A arte do fazer: arquitetura como meio

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Universidade Federal de Goiás Faculdade de Artes Visuais Arquitetura e Urbanismo Seminário de Projeto A arte do fazer: arquitetura como meio Orientador: Pedro Britto Ana Flávia Maximiano Marú


‘‘NO FUNDO, VEJO ARQUITETURA COMO UM SERVIÇO COLETIVO E COMO POESIA.’’ LINA BO BARDI, 1993.



01 - OLHANDO DE DENTRO PARA VER O QUE HÁ DE FORA: UMA REFLEXÃO SOBRE O TCC. 02 - REfereNCIAiS METODOLÓGICos 03 - INTRODUÇÃO 04 - O PROCESSO DE EXPERIMENTAÇÕES: CONEXÕES AFETIVAS 04.1 - A CONSTRUÇÃO DE UM OLHAR 04.2 - o espaço: SETOR CENTRAL 04.3 - afetar e ser afetado 04.4 - o ‘‘golpe’’ do sentar 05 - O SENTAR E SEUS DESDOBRAMENTOS 05.1 - SOBRE O TEMPO 05.2 - SOBRE seu SIGNO 05.3 - SOBRE A IMPOSSIBILIDADE 06 - reposicionando os experimentos 06.1 - EXPERIMENTo #1 - o sentêur 06.2- EXPERIMENTo #2 - convite ao sentêur CARTOGRAFIA URBANA: ESPAÇOS COMUNS FOTOCOLAGEM: POTENCIALIDADE EXISTENTE LAMBE-LAMBE: INTEVIR CONVITE: PRATICAR O ESPAÇO 06.3 - EXPERIMENTO #3 - SUPORTE PARA O SENTÊUR referências para o sentêur 07 - CONCLUir significa fechar 08 - REFERÊNCIAS

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OLHANDO DE DENTRO PARA VER O QUE HÁ DE FORA: UMA REFLEXÃO SOBRE O TCC Chego à conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo, momento que me leva a reflexão de como foi minha caminhada durante o curso. Desde minha escolha para o curso de graduação até a montagem de um portfólio para apresentação do futuro tema de trabalho de conclusão de curso, o amadurecimento desta proposta me levou a uma série de reflexões. Talvez pela liberdade de escolha do tema, refleti como que esta etapa poderia se transformar em algo que me motivasse a pesquisar e desenvolver um posicionamento como arquiteta para a sociedade. Isso reforça como comecei a olhar para dentro, a pensar nas minhas vivências pessoais, dentro e fora da universidade, influenciada por disciplinas, pesquisas, viagens e pessoas que contribuiriam muito o meu olhar para a arquitetura da cidade. Mesmo que, não tendo um objetivo inicial muito claro, meu olhar para a arquitetura da cidade foi moldado pelo contato que eu tive com áreas diversas, coletivos voltados para economia criativa, eventos (deriva, apresentações, feiras) efêmeros que aconteciam em espaços púbicos (no centro de Goiânia principalmente, talvez venha daí minha afetividade com este espaço). Além da experiência com o StudioART, (coletivo de ilustração) que me fez refletir o mercado de “arte”, sobre o processo de produção autoral e suas derivações como um produto. Trago então, essas que estão intrínsecas a mim para pensar a arquitetura, uma produção voltada para as relações humanas, como PIRONDI (2011) pontua, promover a arquitetura como um discurso voltado para existência humana, já que esta faz fronteira com diversos saberes (poesia, música, técnica, desenho), que entende seu papel dentro de um coletivo, que instiga a experimentação, a apropriação, que promove uma reflexão sobre a vida em espaços públicos da cidade e consequentemente como o arquiteto pode influenciar nessa dinâmica de pensar, viver e praticar os espaços. Uma oportunidade de me posicionar (com mais dúvidas do que respostas) neste trabalho de conclusão, tomando inicialmente como análise, as práticas1 do cotidiano da cidade .

1 - CERTEAU (1980) – aprofundo sobre as práticas do cotidiano no desenvolvimento do trabalho. 7


REFERENCIAIS METODOLÓGICOS

As análises de referencias foram variadas, nesta etapa opto por apresentar os que ajudaram na construção da metodologia. São três trabalhos: ‘’O transbordar da rua: a apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua.’’ de Jana Lopes, (trabalho de conclusão de curso da Universidade Federal da Bahia em Arquitetura e Urbanismo); ‘’Cidades imateriais: o espaço enquanto o fazer.’’ de Romullo Fontenelle, (trabalho de conclusão de curso da Universidade Federal de Santa Catarina em Arquitetura e Urbanismo); ‘’Cor(poro)cidades: experimentando (re)existências’’ de Camila Craveiro (dissertação de mestrado da Universidade Federal Fluminense do curso de Psicologia). O trabalho de Jana Lopes assume o morador de rua como sujeito de análise, questiona o esvaziamento do espaço público e como a prática projetual do arquiteto urbanista, tem ajudado a desenvolver uma cidade excludente e individualista. (LOPES,2010) ‘’Escolhi então estudar a apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua, usuários mais invisíveis da cidade, ou ingnorados, mas não menos legítimos, e assim, perceber a cidade a partir de uma experimentação que vai de encontro com o que é planejado.’’. O desenvolvimento metodológico começa quando ela encontra uma comunidade que abriga moradores de rua, se aproxima e começa a entender como que funciona o dia-a-dia deles. Levanta relatos, dados, políticas públicas, utiliza como instrumento de aproximação o mapa mental, para entender como os espaços são ocupados por eles, e chegar então ao seu objeto de intervenção, que são as fontes públicas de Salvador. Romullo Fontenelle faz uma abordagem sobre as práticas do fazer na cidade, escolhe o centro de Florianópolis como objeto de estudo, utiliza o caminhar, a flânerie como prática metodológica para suas reflexões e ensaios, isso se desdobra em uma proposta de um projeto de intervenção no espaço público da cidade e na execução deste. O trabalho de Camila Craveiro tem muito o que acrescentar nos estudos de arquitetura e urbanismo, ela traz profundas reflexões sobre a relação corpo e cidade, com esta abordagem unida a uma proposta metodológica onde o processo de desenvolvimento desta é mais importante do que onde se quer chegar no final, utiliza do estudo de coletivos de arte, da psicogeografia, da deriva, da observação, dos escritos afetivos, da relação corpocidade, que se desdobram na criação de um coletivo para intervenções na cidade afim de experimentar as reverberações disso. Trago estas referências de uma forma sucinta como um primeiro contato para o desenvolvimento de uma metodologia.

