Natal: cidade-colagem - Relato experiencial de uma oficina sobre um mapa gigante da cidade

Page 1

ANA LUIZA SILV A FREIRE

NATAL: CIDADE-COLAGEM Relato de experiência

Trabalho referente à avaliação da disciplina Teoria da Arquitetura PPGAU - UFRN Docentes: George Dantas e José Clewton do Nascimento Natal, julho de 2016.



P R E A M B U L O No primeiro semestre de 2015, ao tentar entender de que maneira seria possível delinear uma apreensão menos técnica - mesmo que a partir de uma visão da arquitetura e urbanismo - sobre as transformações urbanas ocorridas em Natal na última década, me deparei com o texto Junkspace, de Rem Koolhaas. Esse texto, bastante caótico e contraditório em sua forma e conteúdo, me possibilitou entender as transformações espaciais da cidade dentro de uma visão abrangente sobre processos globais e nacionais, poíticos e econômicos; Além disso, proporcionou colocar em evidência questões relativas à produção espacial enquanto mecanismo de manutenção dos poderes hegemônicos da sociedade. Em 2016, já integrando o corpo discente do PPGAU-UFRN, iniciei junto ao professor José Clewton, ao artista e educador Maurício Camargo e a mestranda Bárbara Rocha, um grupo de pesquisa que tem a Natal atual como campo experimental de atividades que vinculem teoria e prática sobre a RUA como expaço da vitalidade urbana. Foi através desse grupo que, estando em contato com Maurício Camargo, também idealizador do projeto “De fora adentro: cartografia dos sentidos”, conheci seu mapa gigante da cidade de Natal - um mapa na escala de 1:2500, extendido no chão de uma das salas de exposição da Capitania das Artes.

Na página ao lado: Fotomontagens com imagens de espaços construídos recentemente Fonte: Ana Luiza Freire (2015-2016)

Em uma das reuniões do grupo, realizada sobre o mapa, surgiu a ideia de desenvolvermos oficinas relacionadas às questões urbanas que temos interesse enquanto grupo de estudo, tendo o mapa como aparato de reconhecimento e discussão de tais questões. Assim, a partir da observação que a grande maioria das construções categorizadas por mim como Junkspace não estavam no mapa - ou seja, não haviam sido construídas dez anos atrás - surgiu a ideia de, a partir da identificação dessas áreas, discutir sobre a Natal que está se construindo e que outros caminhos essa produção espacial poderia tomar. Aqui, opto por investigar o procedimento da autoentrevista como ferramenta de compreensão da natureza das inquietações que moveram a oficina, e do relato experencial como meio de narração de como essa aconteceu.


PLANEJAMENTO GERAL Título: Natal: cidade-colagem Número de participantes: 20 pessoas Público alvo interno: discentes do PPGAU-UFRN Público alvo externo: Comunidade em geral Resumo: Atividade lúdico-didática relacionada à percepção sobre a cidade de Natal a ser realizada sobre o mapa gigante elaborado pelo educador e artista Mauricio Camargo. Objetiva-se refletir sobre as modificações espaciais ocorridas em Natal e suas regiões limítrofes de 2006 em diante, época posterior à concepção do mapa gigante. Para isto, serão realizadas colagens (removíveis) sobre o mapa com imagens de espaços atuais da cidade. Além disso, deverá ser realizada uma atividade sobre a imagem e o imaginário da cidade que está sendo construída/destruída, a partir da exposição de folhetos publicitários de empreendimentos imobiliários e de fotografias do urbano, a fim de construir uma crítica acerca da produção espacial de Natal e a refletir sobre que cidade gostaríamos de viver - o produto dessa atividade deverá resultar em um material gráfico construído coletivamente a partir da discussão apreendida pelos participantes. Por fim, propõe-se um debate sobre as atividades realizadas que embasará a elaboração de outros produtos com finalidade pedagógica. Programação: A programação se divide em seis etapas básicas: Reconhecimento do mapa Breve introdução sobre o que é Junkspace e sua relação com Natal; Sensibilização sobre a atividade: debate sobre os objetivos e procedimentos adotados para a percepção da paisagem a partir do mapa gigante Colagem coletiva - atualização do mapa Brainstorming - Ideias sobre a cidade atual e sobre a cidade desejada pelos participantes Colagem coletiva - Recriação da cidade: o que poderia existir no lugar desse junkspace? Como eu gostaria que fosse a minha cidade? Roda de discussão sobre as atividades realizadas com vistas à produção posterior de um produto para fins pedagógicos Material necessário: Imagens referência; Imagens atualizadas do mapa, de algumas produções espaciais recentes; Panfletos de Junkspace; Lápis, canetas coloridas, tintas; Papeis variados, papel fosco; Caixas de papelão; Tesoura e pincéis; Fitas adesivas; Linhas, nylon; Revistas, imagens diversas, souvenirs; Impressora; Cartucho; Projetor. Objetivos gerais: Refletir sobre a Natal contemporânea - como a cidade está se construindo e quais as forças que ordenam e influenciam esse crescimento. Investigar a realidade a partir da produção espacial que se dá na cidade e também os significados das representações dessa produção, e incentivar a imaginação sobre quais outras maneiras Natal poderia se desenvolver. Resultados esperados: Espera-se que as dinâmicas possam suscitar reflexões transdisciplinares ao urbanismo, contemporâneas à discussões atuais da disciplina, e sobre a percepção da produção espacial mais recente de Natal e região metropolitana, a partir do trânsito entre realidade, imagens e mapa. Além disso, a oficina resultará em um produto gráfico criado coletivamente pelos participantes, o qual faz parte do diálogo coma exposição De Fora a Dentro (acontecendo atualmente na Capitania das Artes). Ademais, será desenvolvido um artigo acadêmico sobre a oficina e a reflexão crítica sobre Natal desenvolvida durante a atividade.


