PRODUÇÃO, AGROECOLOGIA E COOPERATIVISMO NOS TERRITÓRIOS DA REFORMA AGRÁRIA DEBATE MEDIADO POR VALDINEI SIQUEIRA, VÂNIA MACHADO E AMANDA VIEIRA


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: SAÚDE, ANCESTRALIDADE E SABERES TRADICIONAIS MEDIADO PELO HOMEOPATA HEVERALDO COELHO


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: ARTE E CULTURA POPULAR NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA. O ESPAÇO FOI MEDIADO POR NATÁLIA PEREIRA, CAROLINA RODRIGUES E DJALMA JANUÁRIO


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O TERCEIRO DIA DA JORNADA CONTOU COM AS PARTILHAS DE EXPERIÊNCIAS QUE TROUXE UMA DIVERSIDADE RELATOS QUE PENSAM A REFORMA AGRÁRIA COMO UM PROCESSO COMPLEXO QUE NÃO SE RESTRINGE APENAS À CONQUISTA DA TERRA.


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: DEMOCRATIZAÇÃO DA ÁGUA: EXPERIÊNCIAS DE R-EXISTÊNCIA. MEDIAÇÃO DE EDILEI CIRILO DA SILVA DO MST ZONA DA MATA TOMMY WARNICK DA ASSOCIAÇÃO PLANTADORES DE ÁGUA E DA PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA UFV MARILDA MARACCI.


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA:“SIM, EU POSSO!”: O MÉTODO CUBANO DE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. RELATOS DE TEREZINHA SABINO- COORDENADORA DO “SIM, EU POSSO”, CATIANE LOPES E THIAGO DOS SANTOS, EDUCADORES DO PROGRAMA E EUZIR MARQUES, EDUCANDA DO PROJETO.


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: CIRANDA INFANTIL E A EXPERIÊNCIA DO 1° ENCONTRO NACIONAL DOS SEM-TERRINHAS. ESPAÇO MEDIADO POR ELISÂNGELA CARVALHO.


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PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: OCUPAÇÃO GABRIEL PIMENTA: TERRITORIALIDADE DO MOVIMENTO SEM TERRA NA ZONA DA MATA MINEIRA.

PARTILHA DE EXPERIÊNCIA: NEGRITUDE, DIVERSIDADE LGBT, E JUVENTUDES CAMPONESAS EM QUESTÃO. O ESPAÇO FOI MEDIADO POR ROSA NAGÔ, E VINÍCIUS VIEIRA .


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DEBATES PÚBLICOS

CARTAZ DE CHAMADA PARA A MESA DE DEBATE: MULHERES EM LUTA POR TERRA E TERRITÓRIO, QUE CONTOU COM A PRESENÇA DE TATIANA GOMES MILITANTE DO MST, ASSENTADA NO ASSENTAMENTO DENIS GONÇALVES,AMAURISA VIEIRA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA NA COMUNIDADE SANTA CRUZ E TEREZINHA SABINO EDUCADORA E ASSENTADA DA REFORMA AGRÁRIA NO ASSENTAMENTO OZIEL ALVES PEREIRA


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RETRATOS DA MÍSTICA DE ABERTURA E DO INÍCIO DO DEBATE MEDIADO POR ROBERTA BRANGIONI


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O ULTIMO ESPAÇO DE DEBATE REALIZADO NA UNIVERSIDADE DURANTE O EVENTO FOI A MESA DESAFIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO QUE CONTOU COM A PRESENÇA DAS EDUCADORAS ÉLIDA MIRANDA, SANDRA BENITZ E LILIAN SOUZA


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OFICINA GRAFFITI E RESISTÊNCIA Durante a jornada em defesa da Reforma Agrária algumas turmas da Escola Estadual Tenente Roberto Soares de Sousa Lima ocuparam a Universidade Federal de Viçosa com suas grafias. A temática da resistência foi o pano de fundo do papo de visão, por meio do qual se buscou entender que as origens do graffiti na contemporaneidade têm características expressivas de enfrentamento político e resistência cultural. A oficina foi promovida pelos arte educadores do projeto Grafias à Margem que mediaram um bate papo sobre a história contemporânea e algumas dimensões estéticas do graffiti.e terminou com a livre intervenção dos educandos.

ENQUANTO OCUPAMOS OS ESPAÇOS QUE NOS SÃO NEGADOS RESISTIMOS ESCREVENDO O MUNDO QUE QUEREMOS.


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RETRATOS DAS DUAS TURMAS QUE PARTICIPARAM DA OFICINA


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A JURA NA UNIVERSIDADE E NO CAMPO Nas duas edições da jornada foi pautada a realização de atividades acadêmicas, políticas e culturais tanto na universidade como nos territórios do MST. Na primeira JURA os estudantes da UFV se somaram para fortalecer a ocupação Gabriel Pimenta que traçava seus primeiros passos em Coronel Pacheco. Já em 2018, a proposta de ação num território Sem Terra foi realizar um evento cultural na sede do Assentamento Olga

Benário em Visconde do Rio Branco. Para a construção do Terreiro Cultural foi promovido mutirões para limpeza, organização e revitalização do espaço que recebeu o evento. Foram momentos de muita interação e de ricas trocas entre professores, estudantes e técnicos da universidade com as lideranças e assentados do MST.


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MUTIRÃO

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O TERREIRO CULTURAL JOSÉ NUNES (ZEQUINHA) O Terreiro Cultural foi uma linda celebração e contou atividades diversas como apresentações culturais e debates com os temas: arte e cultura, mulheres, água, saúde e cooperativismo.

O Terreiro Cultural ocorreu no último dia da jornada na sede do assentamento Olga Benário em Visconde do Rio Branco e teve como objetivo homenagear a memória do companheiro José Nunes “Zequinha”, que faleceu no dia 22 de junho de 2018. Zequinha foi um militante que deixou um grande legado de lutas para o MST em Minas Gerais estando à frente da primeira ocupação do movimento no estado e contribuiu para a fundação da regional Antônio Ventura, na Zona da Mata.

O terreiro começou com um cortejo de cavaleiros da região e uma mística puxada pelas mulheres do MST. Apreciamos a apresentação das guardas de Congado de Córrego do Meio e Visconde do Rio Branco, do grupo de danças afrobrasileiras Zimbabwe de Ponte Nova e do grupo Micorrizas da UFV. Houve também troca de sementes crioulas, ciranda infantil para incluir as crianças no evento com atividades lúdicas e, por fim, o espaço da cura ofereceu gratuitamente diversas terapias populares como reiki, homeopatia, acupuntura e benzeção. Celebração, luta, partilha e aprendizados estiveram presentes em nosso terreiro cultural. Confira as fotos de alguns momentos dessa festa.


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Apresentações culturais


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APRESENTAÇÃO DOS GRUPOS MICORRIZAS E ZIMBABWE


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MÍSTICA

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DEBATES

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UNIVERSADE E MOVIMENTO EM DEFESA DA REFORMA AGRÁRIA

ESPAÇO DE SAÚDE E CURA


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CIRANDA INFANTIL


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PINTURA MURAL


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OFICINA DE GRAFFITI


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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS Os textos que se seguem são de autoria de pessoas que em alguma medida participaram da construção da jornada em defesa da Reforma Agrária em Viçosa. Os memoriais, manifestos e relatos de impressões pessoais reunidos nestas páginas demonstram a grandeza e o potencial de nossa organização em promover um evento acadêmico, político e cultural que abala as estruturas dominantes do campo e da universidade.