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‘‘Falamos a todo o momento de apostas, riscos, construção de possibilidades de pensar/experimentar, dando ênfase à dimensão de experiência presente no ato mesmo do pesquisar. Neste trabalho o pensar e o experimentar sempre andarão lado a lado, como expressão de que o ato de pensar é um ato de experiência .’’ Camila Craveiro, 2014.


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introdução ‘’Quando se sabe de antemão onde se quer chegar, falta uma dimensão da experiência, a que consiste precisamente em escrever um livro correndo o risco de não chegar ao fim”. FOUCAULT (1984: 288) Quero aqui deixar claro o quão importante está sendo no desenvolvimento do TCC o processo e a metodologia criada a partir de experimentações com o espaço estudado, que se desdobram em relatos, imagens, composições e ensaios relacionados com as táticas1 dos praticantes da cidade. O processo para o desenvolvimento, questionamento, experimentações e reflexões sobre formas de apreender o espaço urbano transita por zonas intermediárias, sem lugares definidos. Opto por pensar em uma metodologia experimental, aberta, onde consigo transitar por uma abordagem de conceitos e teorias e me colocar em confronto com estas no espaço urbano e retornar para reflexão, esta metodologia que me joga novamente no espaço praticado, um jogo com o meu corpo pesquisador. Parte dessas experimentações irão aparecer através do que CRAVEIRO (2014) vai chamar de escritos-afetivos, retirados de um diário de bordo em que narro as andanças e meu ato de flanar 2 pela cidade. Além de registros fotográficos, fotocolagens e ensaios com intervenções serão produtos de reflexão. Dessa forma, o processo de desenvolvimento do trabalho, importa mais do que onde se almeja chegar no final do percurso e que teoria aliada a prática abre possibilidades que ampliam as reflexões para concepção dos espaços, como RIBEIRO (2003) pontua, ‘’A teoria, longe de ser uma oposição à prática, possibilita amplia-la, porque se serve de conceitos, definições e acordos de linguagem que facilitam a compreensão a respeito do que está sendo transmitido e debatido, abrindo, com isso, a possibilidade de explicar e de inovar a maneira de ver a prática profissional e de agir.’’ Como pesquisadora e futura profissional, me encontro entre, entre a discussão de uma metodologia e a prática. Um questionamento surge: como esta zona menos delimitada em que o pesquisador está, pode fomentar e enriquecer o desenvolvimento de um trabalho? Estar em uma zona menos definida, não ter um trabalho final puramente teórico/metodológico e nem em um trabalho todo fundamentado apenas no objeto arquitetônico.É neste limiar3 tenho praticado o meu desenvolvimento. Experimento aqui uma abordagem (entendo haver inúmeras outras) para apreender o espaço urbano, inconstante, cheio de dualidades, conflitos e desejos, e de acordo com ALMEIDA (2012), “ele ultrapassa qualquer interpretação reducionista que cristalize esse espaço em um modismo baseado em apenas uma teoria ou maneira de pensar. ”, na tentativa de ampliar a reflexão e questionar como que a arquitetura pode ser um meio para fomentar as potencialidades deste espaço.

1 - CERTEAU (1994) 2 - BENJAMIN (2000) 3 - De acordo com Cibele Rizek, limiar é o entre, é uma zona menos definida que a fronteira. 10


O PROCESSO DE EXPERIMENTAÇÕES: CONEXÕES AFETIVAS Ao dar início a escrita deste trabalho, opto por trazer para seu desenvolvimento a narrativa que apreendi após observar do espaço urbano, uma forma de experimentar pontes que vão sendo construídas entre o que desenho (Figura 01), o que capturo (Figura 02) em momentos de flânerie, o que intervenho (Figura 03 e 04), o que narro, o que componho em uma cartografia de palvras (Figura 05) e por fim com o que levanto de conceitos teóricos. Chamo de conexões afetivas essa forma de construir possibilidades de experimentar questões que afetam o meu olhar e interliga-las através da escrita.

Figura 02: Registro Av. Goiás Fotografia: Ana Flávia Marú, 2016

Figura 01: Sketchurban - Av. Goiás Desenho: Ana Flávia Marú, 2016

Figura 03: Rua 02 Foto e Intervenção: Ana Flávia Marú, 2016

Figura 05: Cartografia - espaço público Cartografia: Ana Flávia Marú, 2016

Figura 04: Av. Goiás Foto e interveção: Ana Flávia Marú, 2016

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a construção de um olhar Tento me colocar na posição do flâneur1 para ter minha primeira experiência de observação da cidade. Walter Benjamin através da leitura das obras do poeta Baudelaire, observa a relação que a arte começa a criar com o espaço urbano do século XIX, devido a conquistas industriais, este novo mundo pede um novo homem para compreender as novas relações estabelecidas.Observa-se um novo olhar no meio da crescente multidão. Baudelaire expressa em sua produção a sua relação da flânerie e também teoriza a respeito deste personagem, “para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugido e no infinito. Estar fora de casa, e, contudo, sentir-se em casa onde quer que se encontre (...)”, um olhar possibilitado pela modernidade sob a vida ordinária dos citadinos. Faz uma comparação da figura do flâneur como a de um espelho tão imenso quanto a multidão que nele reflete, um caleidoscópio dotado de consciência. ‘’Pode-se igualmente compará-lo a um espelho tão imenso quanto essa multidão; a um caleidoscópio dotado de consciência, que, a cada um de seus movimentos, representa a vida múltipla e o encanto cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável do não-eu, que a cada instante o revela e o exprime em imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e fugida. ’’ BAUDELAIRE, 1988, p.857 Para Baudelaire essa figura do flâneur, tem um objetivo além da poética do homem solitário dotado de uma imaginação ativa , visto que este está inserido em um contexto de transição com a chegada da nova cidade, ele busca a modernidade, tentando extrair o que há de poético neste fato histórico, que é o transitório, o efêmero. São os momentos de flânerie que me dão oportunidade de construir um olhar sobre a cidade, onde ela deixa de ser um produto mercadológico e passa a ser algo compartilhado e construído por vários citadinos.