Na página ao lado: Programação da oficina (2016)


relato

Descolonizar o sonho Na quinta-feira dia 16/06/2016, às 9h, encontrei a turma convidada a participar da oficina na Capitania das Artes. Essa turma constituia-se dos alunos da disciplina Teoria da Arquitetura, e também de outras pessoas interessadas no assunto, como um mestrando em design, uma arquiteta, alguns dos funcionários e artistas que frequentam a Capitania, além dos integrantes do grupo de pesquisa Encontros de Rua. Conforme pedido em um email enviado aos participantes anteriormente, cada um deles chegou à Capitania levando consigo elementos que simbolizasse de alguma forma a relação deles com Natal.

Eu, enquanto proponente da oficina, moderadora e também participante, cheguei ao local com os diversos materiais pensados para a possível utilização durante a atividade: 20 imagens em escala de áreas modificadas na última década na cidade e categorizadas como Junkspace; caixas de papelão, linhas e fitas adesivas diversas, revistas, arames, papéis variados e apetrechos como plantas artificiais. Além disso, também contei com um projetor e computador levados pelo professor Clewton para auxiliar na discussão de ideias importantes à oficina. Iniciamos a atividade conforme planejado previamente: os participantes deixaram seus sapatos no local adequado, e adentraram o mapa gigante. Após um breve reconhecimento, nos reunimos em roda sobre o mapa, e Clewton explicou do que se trata nosso grupo de pesquisa, e a relação dos assuntos debatidos no grupo com a oficina que se iniciava e o fechamento da disciplina Teoria da Arquitetura. Maurício, por sua vez, falou um pouco sobre seu projeto do mapa, desde a primeira exposição - na SBPC ocorrida em 2010 - e em diversos projetos que se desdobraram desde então, tendo o mapa como ferramenta de apreensão da cidade.

Local para deixar os sapatos antes de adentrar o mapa Foto por Bárbara rocha


Imagem do email enviado previamente aos participantes da oficina

Discussão inicial Foto por Maurício Panella

Depois, iniciei minha fala sobre o mote desenvolvedor da atividade - a ausência dos Junkspaces, categorizados até aquele momento, no mapa gigante. Expliquei que, a partir dessa percepção, poderíamos desenvolver uma apreensão sobre transformações espaciais recentes da cidade, sob a perspectiva aérea que o mapa nos proporciona, e sob sua escala e materialidade, as quais proporcionam uma visão bem mais expandida e total da cidade do que a tela de um computador.