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MEMÓRIAS DE MEMÓRIA Por Yan Victor

Notícias de oeste Chegam notícias da banda oeste do sul do Pará. Pelas águas enormes por onde navegam as canoas chegam notícias dos quadrantes do sertão: os posseiros sem terra se armam e cortam fios das cercas do arame farpado. Gentes “sem eira nem beira”, lavradores, frágeis homens de aço que ali foram com os avós plantar roças de cereais, escondidos nas matas da beira dos rios resistem ao fio do cerco dos jagunços. Resistem aos poderes da polícia que chega de avião e prende um povo armado de enxada, foice, peixeiras e espingardas de caça. Contra o cerco dos arames e leis do poder das fazendas que envolve o posseiro com redes de ferros estendidas de que modo cortar os fios das tramas do mal?

DE MÃOS ABERTAS DE PUNHO ERGUIDO – Carlos Rodrigues Brandão

Falar da Jornada Universitária em defesa da Reforma Agrária (JURA) é uma forma de recordar as lutas por vezes esquecidas e ignoradas nos recintos acadêmicos. A JURA remonta a história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos convidando a lembrar do martírio de Eldorado dos Carajás, fato histórico onde militantes do MST são massacrados em conflito pelo direito a terra. Esse fato, que nos é muito caro, impõem o desafio de rememorar as lutas do campo e seu movimento indissociável das lutas

indígenas e quilombolas pelo território. Estamos diante de um exercício difícil e prazeroso. Escrever sobre a JURA me traz o sentimento que ao recordar experiências ocorridas durante a jornada é possível ascender a memória e ameaçar o esquecimento. Me propor a esse exercício significa confrontar a singularidade de minha memória pessoal com a memória coletiva do Movimento Sem Terra. Uma tarefa que talvez represente perigo, deixando “rastilhos de pólvora”, como disse certa vez um historiador.


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Em 2018 o MST marca 30 anos de luta em Minas Gerais. Desde a ocupação em Novo Cruzeiro (1988), Vale do Jequitinhonha, que os Sem Terra semeiam no sertão mineiro a luta contra a concentração de terras. Com mais de 400 famílias da região, deuse origem ao Assentamento Aruega que impulsionou a luta pela terra em toda região das minas e das gerais. Do Nordeste e leste e posteriormente no Noroeste, Triângulo Mineiro e Norte (1990 - 2000) o movimento expressou em Minas Gerais o seu crescimento nacional, conquistando também assentamentos por todo o Brasil. A Zona da Mata Mineira foi uma das últimas fronteiras conquistadas pelo movimento. Em um contexto de mudanças políticas na conjuntura nacional o movimento ocupa em 2005 a Fazenda Santa Helena, a primeira ocupação do MST na mata mineira. Esse processo deu origem ao assentamento Olga Benário, ocupação realizada na cidade de Visconde do Rio Branco, onde foram assentadas 30 famílias. Em 2006 o movimento ocupa a Fazenda da Fumaça em Santana dos Cataguases dando origem ao acampamento Francisco Julião. Em 2010 o acampamento recebe uma reintegração de posse levando uma parte da militância a realizar a terceira ocupação na Zona da Mata Mineira. No mesmo ano é realizada uma ocupação na fazenda Sant’Ana, município de Goianá, dando origem ao acampamento Denis Gonçalves. Essa é uma das maiores conquistas

do movimento com 150 famílias ocupando o lugar. O assentamento Denis Gonçalves constitui um território importante para o movimento, pois a questão agrária brasileira passa pela paisagem do lugar, marcada pelo: trabalho escravo, café e gado.

O MST na Zona da Mata Mineira talvez contraria a ideia de que durante o período democráticopopular não se realizou ocupações. Em 2017 os Sem Terra realizaram a sua quarta ocupação, dando origem ao acampamento Gabriel Pimenta ocupação realizada na fazenda São José em Coronel Pacheco. Essa ocupação conta com a participação de estudantes da LICENA e ocorreu durante a I Jornada em defesa da reforma agrária, realizada na UFV – Viçosa. Após essa ocupação que arduamente recebeu uma ofensiva do estado burguês, 30 famílias do assentamento Gabriel Pimenta reocupam em 2018 uma área improdutiva no pé da Serra da Mantiquera, município de Antônio Carlos. Ora, quando olhamos para essa história o que vemos? Vejo a resistência do campesinato brasileiro que é uma das classes que mais se movimenta. Vejo histórias e trajetórias de vida pessoais que guardam em comum sonhos, gritos e esperanças. Vejo também o rompimento com as cercas da ignorância, pois são


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essas pessoas também negligenciadas pelas políticas que não consideram as diferenciações das classes sociais. Talvez esteja no encontro entre a memória dos militantes que ocupam latifúndios e a memória coletiva do MST a arma poderosa para romper cegueiras e silêncios. E com essas histórias cotidianas, feitas coletivas em um movimento de baixo para cima, podemos também desconstruir a sociedade constituída pela forma mercadoria e a subjetividade cultural do valor. É com o sentimento histórico de resistência que a II Jornada Universitária em defesa da reforma agrária foi realizada. Assumimos nessa jornada a tarefa de trabalhar a unificação dos povos que lutam pela terra e pelo território. Tal empreitada retoma na Universidade Federal de Viçosa espaços que tem seu protagonismo em militantes indígenas, camponeses e quilombolas. Povos do campo que atuam na luta pelo território e tem na questão agrária a base de seus modos de vida.

A construção da JURA pelo movimento Sem Terra trouxe para o espaço acadêmico de discursos mumificados outros espaços enunciados por homens e mulheres da terra. Foram espaços de partilhas de conhecimentos, análise de conjuntura, debates e diálogos. Dentro da contradição que a instituição UFV nos coloca, sendo uma universidade agrária que não valoriza o ethos

camponês, mas os fazendeiros e latifundiários do agronegócio, os Sem Terra trouxeram a diferença para a universidade. Durante a Jornada essas mesmas pessoas - vindas de seus assentamentos e ocupações - nos exigem bem mais que o estudo de seus sábios saberes. Elas nos convidam a caminhada de lutas e engajamentos fecundo nas suas práticas realizadas naquilo que chamam de território. Assim, não nos cabe apenas descrever o que sabem, mas viver a luta pela terra em seu sentido mais amplo: quantos camponeses assassinados esses anos? quais estratégias e táticas queremos construir coletivamente para fortalecer os territórios da reforma agrária para além da conquista da terra? Quantas escolas do campo com pedagogia do campo teremos que construir para fortalecer o trabalho, identidade e cultura local dos sujeitos do campo? São essas questões velhas e tão atuais para a questão agrária brasileira. Essas mesmas questões não se resolvem dentro da ordem do capital. E, portanto, a JURA nos convida a imaginar outros mundos em que a lógica da mercadoria e do poder político não rejam e estruturem as relações entre as pessoas e das pessoas com o mundo. Talvez a JURA tenha sido tão simples e tão profunda como os espaços de vida do campesinato Brasileiro. Nela mora a sensação de que tudo está ao alcance de nossas mãos. Entre uma lenha acesa e um fogão de lenha de adobe com a


