As mulheres na disputa pelo território: sobre direito à moradia e empoderamento

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As mulheres na disputa pelo território

Ana Flávia Costa da Silva

AS MULHERES NA DISPUTA PELO TERRITÓRIO sobre direito à moradia e empoderamento

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As mulheres na disputa pelo território

AS MULHERES NA DISPUTA PELO TERRITÓRIO sobre direito à moradia e empoderamento

Ana Flávia Costa da Silva Orientadora: Heloisa Soares de Moura Costa

Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Arquitetura e Urbanismo UFMG 2015/02

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su 01 má 02 rio

apresentação a pluralidade de vozes: quem fala e por quem fala

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breves histórias de reprodução e resistência

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CRECHE TIA CARMINHA

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a inclusão das mulheres nas políticas habitacionais

55

3.1

A Hora e a Vez das Estatísticas

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SOBRE O TERMO 3.2

Feminização da pobreza na cidade informal 3.3

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05

Políticas de regulação de terras

60 65 67


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REGISTRO DE POSSE NA OCUPAÇÃO

04

sobre empoderamento

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4.1 Ocupações Urbanas

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A OCUPAÇÃO 4.2

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Perspectiva de Gênero nas Políticas Habitacionais

A VILA

considerações finais

83 85 89 95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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lista de IMAGENS

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agradecimentos

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(

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)


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apresentação 7


Esta pesquisa tem como objetivo investigar a inclusão e participação das mulheres nos processos - institucionalizados ou não - de acesso à habitação no Brasil. Para isso, se propõe uma análise em dois vieses transversais, ora opostos, ora aliados: o das políticas públicas e o da resistência cotidiana dos assentamentos informais. Ao longo dos últimos anos, as questões relativas à igualdade de gênero têm ocupado cada vez mais espaço na agenda pública nacional. Todavia, compreende-se aqui que leis ou programas que dão prioridade às mulheres não necessariamente se configuram como promotores de uma perspectiva de gênero. A partir dessa abordagem será problematizado o discurso da posse segura da terra como forma de emancipação, de acordo com as causas e estatísticas nas quais se alicerçam tais políticas, assim como as possíveis consequências dessa aplicação legislativa. Em contraponto às ações institucionalizadas e legitimadas do poder público, realiza-se o estudo empírico na Ocupação Urbana Eliana Silva, localizada na região do Barreiro, em Belo Horizonte. A Ocupação foi escolhida por uma gama de motivos, sendo o principal deles o conhecimento prévio sobre a organização de moradoras desde seu início, em 2012, seja no processo político de assembleias comunitárias, na criação de cozinha coletiva, da creche ou mesmo na realização de encontros semanais de mulheres para discussão de temas variados. 8


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No dia 01 de setembro de 2015, foi realizada a primeira visita, na qual, em diálogo com a coordenadora da Creche Tia Carminha, foram combinadas visitas semanais sempre às quartas-feiras. Me propus a trabalhar com as cinco moradoras que conduzem a creche e realizar as mesmas atividades que elas cumprem diariamente, práticas de reprodução relacionadas ao cuidado com as crianças, filhas e filhos das moradoras da Eliana Silva. Enquanto cumprimos as funções de limpeza, alimentação das crianças mais novas, troca de fraldas, e brincadeiras, trocamos informações sobre o cotidiano da Ocupação e sobre as particularidades de ser mulher naquele contexto. O diálogo casual se mostrou a melhor forma de aproximação. Na construção gradativa de laços de confiança e a partir das conversas fluidas durante os curtos intervalos entre atividades, elas narravam as histórias recentes, os detalhes do cotidiano, o que as havia motivado ao abandono do aluguel e à disputa pela moradia própria na Ocupação Urbana. Através da aproximação com a realidade cotidiana dessas mulheres, busquei ouvir as suas vozes e vislumbrar as associações e dissociações entre o movimento de luta pela moradia e a causa de gênero. Os relatos contidos nessa monografia não mencionam nomes ou especificidades dessas narrativas, em consideração à intimidade resguardada por muitas delas e à delicadeza de alguns temas abordados. Esta pesquisa foi elaborada, portanto, de acordo com reflexões sobre as tentativas globais, locais e históricas de abordagem de gênero na vida urbana, sobre a estruturação legal e prática dos processos de regulação de terras na América Latina - especialmente no Brasil - e como a sua aplicação interage com a realidade das pessoas que vêem emergência no escape dos altos preços dos alugueis, das amarras socioespaciais da especulação imobiliária e de programas públicos de acesso à moradia que se mostram insuficientes para os núcleos de renda mais baixa. Para além dos exemplos pontuais, esta monografia busca uma análise compreensiva que incorpore o acesso à moradia como parte de um sistema maior de reivindicações necessárias para que se garanta acesso irrestrito aos direitos humanos universais e, em particular, à cidade. Através ainda dessa abrangência 9


analítica, e por acreditar que os conflitos da vida nas cidades atingem grupos sociais variados mas interrelacionados, será elaborado um estudo a respeito da perspectiva de gênero nas políticas habitacionais atravessado pelas concepções de classe e raça. Tendo isso em vista, os trechos a respeito das diferentes experiências na Ocupação Eliana Silva serão inseridos por toda a pesquisa, com o objetivo de apresentar as políticas públicas e as ações políticas de luta pela moradia de forma intermitente, evidenciando os paralelismos, os pontos de convergência e os de divergência. As páginas a seguir foram estruturadas em quatro capítulos. No primeiro deles será realizada uma introdução aos pressupostos teóricos desta pesquisa, através da revisão do surgimento do movimento feminista e das diferentes ondas que se desenvolveram desde então. Como esse processo histórico é perpassado por práticas heterogêneas, é relevante assinalar e justificar quais aspectos serão apropriados para o estudo a seguir, considerando as particularidades do exemplo brasileiro. No Capítulo 2, a análise mais abrangente dos princípios feministas dá lugar ao vislumbre das particularidades, de exemplos do passado e do presente que explicitam a legitimação da marginalização, a distinção de lugares próprios às mulheres, as manifestações práticas e políticas realizadas por elas na disputa contra a dominação masculina, assim como as potencialidades e brechas dessas ações e suas materializações no espaço urbano. Em termos gerais, o Capítulo 3 trata da legislação recente na América Latina, especialmente no Brasil, referente à regulação de terras e de como tem acontecido o processo de priorização das mulheres na conferência de registros de posse. Para tanto e para que o estudo não se realize com base somente nos efeitos dessas normas, buscou-se investigar as suas possíveis fundamentações teóricas, onde alcançamos a apreciação de dados recentes sobre a chefia da família e a feminização da pobreza. No Capítulo 4, há um deslocamento de perspectiva, quando, em contraposição à apreciação generalista das estatísticas e das práticas do Estado, volta-se o olhar 10


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à praxis urbana cotidiana, aos movimentos sociais urbanos que perpassam as causas feministas, simultaneamente ou não à luta pelo direito à habitação. Nessa parte, discutiremos as ações empoderadoras e a sua importância mediante as ações institucionalizadas do poder público. O encerramento da monografia se dá nas Considerações Finais, onde procura-se a prospecção dos caminhos a serem seguidos para que conquistas localizadas de hoje possam se expandir para o contexto da cidade como um todo.

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à esquerda: Sr. Presidente, quanto tempo as mulheres devem esperar pela liberdade? à direita: Sr. Presidente, o que você fará pelo sufrágio feminino? 12


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a pluralidade de vozes: quem fala e por quem fala?

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A partir da concepção de que toda atividade humana é política, é preciso que sejam explicitados os pressupostos teóricos que serão aqui empregados e, ao fazê-lo, que sejam reconhecidos os aspectos ideológicos inerentes às nossas práticas. Para tanto, e para que fiquem nítidos os conceitos a serem utilizados nesta monografia, farei um breve retrospecto introdutório acerca das três ondas do feminismo. No projeto do feminismo está o entrelaçamento entre teoria e prática política. Essas diferentes fases ocorreram em épocas distintas, historicamente construídas conforme as necessidades políticas e o contexto material e social de cada uma. Muitas das propostas coexistiram em diversas ondas, e ainda coexistem na contemporaneidade, de modo que não há na atualidade, um só feminismo, mas vários, e não é factível a sua interpretação a partir de uma perspectiva histórica linear (NARVAZ e KOLLER, 2006). A primeira onda teve início no contexto das sociedades industriais e representa, de modo geral, o surgimento do movimento feminista, que nasceu como movimento liberal de luta das mulheres pela igualdade de direitos civis e políticos até então exclusivos aos homens. O movimento sufragista, cujas bases foram lançadas 15


na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos e na Espanha, teve fundamental importância nessa fase incipiente (NARVAZ e KOLLER, 2006). As sufragistas confrontavam as convenções determinantes do ser mulher e se engajaram na persuasão pública, atividade considerada pouco feminina, apropriada somente aos homens. Tal prática desafiava ainda o culto da domesticidade, que naquela época ditava que o lugar de mulher era o lar, de acordo com as necessidades do marido e dos filhos. As obras Um Teto Todo Seu (1929) de Virginia Woolf e O Segundo Sexo (1949), de Simone de Beauvoir são centrais a esse período, bem como às ondas seguintes. Apesar da participação de mulheres negras como Ida B. Wells (1862–1931) e Mary Church Terrell (1868–1954), que buscaram demonstrar como a ligação entre sexismo e racismo funcionavam como o principal meio de dominação do homem branco, a primeira onda consistiu predominantemente da ação de mulheres brancas, classe média, com elevado nível educacional (KROLOKKE e SORENSEN, 2005). Paralela a essa onda liberal do feminismo, um feminismo relacionado aos movimentos políticos de esquerda se desenvolveu nos sindicatos dos Estados Unidos, em partidos social-democratas na Europa e durante a ascensão do comunismo na União Soviética. Ele foi iniciado por mulheres como Rosa Luxemburgo (18711919) na Alemanha, Alexandra Kollontai (1872-1952) na Rússia e pela anarquista Emma Goldman (1869-1940) nos Estados Unidos. Todas compartilhavam a aspiração por iguais oportunidades para 16

Propaganda contra as sufragistas, 1900-1914

Lugar de mulher é em casa!


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homens e mulheres, mas essa últimas focavam particularmente nas trabalhadoras assalariadas e no seu envolvimento na luta de classes. Elas também lançaram bases para a segunda onda do feminismo, ao lutarem tanto na vida pública quanto em suas vidas privadas pelo direito ao aborto, ao divórcio e contra o sexismo na sociedade burguesa e no interior dos movimentos e partidos políticos de esquerda dos quais faziam parte (Idem, 2005). A segunda onda do feminismo surge nas décadas de 1960 e 1970, em especial nos Estados Unidos e na França. Enquanto as estadunidenses persistiam na busca da igualdade e na denúncia da opressão masculina, as francesas reclamavam a necessidade de serem valorizadas as diferenças entre homens e mulheres, dando destaque às especificidades da experiência feminina, geralmente obscurecidas. Uma terceira versão afirmaria ainda que a questão paradoxal da igualdade e da diferença não pode ser solucionada, apenas negociada, por ser simultaneamente verdadeira e falsa, propondo que “diferentes subjetividades, masculinas e femininas, mesmo não sendo idênticas, podem ser iguais, no sentido de serem equivalentes. Introduz-se, assim, a noção de eqüidade e paridade no debate igualdade-diferença dentro dos movimentos feministas” (NARVAZ e KOLLER, 2006, p.649). Em termos gerais, o movimento cresceu a partir das organizações de esquerda nas sociedades ocidentais do pós-guerra, em meio aos protestos estudantis, manifestações contra a Guerra do Vietnã; ao movimento gay e ao movimento negro por direitos civis. Nessa nova esquerda, entretanto, muitas mulheres viam-se reduzidas a servir à revolução, excluídas de real influência e, mais uma vez, expostas ao sexismo. Como consequência foram organizados grupos que buscavam empoderar mulheres coletivamente e individualmente a partir de técnicas de compartilhamento e contestação, como explicado no ‘BITCH Manifesto, escrito em 1968 por Jo Freeman, e em demais publicações da época, como Sisterhood is Powerful, editada por Robin Morgan (KROLOKKE e SORENSEN, 2005). Em princípio, portanto, a segunda onda foi caracterizada pelo tema da sororidade e solidariedade apesar das diferenças entre mulheres. O investimento 17


em slogans como ‘A luta da mulher é a luta de classes’ e ‘ O pessoal é político’, demonstra a tentativa da agenda feminista de combinar conflitos sociais, sexuais e pessoais e vê-los como inerentemente conectados. Algumas feministas, como Zillah Eisenstein na obra The Radical Future of Liberal Feminism (1981), anteciparam a continuidade do feminismo liberal da primeira onda durante a segunda e sua apropriação e subversão recente pelo neoliberalismo. Enquanto as liberais lutaram para ter acesso e influência nas instituições da sociedade, as radicais foram críticas com relação a essas mesmas instituições e céticas quanto à inclusão das mulheres no que elas consideravam organizações patriarcais com fins lucrativos (KROLOKKE e SORENSEN, 2005). Durante os anos 1980, tal conjuntura se tornou a onda da diferença. Articulava-se uma teoria e prática feminista particular que expandia a crítica ao capitalismo e ao patriarcado com uma análise mais complexa das sociedades de bem estar social do pós-guerra e seus efeitos para as mulheres em diferentes contextos.