Adiante, os participantes foram apresentados às imagens dos espaços atuais, com os Junkspaces, convidados a procurar no mapa onde se localizam cada um deles, e a sobrepor cada imagem atual em sua respectiva localização. Rapidamente essa tarefa foi cumprida, entre observações já espantadas sobre a percepção da tipologia dos edifícios, geralmente bem mais verticalizados e com implantações que se destacam diante do tecido urbano menos atual da cidade.


autoentrevista

Descolonizar o sonho 1)Porque o título da oficina é Natal:Cidade-colagem? Esse título foi escolhido devido a minha inclinação de trabalhar com a linguagem da colagem e o entendimento que tenho que essa linguagem possibilita explorar ideias e imaginários mais livremente, sem o prendimento de que o produto final assuma uma forma de um objeto real. Facilita, no meu entendimento, explorar ideias, significados e processos reflexivos e expressá-los em uma forma representativa visível aos outros. Ademais, o título relaciona-se com o texto de 1978 de Colin Rowe e Fred Koetter, “Cidade-colagem”, o qual, segundo Kate Nesbitt (2006), defende a necessidade de evitar modelos coercitivos e totalizantes sobre o estudo da cidade e a elaboração de propostas para novas estratégias de desenho urbano. É chamado “Cidade-colagem” por abarcar a heterogeneidade das cidades enquanto premissa de crítica e elaboração de projetos, em contraponto a

homogeneidade utópica do projeto modernista. Para Ellin (1999), Rowe enfatizou que “o projeto da cidade é mais parecido com uma colagem do que com um desenho e encorajou os designers a usarem todos os elementos disponíveis, incluindo o tecido urbano existente. Ele aplicou a metáfora da colagem para sugerir que os diversos elementos da cidade devessem ser entrelaçados em um todo coeso”. Além disso, a oficina surgiu a partir da motivação de sobrepor imagens mais atuais de Natal sobre o mapa gigante, que é de 2006 - uma espécie de colagem. Esse conceito perpassou toda experiência, pois foi apresentado aos participantes como ferramenta de de criatividade e reflexão para o cumprimento da atividade. Associo ainda a colagem a uma das maneiras que visualizo a cidade atualmente: uma sobreposição de interesses, tempos, usos, e inclusive posturas éticas que se expressam no conflito social pelo território e na produção espacial decorrente disso.


Fotos na página ao lado e nesta: Sobreposição das imagens dos Junkspaces sobre mapa gigante. Imagens por Bárbara Rocha (2016)


Então, realizada a primeira etapa da colagem - a sobreposição das imagens da cidade atual sobre o mapa gigante de 2006 - nos reunimos novamente, dessa vez para que eu pudesse mostrar uma visão geral sobre as lógicas que estão por trás dos edifícios categorizados como espaço-lixo. Nesse momento, projetei imagens publicitárias desses espaços, retiradas dos sites das próprias imobiliárias, assim como os textos utilizados para a venda dos empreendimentos; comparei, em slides subsequentes, o discurso publicitário utilizado para a promoção dos Junkspaces com imagens desses edifícios e seus arredores retiradas do Google Street View. Desse modo, foi possível vislumbrar algumas lacunas existentes entre a realidade urbana e o discurso publicitário, evidenciando a relação desses empreendimentos com a cidade entendida como lugar do medo,

2)O que se articula com essa oficina? A oficina articula alguns desdobramentos da pesquisa que desenvolvo para o meu mestrado em História da Cidade e do Urbanismo, bem como alguns temas que permeiam o assunto principal de minha pesquisa e que apontam para possíveis caminhos de reflexão para a construção dela. O desejo de investigar a cidade que vivo e as maneiras que os espaços influenciam a vivência urbana me levou a adentrar em questões que conectam temas da economia e da política e suas consequências sociais - temas determinantes contemporaneamente para a construção de cidades. A lente conceitual do Junkspace traz à tona chaves para o entendimento da produção

da insegurança e do abandono - em contraponto aos condomínios Junkspaces vendidos como o lugar da liberdade e da saúde social. Esse momento fez parte da mediação da oficina para o entendimento acerca do discurso hegemônico que produz esse o desejo por espaços que categorizo como Junkspaces. As imagens do Google Street View, contrapostas às imagens e retórica publicitárias, reforçaram o caráter excludente e de negação dos espaços-lixo em relação à cidade como um todo; ao visualizar os condomínios e seus arredores em comparação ao discurso de venda das construtoras, evidenciou-se a relação da parte (condomínio) com o todo (a cidade). Delineou-se, ainda, as formas e impactos que a expansão imobiliária contemporânea vem assumindo e exercendo em nossa cidade.

espacial de nosso tempo histórico atual que relacionam-se com a publicidade e o marketing urbano, a cultura urbana, o individualismo, o capitalismo na era financeira e menor centralização do poder no Estado. 3)Qual a contribuição da publicidade? A publicidade dos empreendimentos imobiliários formatou uma das etapas da oficina. Utilizei esse recurso para enfatizar, em um contexto de reflexão, o discurso hegemônico que vai além da produção de espaços, pois produz também valores e desejos para a cidade em forma de edifícios, condomínios clube, shopping centers e centros comerciais e de serviços.