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panela no fogo em uma casa de pau apique. O feijão com toucinho fervendo e no canto Seu Zé picando fumo. Esse mundo de vida que foi a JURA me faz imaginar que nossos sonhos estão mais próximos que pensamos. Termino esse texto não com palavras minhas, mas com palavras da Coordenação Nacional do MST:

Queremos denunciar, especialmente, que este governo está enterrando a reforma agrária, acabando com o INCRA e todas as políticas públicas de apoio e fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Há um aparelhamento e subordinação dos órgãos públicos da agricultura aos interesses da bancada ruralista, dos fazendeiros e das empresas transnacionais do agronegócio. Entendemos que estas medidas atingem não apenas os camponeses, os povos indígenas e quilombolas, mas todo o povo, com aumento do desemprego, com a migração forçada, liberação dos agrotóxicos e exclusão dos serviços públicos. Há, no Brasil, em torno de cem mil famílias de sem-terras acampados, esperando pela reforma agrária. E outras 800 mil famílias assentadas, à margem das políticas públicas que foram eliminadas. O que o governo quer? Escondê-las, reprimilas? A reforma agrária é uma política de Estado, em que a Constituição determina que o governo desaproprie a todas as grandes propriedades improdutivas que não cumpre função social, que tenham trabalho escravo, crimes ambientais, contrabando e plantas psicotrópicas. E as distribuam aos trabalhadores. Não fazer reforma agrária é descumprir a Lei, que eles dizem defender. Não fazer reforma agrária é aumentar a concentração do latifúndio, a pobreza e a desigualdade na sociedade brasileira.

Yan Victor Membro da Comissão Coordenadora da JURA-UFV/ 2018 Membro do Núcleo de Agroecologia do Assentamento Dom. Orione Texto encerrado no Serro, Alto Jequitinhonha, 24 de abril de 2019.

Seguiremos nossa luta em defesa da reforma agrária, da agroecologia e da agricultura camponesa, para que todos tenham acesso a alimentos saudáveis. Em defesa da educação pública com gestão democrática, sem privatizações e mordaças. Em defesa das empresas estatais, da soberania nacional e contra a submissão do Brasil aos interesses dos Estados Unidos.

Conclamamos o povo brasileiro a seguir em luta pelo direito de todos ao trabalho, aposentadoria, moradia, emprego, educação, saúde e cultura. Por democracia, justiça social e defesa da natureza como bem comum. Lutar, construir Reforma Agrária Popular! Coordenação Nacional do MST Brasil, Abril de 2019. (Trecho do Manifesto do MST ao povo brasileiro).


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NA TERRA FÉRTIL DA MEMÓRIA: FRUTOS E SEMENTES PARA CONSTRUÇÃO DE OUTROS MUNDOS POSSÍVEIS por Roberta Brangioni Fontes

“Faz escuro, mas eu canto”. Thiago de Mello Sabemos que as disputas por projetos de vida e sociedade se dão no campo concreto e simbólico. A memória das lutas populares - com seus desafios, suas conquistas, seus mártires - é um elemento fundamental para celebrar, inspirar, avaliar, aprender com o passado e desenhar novos caminhos.

O esquecimento conduz à inércia, ao equívoco, à dúvida, ao enfraquecimento, ao desaparecimento. Não é à toa que nesses dias de hoje, querem, com tanto empenho, apagar a memória do povo, inventando uma história que não existe nem nunca existiu. Querem nos fazer acreditar

Jornada, para reacender essa chama e manter viva a importância da continuidade desses espaços, especialmente na conjuntura política atual.

que não houve escravidão, que não

A Jornada Universitária em Defesa da

houve golpe militar, e mais tantas

Reforma Agrária na Universidade

outras barbaridades que temos

Federal de Viçosa e Assentamento

escutado recentemente.

Olga Benário em 2018, começou meses

Conscientes do papel da memória

antes, com a busca pela construção

para os movimentos sociais, optamos

coletiva da Jornada. Participaram os

por trazer como tema central da

Assentamentos Olga Benário, Dênis

Jornada Universitária em Defesa da

Gonçalves e Primeiro de Junho, grupos

Reforma Agrária de 2018 o tema “MST

e coletivos da UFV como a LICENA-

30 anos em MG: Memórias e Lutas por

UFV, DCE-UFV, o ECOA, CTA,

direito à terra e ao território”. Pelo

Movimento de Mulheres Olga Benário,

mesmo motivo, também agora

Caravana Quilombola, o Las Terras e a

optamos por revisitar o processo de

turma da Disciplina SOL 647,

construção e realização dessa

ministrada pela profa. Irene Cardoso.


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Foram diversos encontros

dos Sem Terra na região, mas

preparatórios, tanto na universidade

também as lutas dos quilombolas e

quanto no assentamento. Houveram

índios por terra e território,

encontros mais teóricos, para afinar os

entendendo que o momento histórico

entendimentos, compreender a

exige essas aproximações e a busca

conjuntura política daquele

por maior unidade nessas lutas. Afinal,

momento, discutir metodologias,

campesinidades, indianidades e

conceitos e escolher os temas a serem

africanidades não cabem em

contemplados na jornada. E

compartimentos rígidos, pois são

houveram também encontros mais

atributos que transbordam das

práticos: de confecção dos materiais

palavras e misturam-se uns aos outros

da Jornada (cancioneiro, zine,

nessa Terra Brasilis. O camponês tem

bandeiras), organização da cozinha

muito de índio e negro. E o negro e o

do evento, diversos mutirões de

índio têm muito de camponês. A

plantio, pintura com tinta de solo e

própria história do campesinato no

montagem de geodésicas de bambu

Brasil confunde-se com a história de

no Assentamento Olga Benário, como

expropriação da terra dos índios e

preparo para receber o Terreiro

negros.

Cultural, num dos dias da Jornada. Enfim, teoria e prática de mãos dadas

Metodologicamente, buscamos um

no exercício da práxis emancipadora.

formato na Jornada, como já tinha sido buscado na Jornada do ano

Os processos de construção coletiva,

anterior, que viabilizasse maior

por serem dialógicos, são intensos,

horizontalidade e integração entre os

nem sempre fáceis, mas é nessa

participantes, por isso, optamos por

própria complexidade que revelam

reduzir o número de mesas e falas

como efetivamente se dá a educação

expositivas, privilegiando espaços

popular. Numa construção aberta,

menores, de trocas, que propiciassem

com sujeitos diversos, sentados

mais proximidade entre os

sempre em círculo, no exercício de

participantes e pudessem ter como

sensibilizar a escuta, democratizar a

protagonistas os sujeitos do campo. A

fala, dar as mãos e fazer juntos. Uma

esses espaços chamamos de “Partilhas

constante busca e aperfeiçoamento.

de Experiências”.