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Manifestação feminista no Concurso Miss America, 1968


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Como consequência, o feminismo da diferença gradativamente se transformou em política de identidade. Em uma conjuntura de intrincadas relações de poder, as mulheres levantaram a questão diversa da intersecção de gênero, classe, raça/etnia e sexualidade. Elas argumentavam que era necessário expandir a mera descrição de similaridades e diferenças que distinguem os diferentes sistemas de opressão e focar em como elas se entrelaçam. É também nos anos 1980 que a crítica pós-modernista da ciência ocidental introduz o paradigma da incerteza no campo do conhecimento. As feministas francesas, influenciadas pelo pensamento pós-estruturalista que predominava no país, especialmente pelo pensamento de Michel Foucault e de Jacques Derrida, passam a enfatizar a questão da diferença e da singularidade das experiências, concebendo que as subjetividades são construídas pelos discursos, em um campo que é sempre dialógico. Nesse contexto, desloca-se o campo do estudo sobre as mulheres e sobre os sexos para o estudo das relações de gênero. A segunda onda não é uma, mas muitas, lógica multiplicada pela emergência da terceira onda, a qual é caracterizada pelo ativismo local, nacional e transnacional, relacionado com os efeitos da globalização. Uma contribuição interessante dessa fase é a de práticas transversais, baseadas na possibilidade de diálogo entre mulheres através de fronteiras religiosas, políticas, étnicas e nacionais (KROLOKKE e SORENSEN, 2005). Nesta fase, ocorre a intensa interseção entre o movimento político de luta das mulheres e a academia, quando surgem nas universidades, inclusive em algumas brasileiras, centros de estudos sobre a mulher, gênero e feminismos (NARVAZ e KOLLER, 2006). Nesta geração foram problematizadas as teorias essencialistas ou totalizantes das categorias estáveis do gênero. Revisada a idéia binária de dois sexos e dois gêneros, o conceito passou a ser entendido como relação, essencialmente política, que ocorre num campo discursivo e histórico das relações de poder. Essa definição resgata a noção de processo e de construção singular de cada sujeito, dentro de um campo situado de possibilidades que é reafirmado ou renegociado através de sucessivas “performances”, ou seja, atos e práticas concretas, através dos quais os sujeitos se constituem. Gênero seria, portanto, 19


uma construção social, uma invenção. Não mais havendo uma única forma de ser mulher, as políticas de identidade presentes na geração anterior, foram questionadas. Para Judith Butler, o substantivo ‘mulheres’ é unívoco, disfarça uma experiência de gênero diversa e contraditória e limita os próprios sujeitos que espera representar. O termo ‘mulher’ significaria, portanto, apenas uma categoria histórica e heterogeneamente construída dentro de uma ampla gama de práticas e discursos. O feminismo permanece como a luta pelos direitos das mulheres, mas é também uma desconstrução do conceito em si (KROLOKKE e SORENSEN, 2005). Entretanto, como afirmam Narvaz e Koller (2006, p.650) Há que distinguir aqui as “políticas de identidade”, que pressupõem a existência de unidade, das “políticas de coalizões”, formadas a partir de alianças contingentes (ver Mariano, 2005)1. Coexistem, assim, correntes feministas que problematizam as políticas identitárias e, com isso, a categoria “mulheres” (Butler, 2003)2 , com teorias que entendem ser possível e necessária a manutenção da unidade da categoria, uma vez concebida tal unidade como resultado de uma fixação parcial de identidades mediante a criação de pontos comuns, ou seja, das lutas políticas que devem ser travadas pelas “mulheres”, os “sujeitos do feminismo” (Costa, 2002; Mariano, 2005; Negrão, 2002)3 .

Tendo sido realizada essa breve revisão de processos históricos, percebe-se que o feminismo vem problematizando a si mesmo ao longo do tempo, mostrandose, por vezes, instável e tenso, mantendo-se em permanente construção e desconstrução. Nesta monografia, para a análise das relações entre as políticas já existentes direcionadas especificamente às mulheres com as suas práticas cotidianas como grupo social e político, adotaremos a perspectiva de que a 1 MARIANO, S. A. O sujeito do feminismo e o pós-estruturalismo. Estudos Feministas, 13(3), 483-505, 2005. 2 BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 3 COSTA, C. L. O sujeito no feminismo: revisitando os debates. Cadernos Pagu, 19, 59-90, 2002.; e Negrão, T. Feminismo no plural. Em M. Tiburi, M. M. Menezes & E. Eggert (Orgs.), As mulheres e a filosofia (pp. 271-280). São Leopoldo: UNISINOS, 2002.

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sobrevalorização da diferença biológica entre seres humanos atribuiu aos dois sexos funções diferentes - e geralmente hierarquizadas - no corpo social como um todo. Foi costurada uma normatização de gênero, isto é, um tipo “feminino” que tem sido culturalmente imposto à fêmea para que ela se torne uma mulher social, e um tipo “masculino” ao macho, para que se torne um homem social (HIRATA et al., 2009). Tal categorização sobrevive através de interpretações e valores que se sustentam através de elementos culturais, da linguagem, da educação, da mídia e da religião e configuram relações de poder nas sociedades, as quais moldam os privilégios que dão, não raro, forma às políticas governamentais (UN-HABITAT, 2014).

Marcha do Orgulho Crespo em São Paulo, 2015 21


Essas relações atravessam também os campos de raça e classe, sendo transversais a eles, como afirma Monnet, ao citar Parini4 : “Não há, no mundo, homens e mulheres ou machos e fêmeas em si, mas apenas o gênero construído através de lutas históricas entre grupos nas sociedades estruturadas por classe, raça, sexualidade, etc, para o acesso aos recursos sociais (simbólicos e materiais)” (PARINI, 2006 apud MONNET, 2013., p.225). Isso posto, para a análise que se pretende é preciso averiguar de que mulheres tratam as políticas públicas com viés supostamente de gênero e quais são aquelas cujas vidas perpassam a luta pela moradia. O próprio conceito de mulher é, por vezes, permeado por concepções generalistas, as quais, por seu caráter reducionista, serão refutadas neste trabalho. A partir da percepção de uma tenacidade opressora dirigida às porções mais marginalizadas da população, deve-se denotar que diversos conflitos urbanos não atingem as mulheres como grupo homogêneo, mas são mediadas por outros fatores, que tornam mais ou menos nocivos os efeitos das relações de poder na vida urbana, invisibilizando especialmente as mulheres pobres e negras5. Sua representativade, todavia, é patente: no ano de 2009, um quarto da população brasileira era configurado exclusivamente por mulheres negras e já ultrapassava, ainda que em pequena margem, o número de mulheres brancas (MARCONDES et al., 2013). Os processos de concentração fundiária e de renda no país, por exemplo, fazem nítidas as grandes distâncias que ainda separam mulheres e homens, negras e brancas, ricas e pobres, seja no campo do trabalho, da educação ou no espaço doméstico. Este cenário reitera a força estruturante dos valores e convenções de gênero, classe e raça na conformação do quadro maior de desigualdades que ainda marca o país e justifica a corporização aqui de uma análise transversal de acordo com tais categorizações sociais, que se interseccionam em momentos vários. 4 PARINI, Lorena. Le système de genre: introduction aux concepts et théories. Zurique: Seismos, 2006. 5 Nesta pesquisa, foi feita a opção de se trabalhar com a categoria “negra”, a qual representa a soma das categorias preta e parda, estas utilizadas pelo IBGE. Isso porque estes grupos apresentam semelhanças quanto aos indicadores sociais para pretos e pardos e radicalmente distintos quando se consideram estes dois grupos em comparação ao de brancos.

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Ocupação de prédio por mulheres em Nova York, 1971 24


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breves histórias de reprodução e resistência

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O gênero se manifesta materialmente em duas áreas fundamentais: 1) na divisão sociossexual do trabalho e dos meios de produção, 2) na organização social do trabalho de procriação, em que as capacidades reprodutivas das mulheres são transformadas e mais frequentemente exacerbadas por diversas intervenções sociais (TABET 1, 1985/1998 apud HIRATA et al., 2009, s.p.)

Condição para que as várias faces das desigualdades de gênero sejam suprimidas é ativar o gatilho da percepção de como elas sobrevivem e sob quais máscaras. Tal ignição pode ser derivada de fontes diversas, seja por meio da articulação dos movimentos feministas, ONGs nacionais e internacionais, do Estado, da Academia ou de diversos atores sociais que, na base cotidiana, rechaçam o patriarcado. Antes de nos delongarmos sobre as experiências que nos ilustra a História, é indispensável que se tenha em mente: uma praxis urbana que vise a uma perspectiva efetiva de gênero deve transpor os conflitos gerados pela divisão sexual do trabalho. O termo entrou em uso quando etnólogos procuravam designar uma categoria complementar das tarefas entre homens 1 TABET, P. La construction sociale de l’inégalité des sexes: des outils et des corps. Paris: L’Harmattan, 1998. 206p. (Bibliothèque du féminisme) [textos de 1979 e 1985]

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e mulheres. Foram, entretanto, algumas antropólogas que converteram essa definição para uma nova, que evidenciava a relação de dominação implícita nesse processo. Essa forma de divisão social do trabalho baseia-se na separação de tarefas e na sua hierarquização: não somente são distintas as suas atividades, como também é de maior validade aquela executada pelo homem (HIRATA et al., 2009). Levando-se em consideração que a produção estruturada pela relação entre capital e trabalho é o centro do pensamento econômico-político moderno, seja ele de direita ou de esquerda, a subsistência humana e seus atributos passam a ser tomados por “reprodução”. Tal perspectiva é devida ao seu papel organizador da restauração de um ciclo produtivo, no que tange à disponibilidade da mercadoria trabalho, para que esse ciclo possa recomeçar. De acordo com Kapp e Lino (2008), portanto, reprodução é a produção para a preservação de um determinado estado de coisas, a começar pela subsistência da espécie a partir a procriação. O ato produtivo é absurdo se concebido isoladamente, desvinculado do processo reprodutivo, sem o qual não teria objeto, nem quem o realizasse. Ainda de acordo com as autoras (2008), calcula-se que mais da metade de todo o trabalho humano seja trabalho de reprodução não remunerado, executado prioritariamente pelas mulheres no espaço doméstico: Meios e fins se invertem: a existência de pessoas se torna um meio para a produção, e não o seu objetivo. Já nas formações sociais em que o trabalho assalariado não existe ou contribui pouco para a subsistência, como nas sociedades pré-capitalistas, as atividades de produção e as de reprodução pouco diferem entre si. O espaço da moradia, nesse caso, é estruturado pelo trabalho, mas a ele se mesclam diretamente todos os outros significados e ações da vida doméstica, desde procriação e religiosidade até entretenimento e convívio social. (Idem, 2008, p.13)

Nas sociedades industriais urbanas em que persiste a separação artificial - econômica e cultural - entre reprodução doméstica e produção de riquezas, materializam-se no território tais distinções, que terminam por transformar o 28


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espaço do trabalho, segregando-o do espaço de moradia. Portanto, não se trata simplesmente de um problema simbólico ou de uma questão de reconhecimento do trabalho doméstico. Trata-se de compreender quais atores sociais cumprem quais papeis, o que compete a eles em termos de direitos e privilégios, e de que forma esse processo ganha vida no espaço urbano. Para Mitchell, Martson e Katz (2003), se a maior parte da produção feminista sobre o trabalho manteve a concepção binária de produção e reprodução, as fronteiras substantivas entre ambos tem se confundido, especialmente nos tempos atuais, em que práticas cotidianas de sujeitos em diferentes contextos manifestam uma crescente ofuscação dos limites entre trabalho e não trabalho. Muitas feministas levantaram a questão da atividade reprodutiva não remunerada para o primeiro plano e lançaram critica efetiva à teoria marxista, a qual até aquele tempo tinha omitido a questão da produtividade do trabalho doméstico. A criação de valor era avaliada por Marx somente no processo de produção de mercadorias, de modo que não eram reconhecidas as formas de atividade não remunerada. O questionamento dessa separação binária levou a conclusões diversas e controversas, como a de que familia é um dos centros da produção de valor e não simplesmente o espaço onde as funções reprodutivas de consumo e criação dos filhos se realizam. Nesse sentido, altera-se a compreensão marxiana da criação de valor: da mera produção de mercadorias para algo concebido através do trabalho necessário para produzir e reproduzir a força de trabalho. Outras feministas criticaram essa perspectiva, argumentando que mulheres marginalizadas dentro de uma unidade familiar não produzem valor, mas servem como exército de reserva, efetivo na diminuição dos salários da classe trabalhadora (Idem, 2003). De modo geral, sistemas binários permitem que diferentes dados sejam avaliados somente em comparação com a categoria dominante, e sua aplicação teórica e prática é realizada como se fossem elementos não relacionados, enquanto na realidade, em cada caso, eles são interdependentes e sobrepostos (FRANCK, 2001). Se as relações modernas de poder operam mesmo através de numerosos 29


microcircuitos e tecnologias de controle, deve-se investigar as formas em que cada concepção e compreensão da criação de valor, da escala do corpo à das corporações e além, é produzida. Toda uma história fica para ser escrita a partir da contemplação da questão do espaço como problema histórico-politico, que dê lugar à representação de corpors permanentemente mobilizados em novos modelos de tecnologia do poder. Essa perspectiva também demanda que nos tornemos à critica avançada pelas feministas dos anos 1970, como vislumbrado no capítulo anterior, de que teoria e prática não podem ser separadas e que a vida cotidiana é política e relevante como local de pesquisa e mudança social (MITCHELL, MARTSON e KATZ, 2003). Para a compreensão das dinâmicas brasileiras e para a melhor visualização de cenários alternativos, mostra-se enriquecedora a análise das ações que foram ou tem sido praticadas em outros lugares do mundo no decorrer dos séculos. Este capítulo terá foco nos exemplos internacionais, enquanto os nacionais serão discutidos com mais detalhe nos capítulos subsequentes. Serão exemplos breves, relances sobre os campos de dominação estabelecidos nos meandros dos ciclos produtivos e reprodutivos e como se buscou rompê-los. Devido à escassez de referências quando da elaboração desta monografia, reconheço logo a princípio a ausência de casos latinoamericanos (e de origem nos países do Sul em geral) nas descrições a seguir, os quais enriqueceriam o nosso estudo, considerandose que suas conjunturas socioeconômicas se assemelham mais à brasileira e favoreceriam as analogias contextuais.