1 - Para Baudelaire, como um “observador apaixonado” das cidades e das multidões. 12


O espaço: Setor Central A escolha do setor central como lugar de estudo foi consequência de algumas reflexões, por eu não ser de Goiânia e não ter vínculos antigos com aquele espaço, algumas práticas durante a faculdade me levaram até ele, e por algum motivo ele lembra minha cidade, minha infância, um centro comercial onde eu conhecia as pessoas que passavam, o senhor que vendia picolé, o dono da farmácia que conhecia meus pais, a calçada e a rua eram espaços que faziam parte do cotidiano, e em Goiânia parecia fazer parte para todos naquele centro também. Além de ser um local que me instiga sonoramente, comerciantes tentando vender seus produtos, música vinda das lojas, pessoas conversando, carros e ônibus passando, o rapaz cantando com seu violão embaixo da marquise de um edifício, essa diversidade sonora e de citadinos, me atraem. Trago um breve histórico sobre o início da construção de Goiânia, com o intuito de refletir sobre a cidade moderna e a inversão de valor sobre o tempo que configuram nossas relações com o espaço. No Brasil no início do século XX, o urbanismo passa a ser discutido de uma forma mais ampla e técnica levando a uma remodelação das cidades brasileiras. No final do século XIX, em Goiás, começam a surgir intenções de mudanças da capital do estado (até então Vila Boa de Goiás).Goiânia surge como uma materialização de ideias modernizadores de Getúlio Vargas e Pedro Ludovico Teixeira. Em 1933 o plano urbanístico de Attílio Corrêa Lima - embasado pelos planos das cidades e capitais europeias e norte-americanas- entra em ação para a nova capital do estado de Goiás. De acordo com MANSO (2010), Attílio ‘’(...) privilegia as grandes perspectivas, estabelece o centro cívico e administrativo como o elemento fundamental na composição, por ser visto de todos os pontos da cidade. Este foi projetado para servir aos desfiles e paradas oficiais. No conjunto de vias radiais importantes que para ele convergem, a Avenida Goiás, eixo norte-sul da composição urbana, é a via de maior destaque, sendo tratada como uma grande alameda. A avenida-parque, por sua vez, seria utilizada como um enorme passeio público, onde a elite faria o footing à tarde e à noite. No extremo norte dessa avenida, situada na parte mais baixa da cidade, localiza-se a zona industrial – junto da estação ferroviária, de modo a possibilitar o seu crescimento ao longo da via de trens. ’’. Como planejado por Attílio, a Avenida Goiás é parte do eixo viário, liga o centro administrativo à Estação Ferroviária da cidade. Um grande eixo monumental (Figura 06 e 07), para época de sua construção. De acordo com MILHOMEM (2012) após conversas com moradores do Setor Central, o local ‘’onde a elite faria o footing à tarde e à noite’’ se consolidou, o chamado vai-e-vem de moças e rapazes pelas calçadas da avenida levaram até grandes namoros e casamentos.

Figura 06: Relógio Av. Goiás Fonte: http://meumediterraneo-goiania.blogspot.com.br/

Figura 07: Vista Praça Cívica sentido Av. Goiás Fonte: http://meumediterraneo-goiania.blogspot.com.br/ 13


Em 1970 a avenida passa por transformações, os canteiros desaparecem e detrimento a um calçadão e criaram uma faixa exclusiva para ônibus, o que prejudicou o uso do espaço pelos antigos praticantes. Em 1990 o calçadão é escolhido pelos camelôs para ser um espaço de comércio. Nos anos 2000 acontece um concurso nacional para recuperação da Avenida Goiás. O vencedor, Jesus Cheregatti, tentar recompor o cenário monumental e romântico da avenida. Sob este cenário moderno que Goiânia surge e levando em conta como que a Avenida Goiás foi concebida, ocupada e reestaurada, faço um recorte sobre a inversão de sentido de tempo livre e o sentido do ócio (não mais como se pensava os antigos gregos e romanos), que acontece com a inserção desta modernidade. Como RAGO (2015) pontua “Essa inversão decorre da transformação do tempo em mercadoria, desde os inicios do capitalismo, quando também se opera a oposição entre tempo de trabalho e tempo de lazer, ou entre ‘’tempo útil’’ e ociosidade.’’. Seria então necessário o ócio para o citadino desenvolver sua reflexão e papel dentro da cidade (como era percebido o ócio na Antiguidade Clássica), é neste estado desacelerado que surgi oportunidades para o fazer criativo, para as trocas interpessoais, para o cuidado individual que reflete no cuidado coletivo. De acordo com os dados estudados e observados, percebe-se um uso que inverte essa lógica da cidade pressa na Avenida Goiás, apesar de ser um eixo de circulação viária e ter o forte carater comercial, os praticantes constroem situações favoráveis para o ócio, ali há encontro, há pausa.