Nessa caminhada, optamos por

Na mesa de abertura da JURA

contemplar na Jornada, não só a luta

sentaram-se juntos, lideranças sem-


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terra, quilombolas e indígenas, numa

As várias Partilhas de Experiências

partilha fecunda sobre as histórias,

foram organizadas em dois dias,

lutas e conquistas de cada grupo. O

contemplando temas que focaram a

tema foi “Memórias e Unidade na Luta

Reforma Agrária para além da

pela Terra”, com a participação de

conquista da terra. No primeiro dia

Elisângela Carvalho (direção estadual

foram tratados os seguintes temas:

do MST pela Zona da Mata e

organizações coletivas de mulheres do

educadora do campo), Kapua Lana

campo; produção, agroecologia e

Puri (indígena Puri, biólogo, militante

cooperativismo; saúde, saberes

das causas indígenas e ambientais) e

tradicionais e ancestralidade; arte e

Julius Keniata (Comunidade

cultura popular. Já no segundo dia as

quilombola do Buieié, membro do

partilhas contemplaram os temas:

Conselho da Igualdade Racial de

democratização da água; negritude,

Viçosa). A mística de abertura da

diversidade LGBT e juventudes

Jornada preparada pela LICENA-UFV,

camponesas; a experiência da ocupação

foi profética, entoando um canto

Gabriel Pimenta; a experiência do

antigo das CEB´s: “Irá chegar um novo

método de alfabetização cubano “Sim,

dia, um novo céu, uma nova terra, um

eu posso!”; a experiência da ciranda

novo mar. E nesse dia, os oprimidos a

infantil e do Encontro Nacional dos Sem

uma só voz, a liberdade irão cantar”.

Terrinha. Num dos dias ocorreram

As memórias da primeira ocupação

também oficinas de Teatro do Oprimido

de terras em Minas Gerais pelo MST e

e Grafite e Muralismo para jovens da

as experiências dos assentamentos

Escola Estadual Sementeira, que fica

até então, encontraram ressonância

próxima ao Assentamento Olga Benário

nas lutas indígenas de retomada de

e estiveram na UFV para participar da

terras e reconstrução de aldeias, no

Jornada.

movimento de ressurgência Puri. Da mesma forma, foi partilhada a luta

A mesa do segundo dia teve como tema

dos quilombolas por reconhecimento

“Mulheres em Luta por Terra e

e titulação de terras na Zona da Mata,

Território”, com Tatiana Gomes,

a busca pelo fortalecimento da

(educadora do assentamento Denis

identidade e cultura negra na região,

Gonçalves), Amaurisa Vieira (educanda

a articulação dos jovens quilombolas

LICENA/UFV, da comunidade

para acessar a universidade pública e

Quilombola de Santa Cruz no município

seus direitos.

de Ouro Verde de Minas) e Terezinha Sabino (educadora e assentada da


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reforma agrária no Assentamento

do Meio e Visconde do Rio Branco, do

Oziel Alves Pereira em Governador

grupo Micorrizas da UFV, do grupo

Valadares). Já a mesa do terceiro dia

Zimbábue de Ponte Nova, da Panela

trouxe o tema “Desafios da Educação

Cultural, apresentação de dança das

do Campo” com Élida Miranda

mulheres dos assentamentos Olga e

(professora LICENA/UFV), Sandra

Dênis, cortejo com os cavaleiros da

Benitz (educadora indígena e

região. O espaço da cura, montado no

doutoranda no Museu Nacional) e

Terreiro, destacou-se por estar sempre

Lílian Souza (coordenadora regional

cheio, lembrando-nos que a cura da

do setor de educação do MST).

terra envolve a cura de nós mesmos.

Cabe destacar que a alimentação dos

benzeção e terapias ancestrais fizeram-

participantes da Jornada foi majoritariamente agroecológica e proveniente dos territórios de Reforma Agrária. Houve ainda a Feira da Reforma Agrária durante todos os dias, oferecendo ao público alimentos saudáveis e artesanatos produzidos pela cooperativa dos Assentamentos Dênis Gonçalves e Olga Benário.

Reiki, homeopatia, acupuntura, se presentes nesse espaço. Houve também a troca de sementes crioulas, ciranda infantil, discussões sobre água, animais, agroecologia e almoço agroecológico para todos.

A JURA possibilitou mais uma vez ocupar o latifúndio do saber, propiciou o encontro entre os assentados, a troca de experiências entre os assentamentos,

O Terreiro Cultural ocorrido no último dia, homenageou a memória do companheiro José Nunes “Zequinha”, que havia partido recentemente. O Terreiro foi realizado no Olga Benário,

o diálogo de saberes com a universidade. Um diálogo em que a universidade mais ouviu e aprendeu, do que falou. Demarcamos espaço para mostrar que a

propiciando uma oportunidade para

reforma agrária continua uma urgência

que a universidade e o público das

no país e a questão agrária precisa mais

cidades (tanto de Viçosa quanto de

do que nunca ser debatida nas

Visconde do Rio Branco) pisem esse território, conheçam e percebam sua força, sua beleza, seus anúncios. O Terreiro contou com a participação das guardas de Congado de Córrego

universidades. É fato que a JURA de 2018 pressentia o contexto obscuro que pairava sobre o Brasil, mas não podia prever


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efetivamente a consolidação de um governo de extrema-direita e posturas neo-fascistas. Um governo que ataca deliberadamente o MST, quilombolas e populações indígenas. Que declara abertamente o combate a toda forma de ativismo, à toda militância, que criminaliza o MST, que ataca as crianças Sem Terrinha, que afirma que não dará mais um centímetro de terra para indígenas e quilombolas. Uma ameaça declarada ao direito dos povos tradicionais à terra e ao território. Cenário quase inacreditável de retrocessos e violações a direitos conquistados. Justamente por isso, é preciso estarmos mais firmes que nunca. Atentos, vigilantes em nossa própria prática, fortalecidos no estudo, na compreensão de nosso momento histórico, da conjuntura política, e unidos. Como havíamos anunciado na JURA de 2018, é fundamental a unidade das lutas, por terra e território, onde esses povos possam assegurar a produção e reprodução de suas vidas e de seus modos de vida rumo ao Bem Viver. E é também fundamental seguir demarcando esse espaço de diálogo no meio acadêmico. Portanto, afirmamos que o caminho é longo e os desafios se fazem mais intensos, mas a Jornada continua! Avante! Quarta-feira, dia 17 de abril Dia internacional de luta pela terra

Roberta Brangioni Fontes é professora de Sociologia e trabalhou como membro da comissão organizadora da JURA 2018