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LINHA DO TEMPO 31


século V a.C.

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Por volta do século V a.C., a fisiologia grega justificava direitos desiguais e espaços urbanos distintos para corpos que apresentassem graus de calor diferentes, o que se acentuava na distinção entre os sexos, pois as mulheres eram tidas como versões mais frias dos homens. Elas permaneciam confinadas no interior das moradias, como se isso fosse mais adequado a seus corpos do que os espaços à luz do sol. O festival Adonia alterou essa regra de recolhimento doméstico e libertava os poderes femininos de expressar seus anseios. Sua origem remonta às histórias mitológicas sobre o deus Adônis, que preenchia a imagem grega de masculinidade, conhecido por dar prazer às mulheres, ao invés de despejar sua luxúria sobre elas. Durante a Adonia as mulheres lamentavam, então, a morte de um jovem capaz de amar.


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Na semana anterior ao festival, elas plantavam sementes de alface em pequenos potes, e quando mortos os brotos, era chegado o tempo da celebração. As mulheres permaneciam acordadas a noite inteira, dançando, bebendo e cantando. Elas vagavam pela vizinhança, ouvindo vozes que as chamavam da escuridão, subindo em escadas para os telhados, indo ao encontro de estranhos. Nesse espaço, as mulheres recuperavam seu poder de falar e expunham seus desejos. Ao invés de queixar-se, ou elaborar uma análise sobre sua condição, em Atenas, as mulheres dançavam e bebiam. O teto das casas não as alavancava para a rebelião. Ao contrário, era um espaço que permitia a fuga momentânea de seus corpos para além da ordem dominante em Atenas. Os maridos, ou os guardiães da polis, poderiam ter facilmente suprimido esse rito, o que não aconteceu, talvez porque, em tão peculiar resistência, a metáfora tivesse a força de criar obstáculos à retaliação (SENNETT, 2003).

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1516

Sir Thomas More, em 1516, publica sua famosa Utopia, na qual descreve um território e sociedade ideais e celebra o início dessa forma literária distinta. Na obra, a arquitetura e o desenho urbano, como totalidade do espaço organizado, concretizam as aspirações sociais e políticas. Tendo como inspiração o Novo Mundo, a Utopia de More era anti-consumista, eliminava a propriedade privada e prezava pelo tempo livre, dedicado ao lazer e aos estudos. Não havia muitas diferenças nos modos como a população se vestia ou vivia, e a ascensão mercantil começava a desafiar a aristocracia e o crescente poder centralizador do Estado sob a monarquia. Como arremate, sendo um microcosmo da sociedade perfeita, consideravam-se benignos a racionalidade e o patriarcado, necessários para a eliminação de todos os antagonismos sociais (WILSON, 1991). As esposas estão sujeitas aos seus maridos e vice-versa, mas fica restrita às mulheres a condução da maior parte dos trabalhos domésticos. A ambos são instruídas as artes militares, mas uma vez por mês, as mulheres deviam confessar a seus maridos os pecados que cometeram. 34


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O Código Napoleônico de 1804 estabelece que o papel público das mulheres deve ser mediado pelo pai, pelo marido ou filhos do sexo masculino, uma vez que elas não seriam capazes de cumpri-lo por si mesmas. Desse modo, é institucionalizada a tarefa do homem de sustentar a família e de determinar as tarefas a serem executadas pela mulher, que deve ajudá-lo (KAPP e LINO, 2008). É também esse mesmo código de leis burguesas, elaboradas sob Napoleão I a partir do Código Civil da Revolução Francesa, que concede ao homem o direito a infidelidade, desde que a ‘concubina’ não seja trazida ao âmbito conjugal (ENGELS, 1884). Todo esse contexto dá embasamento para a ideia de que as mulheres só podem ter trabalho remunerado caso suas funções domésticas de mãe e esposa não sejam afetadas e é essa a ideia que se mostrará predominante em inúmeras legislações e constituições produzidas a posteriori e, do mesmo modo, será ela também combatida com rigor pelos movimentos feministas, socialistas ou capitalistas, utópicos ou não.

1804

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século XIX A partir de meados do século XIX, surgiram muitas propostas inovadoras para o espaço habitacional, uma vez que a reinvenção da moradia parecia indispensável ao equacionamento da sociedade industrial. Os Falanstérios do pensador socialista Charles Fourier, idealizados no começo do séc. XIX, atraíram defensores por toda a Europa e pelos Estados Unidos, sendo que neste último foram construídas entre 1840 e 1860 mais de quarenta comunidades inspiradas no modelo. Em linhas gerais, tratava-se de um complexo sistema de organização social, materializado em grandes construções comunais, que objetivavam uma organização harmônica e descentralizada, onde cada membro trabalharia segundo suas vocações e desejos. Ao proclamar igualdade de sexos, os afazeres domésticos nos Falanstérios eram socializados. A contradição , nesse caso, foi que tais serviços, mesmo que realizados de forma comunitária, eram ainda responsabilidade das mulheres. “As mulheres eram ‘iguais’, mas ainda não como os homens. Os fourieristas supunham que a personalidade das mulheres naturalmente as inclinaria em direção ao trabalho doméstico” (GOLDMAN, 1993, p.44). De certo modo, se reiteravam as mesmas desigualdades históricas: as mulheres recebiam salários mais baixos, tinham participação política menos ativa e permaneciam atadas às tarefas domésticas (Idem, 1993). 36


As mulheres na disputa pelo território

1903

Em 1903, surge sob iniciativa do construtor Otto Fick, uma tentativa de modificar a produção habitacional europeia com base nas mulheres ativas no setor produtivo e suas famílias. Nos anos seguintes, esse experimento se ampliou também para a Suécia, recebendo o nome de Collective House ou Service House. Seus projetos propunham a disponibilização de creches e alimentação, além da moradia em si. A intenção era oferecer esses serviços - de forma comercial ou subsidiada pelo Estado - para substituir o trabalho doméstico exercido pelas mulheres no espaço privado (HAYDEN, 1980). De acordo com Hayden (1980), a tentativa escandinava não se mostrou suficiente para desafiar a exclusão masculina do trabalho doméstico, mas foi relevante por ter empreendido uma tentativa de atenuação da divisão sexual do trabalho. 37


1917

A antiga União Soviética, já nos primeiros momentos após a Revolução de Outubro, se volta à criação e implementação imediata de leis para incluir as mulheres na vida urbana, política e econômica das cidades. Para tanto, se via necessária a socialização das tarefas domésticas de reprodução: o acompanhamento dos filhos e parentes, a produção alimentar e as atividades limpeza. Além das estratégias para facilitar o divórcio, da descriminalização do aborto e da implantação da pensão alimentícia, foram criadas lavanderias, refeitórios e creches comunitárias para a realização desses serviços (GOLDMAN, 1993). Em muitos casos, porém, essas ações não foram bem sucedidas, como nos lembram Kapp e Lino (2008): A produção habitacional soviética tinha por horizonte reeducar as pessoas quanto ao uso do espaço doméstico e, particularmente, da cozinha. Esse processo desencadearia uma situação oportuna para o Estado, pois as moradias poderiam se tornar mínimas se diversão, preparo de alimentos e cuidado diurno das crianças estivessem inteiramente dissociados da família e do espaço doméstico. Mas tais planos grandiosos (masculinos, em sua maioria) nunca se efetivaram (KAPP e LINO, 2008, p.20). 38


As mulheres na disputa pelo territ贸rio

39


No fim da década de 1950, nos Estados Unidos, a idade média de casamento para mulheres havia despencado para os vinte anos. Quatorze milhões de garotas estavam noivas aos dezessete e a proporção de mulheres indo a faculdade em comparação com os homens havia caído de 47% em 1920 para 35% em 1958. Enquanto no século anterior, as mulheres haviam lutado pela educação superior, em meados dos anos 1950, 60% saíram da faculdade para se casar ou porque temiam que a educação seria uma barreira ao casamento. Estatísticos estavam surpresos com o aumento do número de filhos e filhas recém-nascidos entre universitárias. Desse contexto deleitou-se a Life Magazine em uma capa de 1956, dando destaque ao movimento das mulheres estadunidenses de volta ao lar. Diversos programas de TV definiam o papel da maternidade e exibiam exemplos de como uma vida normal deveria ser: donas de casa dedicadas ao objetivo de satisfazer os desejos dos maridos e dos filhos.

anos 1950/60

40


As mulheres na disputa pelo território

Em 1960, o problema que não tinha nome eclodiu no cotidiano da dona de casa, que passou a se ver encurralada naquele modelo pré-estabelecido de vida. Elas tinham ganhado perspectiva nacional, quando várias edições de revistas, colunas de jornais, livros, conferências e programas de TV se dedicaram à questão. A sua infelicidade estava de repente sendo anunciada nos mais diversos canais midiáticos, embora quase todos que falavam sobre o tema encontravam alguma razão para refutá-lo. Alguns insistiam que o problema era a educação, que a capacitação das mulheres naturalmente as tornava descontentes no seu papel no lar. Economistas domésticos sugeriram uma preparação mais realista para as donas de casa, como workshops para estudantes sobre eletrodomésticos. Professores universitários sugeriram mais grupos de discussão sobre o gerenciamento do lar e da família para preparar mulheres a se ajustarem à vida doméstica. Outros ainda sugeriram que mulheres não fossem mais aceitas para os cursos com mais de quatro anos de duração nas unversidades (FRIEDAN, 2001).

41


1971

O programa federal ‘Model Cities’ (Cidades Modelo), havia começado em 1966 com o ideal de planejamento coordenado de serviços sociais, redesenvolvimento intensivo de bairros-modelo e participação dos habitantes das áreas-alvo. Nessa época, surgiram grupos pelos direitos dos moradores, que se opunham aos planos de renovação urbana que arrasavam casas de baixa renda, e à construção de vias que passariam por essas regiões. Várias ocupações de edifícios vinham acontecendo. Em janeiro de 1971, 200 mulheres ocuparam um prédio abandonado em Manhattan. As organizadoras eram principalmente mulheres por volta dos 20 anos de idade, brancas, advindas de uma mistura de classes, com ou sem ensino superior. Onde anteriormente havia funcionado um anexo escolar e um escritório de programas sociais, agora havia um grupo de mulheres que visavam à criação de um centro com creche, cooperativa de alimentos, troca de roupas e livros e habitação temporária para mulheres desabrigadas. Doze dias depois da ocupação, o prédio foi fechado pela polícia e 24 mulheres foram presas. Pouco tempo depois, o prédio foi demolido e em seu lugar foi construído um estacionamento para o nono distrito de policia do outro lado da rua. Quando da ocupação, o prédio encontrava-se em más condições, sem encanamento, aquecimento e eletricidade. Durante esses doze dias, elas tiveram que lidar com vários problemas infraestruturais enquanto elaboravam aulas de karatê, a troca de livros e a cooperativa de alimentos. Havia ainda um workshop de teatro para crianças e o espaço para creche estava sendo preparado. As mulheres entraram em negociação com a Prefeitura para manter o prédio, mas não houve acordo. A presunção da polícia e do departamento imobiliário quanto à falta de habilidades dessas mulheres de lidarem com tais questões infraestruturais foi utilizada para removê-las. O governo municipal interviu, em seu papel masculinizado, para protegê-las, supondo-as mulheres desamparadas. Por fim, a maior conquista da ocupação se tornou o empoderamento dessas mulheres e a criação de redes, mais que a ação territorial em si (COWAN, 2012). 42


As mulheres na disputa pelo territ贸rio

43


1974

A Escola de Planejamento e Arquitetura para Mulheres (Women’s School of Planning And Architecture - WSPA) foi criada nos Estados Unidos em 1974, época em que as mulheres representavam minoria dentre estudantes e profissionais da área. A WSPA provia uma rede de apoio nacional aberta a qualquer mulher, indiferente DE sua experiência prática ou acadêmica. As fundadoras da Escola - Katrin Adam, Phyllis Birkby, Ellen Berkeley, Bobby Hood, Marie Kennedy, Joan Sprague e Leslie Weisman - a definiram como local de experimentação e aprendizado, distante das ideologias dos escritórios e escolas de arquitetura tradicionais, onde mulheres pudessem explorar seu papel em uma profissão até então dominada por homens. De aulas de marcenaria às mais teóricas, era sempre discutido de que forma essas profissionais poderiam influenciar e melhorar a vida das mulheres. Foram realizados quatro encontros, nos anos de 1975, 1976, 1978 e 1979, todos eles realizados em locais diferentes do país, de forma a tornar mais acessível a participação de mulheres que não pudessem viajar longas distâncias. Apesar de sua curta existência, a WSPA apresentou vários efeitos duradouros: criou uma rede de parcerias, contribuiu para que a profissão se tornasse mais inclusiva às mulheres e foi bem sucedida em sua tentativa de promover justiça social através do trabalho contínuo de suas participantes (ANDREA MERRETT, s.d.). 44


As mulheres na disputa pelo território

Hayden (1980) declara, já nos anos 1980, a emergência por alternativas para o modelo clássico do subúrbio americano, com justificativas precisas: ele trouxe consigo a) o automóvel como instrumento primordial e indispensável de mobilidade; b) a escassez de espaços públicos e seu esvaziamento; c) a baixa densidade populacional devido ao tamanho exacerbado das casas; e d) a ausência de serviços que permitissem às mulheres habitantes dessas áreas maior independência do trabalho doméstico. Como escape desse sistema, a autora propõe práticas de reapropriação dessas vizinhanças, de modo a alterar a dinâmica corrente dos subúrbios. Entram no seu escopo de sugestões a expansão de espaços públicos através das áreas livres das próprias residências, a criação de áreas comuns para a realização coletivizada dos serviços domésticos, além da reelaboração da gestão arquitetônica dos espaços internos das casas, os quais agora se tornariam passíveis de abrigar mais de uma família onde tradicionalmente vivia apenas uma. Com esse plano de fundo, se mostra imprescindível o estímulo aos moradores para que invistam nesse novo modelo, bem como mudanças nos zoneamentos das cidades estadunidenses, os quais são, em certos casos, bastante restritivos no que tange à construção de edificações não residenciais nos subúrbios, além de limitarem duas ou mais famílias de compartilharem a mesma casa.