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afetar e ser afetado Coloco o meu corpo no espaço praticado, chego ao Setor Central. Deparo com a dúvida, escolher onde me portar para observar, a Av. Goiás foi escolhida por dois motivos: por ser uma avenida com uma quantidade de passantes e pessoas que permanecem, relevante para minha observação; e porque queria um local de sombra e com bancos para estar confortável para observar. O tempo parece passar de forma diferente para os pedestres do Setor Central, apesar da densidade de carros e comércio, os citadinos parecem não ter pressa, o ir e vir consegue ser lento. Parei para desenhar, de frente ao Banco Itaú, sentei em um banco no canteiro central da Av. Goiás, as pessoas que passavam por mim observavam, mas logo fui “esquecida”. Na calçada havia uma árvore de grande porte, que tinha sido podada bem no meio para passagem de fiação, entre a calçada e o edifício se formava um pequeno degrau, onde haviam pessoas sentadas, pareciam esperar algo ou alguém, ali, sentados na calçada, um espaço público em limite do privado. A diversidade de apropriação do espaço salta aos olhos, faz refletir sobre que em cada olhar se tem uma cidade e essa cidade afeta a singularidade do olhar, em um dos contos de Ítalo Calvino em Cidades Invisíveis, “confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares. ”, a cidade como o lugar das diferenças, das inconstâncias, do cotidiano, do coletivo, a cidade dos praticantes. De acordo com CERTEAU (1980) as práticas do espaço, “remetem a uma forma específica de operações (maneiras de fazer), a uma outra espacialidade (uma experiência antropológica, poética e mítica do espaço) e uma mobilidade opaca e cega da cidade habitada. ”, onde essas práticas “burlam” a cidade planejada. São estas “microbianas, singulares e plurais” que começo a analisar. Após finalizar meus desenhos (Figura 08) me desloquei mais um pouco, era por volta de meio dia, encontrei pessoas almoçando sentadas na grama do canteiro central, outras sentadas nos bancos fazendo crochê outras só aparentemente esperando ou “perdendo tempo”. Agora de frente ao Grande Hotel, ali tinha um pouco de sol no banco, quase não haviam pessoas ao meu redor, novamente no meu cenário para o desenho (Figura 09) tenho um edifício com uma árvore de grande porte na frente e algumas pessoas sentadas abaixo da marquise do edifício que fazia sombra (além da sombra da árvore), estavam sentadas em bancos “improvisados” também, mas dessa vez o edifício não dava suporte de um degrau como no outro caso, estavam em bancos de plástico, que não eram do local, bancos aparentemente levados pelos próprios que estavam usando. Fiz meu registro de desenho e fui embora.

Figura 08: Sketchurban - Av. Goiás Desenho: Ana Flávia Marú, 2016

Figura 09: Sketchurban - Av. Goiás Desenho: Ana Flávia Marú, 2016

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o ‘‘golpe’’ do sentar O segundo dia optei por mudar minha forma de posicionar no espaço, levei uma câmera, bem pequena, quase imperceptível para quem está caminhando e fui registrar meu caminho pela Av. Goiás e suas ruas do entorno, passei por lugares que ainda não conhecia, mas privilegiei a caminhada pelas quadras imediatas a avenida. Percebi algumas coisas pela caminhada que se confirmaram durante a análise do vídeo, novamente o que foi levantado no primeiro ato se repetiu: as pessoas sentadas em lugares que não foram pensados para tal função (Figuras 10,11,12 e 13), usando de táticas para se apropriar do espaço, usando bancos móveis (de plástico), sentando na mureta dos edifícios com a calçada, sempre em lugares com sombra. Faço então uma ponte entre os relatos do que foi visto no local de estudo e o estudo de táticas urbanas apontada por CERTEAU (1980), onde a tática é uma forma de insinuar e fragmentar ações sobre o espaço sem poder retê-lo à distância, onde ela é uma forma de vitória do lugar sobre o tempo, o ato de sentar nesses espaços (não planejados para tal) como uma forma de “dar golpe” ao sistema que é imposto para o praticante da cidade, é uma tática que burla a lógica de tempo na cidade contemporânea. As pessoas não só transitam, elas permanecem. A cada ida e proposição de percorrer ou permanecer no espaço, há a captura algo novo. Não novo por não estar ali quando fui antes, mas novo aos meus olhos. De acordo com CRAVEIRO (2014),“(...) ao colocar o corpo pesquisador na cidade, apresenta-se a possibilidade de penetrar e ser penetrado por realidades múltiplas, a fim de reconhecê-las e quando possível, exaltar suas potências, ao invés de estar condicionado a uma forma de conhecer pré-determinada, rigidamente estabelecida que busca gerar conceitos e representações fixas do real. ”. Então, retorno ao centro para deixar essa cidade permear meu corpo, e meu corpo permear a cidade. Começo a observar os pontos de ônibus que ficam no canteiro central da Av. Goiás, eles são na verdade uma cobertura, sem bancos. Me pergunto, por que que em um local de espera não é proposto objetos que permitam este ato de uma forma mais agradável (além apenas da cobertura), talvez porque seria um fluxo rápido de transporte público, logo quem pegaria não ia ter a necessidade de sentar, mas de acordo com a imagem que me deparo, os usuários do transporte coletivo têm sim uma necessidade de sentar (Figura 14), essa imagem pode ser considerada de acordo com CERTEAU (1980), como uma tática feita pelos praticantes da cidade, “são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – as circunstancias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço (...)”.

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Figura Foto e

Figura Foto e


as 10,11,12 e 13: Av. Goiás / entorno intervenção: Ana Flávia Marú, 2016

a 14: Av. Goiás – ponto de ônibus - Banco retirado do canteiro central e colocado no ponto de ônibus intervenção: Ana Flávia Marú, 2016

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O sentar e seus desdobramentos Após as andanças pelo centro, chego ao meu “objeto” de estudo, o sentar. De acordo com o dicionário Michaelis , “sentar: Assentar-se, tomar assento; colocar-se, estabelecer-se, fixar-se; ”. O que este gesto significa para a cidade? Qual as relações que se cria ao fixar-se? Como ele pode influenciar no olhar que os citadinos têm do espaço urbano? Quando a permanência prevalece em detrimento da passagem, as relações de pertencimento ao espaço aumentam? O que faz uma pessoa permanecer? Quais são os desdobramentos deste gesto de permanecer? Como ele, inserido no espaço urbano vai contra o ritmo da cidade-pressa? A calçada, onde este gesto surge, seria um espaço indeterminado, opaco como Milton Santos descreve? Pensar neste gesto como uma forma de se reescrever na cidade? Com mais perguntas do que respostas, começo além de observar o sentar, a praticar este gesto. Não em busca de respostas fechadas para essas perguntas, mas na tentativa de promover mais experimentações e reflexões sobre essa potencialidade reconhecida e seus desdobramentos.