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É para falar o que vivi no JURA, é? Pois bem… Estava eu lá de bobeira, jogando conversa fora e usando o humor espíritosantense em terras mineiras, quando fui pego de surpresa ao perceber que, do nada, fui parar no grupo responsável pelas místicas e manifestações artísticas. Foi muito rápido, uma hora estava no Ponto de Prosa (como de costume), e no outro estava usando saia de Chita, ou tocando tambor, ou ajudando e acompanhando nos ensaios e preparativos do grupo. Grupo esse em que os integrantes mal se conheciam, mas rolava uma sintonia que fez tudo funcionar perfeitamente. Um grupo improvisado, e que improvisou tudo, compreendendo o peso do que estava sendo discutido em cada momento, ate porque a maioria vivia e ainda vive no campo, e por isso sentíamos o compromisso de levar a sério. Apesar dos acasos, durante os dias do evento e pude me encontrar ao estar do lado de pessoas artísticas: Jovens com idades próximas à minha, e embora cada um tivesse suas próprias referências e batalhas, durante aquele momento tudo se uniu em um proposito. E para mim o JURA foi isso, ser e ver os jovens dando significado para as suas expressões artísticas, unir nossas individualidades em uma causa, e deixando nossa contribuição para esse espaço que ao contrário da maioria dos outros acreditou no que a juventude pode fazer. Kalebe Rodrigues - Estudante do curso de Licenciatura em Educação do Campo na UFV

Ver a JURA acontecendo na Universidade significa um momento de força, coragem e resistência! É ocupar o latifúndio do saber, ocupar os nossos espaços, espalhar a nossa luta e história pelos cantos, mostrando nossa força e a importância de ninguém soltar a mão de ninguém, para que juntos, possamos escrever a nossa história de lutas e conquistas! Izabel, Estudante do curso de Licenciatura em Educação do Campo na UFV


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Construí a II Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária de 2018 que aconteceu do dia 22 ao 25 de agosto, com atividades desenvolvidas no campus da UFV em Viçosa e no Assentamento do MST Olga Benário no município de Visconde do Rio Branco, na região da Zona da Mata de Minas Gerais. Construída por estudantes organizações não governamentais e ou populares, a Universidade Federal de Viçosa e movimentos sociais, essencialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A iniciativa da construção parte da construção do EIV-ZM, o estágio interdisciplinar de vivência da Zona da Mata de Minas Gerais é um projeto de formação da militância campesina que nasce do MST e comunga com suas reivindicações e lutas.

espaços de formação. As crianças e adolescentes passam a ser entendidos também como sujeitos políticos e participantes dos processos de luta. A educação popular abarca a infância e adolescência pensando-as como formações necessárias para o alinhamento ideológico das comunidades, na perspectiva do bem viver e da justiça social. Mas ainda, a noção da inserção de crianças e adolescentes também como protagonistas e necessárias nas formações de luta é recente. Precisa ser entendida como eixos centrais das programações das atividades, para além da viabilização da participação das mulheres na construção dos espaços de luta das organizações populares.

No entendimento de que a construção do estágio precisa estar envolvida também com a construção das atividades dos movimentos sociais populares, contribui com os processos de construção da Ciranda Infantil. Faço estágio no Projeto Curupira do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, que trabalha com arte educação ambiental e agroecologia em escolas da Zona da Mata Mineira. A Ciranda Infantil, é um espaço pedagógico para crianças e adolescentes. Têm sido reivindicada nas discussões de gênero e educação popular nas atividades dos movimentos sociais populares. Entendendo as relações de gênero da sociedade atual, principalmente, a ciranda colabora com a participação das mulheres nos

Helena Joaquina Gomes Barros é estudante de geografia na UFV, coordenadora do EIV Regional Zona da Mata e militante do Movimento de Ressurgência Indígena Puri.


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RELATO DE EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS SOBRE O ESPAÇO DA CIRANDA INFANTIL NA JURA 2018 O espaço da Ciranda Infantil compôs a programação do encontro da 2ª Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária durante os dias 23, 24 e 25 de agosto de 2018 na Universidade Federal de Viçosa e no Assentamento Olga Benário, em Visconde do Rio Branco-MG onde se realizou o Terreiro Cultural José Nunes, conhecido também como “Zequinha” trazendo como tema “MST 30 Anos em Minas Gerais: Memórias e Lutas por Direito à Terra e ao Território”. Durante a preparação da Ciranda e nos dias de seu acontecimento ao máximo nos mostramos abertos e sensibilizados a deixar o fluído de dinâmica da Ciranda e possibilitar que as crianças ficassem a vontade e livres para integrar e interagir com as atividades amostra, como aconteceram nas brincadeiras de roda, confecção de brinquedos, desenhos livres que tanto despertou a expressão artística, conversas, yoga, corre livres, confecção de birutas, durante a terapia ancestral, na apresentação da dança contemporânea com os pés no chão de terra, ao som dos batuques, chocalhos e berimbau e nas cantigas de roda ao giro da saia rodada, na intenção principal de buscar o conhecer de si e do outro, ouvindo e observando o corpo, movimentos, respiração, o contato com os elementos da natureza e o despertar dos sentidos, trazendo junto a tudo isso o levante da história de luta e a presença deste espaço para estimular a discussão com as crianças,. E é destes momentos que posso retratar, a preciosidade do envolvimento que gerou diversos sentimentos compartilhados e colhidos

possibilitado pela minha participação na JURA e junto à organização do espaço da Ciranda, uma relação de gratidão pelas trocas de saberes e pela oportunidade de evolução interna, quanto aos aprendizados adquiridos.

Pela visão pessoal, as crianças desfrutaram e se descobriram ousando do lugar, exploraram suas constituições e imaginação, através das brincadeiras pedagógica e lúdicas, da forma que a Ciranda Infantil é um espaço voltado para a construção do debate político da atuação do MST, formação histórica dos elementos de composição e de organização e retrata a importância da


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participação infantil que cria e inspira o incentivo do espírito de luta pelo direito à terra, tendo como amostra o cenário de vivência e experiência do MST, foram nestes momentos de contato circular que podemos ouvir das histórias e compartilhar das trocas de saberes, partilhando das experiências e relatos de vivência, mas junto a tudo isso tem se o intuito da Ciranda, enquanto espaço que possibilita as mulheres e mães a participação política e a autonomia de compor e ter voz nas discussões e expor seus posicionamentos enquanto mulher trabalhadora no contexto do campo, já que esta mulher ocupa e vem carregando uma imagem de fala representativa para a organização política e coletiva do MST, e ver a força da frente feminina como inspiração para as crianças e enquanto como participadores e ouvinte, é motivador. Assim, as palavras que aqui compõe esta folha, repassam os sentimentos internos de gratidão, junto ao apanhado de aprendizados, possibilitado pelos contatos, as trocas de saberes e as histórias de cada conversa. No decorrer do tempo, os retratos de cada acontecimento são tidos como lembranças e agora se tornam memórias escritas, assim estes são os meus simples e breves relatos de uma totalidade que só poderia ser expressada, quando vivida.