1980

Proposta de revitalização de subúrbio

área de lazer creche transporte coletivo

lavanderia horta mesas

escritório

espaço coletivo

cozinha mercearia

espaço privado

45


Há cerca de uma década, surgiu na Espanha o Col.lectiu Punt 6, formado por profissionais da arquitetura, do urbanismo e da sociologia. O Coletivo trabalha através de uma perspectiva de gênero baseada na experiência cotidiana das mulheres. Elas consideram fundamentais os processos participativos, o desenvolvimento sustentável, e acreditam que só será possível a real transformação social quando revirarmos os paradigmas patriarcais e rompermos com as suas hierarquias (COL.LECTIU PUNT 6, s.d.). A Lei de Bairros, criada em 2004 pelo governo catalão, pôs em marcha medidas que uniam as dimensões sociais e urbanas ao propor oito pontos básicos. Um deles, equidade, buscava promover a perspectiva de gênero e, num contexto tal de administração favorável, o Coletivo deu início às suas atividades, utilizando como métodos a produção de mapeamentos corporais e coletivos, dinâmicas participativas, cadernos de itinerários cotidianos, gincanas fotográficas e diagnósticos urbanos sempre tendo em vista a questão de gênero (MUÑOZ, 2015).

anos 2000

Alguns dos exemplos mencionados aqui, seja pelo foco exclusivo na ação governamental ou pela inação no que condiz às responsabilidades masculinas no espaço doméstico, se apresentam insuficientes no desmonte efetivo de paradigmas sexistas de dominação. Kapp e Lino (2008) elucidam esse processo ao dizer que “sempre se pode alegar que uma proposta arquitetônica falhou ou não se realizou do modo planejado porque estaria, na expressão de Lúcio Costa2, ‘paradoxalmente ainda à espera da sociedade à qual, logicamente, deverá pertencer’” (KAPP E LINO, 2008, p.21). Fica evidente que a mesma máxima pode ser aplicada para o planejamento urbano, para programas e coletivos que se propõe à subversão de normas ainda truncadas e arraigadas como as que sustentam o privilégio masculino.

2 46

COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.


As mulheres na disputa pelo território

CRECHE TIA CARMINHA

Ser mãe, então, não é somente carregar uma criança – é ser a pessoa que socializa e alimenta. É ser o principal responsável. Então podemos nos perguntar, por que são mães as mulheres? Por que a pessoa que habitualmente realiza todas as atividades relacionadas à criação dos filhos não é um homem? (CHODOROW, p.56, 2001, tradução minha)

O papel maternal tem efeito profundo na vida das mulheres, nos valores dedicados a elas e na divisão sexual do trabalho. É comum a perspectiva de que está na esfera da maternidade o seu local social primário e que todos os demais aspectos da vida privada ou profissional circulam em torno disso. Para muitos teóricos, a estrutura de maternidade é justificada em termos estritamente biológicos, explicação baseada na suposição de que aquilo que aparenta ser universal é instintivo e o que é instintivo é inevitável. Desse modo, o cuidado maternal como componente de uma configuração social em nada seria distinto do fato biológico de que são as mulheres que engravidam e amamentam. Outra explicação é bioevolutiva, que afirma que mulheres são as principais responsáveis agora porque elas sempre o foram (CHODOROW, 2001). Nos Estados Unidos, a 47


psicanalista Nancy Chodorow argumentou a respeito das limitações e do determinismo das teorias biologizantes, ao afirmar que esse papel é social e desperta efeitos psicológicos diferenciados em meninos e meninas. De acordo com essa concepção, somada à realidade de que somos também seres sociais em constante interação e mediação com o ambiente político e cultural, será essa última caracterização o embasamento dos relatos a seguir. Na Ocupação Urbana Eliana Silva, em grande parte dos casos, ser mulher coincide com ser mãe. Em agosto de 2012 quase 300 famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) deram início à Ocupação, localizada na região do Barreiro, na porção sudoeste de Belo Horizonte. Durante dois meses, a partir da realização de mutirões, os próprios moradores edificaram suas casas e trabalharam na organização urbana até que, por fim, os barracos de lona se transformaram em casas de alvenaria. Desde o princípio, decide-se como imprescindível a construção de uma creche, para que mulheres e homens, com ou sem filhos, pudessem dedicar seus esforços à construção da nova Ocupação. Após a instabilidade comum da primeira fase, os moradores decidiram por manter a creche - a princípio feita em lona e rapidamente substituída por edificação em alvenaria - como um espaço de educação e lazer para as crianças de até 6 anos, o que possibilitaria especialmente às mães maior autonomia. Em Belo Horizonte, as escolas de educação infantil não suprem mais que metade da demanda. As vagas oferecidas pela Prefeitura Municipal, por exemplo, não chegam a acolher 20% dessas crianças. A escassez de vagas limita a presença das mães, muitas delas solteiras, na economia produtiva, uma vez que se tornam inconciliáveis o trabalho e os estudos com a criação dos filhos (DIÁLOGOS ELIANA SILVA, 2013). Uma reforma da creche em alvenaria teve início no primeiro semestre de 2013, e foi realizada a partir da ação coletiva, isto é, da colaboração e recursos provenientes da rede de apoiadores e dos próprios moradores. Inicialmente, tendo sido construída 48


As mulheres na disputa pelo território sem planejamento, a creche resumia-se apenas em um salão sem divisórias ou banheiros (Idem, 2013).

1ª creche de alvenaria da Ocupação Eliana Silva, 2012 A participação da Universidade foi significativa na elaboração e realização do projeto de ampliação e reforma da creche, processo em que as mulheres da Ocupação exerceram participação constante e decisiva. Ainda em 2013 foi realizada uma campanha de financiamento coletivo, através da qual foram angariados fundos para a realização da obra. Atualmente está em processo de edificação um anexo, para que possam ser recebidas até 75 crianças, advindas tanto da Ocupação Eliana Silva, como de bairros e ocupações vizinhos, como é o caso da Ocupação Paulo Freire. Atualmente, tem sido realizada uma campanha de apadrinhamento das crianças, através da qual se obtém fundos para a manutenção da creche e uma forma de pagamento para as mulheres. A Creche Tia Carminha atende atualmente cerca de 15 crianças, em período integral, das 7h às 17h, de segunda a sexta-feira, e seu funcionamento é assegurado pela participação voluntária de cinco moradoras da Ocupação. Quatro delas ficam responsáveis pelo cuidado com as crianças e uma delas administra a cozinha e prepara as cinco refeições diárias. Outras mulheres fazem visitas esporádicas

49

49


e auxiliam no que podem. Os laços familiares são bastante evidentes: com exceção de uma delas, todas as mulheres são mães; duas delas são avós, cujos netos frequentam a creche e cujas filhas também vivem na Ocupação.

Creche Tia Carminha, 2015

Ao relembrarem os dias de construção da creche, elas contam como estiveram presentes na escolha dos materiais de revestimento e como foi necessária a sua cobrança e auxílio constantes para que o projeto fosse concluído o mais rápido possível. No primeiro dia de funcionamento, várias demandas ainda estavam por ser supridas: a creche não tinha pia ou utensílios de cozinha e apenas uma das bocas do fogão acendia. Conforme podiam, elas traziam de casa os instrumentos necessários para que as crianças que estavam chegando pudessem ser recebidas. Eventualmente, elas ainda tem que lidar com problemas, como o vazamento da pia, eletrodomésticos danificados, acúmulo de águas de chuva e entupimento de esgoto. Quando dessas ocorrências, as mulheres buscam as resoluções mais 50


As mulheres na disputa pelo território rápidas e práticas para que possam ainda manter as crianças no local e cumprem, com ou sem a colaboração dos homens da Ocupação, o papel de responsáveis pelos cuidados infantis enquanto buscam reparar os danos. Na maior parte das vezes, são as mães das crianças que as levam para a creche e as buscam no final do dia. São mulheres que encontraram naquela organização coletiva a possibilidade de buscarem a renda para sustentarem suas famílias e seus lares. Algumas delas voltam para suas casas somente após o fechamento da creche. Nesses casos, as moradoras que trabalham no local levam as crianças para suas próprias casas. No caso da Tia Carminha, somos novamente confrontados com a divisão sexual do trabaho, no qual as mulheres cumprem o papel de criação e cuidado das crianças, atividades de limpeza e da cozinha. Entretanto, devemos nos aproximar das particularidades dessas práticas de reprodução para entender como elas afetam as suas vidas. As mulheres da creche Tia Carminha são diversas apesar das circunstâncias que as uniram – a renda, o lugar em que vivem, as lutas políticas pela habitação. Elas posuem gostos, idades e níveis de escolaridade variados, mas compartilham o senso de comunidade e a motivação de construírem os ideais de equidade em sua vida cotidiana. Está no reconhecimento da importância de se unirem como grupo organizado a faísca do movimento empoderador das mulheres da Ocupação Eliana Silva, a partir do qual elas elaboraram um sistema de divisão de tarefas para que pudessem lutar por seus direitos não somente à terra e à habitação, como também garantir seu acesso aos estudos, ao trabalho e à renda necessária para se livrarem das amarras da dependência financeira dos parceiros, maridos e familiares. Por outro lado, a realidade de muitas dessas mulheres reitera uma configuração comum desde a primeira onda do feminismo, quando os protestos por igualdade de direitos e por acesso ao mercado de trabalho, em muitos casos, foram subvertidos pela lógica do capital

51 51


associada aos ditames da dominação masculina, que impôs às mulheres a realização da dupla jornada de trabalho. Tal realidade, todavia, não minimiza a validade das ações da creche, apenas evidencia a complexidade dessas relações de poder e campos de disputa, no qual ações particulares só surtem efeito transformador quando compõem uma rede maior, transversal de demandas e propósitos.

52


As mulheres na disputa pelo territ贸rio

53


Projeto de Regularização Fundiária em Teresina, 2013 54


As mulheres na disputa pelo territĂłrio

03

a inclusĂŁo das mulheres nas polĂ­ticas habitacionais 55


56


As mulheres na disputa pelo território

A propriedade privada, segundo Marx e Engels tem sua origem justamente na família, onde se identificam todos os antagonismos que se desenvolvem, mais adiante, na sociedade e em seu Estado (ENGELS, 1884): Em sua origem, a palavra família não significa o ideal – mistura de sentimentalismo e dissensões domésticas – do filisteu de nossa época; - a princípio entre os romanos não se aplicava sequer ao par de cônjuges e aos seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem (ENGELS, 1884, p.61).

Trotsky acrescentava ainda: “a emancipação da mulher é inconcebível sem um aumento geral da economia e da cultura, sem a destruição da unidade econômica familiar pequeno-burguesa, sem a introdução da elaboração socializada dos alimentos e sem educação.” (TROTSKY1 , 1938 apud GOLDMAN, 2014, p.13). É a partir dessa amplitude analítica e do próprio questionamento do papel da propriedade privada como motivador ou retardador dos processos de emancipação feminina que se pretende aqui dar início ao tema das políticas 1 TROTSKY, L. Twenty Years of Stalinista Degeneration. In: Fourth International, v.6, n.3, 1945. Publicado originalmente em The Bulletin of the Russian Opposition, n.66-7, 1938.

57


públicas de acesso à habitação e à terra. Nas últimas décadas, têm sido inseridas em programas sociais elaborados pelo governo e na própria legislação medidas que afirmam ser a priorização das mulheres um instrumento apaziguador dos danos gerados pelos séculos de exclusão e invisibilidade. Compreende-se aqui que o foco dessas políticas, ao menos em termos teóricos, está nas mulheres pobres, uma vez que se tratam de medidas majoritariamente direcionadas à distribuição de renda e acesso à moradia. Programas federais como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família entram nesse espectro, dando prioridade à mulher no financiamento da habitação e na transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. Como já abordado em capítulos anteriores, as tentativas de inclusão da equidade nas políticas públicas não desafiam obrigatoriamente o patriarcado. Em muitos casos podem ainda ser recuperadas e apropriadas por ele para a manutenção dos seus processos de dominação (LENNIE, 1999), como veremos no decorrer deste capítulo nos exemplos de implantação de leis semelhantes na América Latina. Portanto, é de extrema relevância a problematização dessas medidas, principalmente em dois aspectos: o motivo possível da inserção da mulher como prioridade nessas leis e programas e quais possíveis implicações de tais alterações.

