Porta-retrato

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Porta-Retrato

janela retrato porta janela espelho

Ana Hupe 2012




- Nomes -N - No -> A - Nom -> M - Nome -> B -> L - Nomes - Vizinhanรงa -> caminhar a esmo pela rua. - AM - <3 ---


“- A senhora é música?”


Da inspiradora casa de C L, R

E o que ainda se coloca no porta-retrato?


Recife, Pernambuco


CL Setembro, 2010. Recife, Pernambuco.


A ideia de conhecer mais as pessoas que eu esbarrava pela cidade do Rio de Janeiro entrando no universo doméstico de cada uma talvez tenha surgido com a visita à casa de C L. Adorei arrumar uma moldura dourada para a foto sépia com seu retrato. Foi bem por acaso, na frente do laboratório de fotografia, no shopping-chão. Segui com a desculpa de encontrar outros portas-retratos para passar a tarde papeando em lugares diferentes. Era um janeiro de verão ocioso.




MM 20 de janeiro de 2011. Botafogo, Rio de Janeiro.


Como Nietzsche, tenhamos a coragem de estar em arte.


M M trocou a parede verde por tudo branco. Tirou as fotos do mural, porque os gatos gostavam de puxรก-las. Sobrou um porta-retrato de estrela com uma foto dela e mais cinco pessoas num encontro de astrologia.


MN 21 de janeiro de 2011 Laranjeiras, Rio de Janeiro.



Dia 20 foi dia de São Sebastião do Rio de Janeiro, padroeiro da cidade. Feriado. Eu e M havíamos marcado às 11h nosso encontro. Às 5 da manhã, recebo um email pedindo a visita para mais tarde um pouco.

Encontramos às 3 da tarde, as duas de ressaca. M não tinha foto nenhuma em portaretrato, mas um desenho em moldura. Conversamos sobre o ateliê de 1 metro quadrado que ela vai inaugurar amanhã. E sobre a inconveniência sometimes de receber em casa desconhecidos.


CV Janeiro de 2011. Botafogo, Rio de Janeiro.


À noite, reunião do na CV. Não tem nenhuma profundidade que eu precise potencializar com ela, mas não resisti e fiz fotos dos retratos antigos. Ela coleciona imagens de desconhecidos que vestem anáguas por baixo do sorriso.



Na hora de pagar a conta do almoço, olhei para os dois caixas e me deu uma vontade de visitar a casa deles. Visita a F S, câmera de TV, em algumas horas. -> J M OK -> I R -> J e baby -> C -> C -> F N


FS 23 de janeiro de 2011. Botafogo, Rio de Janeiro.


-FS -JM - S P (!) - segunda 15h na piscina de Felipe -> B L Já é fim de domingo. Vou pegar a coisa toda em retrospecto. Fim de semana intenso de verão. Sexta passei o dia ansiosa na espera pela hora da visita ao F S. Fui de bicicleta e parei em frente ao prédio, rua sem saída. Coincidentemente, filmei um curta há mais de cinco anos em seu apartamento. Curioso subir os três andares de escada de novo. Cerveja gelada de garrafa e o sol do fim do dia lascando pela janela. F tirou um porta retrato da gaveta para me mostrar - disse que mesmo naquela idade já era ele ali naquela foto (em essência - tentou me explicar) (devia ter uns 2 anos). Saímos juntos de bike para ir à praia depois que o sol baixou, finalmente.



JM Janeiro de 2011. Lagoa, Rio de Janeiro.




BL na casa de L M Janeiro de 2011. Laranjeiras, Rio de Janeiro.


Casa de B L para experimentar roupas para uma performance. Chegamos a um pr茅dio antigo em Laranjeiras, num dep贸sito de roupas, guardas-chuva, broches, presilhas, 贸culos. Chap茅us de todos os tipos, vestidos, meias, ai!


L é com Z. Trapos são como fios de ouro e não é maravilhoso? Bebi água na xícara de café Conversei com uma figura que disse que não sabe o que é, que faz bico por aí e além disso, não consegue fazer mais nada.