E a todos os envolvidos que dividiram e estivem ao meu lado durante todos estes momentos e outros em que não pude estar, meu profundo e sincero OBRIGADA Ana Letícia Santos Costa, contribuidora da organização da Ciranda Infantil da JURA 2018 e estudante do curso de Serviço Social da UFV


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Ao recordar da II Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, me recordo também de Cora Coralina, que diz “Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas”, pois é esse o sentimento que tenho ao me lembrar da beleza que foi a construção e a execução do evento. É no grupo de estudos sobre a questão agrária no Brasil, que surge a oportunidade de contribuir na construção da JURA. Onde vivi momentos que me possibilitaram pensar na questão da terra para além de teorias, e que me fez refletir sobre minha situação enquanto pessoa do campo. Dentro dos vários temas discutidos na JURA, foi na Ciranda Infantil que estive mais presente, um espaço que foi pensado para as crianças na intenção de inseri-las na discussão da terra e no resgate de memórias, de forma lúdica e pedagógica, e também possibilitar que seus responsáveis pudessem estar presentes nos demais espaços. Agradeço à Ciranda Infantil e a partilha de experiências do “Sim, eu posso”, aos colegas do assentamento Olga Benário e Tumiritinga e a toda coordenação do evento que contribuiu na JURA-2018. Carina Marcelino Teixeira, Estudante do curso de geografia e membro do Coletivo Acadêmico ZIlda Xavier. Trabalhouna ciranda infantil da JURA.

Esse é um espaço de grande importância para o povo do campo, principalmente para nós que vivemos em Assentamentos, pois ele trouxe a oportunidade de levarmos sujeitos do campo a um espaço q antes eles não tinham acesso nem como visitantes pois os temas até então debatidos não se relacionavam com sua realidade! Juntamente com outros espaços organizados pela LICENA esse encontro trouxe uma nova cara para a UFV dando espaço e Voz para quem muitas vezes não era ouvido! As atividades realizadas foram marcantes, pois muitos tiveram a oportunidade de conhecer um polco dos povos do campo: indígenas, Quilombolas, dos movimentos sociais principalmente e em destaque o MST. Lucas, estudante do curso de Licenciatura em Educação do Campo e morador do Assentamento 1° de junho.


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Relatos de vivência espaço da saúde

O espaço saúde da Jura foi criado no intuito de gerar um ambiente de cuidados e relaxamento às pessoas que estavam participando do terreiro cultural. A confraternização de encerramento foi um momento de promover descanso, meditação, cuidados, auriculoterapia, reiki, indicações homeopáticas, biodigital e outras terapias ao bom som do congado, junto as fartas mesas de partilha. Conseguimos montar a casa da Saúde do Assentamento Olga Benário, por meio de mutirões onde os preparados homeopáticos puderam ser feitos e armazenados. Reunimos depoimentos de alguns dos colaboradores desse momento especial, o primeiro espaço destinado à Saúde na Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, JURA da UFV.


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A reforma agrária sempre me fascinou. A luta pela terra é um dos movimentos sociais mais admiráveis que existe e depois de entrar na universidade pude participar da Jornada Universitária pela Reforma Agrária (JURA) e conhecer o movimento de perto. Participei do Terreiro Cultural Walmir Pulga em Visconde do Rio Branco trabalhando na área da saúde. Foi sensacional contribuir no processo de cura das pessoas, passando um pouco do que aprendi sobre a Homeopatia, que nos dá total independência de drogas alopáticas e autonomia para que, com auxílio da natureza e do conhecimento popular, consigamos uma vida saudável e equilibrada.

Bruno Otavio de Souza Homeopata e estudante de Agronomia, UFV.

Participar da JURA, como participar de qualquer outro evento relacionado a reforma agrária sempre é extremamente gratificante e de um aprendizado incrível. Estar no ambiente universitário tem seus limites, a universidade principalmente a UFV tem sua própria percepção capitalista e de apropriação da terra. Entender sobre a reforma agrária, entender que precisamos lutar pela terra é algo de muita importância. Ter a JURA fazendo esse link dentro da universidade é essencial para que possamos seguir na luta pela reforma. Eu participei do terreiro cultural Walmir Pulga ajudando na parte de cura, onde era oferecido tratamentos homeopáticos, foi enriquecedor e de muito conhecimento, por ser uma área que eu não tinha nenhum tipo de informação. Ressalto também os debates e mesa redonda que, agora mais do que nunca, são de extrema importância para a luta sobre a reforma agrária. João Antônio Araújo Santos Estudante Agronomia, UFV.


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Vivemos em uma sociedade que adoece os indivíduos. É muito duro ver trabalhadores e trabalhadoras desgastando seus corpos e mentes em trabalhos mal pagos e sem terem acesso à cultura, educação, lazer e saúde de qualidade. O trabalho com a Homeopatia e com as plantas medicinais visa resgatar conhecimentos poderosos, contrapor o agronegócio e a mercantilização da saúde e melhorar a qualidade de vida da classe trabalhadora. Dessa forma fortalecemos a luta por um outro tipo de sociedade na qual não seja a taxa de lucro o objetivo principal, mas o desenvolvimento e o bem-estar do ser humano em harmonia com a natureza. Tatiana Gomes Homeopata e residente no assentamento Dênis Gonçalves-MG.

Trabalhar no espaço da Saúde do Jura foi muito importante para mim. Realizei muitas trocas e aprendizados. Tive a oportunidade de atender as pessoas fazendo orações e utilizando a energia das plantas medicinais. Me senti realizado pois se fazemos o bem, este com certeza retornará em algum momento à nós. E assim continuamos a luta. Joel Paulino Homeopata Mateiro.


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Participar do terreiro cultural da Jura junto aos colegas profissionais de terapias holísticas foi um momento unificador. Alguns foram meus alunos e observar a desenvoltura deles naquele momento foi algo singular. Havíamos realizado o curso de Plantas Medicinais e Homeopatia no assentamento Olga Benário, fiquei feliz de ver nossa sala de aula, imediatamente se transformando em palco experimental de aprendizado, onde não havia mais professor e aluno. Estávamos juntos por um propósito: proporcionar cuidados às pessoas naquele momento de celebração e luta. Pude perceber que as pessoas, principalmente, os integrantes de diversos movimentos sociais estavam passando por pressões psicológicas, identificadas pelo momento de instabilidade do governo, naquela época, o burburinho das eleições junto a prisão falaciosa de Lula, alterou a saúde de muitas pessoas. A maioria procurava-nos pedindo um auxílio para ansiedade, medo, insegurança, dores que apareciam repentinamente e muitos distúrbios causados por estresse. Gostaria de agradecer a oportunidade de participar desse movimento tão importante, não apenas aos centros acadêmicos, mas à população militante dos variados assentamentos do país, onde em uma semana, são lembrados, valorizados e tem a oportunidade de contar a outra versão da história, aquela que não é transmitida pelos canais de informação. Heveraldo Pereira Coelho Homeopata e Instrutor de Homeopatia Rural.


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Agradeço a essa equipe de trabalho que fez o espaço da saúde ser receptivo, de bem-estar e acolhedor às pessoas. Serei eternamente grata ao assentamento do MST Olga Benário. Nesta terra realizei o curso de Plantas medicinais e Homeopatia, e neste mesmo chão pude colocar em prática os aprendizados. Foram dias com diversas trocas de experiências, principalmente práticas, em um ambiente universitário onde tudo vira teoria. Tivemos a oportunidade de discutir sobre o Sistema de Saúde brasileiro, e como podemos nos tornar independentes das grandes indústrias farmacêuticas utilizando terapias naturais. Nas partilhas de experiências de saúde surgiram momentos de complacência e empatia com os companheiros da vigília LuLa Livre. Naquele momento sentimos como é ser mais que a soma de todas as partes. Partilhamos de união e força, para continuar lutando pelas diversas injustiças e retrocessos que vem ocorrendo no Brasil. Esther Mariana F.A. Nunes Homeopata estudante de agronomia.