3.1

A Hora e a Vez das Estatísticas

Venter e Marais2 (2006), em breve revisão sobre as disparidades de gênero nas políticas habitacionais em vários países, argumentam que uma análise de gênero não foi efetivamente incorporada nas discussões sobre políticas habitacionais até os anos 70, quando feministas começaram a criticar as teorias de desenvolvimento, as definições para ‘chefes de familia’ e a quase completa exclusão da realidade das mulheres como cidadãs (UN-HABITAT, 2014, p. 24). Nesta seção, os pormenores de tais inequidades serão estudados, tendo como base o modelo e a realidade brasileiros. Serão aqui também avaliados os dados que possivelmente fundamentam essas políticas. 2 VENTER, A. e MARAIS, L. Gender and housing policy in South Africa: Policy and practice in Bloemfontein. In: Journal of Family Ecology and Consumer Sciences. Vol. 34. University of Pretoria, South Africa, 2006.

58


As mulheres na disputa pelo território

De acordo com Friedmann (1992), estima-se que, ao redor do mundo, entre 30 e 40% dos lares sejam chefiados por mulheres. Essa porcentagem tende a variar com relação aos diferentes países e continentes, se mostrando especialmente alta, por exemplo, em países da América Latina (Gráfico 1). Ainda segundo o autor, a dificuldade de obtenção de dados mais precisos com relação a essas porcentagens, se dá, em parte, devido à ausência de uma definição comum do termo chefe de família, assim como pela prevalência cultural e política da noção de que são os homens os cumpridores desse papel, mesmo quando os mesmos se mostram ausentes da vida doméstica.

Porcentagem %

60

Assentamentos formais Assentamentos informais Áreal Rural

50 40 30 20 10 0

s o a a l co Fas na and ega ani a ro n a nz G Ru e a r i na S T M rk Bu

il bia iti ua a g as Br lom H ará o ic C N

s a o di stã ina uia ui ilip urq q F T a as

Ín C

*As categorias no documento original da ONU-Habitat são: Non-Slum, All Slum e All Rural.

Gráfico 1 Proporção de mulheres responsáveis pela família em diferentes países. Fonte: UN-Habitat, 2014

No caso brasileiro, desde o Censo Demográfico de 2000 tem-se utilizado o termo responsável pela família em substituição à denominação de chefe, mas o conceito se manteve inalterado: é considerada a pessoa que for assim reconhecida pelos demais membros da unidade doméstica. A apropriação desse termo dentro das unidades habitacionais pode acontecer de formas variadas, identificando como responsável o principal provedor, o arrimo da família, a pessoa de maior idade ou de maior relevância na tomada de decisões dentro do lar, por exemplo. Desse modo, as análises que utilizam essa concepção, como é o caso de certas políticas públicas correntes, devem considerar essa maleabilidade conceitual. 59


SOBRE O TERMO

Já em 1872, quando do primeiro recenseamento brasileiro, o termo chefe de família foi utilizado e, segundo sua própria definição, seria chefe o “homem da casa”. Após adaptações, passa a designar o “homem ou mulher que mantém a casa”, como acontece no Censo de 1940. Em 1950, apesar da ausência de definição exata, há no formulário uma menção ao “chefe da casa e sua esposa”, o que nos evidencia a predisposição do marido como cumpridor dessa função. É eliminada, todavia, a palavra “poder”, que vinha sendo utilizada desde o princípio. Os anos 60 trazem novos ares com a desvinculação de sexo, definindo como chefe “a pessoa responsável pelo domicílio”, para no Censo de 1970 remover a menção ao seu papel de direção e proteção sobre os moradores. É somente na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1990 que se admite o “chefe de família” como a pessoa que assim for considerada por seus membros. O termo “pessoa responsável”, como já mencionado anteriormente, toma lugar no Censo 2000. Em 2010, é mantida a definição do Censo anterior, mas acrescenta-se novo elemento: a possibilidade de compartilhamento de responsabilidade (MARCONDES et al., 2013). Essa coleção de dados nos aponta o quão recente é a tentativa de abertura conceitual para a inclusão de outros membros da família como responsáveis, inclusive e especialmente as mulheres. Considerando-se a usual morosidade processual que envolve a adaptação desses novos conceitos, veremos a seguir quais efeitos têm surtido esses novos arranjos nas (ou através das) estatísticas recentes.

60


As mulheres na disputa pelo território

Houve, no período que vai de 2000 a 2010, um aumento significativo no número de famílias cujas responsáveis são do sexo feminino (Gráfico 2), fenômeno de caráter especialmente urbano (MARCONDES et al., 2013). Segundo o IBGE (2010), causas possíveis para tamanha variação são a transformação de valores culturais referentes ao papel das mulheres na sociedade brasileira, o seu ingresso intensificado no mercado de trabalho, o aumento da escolaridade em nível superior (que já ultrapassa o dos homens), além da redução dos índices de fecundidade (Idem, 2010). %

77,8 62,7 37,3 22,2

Homem

Mulher 2000

2010

Gráfico 2 - Percentual de famílias únicas e conviventes principais em domicílios particulares, segundo o sexo da pessoa responsável pela família - Brasil 2000/2010 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

Mais recente que a percepção do crescimento do número de famílias chefiadas por mulheres é a constatação da representatividade das mulheres negras nesse processo. Tomando-se separadamente mulheres brancas e negras, nota-se que estas últimas têm apresentado maior taxa de responsabilidade desde 1995 e que essa proporção vem sendo amenizada com o passar dos anos (Gráfico 3). Entretanto, considerada a população feminina como um todo, verifica-se que o número das mulheres negras chefes de família cresce a passos lentos e só ultrapassa o de mulheres brancas em 2007. Curiosa é a justificativa para essa aparente contradição: podemos imaginar que as diferenças observadas estejam relacionadas, ainda que não exclusivamente, com mudanças na autodeclaração, isto é, no período observado ocorre um aumento na proporção de pessoas que se declaram pertencentes à raça/cor negra. Desse modo, se existiam mais mulheres brancas na sociedade brasileira, é de se esperar que seja indicada 61


uma maior proporção dessas mulheres chefiando famílias, processo que se modifica quando aumenta o número daquelas que que se declaram negras. Em parâmetros gerais, portanto, a chefia feminina é significativa para ambos os grupos (MARCONDES et al., 2013).

% 40

35

30

25

20

15 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Brancas

Negras

Gráfico 3 - Proporção de famílias chefiadas por mulheres, segundo a raça/cor (1995-2009) Fonte: Ipea, 2013

A predominância na chefia feminina no ano de 1995 era de mulheres idosas ou adultas separadas que residiam com seus filhos (sua proporção chegava a 70%). Desse modo, caracterizava essa chefia a ausência de marido ou companheiro, sendo que não alcançava 3% o número de mulheres que os possuíam. Desde então, essa configuração sofreu diversas modificações e a taxa de casais chefiados por mulheres, com e sem filhos, chega a valores quase dez vezes maiores que os constatados em 1995, alcançando os 26% em 2009 dentre total de famílias cuja responsabilidade é feminina (Idem, 2013).

62


As mulheres na disputa pelo território % 120 100

80 51,1

52,4

46,1

55,2

50,5

39,8

48,9

47,6

53,9

44,8

49,5

60,2

Total

Casal com filhos

Casal sem filhos

Mulher sem filhos

Unipessoal feminino

60 40

20 0

Branca

Mulher com filhos Negra

Gráfico 4 - Distribuição dos arranjos familiares chefiados por mulheres, segundo a raça/cor da chefe - Brasil (2009) Fonte: Ipea, 2013

Dentre as famílias formadas por casais, a maioria dos responsáveis e cônjuges possui rendimento, independentemente do sexo do responsável, percentual que se mostra um pouco superior em famílias nas quais a mulher é responsável (66,4% contra 61,6%), o que evidencia o papel, já mencionado anteriormente, das mulheres também como provedora do sustento familiar. Por outro lado, considerando-se o mesmo modelo de família, em mais de 20% dos casos a responsável não possui rendimento, ao contrário do cônjuge, que apresenta fontes de renda, o que pode ser justificável na medida em a taxa brasileira de atividade masculina é ainda bastante superior à feminina3 (Gráfico 5) (IBGE, 2010). Portanto, é possível que o critério de poder representado pela provisão de sustento familiar não seja mais o sustentáculo único da “responsabilidade” e que aspectos mais subjetivos estejam sendo priorizados, como a presença e os cuidados com lar e a família.

3 Taxa de atividade: de acordo com o IBGE, corresponde à porcentagem das pessoas economicamente ativas, em relação às pessoas de 10 ou mais anos de idade.

63


%

66,4

62,7

61,6

29,3 24,4

21,2

8,7 4,1

5,0

Homem

Total

8,0 4,1

4,4

Mulher

Ambos com rendimento

Responsáveis com rendimento e cônjuge sem rendimento

Responsáveis sem rendimento e cônjuge com rendimento

Ambos sem rendimento

Gráfico 5 - Distribuição percentual de familias únicas e conviventes principais em domicílios particulares, formadas por casais, por condição de rendimento, segundo o sexo do responsável - Brasil – 2010 Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010

Quando, entretanto, retornamos com o elemento cor/raça para a análise, as disparidade se tornam eloquentes: chefes de família que se declaram como brancos contam com renda familiar per capita média referente a quase o dobro dos/das chefes de família de cor/raça negra, apesar do perceptível crescimento na renda per capita das famílias. Nota-se também que, ao longo do período analisado, houve uma redução na desigualdade (atenção: redução sensível, a discrepância se mantém alarmante): quando antes as mulheres negras ganhavam em média 40% do que recebiam as brancas, em 2009, elas chegaram a 51% (MARCONDES et al., 2013). Chegamos aqui, finalmente, na intersecção a que nos propomos no início dessa pesquisa: como a transversalidade das categorias gênero, raça e classe nos evidencia onde estão os privilégios e onde ficam os outros, continuamente invisibilizados e forçados às periferias, à margem da sociedade, mantidos como minorias, apesar de não o serem. 64


As mulheres na disputa pelo território R$ 1.100 1.000 900 800 700 600 500 400 300 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Homens brancos

Mulheres brancas

Homens negros

Mulheres negras

Gráfico 6 - Rendimento domiciliar percapita médio, por sexo e cor/raça dos chefes de família - Brasil (1995-2009) Fonte: Ipea, 2013

3.2

Feminização da pobreza na cidade informal

De acordo com Saboia e Soares (2004), em referência a Chant (2003)4 , na produção analítica recente sobre pobreza, inclusive no processo de formação de políticas públicas, a situação dos domicílios em que a responsabilidade é feminina passou a ser medida representativa da pobreza das mulheres, assim como da pobreza geral. Como visto na seção anterior, por apresentarem menor rendimento, esses domicílios “foram tipificados como os ‘mais pobres dos pobres’” (SABOIA E SOARES, 2004, p.60). Entretanto, deve-se ter em vista que a análise unidimensional da responsabilidade da família voltada exclusivamente à renda domiciliar é insuficiente e que para a compreensão do fenômeno da pobreza, dimensões mais subjetivas são válidas, como as relações de poder, a administração dos gastos e mobilidade social. De acordo com a Tabela 4 CHANT, Sylvia. New contributions to the analysis of poverty: methodological and conceptual challenges to understanding poverty from a gender perspective. Cepal: Unidad Mujer y Desarollo, 2003.

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1, por exemplo, nota-se que, no Censo de 20005, os domicílios chefiados por mulher exibiam aspectos melhores que aqueles chefiados por homens, uma vez analisados o saneamento e as condições de ocupação.

Tabela 1 - Características dos domicílios de acordo com o sexo da chefia Fonte: IBGE, 2000

A correlação entre a feminização da pobreza e o aumento do número de mulheres responsáveis pela família deve ser avaliada, com particular atenção, nos assentamentos irregulares, onde os níveis de pobreza se intensificam e têm como fator complicador a ausência do registro formal de propriedade, o que representa para muitas moradoras e moradores dessas áreas, instabilidade contínua relativa à posse da terra. Conforme o tempo de permanência dos assentamentos, a insegurança quanto à iminência do despejo e realocação pode ser reduzida, possibilitando à população maior liberdade para realizar a compra e venda de terrenos e construções no mercado informal (ZARIAS, FERREIRA e QUEIROZ, s.d.). Apesar da realidade latinoamericana atual, na qual as mulheres têm atuado mais ativamente nesse processo, o reconhecimento legal dos seus direitos à terra é, ainda em muitos casos, um processo dificultoso (FERNANDES, 2011). Ao redor do mundo, leis tradicionalistas impuseram historicamente refreamentos vários no acesso da mulher à terra: restrições à aquisição de herança fundiária e consequente despejos das mulheres com seus filhos após a morte de seus pais ou maridos; impedimento ao direito legal à propriedade, mesmo em caso de divórcio ou abandono pelo marido; inviabilização da participação das esposas no que tange à venda da terra, caso elas discordem com a negociação; e ainda, como em tantos outros casos, mesmo quando as mulheres tem a possibilidade legal de posse, seu poder de decisão sobre a terra pode ser atrofiado pelos costumes patriarcais dominantes (Idem, 2011). 5 Não foram encontrados os dados referentes ao Censo de 2010 para a atualização da Tabela.