Volto para buscar a bicicleta e

está na

porta de um manicômio. Dez maluquinhos me olham com ponto de interrogação.


FRM 25 de janeiro de 2011. Humaitรก, Rio de Janeiro.


Segunda. Sol. Muito. Passo na casa da F, minha vizinha que eu nunca havia visitado antes. A rua é bucólica, tem criança brincando de velocípede e pinheiro, sem grade. Primeiro andar, comunicação pela janela. Está com pressa, perdeu a bolsa na banda e precisa refazer os documentos.

Guarda dois porta-retratos escondidos na gaveta.


[São amores de outrora que ainda têm leveza na memória.]


CG 25 de janeiro de 2011. Gรกvea, Rio de Janeiro.


Estava aflita pela praia no fim de tarde. Fui acompanhar o mergulho. Contei sobre fazer um jantar para todas as pessoas visitadas. Descobri que ela fez alguns trabalhinhos de espelho.


CR 26 de janeiro de 2011. Copacabana, Rio de Janeiro.


Grรกvida de nove meses, arrumando as coisas para ir ao hospital. Era o primeiro apartamento onde morei depois de sair de casa. A primeira foto dela com o marido fui eu quem fiz, estava lรก num porta-retrato.


FC 27 de janeiro de 2011. Guaratiba, Rio de Janeiro.



JW 01 de fevereiro de 2011. Leblon, Rio de Janeiro.



Cheiro de bife. Quepe branco. Uma espécie de vida que deu certo, mas que ficou pra trás na infância. Avental e babados. Sapatos, bolsas, questões e uma cama de solteiro. Livro de muitas páginas não publicado. Um grande plano secreto que vai varrer a humanidade de purpurina. Trailer de Hollywood. E aconteceu que me foi pedido que visitasse uma pessoa que não conhecia. Esforcei-me, escrevi, recebi resposta e irei depois de amanhã lá - não sem medo de me apaixonar.


AF 1ยบ de fevereiro de 2011. Humaitรก, Rio de Janeiro.



Eu e AF nos encontramos na rua outro dia e marcamos um café, por sermos vizinhas. Nunca aconteceu. A anda de meia calça de onça e lança comentários polêmicos nos classificados. Jorramos nossas autobiografias. Rimos das nossas desgraças como duas contentes um tom acima. Café, cigarros e um baseado só dela. Costuma se apaixonar pelas coisas. Coa café à minha moda. Contou que faz o mesmo prato de jantar para todos os caras: penne à primavera: muzzarela de búfala, manjericão e tomate cereja.


VF 01 de fevereiro de 2011. Horto, Rio de Janeiro.


Conheceu um alemĂŁo e hĂĄ dois meses tentava me contar do caso. Mora com o filho de sete anos. Muitas fotos dele bebĂŞ.


JM 02 de fevereiro de 2011. Lagoa, Rio de Janeiro.



Jรก conhecia a casa. Portas-retratos gigantes e antigos. Tudo muito bem no lugar confortรกvel que a idade permite e deseja. Tem um amigo que eu gostaria de apresentรก-lo.


JD 03 de fevereiro de 2011. Gรกvea, Rio de Janeiro.


Parede de azulejo branca ao fundo. Quarto um caos tracey emingmático. Os bandeirantes, José de Alencar, a Guerra do Paraguai e o que é mesmo esse Brasil onde há também os potiguás para sorte de sua avó que acabou por adorar seu namorado novo, que se acostuma junto com ela com a ideia de que vai ser pai. Parece arte por pura necessidade. A ideia é linda, o processo, um saco, difícil, maior trabalho.O resultado, gozo. Ela acha que viveria bem sem arte, sem fazer música, sem encontrar uma fórmula inteligente para falar de amor. Só que nunca viveu sem.




MS 10 de fevereiro de 2011. S達o Conrado, Rio de Janeiro.