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A JORNADA TRANSFORMOU EM UM EVENTO ARTÍSTICO E CULTURAL POPULAR: COMO ESPAÇO DE SOCIALIZAÇÃO DE CONHECIMENTO POPULAR E CIENTÍFICO ENTRE OS POVOS DO CAMPO E DA CIDADE O movimento sem terra, além de respirar a luta pela terra, respira também a politica e a arte constantemente como ferramenta de formação e organização nos acampamentos e assentamentos do MST. A jornada universitária em defesa da reforma agrária em Minas Gerais chega como uma jornada de juramento de que não vamos descansar enquanto não conquistarmos um projeto popular socialista construído pela e para a classe trabalhadora. Ela trata da situação do Brasil de forma circular e coletiva envolvendo sujeitos/as da reforma agrária, indígenas, quilombolas e diversas etnias e ancestralidades, a produção agroecológica da agroecologia sem agrotóxico, a educação popular e a educação do Campo.

A intenção é abrir diálogo com os estudantes, professores, educadores e educadoras de universidades. A JURA contou com a participação de movimentos sociais populares, entidades e a população acadêmica. Ainda nos dias atuais existe resistência por parte da sociedade, até mesmo de alguns estudantes da Educação do Campo e alguns educadores, educadoras que ainda não entendem o significado da palavra reforma agrária, com isso quem defende ou participam acostuma ser hostilizados de algumas formas em diferentes espaços de luta. A jornada transformou em um evento artístico e cultural popular: como espaço de socialização de conhecimento popular e científico entre os povos do Campo e da cidade.

A meu ver a jornada coloca em evidência a questão da reforma agrária como preocupação da população do campo e da cidade, a partir da unidade da classe trabalhadora.


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"Quando o campo e a cidade se unir a burguesia não vai resistir" assim combateremos o abuso do agrotóxico na produção dos alimentos, permitindo a transição para produção de alimentos saudáveis apontando para um projeto de saúde e vida saudável e dignas. A JURA é o espaço de discutir a Reforma Agrária dentro da universidade trazendo para os estudantes essa política pública de direito dos povos do campo, reafirma a relação campo e cidade e aprofunda as relações políticas. O espaço da JURA e também uma devolutiva aos parceiros de como estão as áreas de Reforma Agrária onde a terra foi conquistada e onde ainda está em processos de luta constate acesso à terra. É maravilhoso ver jovens debatendo um tema tão importante para o Brasil, mesmo em um momentos de tanto retrocesso.

NO MST, DEFENDEMOS UMA AGRICULTURA QUE ESTEJA EM HARMONIA COM A NATUREZA E QUE RESPEITA O MEIO AMBIENTE. PORTANTO, ESTAMOS NA TENTATIVA DE CONSTRUIR AGROECOLOGIA NAS ÁREAS DE ASSENTAMENTOS E ACAMPAMENTOS, NA INTENÇÃO OU NA PERSPECTIVA DE ALINHAR OS CONHECIMENTOS ANCESTRAIS DO MANEJO DA TERRA E DA SEMENTES, COMBINANDO COM A TECNOLOGIA NO SENTIDO DE PRODUZIR ALIMENTOS EM GRANDE QUANTIDADE SEM PREJUDICAR AS RIQUEZAS NATURAIS POR COMPREENDER QUE O MODELO DO AGRONEGÓCIO PROVOCA DANOS AMBIENTAIS E CONTAMINA SOLO, A ÁGUA, E AS PESSOAS.

Com a jura colocamos em discussão por dentro das universidades a partir das parcerias e esforços provocados também pela sociedade acadêmica no sentido de fortalecer a discussão, e a memória das lutas e resistências dos povos tradicionais e camponeses nos Estados, nas regiões, e no Brasil. São nesses espaços que os movimentos sociais e camponeses ocupam as Universidades públicas, os institutos federais e as escolas brasileiras para sensibilizar a comunidade acadêmica e estudantes sobre a importância da luta pela reforma agrária como estratégia para fortalecer a construção de um projeto popular sem intervenção do sistema capitalista. Assim podemos cantar:

"Amar a terra e nela plantar semente, a gente cultiva ela e ela cultiva a gente.

Terezinha Sabino


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"Primeiro levaram os negros mas não importei com isso Eu não era negro Em seguida levaram alguns operários Mas não importei com isso Eu também não era operário Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo." (Bertold Brecht) Eu me importo com a vida dos indígenas, negros, Sem Terra. Eu me importo com a classe trabalhadora. Ter participado da II JURA na UFV na mesa de abertura no ano de 2018, foi uma honra e um desafio falar da defesa de território em uma conjuntura tão adversa, de retirada de direitos e com um representante do povo preso (Lula).


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Fazer a JURA na UFV é sinônimo de enfrentamento no lugar das contradições quando se trata da reforma agrária. É dialogar com os sujeitos que a universidade é um espaço de disputa de ideias, por isso se faz importante ocupa-lo e dar voz a todos aqueles que foram silenciados. Levar o colorido para a universidade é insistir em um país por igualdade de direitos. Vamos tecer a nossa liberdade, por mais que nos impeçam de sermos livres. Estamos hermanados, e a mesa teve esse tom, nada melhor do que os sujeitos contando sua própria história... E assim que foi. Uma mesa composta por um indígena, um quilombola e uma Sem Terra (eu). Estamos na defesa de nossas vidas e de toda a classe trabalhadora quando defendemos a água, a terra e a nossa cultura, só que precisamos compreender que por mais que seja um direito de todos os povos, historicamente nos foi negado e é somente através da luta que fazemos valer esses direitos. Para mim mulher negra, estudante, assentada da reforma agrária, educadora, nascida e criada na luta, é inaceitável essa sociedade injusta. Seguirei desafiando o desafio de construir uma sociedade para todos, porque eu me importo com os negros, com os índios, com os sem teto, com os sem terra... eu me importo com meus companheiros e companheiras... Eu não posso ficar feliz com um sistema que mata, que oprime e deixa cada vez mais o povo na miserabilidade...o capitalismo nos desumaniza.

Não! Não permitiremos essa atrocidade. Defender a Reforma agrária é defender a vida, é defender a mãe terra, é defender a liberdade de poder viver com dignidade. Sim! Estão levando tudo dos trabalhadores/as... Os direitos sendo cortados, a terra sendo negada, corpos sendo enterrados na lama. A universidade não é para todos/as; não tivemos uma ditadura civil militar. Como pode indígena e quilombola sem terra demarcada... Não aceitar essas sandices é se armar do conhecimento, da foice, do facão, da flecha e dos atabaques! Vamos guerrear nas terras dos senhores; no congresso nacional e não baixar a guarda para o imperialismo norte americano. É chegada a hora da unidade, das vozes ecoarem mais longe que puder; da pintura no rosto, das mãos cheias de calo da labuta, mas que tem forças para empunhar sua foice! Que germine no ventre da mãe terra a palavra REBELDIA e que prolifere a resistência, a teimosia e a desobediência... Não vão nos emburrecer, pois não tiraram de nós e nem vão tirar os nossos sonhos de seguir mirando um outro horizonte, ainda que esteja longe de nós.