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As mulheres na disputa pelo território

É emergencial, portanto, a consideração da realidade das mulheres no que tange à elaboração de políticas. Para melhor vislumbre da situação atual, somente em 30% das áreas habitadas nos países em desenvolvimento há posse legal da terra. Dessa proporção, apenas 3% dos documentos de registro de imóvel pertence a mulheres (ZARIAS, FERREIRA e QUEIROZ, s.d.). Desse modo, é indispensável que políticas cuja finalidade seja integrar assentamentos irregulares ao contexto legal das cidades, abordem também a questão de gênero e dos direitos das mulheres que os habitam.

3.3

Políticas de regulação de terras

Apesar de não ser essa sua única conjuntura, a irregularidade urbana é especialmente associada a ocupações de população de baixa renda, às quais historicamente foi negado o acesso à produção formal de habitação. Mais que um direito social, a moradia regular pode representar também acesso a uma amplitude de direitos constitucionais, como o trabalho, a educação e o lazer. A Regularização Fundiária – Lei Federal 11.977/2009 –é um conjunto de medidas de reconhecimento desses assentamentos, encontrados atualmente em quase toda cidade brasileira, e de titulação de seus ocupantes. Antes de 2009, o tema da Regularização Fundiária já havia sido tratado por outras leis. Em 2003 foi criado o Ministério das Cidades e instituída a Política Nacional de Regularização Fundiária. Em 2004, foi aprovada a Lei Federal no. 10.931, que estabelecia a gratuidade do primeiro registro decorrente da regularização fundiária. Em 2007 é aprovada a Lei Federal no. 11.481, que define mecanismos para a regularização fundiária em terras da União. A Lei Federal no 11.977/09, por sua vez, dispõe também sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e dedica um capítulo à regularização fundiária de assentamentos informais urbanos. Caso realizada de acordo com as particularidades de cada assentamento, e do grupo de moradoras locais, a regulação de terras pode vir a garantir o direito social à moradia, a validade da 67


função social da propriedade urbana e colaborar com a gestão dos territórios urbanos, já que, uma vez regulares, os assentamentos são incluídos nos cadastros municipais. No Brasil, esse processo é composto por três etapas: diagnóstico, regularização urbanística e legalização jurídica. Ao longo de seu desenvolvimento, são realizados levantamentos da situação fundiária, físico-territorial, topográfica e socioeconômica, para que se possa identificar quais lotes satisfazem os requisitos para o registro da posse em cartório. De acordo com Zarias, Ferreira e Queiroz, “entre essas condições figuram a existência de documentos que comprovem a ocupação de determinada área há pelo menos cinco anos, ‘de forma pacífica e mansa’, como manda a Lei Federal no. 11.977/09” (s.d., p. 190). Os detentores do título de legitimação podem ainda requerer a sua conversão em registro de propriedade, sendo cumprido o prazo de cinco anos a partir do registro de posse, através das normas de aquisição por usucapião (Idem, s.d). Uma das principais diretrizes da Lei 11.977/2009 é que a titulação deve ser executada preferencialmente em nome da mulher. Os benefícios desse novo critério, entretanto, estão ainda por ser analisados com maior rigor em termos da sua real validade para a inclusão da perspectiva de gênero no planejamento brasileiro. Em diferentes países, as abordagens utilizadas para a realização de políticas semelhantes, em que se conta também com a diretriz de priorização das mulheres, tem alcançado resultados muitas vezes contraditórios, seja pela aplicação de métodos generalizantes ou demasiado imediatistas (FERNANDES, 2011). O autor nos dá alguns exemplos: Mas há ainda um longo caminho a percorrer. Posteriormente ao terremoto de 2007 no Peru, o governo ignorou a tradição de décadas do país de reconhecer a igualdade das mulheres em direitos fundiários, oferecendo um bônus financeiro para a reconstrução de casas apenas para homens que foram considerados oficialmente como chefes de família, incluindo, em alguns casos, ex-maridos. Em outros casos, mulheres pediram que seus nomes fossem retirados de escrituras, por exemplo, no México, 68


As mulheres na disputa pelo território porque temiam retaliação dos maridos abusivos ou alguma outra forma de discriminação cultural. (FERNANDES, 2011, p. 47)

Um dos poucos exemplos encontrados na produção acadêmica sobre a aplicação da Lei com foco nas mulheres aconteceu em Recife, na região conhecida como Ponte do Maduro, e nos é descrito por Zarias, Tavares e Luna (2013). Várias são as peculiaridades deste processo: as parcerias com órgãos internacionais - Global Land Tool Network (GLTN), Huairou Commission e ONU-Habitat – e com instituições nacionais, como a ONG Espaço Feminista, além do incentivo à participação ativa das moradoras em todas as etapas (ZARIAS, TAVARES E LUNA, 2013). Já em 2010, a ONG Espaço Feminista dá início ao trabalho de formação com quarenta mulheres líderes da Ponte do Maduro, fundamentado na noção do empoderamento como instrumento de reivindicação. O processo se estendeu por três anos e foi organizado segundo as demandas apresentadas pelas participantes. Ao longo desse período, foi criado um canal de diálogo entre o grupo e os representantes públicos, além de um trabalho de advocacy e da formação de uma Comissão Comunitária, composta paritariamente por mulheres e homens para o acompanhamento do processo (Idem, 2013). A exemplo do caso de Recife, reitera-se a insuficiência da perspectiva de gênero aplicada ao processo de Regularização Fundiária caso seja restringida ao simples ato jurídico da titulação de posse. Para maior êxito na integração da população beneficiada à vida urbana, é necessária a revisão e adoção de práticas que tenham abrangência jurídica, cultural e social (ZARIAS, FERREIRA E QUEIROZ, s.d.). A curto prazo, a acumulação de recursos variados, como acesso seguro à moradia e transporte pode reduzir a incidência e a intensidade da violência contra mulheres, causada especialmente por relações desiguais de poder (MOSER, 2014). A longo prazo, espera-se a transformação dos paradigmas patriarcais de dominação. O que se discute, portanto, mais do que o acesso exclusivo à habitação, é o direito à cidade, uma vez que a existência de um sem o outro reproduz modelos de segregação socio-espacial e sustenta as opressões operantes há séculos. 69


Finalmente, sobre a atuação governamental, examinada amiúde nesse capítulo, compreende-se aqui que o Estado não deve ter exclusividade nos processos de provisão de habitação, mas que pode ser fundamental na criação, no estímulo ou simplesmente na ausência de contextos onde outros atores possam aplicar seus próprios esforços. E em qualquer um dos casos, será imperativa a participação popular, especialmente das mulheres, no processo de tomada de decisões (Idem, 2011), como veremos adiante em mais detalhes.

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As mulheres na disputa pelo território

REGISTRO DE POSSE NA OCUPAÇÃO

Logo no início da Ocupação Eliana Silva, as primeiras diretrizes foram delineadas e decididas em assembleias gerais. Uma delas correspondia ao registro de posse do lote, que seria feito prioritariamente em nome da mulher. A princípio, a similaridade dessa diretriz com a Lei Federal n°11.977/2009 torna mais persuasivos a sua utilização e fim, uma vez que em ambos os campos - o do Estado em si e o outro onde sua ausência por anos foi patente - adotam os mesmo critérios norteadores. Entretanto, é necessário o aprofundamento na realidade dessas mulheres após tal determinação para a contemplação de seus reais efeitos práticos. Juntamente a essa priorização das mulheres no registro de posse foi definida outra diretriz: a de que violência doméstica seria inadmissível na Ocupação e geraria expulsão imediata do homem que a cometesse. Para tanto, é necessária a denúncia realizada pela vítima, processo que, em teoria, torna-se mais fácil quando a casa se encontra em posse da mulher. É uma insegurança a menos, e seu peso é determinante, considerando-se que, não raro, as mulheres vítimas de violência no país permanecem sob o teto em posse do agressor por não terem outros destinos disponíveis, razão agravada 71


quando elas tem filhos ainda dependentes. Apesar da contribuição das normas acima mencionadas, tantas outras inseguranças permanecem, como o medo de que a denúncia instigue atos de represália, a dependência econômica ou afetiva, a preocupação com a criação dos filhos, a vergonha de admitir a agressão ou a sensação de que é dever da mulher preservar o casamento e a família, por exemplo. Desse modo, a elaboração de medidas pontuais, a depender dos seus critérios de implantação, dá origem também a consequências pontuais e frágeis, que não atingem o cerne do problema e não apresentam potencial para realizarem alterações transformadoras a longo prazo. São curiosos os paralelismos e as divergências entre os decretos públicos da instância federal e as determinações internas à Ocupação. No caso desta, a sua escala territorial local somada ao processo empoderador de anos organizado e acompanhado pelas próprias moradoras, com participação eventual de agentes externos (movimentos sociais urbanos, Universidade, etc.) potencializa as reivindicações. O distanciamento e a morosidade comuns da lei, acompanhados da desinformação relativa aos direitos competentes à cada cidadã intensificam o sentimento de insegurança, dificultando a autonomização. A prioridade no registro de posse da terra, portanto, não deixa de ser uma vitória para essas mulheres, mas está nas ações cotidianas realizadas para além da regra o seu potencial emancipador. Desse modo, está na criação das redes de apoio e diálogo, no funcionamento da Creche Tia Carminha, nos grupos de conversa exclusivos a mulheres e suas causas e no apoio das lideranças da Ocupação grande parte do embasamento necessário para a tranformação efetiva.

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Rua da Ocupação Eliana Silva 74


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sobre empoderamento 75


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As mulheres na disputa pelo território

Segundo definição de Monnet (s.d., p. 229), “os espaços, como os corpos, não são neutros. Os espaços surgem das relações de poder, as relações de poder estabelecem as normas, e as normas estabelecem os limites, que são tanto sociais, quanto espaciais”. Em se tratando de normas e de suas devidas violações, os já mencionados entraves impostos desde o final do século XIX à presença das mulheres nos espaços públicos não promoveram a sua ausência dos mesmos. O seu papel como “dona de casa” era o legitimador único da sua presença fora do lar. Não fosse isso, ou seja, sem um homem que a acompanhasse ou tarefas domésticas a cumprir, eram consideradas ‘mulheres públicas’, acessíveis a todos, eram as prostitutas da cidade moderna. As ‘mulheres privadas’ eram por excelência, propriedade do ‘homem público’, este da política, visível e grandioso. Tal estrutura das relações domésticas mantinha as mulheres em estado de subordinação aos homens, tanto dentro dos lares quanto nos espaços públicos, gerando um caso de duplo desempoderamento (FRIEDMANN, 1992). Nem mesmo a inserção na chamada economia produtiva as isentou da maior parte das atividades relacionadas com a criação dos filhos, o cuidado com a família, 77


o preparo das refeições e limpeza (UN-HABITAT, 2014). Desse modo, ao ser mediado pelos laços de sujeição do patriarcado, em muitas sociedades o relacionamento das mulheres com a cidade não é determinado por elas mesmas tanto quanto é mediado pelo relacionamento delas com os homens. À insistente associação entre mulheres e as atividades de reprodução, surge a sua vinculação com traços de cooperação e subjetividade, enquanto o mundo dos homens, público e produtivo, é associado com objetividade, impessoalidade, competição e racionalidade. Tais conexões afetam profundamente a vida das mulheres não somente no espaço privado do lar, como também nos espaços, transportes e edifícios públicos, através do seu desenho e organização. É ao campo de batalha das opressões de gênero que me refiro aqui, que perpassa continuamente a sociedade como um todo. Como já dito, não há corpos ou espaços neutros, se está sempre em um dos campos, mesmo quando se busca a omissão. E é exatamente o pertencer deliberada e conscientemente a um desses campos, que torna possível o reconhecimento das ilusões e das falácias que nos convencem de ‘que estamos num mundo ordenado e pacificado’ (FOUCAULT, 1999, p.61). Por isso, neste capítulo, trataremos do poder, das disputas cotidianas em que ele se manifesta e das estratégias de combate. Comecemos, pois, pela declaração de que o poder não é matéria estática que se possa distribuir ou tomar, mas que antes de mais nada, ele é relacional e só ganha existência no momento da ação. Para melhor assimilação de como se manifestam essas relações, de acordo com a perspectiva da microfísica do poder em oposição ao poder do Estado, deve-se ir à capilaridade do sistema, à sua forma mais local, à que ultrapassa os limites do direito e da política institucionalizada (Idem, 1999). No campo de disputa a que nos referimos, conforme a terminologia utilizada por Kabeer (2010), a equidade de gênero e o empoderamento das mulheres – com destaque às negras e pobres - são objetivos intrínsecos mais do que instrumentais. Isto é, em vez de se configurarem como instrumentos mediadores para se alcançar outros objetivos, essas metas possuem um fim em si mesmas. De acordo com Moser (2014), “empoderamento pode ser identificado como 78


As mulheres na disputa pelo território

processos pelos quais aqueles a quem foi negado o direito de escolha, adquirem essa capacidade” (MOSER, 2014, p. 3, tradução minha), e será justamente esse um dos princípios fundamentais da liberdade: a consciência da possibilidade de tomar decisões. Em certa proporção, essa ausência de escolha afeta mulheres e homens diferentemente, uma vez que, como visto anteriormente, as disparidades de gênero frequentemente acentuam (e são acentuadas por) os efeitos da pobreza e de submissão, mesmo quando não são identificadas como tal. Ora, as relações de poder são largamente mais efetivas quando passam despercebidas. A aceitação incontestada da dominação é fator limitativo a qualquer movimento empoderador e é por isso que o processo deve começar de dentro, sendo a capacidade das mulheres de organizarem suas próprias demandas pilar fundamental para o reconhecimento dos seus direitos como mulheres, trabalhadoras e cidadãs (MOSER, 2014). Moser (2014) nos esclarece ainda sobre duas diferentes categorias de ação empoderadora. A primeira delas, ação efetiva, é aquela em que se põe em pleno exercício o direito de escolha. A ação transformadora, por sua vez, parte desse mesmo princípio e se expande, de modo a desafiar diretamente as relações de poder, o que pode ocorrer de maneiras distintas, seja com foco nas desigualdades imediatas ou com potência já para iniciar alterações a longo prazo nas estruturas de dominação. Esse mesmo tópico é abordado de modo similar por Friedmann (1992), que ao relembrar Molyneux , se refere às formas de reivindicação feminina, as distinguindo como práticas ou estratégicas. Essa última, assim como as ações transformadoras de Moser, busca a reestruturação de arranjos institucionais e legais que perpetuam os processos de subordinação. Se a visão do futuro para o ambiente construído e planejado é ser aquele em que as necessidades e demandas das mulheres são supridas, então é substancial que cada mulher se torne consciente da sua habilidade de exercer decisões sobre a natureza dos espaços em que ela vive e trabalha.