Imagens da apresentação utilizada para falar sobre publicidade e images da cidade. Elaboração por Ana Luiza Freire

A apresentação dos textos e imagens publicitárias traz a associação desses empreendimentos com sensações que remetem à ideia-lugar do paraíso, distante e diferente do encontrado fora de seus muros. Quem compra tal empreendimento tem mais do que os que estão fora qualidade de vida, “o melhor ar da cidade”, natureza, bem estar, uma “oportunidade de mudar de vida”. Dessa maneira, a publicidade constrói um imaginário relacionado ao desejo pelo produto que está vendendo; Maquia ainda mais um empreendimento imobiliário que já é a maquiagem de uma cidade e realidade urbanas associadas no mesmo discurso aos sentimentos de abandono, medo e sujeira. Ao contrapor o discurso pubilicitário às imagens do Google Street View, evidenciou-se o impos-

sível descolamento desses edifícios à realidade que pertencem, e suas configurações destoantes dos textos utilizados para vendê-los. A publicidade, portanto, contribui para construir nossos desejos e medos para e sobre o lugar que moramos, servindo à produção de uma cultura que acredita na privatização e na exclusão como solução de problemas urbanos e sociais. 4)Qual o papel da imagem? A imagem relaciona-se ao conceito do Junkspace e à oficina de diversas maneiras. Primeiramente, enquanto representação: Junkspace diz respeito aos espaços produzidos como mercadoria, os quais são ocupados e vivenciados através do consumo territorial ou de bens e serviços.


Após esse outro momento de discussão, apresentei a orientação de continuar trabalhando com a colagem de modo a desenvolver ludicamente outras propostas urbano-espaciais para Natal. Os participantes foram incentivados a pensar sobre a cidade que gostariam de viver, assim como a apresentar suas ideias de uma maneira mais simbólica do que estritamente técnica. A colagem foi incentivada como recurso criativo, por permitir a mistura de linguagens como o desenho, escultura, fotografia, texto, e outros. O objetivo não era propor exatamente um edifício ou estrutura urbana - os participantes até poderiam seguir esse caminho, apesar de que o que realmente interessava eram os conceitos por trás de qualquer proposta de rep-

resentação - mas desenvolver outros conceitos que exacerbassem ou fossem opostos à lógica do tipo de Junkspace trabalhado na oficina.

Grupo A: Clewton (professor), Eu (aluna da disciplina), Maurício Pereira Martins (aluno da disciplina), Ricardo (aluno da disciplina).

Dividimo-nos em três grupos, cada um com três ou quatro participantes; Cada grupo uniu-se para analisar o mapa já pensando em como desenvolver o exercício proposto. Eu, enquanto proponente e mediadora da oficina, fiquei positivamente surpresa com a empolgação dos participantes. Todos estavam motivados, discutindo, curiosos com o mapa e com as discussões que desenvolviam. Os grupos formados foram:

Grupo B: Vinícius Galindo (aluno da disciplina), Marina Régis (arquiteta, aluna especial PPGAU), Márcia Silva de Oliveira (doutoranda PPGAUUFRN), Maurício Panella (antropólogo e artista, integrante do Encontros de Rua).

Apesar de a economia e os poderes hegemônicos influenciarem a produção de arquitetura e de cidades desde tempos antigos, atualmente a produção espacial e imobiliária é em muito determinada pela lógica econômica, aproximando-se em importância à setores tradicionais da economia como a agricultura e a indústria, por exemplo. o Junkspace é espetacularizado1, pois, através do consumo e da privatização, emula vivências da esfera pública em espaços privados, distanciando-se de resoluções reais de questões sócio-espaciais. A imagem enquanto representação relaciona-se ao Junkspace no que diz respeito à ilusão provocada por esse espaço de que ali existe saúde social, de que é possível viver na cidade sem relacionar-se com ela, em uma verdadeira fetichização dos produtos espaciais.