ELISANGELA CARVALHO FAZ PARTE DA DIREÇÃO ESTADUAL DO MST PELA ZONA DA MATA. É ASSENTADA DA REFORMA AGRÁRIA NO ASSENTAMENTO DÊNIS GONÇALVES E EDUCADORA DA ESCOLA DO CAMPO CARLOS HENRIQUE RIBEIRO DOS SANTOS.


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Na natureza, a qual pertencemos como uma pequena parte de um todo complexo e equilibrado, desde que nós, seres humanos, não interfiramos de forma negativa, tornando-o desequilibrado e estranho. Nessa natureza, existe um animal saltitante, barulhento, chamado Suricato. Os Suricatos vivem em grupos, fazem suas moradias em buracos no chão para se protegerem de aves e animais predadores. Para a segurança do grupo, os suricatos se organizam, mantendo sempre dois ou três guardiões em pontos mais altos e sobre as patas traseiras para que fiquem o mais alto possível. O alarme para o bando é dado, após a identificação de possíveis ameaças. No entanto, sempre existem animais do grupo, mais desatentos, sonolentos e por essas razões se tornam alvo dos predadores. Na nossa organização humana social não é diferente.

Penso que os movimentos sociais organizados são os guardiões dessa sociedade do ponto de vista de garantir o poder social do povo, tornando estes grupos mais

atentos aos avanços e retrocessos a depender da conjuntura política e de quais atores estão à frente dos processos. Assim como os suricatos, boa parte da população em um determinado contexto, demora a despertar, não consegue antever o potencial do predador, mesmo com o alerta recebido, tornando-se vítima também, colocando em risco o futuro de outas gerações. Diante disso, espaços como a JURA é essencial para que estes guardiões sociais possam propagandear suas lutas e alertar o público participante sobre os preconceitos e má informação. O jogo de interesse tem criminalizado estes grupos que se despertam e seguem iluminando os outros para que no final saiam todos "vivos".

Valdinei Siqueira


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A Jura (Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agraria) é uma atividade de caráter nacional, realizada geralmente em abril (nomeado abril vermelho, pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), fazendo referência ao massacre de Carajás). Essa jornada tem como objetivo realizar a formação política, a agitação e propaganda, além de celebrar e fortalecer as nossas conquistas da luta pela terra, é um espaço rico e diverso com saberes e culturas que normalmente a bolha universitária não leva em consideração. Portanto, esse momento se mostra mais que necessário ocupar as universidades, na construção de uma universidade popular, plural, colorida. A produção de tecnologias através da pesquisa, ensino e extensão nas universidades mantêm a relação capitalista baseada na propriedade privada, no latifúndio e desigualdade na exploração dos trabalhadores e bens naturais, por isso reivindicamos esse espaço não só durante a jornada, mas no dia a dia das universidades, construindo alternativas ao sistema opressor que vivemos através da agroecologia, a agricultura familiar, a biodiversidade e na luta e resistência do movimento camponês, indígena e quilombola, na construção de um projeto popular para o Brasil. Em nossa 1ª edição da jornada de Viçosa na UFV (Universidade Federal de Viçosa) em 2017, intitulada “A reforma agraria e a Luta contra o golpe: educação terra e trabalho” dialogamos sobre o contexto político conjuntural instalado pósgolpe de 2016 em nosso país.

A organização, formação e luta se coloca como pilares de nossa construção. A organização é coletiva antes, durante e posterior a jornada, através de nossas organizações, movimentos e pastorais populares. A formação nas mesas, oficinas, rodas de conversa e atrações culturais permeou múltiplas temáticas como: educação, terra, trabalho, cultura, povos originários, questões ambientais, saúde, feminismo, opressões que são temas que permeiam o cotidianode nossa luta. Além disso, houve também uma ação concreta de luta que ocorreu através do diálogo e construção da ocupação de terra pelo Acampamento Gabriel Pimenta em Coronel Pacheco no ano de 2017. No ano seguinte, em 2018, a 2ª edição da jornada teve como tema: “MST 30 anos em MG. Memorias e Lutas por Direito à Terra e ao Território”. Com muita alegria e entusiasmo celebramos os 30 anos do movimento em MG. Além dos espaços de formação e dialogo a agitação e propaganda, a cultura foram o diferencial desse ano, com a construção de diversas instalações pedagógicas e a celebração de nossas lutas e conquistas através do Terreiro Cultural momento rico de exposições, instalações, apresentações e diversas expressões culturais. Vinícius Vieira, do Levante Popular da Juventude, foi um dos organizadores da primeira edição da Jura em Viçosa.


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Vamos falar hoje de sonhos e memórias. Proponho, invertermos a lógica. Ao invés de pensarmos o sonho como algo para o futuro e a memória como algo do passado, Proponho invertermos, vamos pensar nos sonhos do passado? E nas memórias do futuro? Proponho por hoje invertermos. De que sonhos do passado estamos falando? Todos nós somos um sonho do passado, pessoas sonharam nossa existência, sonharam a vida, sonharam propostas, sonharam uma sociedade justa, igualitária, para todos. Sonharam que estivéssemos aqui... Seriam os sonhos realmente algo que ainda está por acontecer? Prefiro pensar que sou parte dos sonhos dos que me antecederam... sou parte deste sonho... sonho de alguns muitos... pesadelo de alguns poucos... mas de ambos passado... sonhos do passado... que se materializam no presente. Pensando no contexto de nosso encontro hoje, vale recordar que algumas pessoas há 30 anos atrás um dia sonharam com a bandeira do MST fincada no chão do estado de Minas Gerais. E essa bandeira um dia fincada transformou e continua transformando vidas. E outras pessoas um dia sonharam que esta universidade hoje estivesse ocupada, por diversos povos historicamente marginalizados:

camponeses, indígenas e negros. Com suas cores, seus saberes, suas bandeiras, seus cocares e tambores ocupam aqui, hoje, o espaço que lhes é de direito.Portanto, juntos, aqui hoje, propondo unir nossas mãos, nossa arte e nossas palavras, como pensamos as memórias para o futuro? Quando nos tornarmos memória... quais memórias seremos? Nesse tempo de fortes ameaças, permanecemos firmes, de pé, estamos estendendo nossas mãos uns aos outros, fortalecendo nossos elos, nos aventurando no diálogo em palavras e ações geradoras de Vida. Vamos persistir. Mais uma vez, rexistir. Amanhã, daqui 1 ano, 10 anos, não importa quanto tempo, seremos ainda Memória Viva nos pensamentos de todas e todos que ousaram e ousam sonhar. Porque nossas memórias e sonhos são as memórias e sonhos da própria Terra em que pisamos e que clama por justiça e redenção. Sua Voz não se pode calar, jamais, porque ecoa em tudo o que Vive e faz-se ouvir geração após geração. Deixa seu rastro de força, de beleza, de real utopia.

Texto de abertura da II Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Escrito por Edgard Leite e Roberta Brangioni


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