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4.1 Ocupações Urbanas

Ao longo do tempo, muitos governos reduziram seu engajamento e seu papel como provedores de moradia acessível e criaram espaço para que o setor privado o fizesse (UN-HABITAT, 2014). Mora aí, na legitimidade política da precarização social, a grande vitória da ideologia que faz do crescimento econômico (seletivo, como de praxe) o maior propósito do desenvolvimento das sociedades. Como reação a esse processo, emergem diversas formas de ativismo social de cunho efetivo e transformador, prático e estratégico, como Moser (2014) e Friedmann (1992) introduziram, que atacam diretamente essas e outras questões do território urbano, algumas mais feministas que outras. É nesse contexto que surgem as Ocupações Urbanas, como resposta à incapacidade da iniciativa privada de suprir as demandas habitacionais do país e como a alternativa encontrada pelos movimentos de luta pela moradia e pelo setor da sociedade atingido pelo alto preço dos aluguéis e pela insuficiência dos programas públicos de habitação social (FERRARI et. al, 2014). Atualmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), esse movimento possibilita moradia para milhares de famílias. A capital concentra a maior parte delas e o seu crescimento é significativo. Até meados de 2009, havia apenas quatro assentamentos que abrigavam um total de 1.470 domicílios. Já no ano de 2013 foram registradas em Belo Horizonte oito ocupações organizadas contando com cerca de 2.600 famílias e aproximadamente 10.000 pessoas (Idem, 2014), enquanto em 2015 chega a onze o número de ocupações organizadas.

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Em geral, em vias diretas ou não, as ocupações se opõem ao urbanismo neoliberal e às pressões do mercado sobre governos frágeis. Elas reagem ao desemprego, às remoções, à falta de moradia e à especulação com o preço da terra nas cidades. Elas indicam ainda a urgência por uma politica habitacional que garanta o acesso à terra e à habitação para a população de baixa renda. Poderíamos dizer que a união desse setor da população, a princípio, tem origem justamente na sua exclusão dos processos de decisão política e no enfraquecimento que sofreram devido ao modelo de desenvolvimento corrente. São grandes contingentes de baixa renda que, ao reconhecerem seus direitos básicos (ou a ausência dos mesmos), desencadeiam movimentos de reclame por maior igualdade e uma sociedade mais democrática (CARDOSO, 2008). É relevante que assim o seja, isto é, que os movimentos, tanto os de luta pela moradia, quanto as organizações feministas nele contidas, possam se organizar e expressar suas reivindicações autonomamente. Caso contrário, torna-se perigosamente viável a manipulação dos seus interesses e a sua cooptação pelo Estado. Também é relevante que, para além das críticas e demandas do Estado, os movimentos sejam capazes de oferecer alternativas – e sempre que possível, concretizá-las apesar do aparato dos governos a até mesmo contra eles. Desse modo, a ação transformadora requer intervenções em uma série de frentes: da ação individual à coletiva, das negociações privadas à ação pública e da esfera informal às arenas formais de luta, tendo sempre em vista a democracia ampla, a qual inexiste caso não lhe seja conferida a inclusão plena das mulheres (SOUZA, 2006).

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As mulheres na disputa pelo território

A OCUPAÇÃO

Viemos tratando em maior minúcia do caso Ocupação Eliana Silva de Belo Horizonte, devido à possibilidade de visualização da disputa patente e cotidiana pelo território em sua forma mais ampla, assim como do protagonismo feminino. A Ocupação foi escolhida devido ao conhecimento prévio de que já haveria uma organização feminina no local, partindo de exemplos como a creche e a cozinha comunitária. Na madrugada de 21 de abril de 2012 a Ocupação teve início, quando cerca de 200 famílias (350 pessoas), organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), ocuparam um terreno público na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Até 11 de maio do mesmo ano, as famílias permaneceram em barracos de lona até que foram removidas do terreno pela Polícia Militar, cuja ação de despejo, efetuada com forte aparato repressor, foi considerada ilegal, uma vez que aconteceu “sem aviso prévio à comunidade, sem comissão de negociação e sem avaliação do recurso apresentado pelo advogado das famílias da ocupação” (DIÁLOGOS ELIANA SILVA, 2012). Após o despejo, foram articulados encontros semanais e, em agosto de 2012, novamente com o apoio do MLB, as famílias que se mantiveram organizadas iniciaram uma nova Eliana Silva. O terreno escolhido

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estava vazio e localiza-se a aproximadamente um quilômetro do local da primeira ocupação. 1ª ocupação Eliana Silva

2ª ocupação Eliana Silva

O objetivo dos moradores e integrantes do MLB é transformar a área em um bairro (Idem, 2012). As casas foram construídas dentro de um projeto organizado e, até que foram instalados esgoto e energia, o banheiro e a cozinha comunitários foram mantidos. Estima-se que na Ocupação vivam atualmente 1225 pessoas em 350 famílias. 1

2009

2015

1 O cálculo foi realizado segundo a estimativa média do IBGE de 3,5 habitantes por domicílios localizados em aglomerados subnormais.

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4.2

Perspectiva de Gênero nas Políticas Habitacionais

No Brasil, apesar do crescente interesse no assunto, ainda é bastante reduzida a produção acadêmica a respeito da inserção de perspectiva de gênero nas políticas habitacionais. É imperativo, portanto, que seja estimulada a reversão dos paradigmas de dominação justamente nesse momento de inflexão, não somente na elaboração das leis e programas, como também no planejamento urbano em seu eixo, nas suas ideologias e lógicas de funcionamento. A seguir serão colocadas as demandas atuais e as possibilidades de ação. De acordo com Foucault (1999), desde a Idade Média é função essencial da teoria do direito, alicerçar a legitimidade do poder, o que será realizado a partir da diluição em seu interior da existência própria da dominação. Para que ela seja mascarada, são criados e recriados os direitos legítimos da soberania, assim como as justificativas para a obrigação legal da obediência. Portanto, são o sistema judiciário e o campo do direito que viabilizam permanentemente a manutenção das relações de dominação, a partir de técnicas que se adaptam de acordo com as necessidades (Idem, 1999). Políticas habitacionais supostamente neutras em termos de gênero representam, então, programas para uma definição muito particular de homens e suas famílias (UN-HABITAT, 2014). Tendo isso em vista, coloca-se em evidência que sem uma abordagem radicalmente nova para a cidade, sem a garantia de acesso para todos os segmentos sociais à liberdade e à autonomia urbanas, as cidades permanecerão com o estigma de lugares perigosos, dos quais as mulheres, e outros grupos, deveriam manter distância (MONNET, 2013). Por mais que as metodologias feministas tenham muito a oferecer para a formação de um planejamento mais participativo, elas tem recebido pouco reconhecimento tanto dos profissionais ligados à prática mainstream quanto de alguns movimentos sociais de alternativas mais inclusivas. A questão da predominância masculina nesses departamentos não é exatamente numérica, mas diz respeito à sua dominação no desenvolvimento de teorias, padrões e ideologias que tem guiado o trabalho dos planejadores por séculos, e que tem legitimado uma 85


prática urbanística e gestão das cidades altamente masculinizada. Feministas têm proposto que o foco em processo, cooperação, intuição e na importância das relações sociais e do compartilhamento de responsabilidades podem ser ativadores da transformação do paradigma histórico de dominação para um novo, menos hierárquico (LENNIE, 1999). A aceitação da subjetividade como estratégia de conhecimento permite a experiência e a sabedoria informal serem fonte de informação e desenho. Sobre as práticas atuais de planejamento, Lennie (1999, p. 100, tradução minha) afirma que:

[...] o enquadramento adequado para compreender as restrições à participação das mulheres no planejamento urbano deve ir além das noções liberais democráticas de liberdade, igualdade e justiça baseadas em um modelo ‘racional’ do comportamento humano, e levar em conta a forma pela qual esses discursos inevitavelmente produzem exclusões. Kaplan e Kaplan (1989, p.60) apontam que o modelo de natureza humana que tem dominado as políticas oficiais é o do ‘Homem Econômico’ ou ‘Homem Racional’, os quais assumem que as pessoas ‘ tem conhecimento perfeito e que elas atuam para maximizar seus ganhos’. [...] A partir de uma perspectiva feminista, tais modelos excluem as mulheres, tanto pelo uso da palavra ‘homem’ como pela ênfase na racionalidade, individualidade e progresso e desenvolvimento a todo custo. Estes conceitos emergiram no contexto das sociedades patriarcais e capitalistas que definiram as mulheres em relação com a esfera privada e as tem excluído em larga escala da tomada pública de decisões.

A efetiva introdução da perspectiva de gênero nas políticas habitacionais terá como critério balizador as diferentes realidades de homens e mulheres, principalmente daqueles pertencentes aos setores mais periféricos e invisibilizados da sociedade. Oculta atrás de uma suposta igualdade exaustivamente propagandeada, está a evidência de que as demandas e atividades exercidas diariamente pelas 86


As mulheres na disputa pelo território

mulheres são muito distintas das dos homens com quem compartilham os mesmo espaços (ROMAN e VELASQUEZ, s.d.). Entretanto, as meras dicotomias não são reflexões acuradas das suas experiências: a ideologia da separação entre as esferas público/privado, mulheres/homens, e trabalho/casa, terminou por dificultar a realização das atividades diárias precisamente por causa das distâncias espaciais geradas por tais ideologias (FRANCK, 2001).

Por isso, essas políticas precisam ser confrontadas menos como uma abstração com autonomia do resto da sociedade do que como manifestação das práticas sociais materializadas. A questão chave não é somente quem governa, mas como o patriarcado, o racismo, e a disputa de classes se tornam visíveis e constitutivos de configurações governamentais (MITCHELL, MARTSON e KATZ, 2003). Uma conexão espacial mais próxima entre atividades atualmente separadas é uma forma de reduzir a segregação entre dominios públicos e privados, a qual reforça a divisão sexual do trabalho. Nas comunidades onde todos se conhecem, não há reino público anônimo. Casa e comunidade se tornam o domínio para todas as atividades diárias. Quando se trata dos direitos da mulher à moradia adequada, é relevante garantir a realização dos padrões estabelecidos pelos direitos humanos e a harmonização das políticas públicas em todas as suas instâncias, levando em consideração a realidade dos movimentos de luta pela moradia, das favelas e das ocupações urbanas. Mais do que isso, trata-se de extrapolar, sempre que 87


necessĂĄrio, as barreiras da legitimidade polĂ­tica e recriar permanentemente a praxis urbana, concebendo novas formas de se experimentar a cidade, em detrimento dos antigos paradigmas.  

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As mulheres na disputa pelo território

A VILA

Em agosto de 2015 foram aprovados pela COPASA - Companhia de Saneamento de Minas Gerais - os termos de regularização da Ocupação Eliana Silva. As casas serão numeradas, receberão caixas de correio e está em andamento a instalação do sistema de distribuição de água, o qual já está sendo utilizado plenamente por alguns moradores. Os próximos passos, de acordo com uma moradora, são a implantação da rede de esgoto, também realizado pela COPASA, e da rede elétrica, pela CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais. Para esta útlima ainda não há previsão de instalação, enquanto para o esgotamento sanitário já foi identificado trajeto subterrâneo para a colocação das galerias e tubulações que não afeta área verde próxima da Ocupação, o que vinha sendo apresentado aos moradores como conflito. A interferência dos técnicos dessas companhias, iniciada recentemente na Ocupação representa o rearranjo, ainda que parcial, de um dos atores do jogo: o Estado, que de opositor, passa a se propor como aliado. Dada essa inflexão, faz-se necessária a conjectura de como esse novo elemento afeta sistemicamente o jogo de poder em si. As reivindicações da Ocupação, e de vários outros movimentos sociais 89 89


urbanos, realizam ação complementar de (a) reclame pelos direitos de cidadania e democracia - estes de âmbito mais abrangente e a serem realizados no longo prazo – ;e (b) disputa pela resolução de suas carências imediatas. Não somente é complementar esse sistema, como se interseccionam constantemente as reivindicações, com potências variantes e diferentes nuances. Nesse jogo duplo, a crítica incisiva sobre o governo e as negociações contínuas com os técnicos acontecem em momentos de maior ou menor conflito (CARDOSO, 2008).