Grupo C: Jesonias (doutorando PPGAU e aluno da disciplina), Vinícius Cortez (designer e artista), Bárbara Rocha (arquiteta, mestranda PPGAU-UFBA), Maria Heloísa Alves (aluna da disciplina).

Segundamente, tem-se que a imagem enquanto material físico serve ao reconhecimento, identificação e catalogação dos Junkspaces. Procura-se, através do registro, captar a Natal que se constrói e destrói atualmente. E, para além do registro como forma de inventariar a expressão do Junkspace em minha cidade, a imagem é uma ferramenta que possui a possibilidade de construir ou desconstruir discursos e imaginários. Logo, procuro registrar os espaços-lixo não apenas para identificação, mas também para tornar visível questões reais desses espaços em relação à cidade, em um movimento contra-panfletário e de desmistificação do discurso publicitário de fetiche sobre tais empreendimentos - conforme ocorreu na oficina, ao justapor imagens desses espaços sobre o mapa gigante.


Processo de elaboração de propostas Fotos por José Clewton do Nascimento e Maurício Panella (2016)

5)Qual o papel da colagem? A colagem aparece na oficina como ferramenta que possibilita o trânsito entre o abstrato - as ideias dos participantes - e a necessária comunicação entre eles, como uma linguagem simbólica e representativa de conceitos, a qual foge das representações mais clássicas e técnicas da arquitetura. Dessa maneira, funciona bem como um código que evidencia processos e ideias abertas do que um produto final, acabado. Acredito que a atuação do arquiteto e urbanista quando enquanto determinador de usos e ocupações espaciais tende a ser falha, e, tentei me afastar de propor aos participantes qualquer solução mais absoluta para as questões discutidas durante a oficina. A colagem e seu caráter

bricoleur facilitou, acredito, que os arquitetos respondessem à atividade de imaginar outras cidades na Natal existente de maneira mais livre e poética do que técnica. 6)Porque incentivar a discussão sobre que outros tipos de espaços poderiam ser produzidos em Natal? Na minha visão, a cidade que moro possui uma cultura de valorizar espaços privatizados e a enxergar a rua e o espaço público como lugar potencial de violência. Conforme me aprofundo nos estudos sobre a produção de cidades contemporâneas, e converso com pessoas que não são da área de estudos urbanos, percebo a diferença do discurso de alguém leigo sobre a cidade relação discurso de quem entende que


Sendo participante de um dos grupos, notei que o grupo de Jesonias, Vinícius Cortez, Bárbara Rocha e Maria Heloísa ficou concentrado fora do mapa, onde havia uma mesa, trabalhando com os diversos materiais disponíveis. O grupo de Vinícius Galindo, Marina Régis e Maurício Panella ganhou mais um componente do decorrer da atividade, a doutoranda Márcia Silva de Oliveira; reuniram-se quase todo o tempo próximo ao Parque das Dunas, local forneceu elementos para a reflexão e proposta de intervenção do grupo. Meu grupo, que também contava com Clewton, Maurício Martins e Ricardo, concentrou-se primeiramente nos arredores do Midway Mall, onde dois

dos integrantes moram. Após narrarmos observações dos locais - eu, por exemplo, moro em frente a um dos acessos do shopping center e convivo com o trânsito e barulho frequente devido à isso, mas também observo a dinâmica de uma espécie de vila que existe vizinho ao shopping e que ainda possui atividades como a de armar uma rede entre árvores, na calçada, mesmo diante do engarrafamento junto à entrada do Midway - seguimos observando o tecido urbano da área, suas conexões, e convergirmos para a região de Nova Descoberta. Conversamos sobre a dificuldade de notar situações menores - a rede armada em frente a um engarrafamento,