sobre o tempo O ato de sentar, relacionado ao fixar-se, permanecer, se torna uma potência para a qualidade de vida na cidade, vai contra o ritmo da cidade-pressa1 , onde o que importa é a velocidade e a produtividade. Esse fato é proveniente da economia que estamos inseridos, e esta, inserida em nós, HISSA (2015) questionado sobre os modos de produção capitalista e como que as cidades são voltadas para produtividade, para a não perca de tempo, diz, “o capitalismo somos nós. Não há algo cultural que não seja criado por nós ou que não seja compatível com os nossos pequenos, maiores ou rotineiros sonhos (...)” reflete ainda como que “(...) há na contemporaneidade uma energização das forças mais conservadoras, uma desmobilização social, um individualismo dos sonhos que, por sua vez, estão plenamente mergulhados na ideologia de mercado, no discurso das competências, no elogio a competição desprovida de qualquer indicio de ética.”, uma sociedade onde há a prevalência do não pensar, não agir e consequentemente transfere a responsabilidade das problemáticas da cidade para ordens superiores, há uma falta de espirito de cidadão e de sensibilidade coletiva. Escrever sobre esta cidade-pressa que está inserida em nós, faz lembrar do surgimento nos anos cinquenta da Internacional Situacionista, com questionamentos inicialmente ligados a arte, ela culmina na relação entre arte e vida cotidiana. Há uma crítica nessa relação com a arquitetura e urbanismo, em especial ao funcionalismo moderno. Guy-Ernest Debord, fundador da IS, muito influenciado pelo movimento Dadá e Surrealista, formula através de práticas e procedimentos a base do pensamento urbano situacionista, dentre elas estavam: a psicogeografia, a deriva e a construção de situações. A psicogeografia para os situacionistas é um “Estudo dos efeitos precisos do meio geográfico, conscientemente organizado ou não, que atuam diretamente no comportamento afetivo dos indivíduos.”,(‘’Définitions”, Internacionale Situationniste, n.1, 1958.), de acordo com JACQUES (2003), “À medida que os situacionistas afinavam as suas experiências urbanas, eles abandonaram a ideia de propor cidades reais e passaram à crítica feroz contra o urbanismo e o planejamento em geral. Se eles se posicionavam cada vez mais contra o urbanismo, ficaram sempre a favor das cidades, ou seja, eram contra o monopólio urbano dos urbanistas e planejadores em geral, e a favor de uma construção realmente coletiva das cidades.’’. 1 - Henry Lefbvre, 1967 - O direito à cidade 18


A deriva seria então uma teoria baseada na prática da errância urbana, que de acordo com CARERI (2002), “reconhece no perder-se na cidade uma possibilidade expressiva concreta da antiarte e o adota como meio estético-politico através do qual subverte o sistema capitalista do pós-guerra.”. Através de uma atividade lúdica da errância há a construção de situações, uma reapropriação do território, “a cidade é um jogo a ser utilizado para o próprio aprazimento, um espaço para ser vivido coletivamente e onde experimentar comportamentos alternativos, onde perder o tempo útil para transformá-lo em tempo lúdico-construtivo.”.São práticas que vem ao encontro do processo metodológico que abordo, repensar nessa reapropriação do território de forma lúdica, de forma lenta, a criar oportunidades e jogar com estes espaços sobrepostos onde cada praticante possui um desejo e um olhar, o que me remete à um conto de Italo Calvino, Cidades Ocultas 5, “(...) a verdadeira Berenice é uma sucessão no tempo de cidades diferentes, alternadamente justas e injustas. Mas o que eu queria observar é outra coisa: que todas as futuras Berenices já estão presentes neste instante, contidas uma dentro da outra, apertadas espremidas inseparáveis. ” Há cidades dentro das cidades, há lugares nos lugares e há lentidão na pressa e pressa na lentidão , para HISSA (2015) o que define a pressa e a lentidão nas cidades são os homens lentos e os apressados, ele relaciona os homens lentos a ação de vadiar, que explorada leva ao vaguear, se divertir, “No mundo mercado, desde sempre, a ideia de vadiar está plenamente articulada a ideia de perder tempo e, sobretudo, à perder dinheiro.”. Trago então essa abordagem do perder tempo, do permanecer que leva a ocupar os espaços, há construir relações, a transformar-nos, estabelecer relação de identidade, criar situações lúdicas que criam oportunidades de reapropriar a cidade de uma forma mais coletiva e lenta.

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sobre seu signo Para a semiótica os signos são a única forma de estarmos em relação com o mundo, visto que o nosso pensamento não estabelece relação direta com as coisas. Para Charles Sanders Peirce (1839 – 1914), “Um signo [...] é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. ”. São três elementos envolvidos, o signo em si mesmo, o objeto e o interprete, estes elementos participam de uma ação chamada semiose, que é o processo de atribuição de significados às coisas, com contribuição do interprete e sua capacidade de estabelecer relação com o objeto. Seria uma união entre o que existe de imaginário do signo, o que se entende por cadeira por exemplo, em conjunto com o objeto material e o que o interprete carrega na mente para promover essa interpretação. Dentro do local de estudo consigo perceber uma relação diferente entre o sentar do canteiro central, onde encontramos bancos fixos dispostos de uma maneira linear e equidistantes, alguns na sombra, outros na maior parte do tempo no sol, neste local consigo observar pessoas que estão sentadas ao encontro de outras (as pessoas se conhecem, se cumprimentam, principalmente na parte onde o canteiro central cruza com a Av. Anhanguera) estão esperando alguém, passando o tempo, comendo, fazendo crochê, observando. Já nas calçadas das quadras da avenida consigo perceber que as pessoas que estão sentadas em bancos “improvisados” por eles, remetem a questão de necessidade (uma tática dos praticantes da cidade), sobrevivência já que muitos estão ali na calçada vendendo algo ou algum serviço, porém também percebo pessoas sentadas aparentemente esperando algo ou descaçando. Essa reflexão sobre o tomar assento, afixar-se, é um recorte diante a escala da cidade e da arquitetura, “[...] o projeto de um grande edifício e o de uma simples cadeira diferencia-se apenas nas proporções, não no princípio” como afirmou Gropius . Entender então que a arquitetura abrange tanto a concepção do edifício quanto o design de um mobiliário, é entender também que os objetos se complementam. Conclui que o olhar do arquiteto atinge o objeto e o ‘’não-objeto’’, é uma tarefa de ser objetivo e de abstrair. No nosso cotidiano estamos em contato constante com signos, E eles aparecem de forma natural e imperceptível. Se associamos a imagem do objeto com um signo nós logo utilizamos daquela materialidade de forma inconsciente. O que nos faz sentar em um banco quando encontramos um?