Das conversas com moradoras, é visível o entusiasmo pelas novas instalações e pelo reconhecimento formal e institucional que, por fim, chega à Ocupação. Foi com ar de celebração que ouvi as notícias de que Eliana Silva seria agora vila, ainda que os relatos fossem um pouco difusos. Algumas apresentaram incerteza quanto à futura nomenclatura oficial - se a Ocupação se tornaria vila ou bairro e se o nome Eliana Silva seria mantido - e quanto aos encadeamentos recentes do processo de negociação. Uma delas, entretanto, apesar 90 90


As mulheres na disputa pelo território de apresentar incertezas semelhantes, conta que os acordos e conciliações tem acontecido somente com os técnicos das empresas em questão, enquanto a Prefeitura ainda se nega.ao diálogo. Esse reconhecimento dos atores envolvidos e do papel que cumprem dificulta a manipulação das classes populares, e seu direcionamento como sustentáculo de políticas ambíguas. De acordo com Cardoso (2008) as demandas atendidas configuram as vitórias que vão alentar mobilizações posteriores, legitimar o enfrentamento político e fortalecer o senso de comunidade, isto é, o sentimento de experiência comum de discriminação e de carências compartilhadas. Esse senso de comunidade é capaz de extrapolar os limites territoriais da Ocupação, e abranger todo o espaço de disputa, que inclui, no caso da Eliana Silva, por exemplo, a Ocupação Paulo Freire, localizada a poucos quilômetros de distância e ainda em fase inicial de formação. Ainda segundo a autora, “se o Estado opera aglutinando e segregando as classes populares, as organizações de base, apesar de seu isolamento, também conseguem, em certos momentos, conjugar ações” (CARDOSO, 2008, p. 342). Quando pergunto a um outro morador local, ele me diz que não existem motivos para que a organização e a mobilização esmoreçam. As recentes circunstâncias não impõem a acomodação das moradoras e dos moradores ou a supervalorização do direito individual e da propriedade privada em detrimento dos interesses coletivos. Pelo contrário, são um respiro, um fôlego novo para as outras tantas causas e demandas a serem reivindicadas, sejam elas internas à Ocupação ou não. A Creche Tia Carminha ocupa nesse cenário elemento central, por seu papel mediador do empoderamento das mulheres a partir da criação de meios para que elas possam estudar e trabalhar sem ficarem comprometidas com a execução constante das atividades de reprodução. É na criação de uma rede de apoio e troca que se sustenta o seu funcionamento. Por isso mesmo, é hoje uma das

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causas mais imperativas dos movimentos sociais ali organizados: uma vez reformada e capaz de acolher maior número de crianças, sua ação poderá se expandir para as Ocupações Urbanas vizinhas, conferindo às mães de toda a região maior autonomia. Essa ideologia comunitária muitas vezes leva ao isolamento de grupos individuais, mas pode também garantir a autonomia de um conjunto de grupos mobilizados entre si. Esses setores da população, empobrecidos pelo modelo de desenvolvimento em curso e excluídos das decisões dos círculos políticos legitimados, se mantém capazes de distinguir suas necessidades básicas e emergir juntos quando necessário. Sua luta não se limita a melhores salários ou à posse da terra e o direito à moradia, mas avança para a disputa por uma sociedade mais democrática (Idem, 2008). Se aceitarmos esse caráter duplo e complementar dos movimentos reivindicativos, podemos compreender as oscilações entre momentos de maior e menor participação e a coincidência entre declarações altamente críticas sobre o governo e as negociações contínuas com os técnicos encarregados do contato com a população. A compreensão dessa relação nos prepara para escapar das interpretações que procuram encontrar “ou um conteúdo transformador, quando o discurso é radical, ou uma acomodação quando o governo atende aos pedidos” (Idem, 2008, p. 341).

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considerações finais 95


A presente monografia é, antes de mais nada, uma cartilha introdutória: uma breve apreciação de como foram recebidas (e mais importante, como se infiltraram) as vozes e presenças femininas nos diversos espaços ao longo do tempo. A questão da habitação surge nesse contexto como pressuposto para uma pesquisa que deve ir além. É o cerne e o princípio de uma investigação que demanda o vislumbre das capilaridades das relações de poder e como elas mediaram durante séculos a criação e distinção de papeis sociais, culturais e econômicos a serem cumpridos de acordo com uma divisão sexual binária. A temática se coloca entre o público e o privado, tensionando ambos, indagando o que motiva a criação de diretrizes de priorização das mulheres nas políticas habitacionais, o porque foram estabelecidas só agora e quais efeitos terão num futuro breve. A partir de tal eixo, foi descoberta gradativamente uma série de causas e implicações, cuja abordagem foi relevante para uma pesquisa mais coerente e abrangente. Quanto às causas, foi revisto o condicionamento histórico – as definições de gênero, as ondas do feminismo e alguns exemplos que compuseram esse processo – que possibilitou a realidade atual de elaboração dessas leis 96


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referentes ao acesso à moradia, bem como as perspectivas que as buscam justificar, como a feminização da pobreza e a questão das mulheres chefes de família. No que diz respeito às implicações, dois vieses interrelacionados foram apresentados: o da consequência imediata dessas leis ou de normas semelhantes (como no caso da Ocupação Eliana Silva); e a prospecção quanto a uma efetiva introdução da perspectiva de gênero na concepção de políticas habitacionais. Leis como a 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV - e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, tem sua validade no processo autonomizador de mulheres, especialmente das pobres e negras. Entretanto, quando solitárias, realizadas em processos distanciados que ignoram as particularidades de cada caso e sem suporte às mulheres que serão afetadas pela regulamentação, perdem eficácia e podem ter efeito reverso, servindo de pretexto à violência e opressão. A experiência na Ocupação Eliana Silva permitiu o olhar sobre a tentativa de implantação desse novo contexto de priorização das mulheres apesar da ausência do aparato do Estado e do amparo da Lei acima mencionada (supostamente idealizada para servir comunidades como aquela). Nesse caso, é frutífera a diretriz, justamente porque vem acompanhada de outras ações empoderadoras transformadoras, que desafiam diretamente as relações de poder, com foco nas desigualdades imediatas e com potência para iniciar alterações a longo prazo nas estruturas de dominação masculina. Posto isso, durante o percurso de pesquisa, encontrei mulheres fortes, trabalhadoras de casa e da rua, que refutam as imagens sociais de feminilidade relacionadas à fragilidade e dependência, padrões construídos cultural e socialmente, carregados de estigmas que as segregam e desvalorizam enquanto mulheres e enquanto trabalhadoras. Para além da negação dos paradigmas invisibilizadores, é importante a elaboração e concretização de alternativas, com ou sem o Estado, e quando preciso, apesar dele. Nesse processo de rearranjo, algumas questões mostramse necessárias: a criação de novos sistemas sem o reestabelecimento das antigas e arraigadas hierarquias de construção masculina que definem a mulher sempre 97


em relação condicional ao homem; a necessidade e as consequências de se negociar com as instâncias governamentais e em que medida mulheres de diferentes classes, etnias,/raças, opção sexual, etc. devem se unir para lutar por causas comuns e como se dá a disputa por causas distintas que atinjam somente algumas dessas esferas sociais. Nos resta a investigação, portanto, de como essas conquistas podem se expandir para o contexto da cidade como um todo, para além dos lares individuais, do espaço coletivo da Ocupação Urbana e do espaço acadêmico das Universidades brasileiras, que tem aos poucos produzido e agregado material crítico para os estudos de gênero no campo urbanístico. Novos ares vem se apresentando na luta feminista por direitos, na cobrança de causas múltiplas que se comunicam em prol da democratização das relações sociais e da construção participativa da cidade. Uma continuação deste estudo, desse modo, deverá repensar os diferentes espaços urbanos a partir do rompimento com as discriminações e com as distinções sexuais de papéis públicos e privados, no intuito de promover a transformação social a partir de uma perspectiva de gênero que visibilize diferentes posições de poder, como elas influenciam o uso e a configuração da cidade e como elas podem refletir nas práticas do planejamento urbano. Tal abordagem demanda a participação de todos os agentes sociais envolvidos, em que tomem para si a palavra as pessoas que são verdadeiramente atingidas pelas modificações do espaço: aquelas que nele habitam, convivem ou que são dele excluídas.

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LISTA DE IMAGENS

Casa na Ocupação Urbana Eliana Silva (capa) Foto e ilustração da autora, 2015

Manifestação pelo sufrágio feminino durante a primeira onda do feminismo, s.d. (p.12) https://blogs.stockton.edu/postcolonialstudies/domesticity-and-kitchens/american-feminism/first-wave-feminism/

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Manifestação feminista no Concurso Miss America, 1968 (p.18) https://genderpressing.wordpress.com/2015/01/27/feminismssecond-wave-2/ Ilustração da autora, 2015

Marcha do Orgulho Crespo em São Paulo, 2015 (p.21) http://blogueirasnegras.org/2015/10/07/quem-te-escuta/ Ilustração da autora, 2015

Ocupação de prédio por mulheres em Nova York, 1971 (p.24) https://catapult.co/stories/this-building-is-yours

The Gardens of Adonis, John Reinhard Weguelin, 1888 (p.32) https://en.wikipedia.org/wiki/Adonia#/media/File:John_Reinhard_Weguelin_%E2%80%93_The_Gardens_of_Adonis_ (1888).jpg Ilustração da autora, 2015 Mapa da Utopia, Ortelius, aprox. 1595 (p.34) http://artsandsciences.colorado.edu/ctp/2014/08/the-utopiaof-thomas-more/

Napoleão cruzando os Alpes, aprox. 1801-1805 (p.35) http://www.theguardian.com/books/2014/nov/13/napoleonthe-great-andrew-roberts-review Ilustração da autora, 2015 105


Falanstério, s.d. (p.36) https://teoriadoespacourbano.wordpress.com/2013/03/12/ifourier-ou-as-passagens/

Habitação coletiva em Estocolmo, Sven Ivar Lind, 1944 (p.37) HAYDEN, Dolores. What Would a Non-Sexist City Be

Like? Speculations on Housing, Urban Design, and Human Work, 1980

Mulheres praticando esportes na Universidade de Moscou, 1954 (p.39) http://everyday-i-show.livejournal.com/191380.html

Anúncio de Seguro de Vida Metropolitan, 1947 (p.40) https://www.pinterest.com/pin/521080619359642621/ Ilustração da autora, 2015

Planfleto escrito por mulheres após a ocupação do edifício, 1971 (p.43) http://seesaw.typepad.com/dykeaquarterly/2012/07/the-fifth-streetwomens-building-a-feminist-urban-action-jan-1-13th-1971-ourhands-our-feet-our-minds-our-bodies.html

Encontro da Escola de Planejamento e Arquitetura para Mulheres (WSPA), s.d. (p.44) http://architecturalnetworks.research.mcgill.ca/projects.html

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Proposta de revitalização de subúrbio, s.d. (p.45) HAYDEN, Dolores. What Would a Non-Sexist City Be

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1ª creche de alvenaria da Ocupação Eliana Silva, 2012 (p.49) http://ocupacaoelianasilva.blogspot.com.br/search?updatedmax=2012-09-26T08:22:00-07:00&max-results=30&reversepaginate=true

Creche Tia Carminha (p.50) Foto da autora, 2015

Pintura na parede da creche Tia Carminha (p.52) Foto da autora, 2015

Projeto de Regularização Fundiária em Teresina, 2013 (p.55) http://teresinadiario.com/noticias/mais-noticias/alto-da-ressurreicao-e-frei-damiao-ganharao-regularizacao-fundiaria/

Rua da Ocupação Eliana Silva (p.76) Foto da autora, 2015

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Mapa de Ocupações Urbanas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2015 (p.81) Clarissa Nunes, 2015

Localização da Ocupação Eliana Silva em Belo Horizonte (p.84) https://dialogoselianasilva.wordpress.com/2012/10/31/historia-da-comunidade-eliana-silva/

Terreno da Ocupação Eliana Silva, 2009/2015 (p.84) Clarissa Nunes, 2015

Modulor adaptado, s.d. (p.87) ROMAN, M. e VELÁSQUEZ, I. Guía de urbanismo con perspectiva de género, s.d.

Rua principal da Ocupação Eliana Silva (p.90) Foto da autora, 2015

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AGRADECIMENTOS À Heloísa Costa, pela orientação frequente e dedicada, na vida real e pelos meios digitais, com sol ou com chuva. Às mulheres da Ocupação Eliana Silva, que compartilharam comigo os frutos da sua luta, me ensinaram cantigas de roda e me acolheram com tanto afeto. Às crianças da creche, que me mostraram na delicadeza de seus gestos, a grandeza da vida. Aos amigos da EA, que contribuíram com livros e artigos, mensagens de amor e apoio, companhia e playlists. À minha mãe e ao meu pai, por terem tornado possível esta monografia, pela inspiração e pelas pizzas nos finais de semana. A Derek, Luís e Rodrigo, pela confiança e pelos momentos de descontração. À Rita Velloso e ao João Tonucci, pela disponibilidade e pelas contribuições que deram a este trabalho novos horizontes.

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