a cidade é produzida por agentes interessados em se estabelecer cada vez mais em um lugar de poder na sociedade. Assim, entendo que a construtora que constrói um enorme condomínio clube e o vende como o lugar dos sonhos dos cidadãos, atua de maneira a promover a exclusão social e manter a concentração de renda relacionada à detenção e especulação de territórios. Entendo que os negros e pobres que, nos semáforos, entregam os folders publicitários de empreendimentos imobiliários, são a ponta oposta da linha que tem no topo os produtores dos condomínios e no meio os seus moradores. Enquanto uns mantém ou aumentam seu privilégio, outros tem sua dimensão social cada vez mais diminuída devido ao menor poder aquisitivo que sequer os coloca em uma localização digna em relação à aspectos saudáveis de moradia ou proximidade do trabalho, por exemplo. A produção espacial que categorizo como Junkspace é feita justamente para manter esse privilégio de quem o possui,

o varal extendido em praça pública, as pessoas conversando na calçada - e em como essas situações dizem respeito à vivência urbana e ao tipo de sentimento agradável, não-regulado, que se tem em encontros no espaço público e que é tentado emular em espaços privatizados como condomínios fechados e shopping centers. Observamos que, ao falar de Natal, vislumbramos elementos de maior escala: o Parque da Cidade, a Ponte Newton Navarro, o Arena das Dunas, a Ponte de Igapó, o morro do Careca, o Parque das Dunas, etc. O grande é identificado, mas não o pequeno, o que aproxima esse último de uma sensação de inexistência ou menor validez.

que é também o privilégio de evitar enxergar que as relações sociais e espaciais conectam-se. Os discursos hegemônicos sobre os empreendimentos Junkspace defende-os como um lugar que é um paraíso diante da cidade que é um caos. Incentivar a discussão sobre que outros tipos de espaço poderiam surgir na cidade colabora para construir um outro imaginário sobre a cidade ideal, um imaginário que distingue-se do formatado pela publicidade e marketing urbanos. Dá ainda poder a quem vive na cidade, no sentido de fazê-lo perceber que o lugar que ele mora também é produzido por ele em uma micro-escala. Valida os sonhos de cada um sobre os espaços que gostariam de habitar, percorrer e conviver, ao mesmo tempo que desconstrói e problematiza a cidade vendida pelos empresários do setor imobiliário.


A produção espacial hegemônica, determinada em muito pelos agentes imobiliários, possui um discurso que por um lado relaciona a cidade e seus espaços públicos com a sensação de medo, e por outro, os espaços privados com a sensação da possíbilidade com cumprimento pleno de todos os nossos desejos - um ambiente seguro para o divertimento, o descanso, a atividade física, o encontro (com iguais), e a distância de situações de reconhecimento de que esse privilégio reforça o espaço urbano como um espaço excludente. Nesses espaços, cresce a indiferença sobre as relações das partes da cidade com o todo. Além de excludentes, o

Junkspace e a retórica publicitária que o justifica criam condições que dificultam nossa visualização da cidade como espaço coletivo, que expressa a concentração de renda dos dias atuais e que possui relação com diversas questões sociais como a violência urbana. A cidade interna aos condomínios diz prover o que a cidade externa não possui (e, ao comparar esse discurso com o Junkspace real, construído e implantado no tecido urbano, já entrevemos que isso não opera exatamente dessa maneira).

ulação em relação à questões urbanas, decidimos intervir de maneira a criar condições para enxergar outra cidade (que de fato existe) mas que não é a dos monumentos e grandes estruturas ou a do medo, violência e abandono.

Então, partindo do entendimento que os Junkspaces também representam os sentimentos de indiferença e de descolamento de parte da pop-

7)Quais as razões que fizeram essa oficina participar da disciplina Teoria da Arquitetura, enquanto fechamento desta? A disciplina Teoria da Arquitetura caminhou por entre as principais discussões da arquitetura ocorridas após o arrefecimento movimento moderno na arquitetura, apresentando um panorama das diversas teorias desenvolvidas no amplo campo do pós-modernismo. Nas últimas aulas, discutimos o paradigma que Nesbitt chama de contextualismo, a partir das obras de Rem Koolhaas. Em prosseguimento, desenvolvemos uma compreensão sobre os papéis da arquitetura na contemporaneidade e sua produção enquanto manifestação do capitalismo contemporâneo, sendo que o último texto trabalhado na disciplina foi “O grau zero da arquitetura na era financeira” (Pedro Arantes, 2008). Por desenvolver uma pesquisa no âmbito do

mestrado que diz respeito à produções espaciais orientadas para o entendimento do setor imobiliário enquanto campo da maior importância para o capitalismo financeiro, e por ter esse tema, juntamente à uma reunião prévia com os membros do grupo Encontros de Rua, motivado a elaboração de uma oficina, foi coerente realizar esta com os alunos da disciplina do PPGAU-UFRN. A oficina consistiu em uma oportunidade de trazer discussões globais e nacionais para a realidade de Natal, e visualizar as transformações da última década da cidade sob a ótica do desenvolvimento urbano como ferramenta de mecanismo da manutenção de poderes hegemônicos, em uma compreensão integral proporcionada pelo mapa gigante.