Sábado à tarde, muito calor para variar. Rio de Janeiro em pleno derretimento. Vestido de linho branco que me lembra tanto o tempo colônia. Visita aos homens para o projeto, senão no jantar só haverá mulheres. Esta era minha primeira visita de encomenda. Expliquei para ele que a única maneira de colocá-los - os dois - em contato era no fortuito jantar.

- - - - Cupid art, já ouviu falar? - - - -


MS já morou por mais de ano na cidade mais pobre do Brasil (Guamiras?). É poeta e fuma o mesmo tabaco que eu. Bebe campari. Eu, cerveja. Falei um pouco de outros homens para deixar logo claro meu nãointeresse. Ele queria muito saber quem me fez chegar até ali, falei, lógico, sabia que não me aguentaria por tanto tempo. Por fim MS me acompanhou à abertura de uma exposição.


NL 11 de fevereiro de 2011. Jardim Bot창nico, Rio de Janeiro.


Carrega nome de nobreza e voltava da primeira aula de pilates. Eu de biquíni pronta para dar um mergulho à noite (acho que todas as visitas precedem ou sucedem água). Eram sete e trinta. Conversamos o tempo de três cigarros cada um, na varanda. Suava depois de subir a ladeira pedalando. Falei das ideias de possíveis amores, gosto dele como confidente, ouve bem. Ele contou os dias para o carnaval que se aproximava.



FF 11 de fevereiro de 2011. Copacabana, Rio de Janeiro.



Trabalha, faz pós-graduação, chega em casa quase meia-noite e sai às seis e meia. Do tipo que deve sono, como todos nós. Homem ciborgue. Mora com a mãe. Pergunto como ele faz quando quer transar com alguém, é sempre o que me vem à cabeça quando alguém me diz que mora com os pais. Ganhou um prêmio de 10 mil reais por uma fotografia e bebeu com os amigos por quatro dias seguidos. Mostrou um ensaio no Himalaia e no Nepal. Normalmente eu me apaixonaria.


As imagens legítimas são as fotografias – as imagens afetivas, que as pessoas penduram na parede ou colocam em porta-retratos. Às vezes nós as usamos como arte, e aí, então, elas podem perfeitamente ser ilegítimas. [...] e quando depois eu pintar mais um retrato do Onkel Rudi (1965), o capitãozinho, estarei na verdade diluindo; a verdadeira obra de arte é feita por aquelas duas ou três pessoas que colocam Rudi num porta-retrato na mesa lateral ou emoldurado na parede. O único sentido em que não estou diluindo a coisa é que, ao pintá-la, estou conferindo a ela mais universalidade. (Gerhard Richter em entrevista a Hans Ulrich Obrist)

OBRIST, Hans Ulrich, 1968 – Entrevistas: v. 1, Rio de Janeiro, Cobogó; Belo Horizonte, MG, Ihnotim, 2009. P. 137, 138.


FR 12 de fevereiro de 2011. Humaitรก, Rio de Janeiro.


Canudos de plĂĄstico coloridos, minisurubinhas. Sua mĂŁe apareceu trazendo 03 portas-retratos e histĂłrias de detetive.



ACS 14 de fevereiro de 2011. Botafogo, Rio de Janeiro.


Rede como cama. Volta ao mundo de bicicleta por um ano. Apartamento no prédio mais temido da minha adolescência na praia de Botafogo. Há rumores de que ali havia uma oficina de motos no 13º andar. O porteiro me pediu a identidade e anotou numa planilha o apartamento aonde eu me encaminhava. Apontou uma placa em bronze que indicava pelos dois algarismos finais a que bloco eu deveria me dirigir. Um homem suado, dois olhos azuis, um sorriso e o caos de background. Muita terra, não tinha onde sentar. Pedreiro de sua própria obra, dorme e acorda ali. Almoça no restaurante orgânico depois das três da tarde, metade do preço.



O jantar Julho 2011. Humaitรก, Rio de Janeiro.






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