Figura 15: Os suportes para o sentar Fotografia e intervenção: Ana Flávia Marú, 2016 20


sobre a impossibilidade Arquitetura hostil, inibe o ato de permanecer, através das andanças além de ver as táticas utilizadas pelos praticantes para sentar onde não foi pensado, observo também o que chamo de arquitetura para “não-pessoas” que são muretas de edifícios que poderiam abrigar o permanecer, é utilizada uma estratégia de evitar que utilizem o espaço com estruturas pontiagudas metálicas (Figura 16 e Figura 17) ou em alguns casos até pedra ou estruturas fragmentadas que causam um desconforto ao sentar.

Figura 16 e 17: Lugares impossibilitados - Calçada Avenida Goiás Foto: Ana Flávia Marú, 2016

reposicionando os experimentos Na primeira entrega do trabalho (pré-banca Seminário de Projeto) apresento algumas possibilidades de experimentações urbanas, afim de dar suporte ao ato de permanecer e observar como que os praticantes iriam lidar com esta intervenção, porém, após contato com alguns trabalhos e reflexões que mostram outras formas de observar e de experimentar o espaço, além de haver um receio de inibir ou obter respostas precipitadas dos praticantes da cidade retomo minha pesquisa com uma nova proposta. Acabo repensando e direcionando meu corpo pesquisador a outras experiências, estas que surgiram de forma pouco planejada de acordo com as oportunidades que fui enxegando após alguns exercícios.

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EXPERIMENTO #1 - O SENTêUR Após a leitura do artigo “Deriva parada” de Janaína Bechler da revista ReDObRa, me instigo a experimentar o mesmo exercício que ela propõe em seu texto. Chamo este exercício de sentêur1, me coloco sentada em lugares já analisados durante o desenvolvimento do trabalho, só que agora, não só como observadora, mas como um corpo participante. Pratico o sentêur na mureta do Banco Itaú na calçada da Avenida Goiás. O mesmo lugar onde inicio minhas andanças eu paro para observar, só que agora não mais no canteiro central, olhando de fora. Estou dentro do espaço observado. Tento me colocar ao máximo imperceptível, dessa vez não levo nada para desenho, tenho em minha bolsa uma câmera que evito usa-lá para não inibir a ação das pessoas ao meu redor. Chego ao local, sento na mureta, contemplada pela sombra da árvore, haviam duas mulheres utilizando a mesma, mas além deste suporte, elas tinham bancos de madeira. Observo a calçada, este espaço indefinido, limiar, “onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade’’, CERTEAU (1980), as pessoas passam, esperam, 1 Sentêur - termo criado para referir ao ato de permanecer/sentar no espaço urbano, uma analogia ao flâneur de Baudelaire (1988).

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algumas cumprimentam essas mulheres que pareciam vender crédito para alguma instituição bancaria. Olho para o relógio para marcar o tempo que eu ficaria ali. Começo a desacelerar, mesmo em prática deste exercício estive inúmeras vezes em outros pensamentos que fugiam daquele espaço, e em outros casos, pensamentos que me inseriam novamente nesta calçada. Observo um homem, sentado em uma cadeira de plástico na calçada, ele estava bem próximo ao meio-fio, na cadeira haviam vários tapetes e ele estava sentado sob eles. A cadeira em frente a um poste de energia, logo, percebi que ele estava utilizando da sombra que o poste fazia na calçada, para se proteger do sol. O tempo foi passando, e continuei a observa-lo, foi chegando algumas motos e estacionando na rua, cada moto que chegava, ele levantava e colocava sob o assento dela, um tapete. Percebo que ele estava ali vigiando as motos e oferecendo um serviço, protegendo elas com um tapete. Após um tempo um carro tenta estacionar logo à frente das motos, e no meio da baliza, ele esbarra em uma moto (dessas com um tapete em cima), então o homem do tapete (vou me referir ao homem que vigia as motos) se levanta para ver o que aconteceu. O passageiro do carro sai para também entender o que havia acontecido, eles conversam, levantam a moto, esperam um pouco, trocam telefones, e o homem do carro vai embora, logo chega o dono da moto, o homem do tapete explica o que aconteceu, o dono tenta contato por telefone com o homem do carro, meu telefone desperta, preciso ir embora.

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EXPERIMENTO #2 - convite ao sentêur Este segundo experimento é na verdade um compilado de exercícios que surgem como um projeto final de uma disciplina de núcleo livre oferecida pelo curso de Artes Visuais, chamada Poéticas do desenho. Cada aluno deveria desenvolver um projeto com o objetivo de refletir sobre sua produção artística autoral, utilizamos mapas mentais para entender nossa produção e os diversos caminhos, eixos, áreas que ela percorria e tocava. Durante o processo percebi minha necessidade de transitar e vincular meus processos artísticos com o curso de arquitetura, com bases no meu trabalho de conclusão de curso desenvolvo então meu projeto final. O trabalho se resume em um convite ao sentêur que faço para o expectador1 e para que este convite aconteça desenvolvo quatro exercícios, a criação de cartografias sobre espaços comuns2 e sobre o sentêur, criação de fotocolagens através dos registros feitos na Av. Goiás fundido com algumas pinturas em aquarelas, elaboração de lambe-lambe3 como uma forma de intervenção no espaço urbano e por fim elaboração de um mapa psicogeografico4 com a localização dos lambes e poemas urbanos desenvolvidos de forma lúdica para compor o mapa. Este trabalho foi exposto durante uma semana, em formato de revista e mapa na exposição Desígnio na Faculdade de Artes Visuais da UFG. 1 - Um expectador que através do convite se torna participante e praticante da obra. 2 - Seriam espaços além da categorização entre público e privado, mas um espaço coletivo, de encontro, trocas. 3 - Intervenção com cartazes com conteúdo artístico e/ou crítico colocado em espaços públicos. 4 - Referência do movimento Internacional Situacionista, um mapa que convida a perder-se.

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CARTOGRAFIA URBANA: ESPAÇOS COMUNS O exercício de cartografia urbana aparece de forma espontânea no decorrer do trabalho, havia uma necessidade de pensar em palavras-chaves que surgiam com frequência nos textos, falas, relatos, e entender os vínculos que estas poderiam ter com outras e viriam fomentar meu processo e abrir novos caminhos para o desenvolvimento. As palavras escolhidas se relacionam com o que chamo de espaço comum, que são espaços que estão relacionados a cidade coletiva, da troca, do encontro. A primeira foi espaço público, que leva a questionamentos sobre como que ele acontece hoje nas cidades, o vazio, o abandono, a crise deste espaço de fato acontece? Existe um descaso do poder público com essas áreas e um processo de privatização e espetacularização1, logo, a problemática e os questionamentos que surgem vai além dessas palavras e do senso comum. A segunda é Goiânia centro, quando escolho essas palavras já surgem inúmeras cenas do centro da cidade, e como que este exercício fortaleceu os motivos da minha escolha do local para estudo e para exenrgar atraves das palavras outros tantos potenciais que existem no espaço. A última é sentêur, palavra que crio para referir ao permanecer/ sentar no espaço urbano, outras palavras se relacionaram de imediato e instigaram meu olhar para desenvolver os desdobramentos deste ato.

1 Guy Debord (1997) - A sociedade do espetáculo

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fotocolagem: potencialidade existente As colagens aparecem como uma ferramenta para confrontar e realçar peculiaridades encontradas nas andanças, foram de suma importância para visualizar a potencialidade já presente no espaço urbano analisado, o sentar. Para este trabalho utilizo as imagens capturadas sobrepostas a imagens aéreas do setor central unida a aquarelas que remetem a imagem de espacialidade, de tempo, céu, espaço. Sobreponho também alguns pensamentos que tomaram corpo durante o processo do trabalho.

LAMBE - LAMBE: INTERVIR Após uma apresentação prévia do que seria meu trabalho final para essa disciplina, surge a ideia de desenvolver lambes e intervir com eles no espaço apreendido e depois criar um mapa onde a pessoa que entrasse em contato com o trabalho exposto pudesse ir até o local e praticar o sentêur e reconhecer os lambes em alguns pontos. Porém, o lambe-lambe é uma intervenção artistica efêmera, (já que ela está inserida no espaço público e sugeita a outras interferências) então ele se torna apenas um chamariz para o expectador que poderá ir até o local e não encontrar mais a intervenção, isso também faz parte da experiência.

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Figura 18: Experimento - Lambe-lambe - Grande Hotel - Avenida Goiรกs Foto: Rodolpho Teixeira, 2016

Figura 19: Experimento - Lambe-lambe - Avenida Goiรกs Foto: Rodolpho Teixeira, 2016

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convite: praticar o espaço

O mapa vem como um convite para o sentêur, porém a intenção do mapa não é ser um guia onde vc vai olhar ele de cima e vai reconhecer o exato ponto onde aconteceu a intervenção, ele funciona como um mapa psicogeográfico - discorrer sobre mapa situacionistas - , onde crio um percurso mental com um desenho que não representa o mapa com exatidão, a intenção é o expectador se perder neste espaço e se torna participante da obra poder experimentar parte do que foi praticado durante o desenvolvimento do trabalho, ir até o setor central, na Av. Goiás e caminhar, parar, sentar, sentir, observar, afetar e ser afetado. Para instigar o imaginário e a curiosidade destes participantes, crio textos urbanos, lúdicos que fornecem características do local mas que instiga a imaginação e pode levar a qualquer outro lugar, cena ou situação, é ao mesmo tempo parte de minhas descrições e sensações obtidas no espaço apreendido e parte do que carrego em meu corpo por todos os outros lugares já percorridos, que para quem o lê poder ser levado a outros com a intenção de perder o controle deste espaço físico.

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experimento #3 - suporte para o sentêur Durante os processos de experimentações da metodologia, surge uma idéia de construir um mobiliário urbano, não como uma resposta a uma problemática, mas como um suporte físico as reflexões e futuras experimentações desta metodologia. Após observações dos mobiliários existentes, como que as pessoas os utilizam, os suportes diversos que estas criam para poder sentar, como que elas se relacionam umas com as outras, junto com o que trago de critica a relação espaço x tempo, cidade produto, arquitetura mais humana, arte relacional – onde o expectador passa a ser parte da obra – proponho a execução de um mobiliário experimental. A intenção é colocar este mobiliário no espaço analisado, e identifica-lo de alguma forma, ficar por perto e registrar como que será a reação das pessoas. Considerando que tudo pode acontecer nesta experiência, a intenção é não ter o controle sob o que as pessoas vão fazer com ele, como que vão usa-lo ou se é que vão usa-lo. A análise vai além da experiência de execução do objeto, mas como que as pessoas vão se relacionar com ele e com a situação diante delas. O mobiliário possui duas intenções iniciais: a primeira é cria-lo para que ele seja um suporte para o sentêur ; a segunda é que para que o gesto de permanecer aconteça ele terá que ser dependente de outra pessoa, o que isso signific? Que para o mobiliário funcionar a pessoa precisa convidar outra pessoa para sentar-se junto a ela. A referência que utilizo para pensar como que isso pode ser materializado é o princípio de um brinquedo de criança, a gangorra. A gangorra (Figura xx) é uma prancha retangular comprida apoiada no meio por um eixo, onde as crianças sentam em suas extremidades equilibram com o peso e impulsionam com o pé para brincar. Se uma das crianças levanta o brinquedo não funciona. É esta referência que adoto no meu partido inicial. Encontro outras referências influenciam pensar neste mobiliário. O coletivo de arte Opavivará, criam intervenções em espaços públicos da cidade e propõe inversões nos modos de ocupação deste espaço, com o Carrosel Breique (Figura xx) o grupo “convida a refletir sobre a necessidade de fazer uma pausa no automatismo que o ritmo do dia a dia incute em cada um. O carrossel de cadeiras giratórias desloca o ambiente fechado do escritório para a rua, espaço aberto e coletivo. A ciranda coletiva desautomatiza a função da cadeira normalmente utilizada apenas para o trabalho. O projeto proporciona aos participantes um olhar e um estar lúdico, deslocamento e envolvimento com a cidade.’’

Figura 19: Gangorra - Exposição Parque DiVerSom - CCBB - Brasília Foto: Tiago Rodrigues, 2016

Figura 20: Carossel Breique Foto: Opavivará, 201 29


referĂŞncias para o sentĂŞur

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Concluir significa fechar Chego nesta etapa do trabalho com algumas observações, não chamo de conclusão pois no sentido etimolígico, a palavra conclusão significa fechar, e nesta etapa entendo o quão importante é deixar este estudo aberto. Sobre o Experimento #1, após colocar meu corpo como praticante do sentêur, observo que só quanto ‘‘perco’’ um tempo no local de estudo que consigo apreender e assimilar as formas de apropriação naquele espaço e como que as histórias e trocas acontecem. Uma breve imersão traz aos meus olhos situações que por com a passagem eu não teria contato. No Experimento #2 após a intervenção com os lambes, retomo ao local de estudo para capturar atraves de vídeos, como que as pessoas estariam reagindo à eles. Tenho uma surpresa, entre seis lambes que foram colados, apenas dois estavam intactos, os outros foram arrancados. Não esperava que esta intervenção ficasse por muito tempo, mas o fato de terem sido tirados dali tão rapidamente me instigou, me fez pensar em vários motivos que alguém teve para tira-los, por estar em uma fachada de um edificio privado, por estar expondo de alguma forma os praticantes do espaço, já que a imagem que utilizo é justamente deles. São inumeras possibilidades de resposta. Recebo um dia depois da intervenção uma noticia sobre uma das mulheres que utilizo como figura para o lambe, um amigo foi até o centro tirar fotos para um trabalho e esta mulher com um tom de entusiasmo na voz, chega até ele para perguntar se ele sabia o que era aquilo na parede, e que aquela pessoa lá, era ela, meu amigo tenta explicar que se trata de um trabalho da faculdade de Arquitetura e Urbanimos, em que eu observo como as pessoas utilizam o espaço urbano, a mulher parece curiosa e tenta entender o porque que no lugar do “compra-se ouro” está escrito “desvende-se o tempo”, meu amigo tenta explicar que é uma critica aos moldes de produção relacionado com o tempo-produto, imagino que não tenha ficado tão claro para ela e isso me faz pensar em formas de entrar em contato com esses praticantes e mostrar o pontencial que tenho estudado sobre suas práticas e no ato permanecer deles no espaço urbano. É algo ainda a ser refletido mas enxergo uma necessidade que este contato aconteça. A proposta do Experimento #3 servirá de base para muitas outras análises e reflexões ainda no contexto do trabalho proposto. O próximo passo é desenvolver este mobiliário e colocá-lo como meu corpo esteve inúmeras vezes no espaço apreendido e deixar que os praticantes depositem, afetem e sejam afetados por este objeto que poderá carregar em si mais do que sua própria materialidade e um pouco de cada som, contato, histórias e tempo que passa por ele. A proposta é registrar através de vídeos, fotos e áudio este experimento e confronta-los com relatos e narrativas que tentarei obter dos praticantes da cidade.

OBS: No final do caderno encontra-se um CD, onde está registrado alguns vídeos que desenvolvo durante as idas no espaço urbano analisado. 31


referências Livros BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo, Paz e Terra, 1996 BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Em: A modernidade de Baudelaire. Tradução de Suely Cassal. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988: 160. BENJAMIN, Walter. Sobre Alguns Temas em Baudelaire. São Paulo, Editora Brasiliense, 1989. P. 103-149 CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CAMPBELL, Brígida. Arte para uma cidade sensível - São Paulo, Invisíveis Produções, 2015. CAMPBELL, Brígida. Exercício para a liberdade. São Paulo, Invisíveis Produções, 2015. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. Prefácio de Paola Berenstein Jacques. São Paulo: Editora G. Gili, 2013. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Trad. Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 1994. Goiânia art déco: acervo arquitetônico e urbanístico – dossiê de tombamento. Goiânia: Instituto Casa Brasil de Cultura, 2010. HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014. RAGO, Margareth. Inventar outros espaços, criar subjetividades libertátias. Coordenadores José Paulo Gouvêa, Fábio Valentim, Anderson Freitas. – São Paulo: ECidade, 2015. RIBEIRO, Cláudia Regina Vial. A dimensão simbólica da arquitetura: parâmetros intangíveis do espaço concreto. Belo Horizonte: FUMEC – FACE, C/ Arte, 2003. Teses, dissertações, trabalhos CRAVEIRO, Camila Caires. Cor(poro)cidades: experimentando (re)existências. Niteroi, 2014. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal Fluminense. FONTENELLE, Romullo Baratto. Cidades imateriais: o espaço enquanto fazer. Florianópolis, 2013. Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Santa Catarina. LOPES, Jana Miranda Mendes. O Transbordar da Rua: apropriação dos espaços públicos pelos moradores de rua. Salvador, 2010. Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal da Bahia. MILHOMEM, Marília Pereira. Cidade em quadros: Setor Central, onde tudo começou. Goiânia, 2011-2012. Pesquisa iniciação científica. Universidade Federal de Goiás. Artigos ALMEIDA, Lutero Proscholdt. Dobras Deleuzianas, Desdobramentos de Lina Bo Bardi: considerações sobre o ‘’desejo’’ e o ‘’papel do arquiteto’’ no espaço projetado. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/13.146/4422. Acesso: Maio 2016. JACQUES, Paola Berenstein. Breve histórico da Internacional Situacionista – IS. Disponível em: http://www. vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.035/696. Acesso: Julho 2016.

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