Escolhemos um terreno vazio em Nova Descoberta, próximo ao Parque das Dunas, e decidimos fazer ali uma praça que conteria uma luneta, a “Praça da Luneta”, apontada para um terreno localizado na região do bairro Parque dos Coqueiros, onde existiria um microscópio. A luneta proporcionaria que os moradores de Nova Descoberta, os quais possuem uma apropriação maior da rua como espaço de vitalidade urbana, observassem uma área da cidade que é comumente esquecida pelas mais diversas esferas de atuação urbana e pelos Natalenses que não a habitam. Proporcionaria, também, uma atração singela que relaciona-se com a escala mi-

cro (de resistência), menos visível, da vitalidade encontrada em Nova Descoberta e que aproximaria a população desse ambiente. Já o microscópio, locado no bairro da Zona Norte, motivaria um olhar sobre o local, o pequeno, em um movimento de valorização do que ali existe. Além dessa proposta, ainda pensamos em desenvolver um corredor verde de ciclovias que conecte à Praça da Luneta ao Rio Potengi, rompendo a fronteira que impede a visibilidade dos dois elementos presentes na cidade, mas invisíveis nos discursos e símbolos hegemônicos sobre Natal: a vitalidade urbana e o rio.

Praça da Luneta Fotos por José Clewton do Nascimento e Maurício Camargo


Por fim, ao entrar em contato com a proposta dos outros grupos, tive minha atenção captada principalmente por: A proposta do grupo de Vinícius Galindo, Marina Régis, Márcia Silva de Oliveira, Maurício Panella, que foi pelo mesmo caminho de perceber a vitalidade urbana de Nova Descoberta que meu grupo percebeu. No entanto, um recurso utilizado pelo grupo deles foi bastante interessante: ao encontrar um folder de venda de um edifício vertical multifamiliar junto aos materiais disponíveis

da oficina, o grupo percebeu que todo o texto utilizado para vender o empreendimento como um lugar atrativo era baseado em características que de fato existem em uma região de maior saúde social como Nova Descoberta. Assim, eles substituíram as imagens do empreendimento com imagens que fizeram de uma proposta de praça, e possibilitaram que visualizássemos como o que a publicidade estava vendendo é de fato o que a cidade já possui.

Praça e Folder contra-Junkspace Fotos por José Clewton do Nascimento


A proposta do grupo de Jesonias, Vinícius Cortez, Bárbara Rocha e Maria Heloísa, por sua vez, voltou-se mais para as inquietações pessoais de cada membro (ainda que essas dialoguem entre si). Maria Heloísa, interessada no patrimônio moderno, propôs uma intervenção simples em edificações de interesse patrimonial que informem a data de construção da estrutura e sua importância, contribuindo para um resgate também da nossa memória e identidade Natalense. Jesonias seguiu o mesmo caminho, mas indicando ainda modificações interessantes à estrutura arquitetônica dos exemplares. Bárbara, que se interessa mais por assuntos relativos à experiência real da cidade contemporânea, fez uma colagem que desconstruia elementos de ordem urbana que regulam nossa vivência em espaços públicos, de maneira a nos levar a perceber como nosso modo de viver pode ser influenciado por esses elementos que respondem à uma ordem de aspecto produtivo e econômico. Vinicius Cortez fez um elemento muito interessante: bonecos de papelão, com arma em riste, asas de plantas de plástico e um escudo estelar-iluminado. Esses bonecos, assassinos, simbolizam o Junkspace como elemento que nega e aniquila a saúde urbana calcada em elementos sobretudo de sociabilidade; carregam um insígnia de luz no peito em alusão aos espaços luminosos2, néons, os espaços espetacularizados ou luminosos (conforme definição de Ana Clara Torres Ribeiro) do capital; são travestidos de anjos da sustentabilidade, pois utilizam esse rótulo mais como um selo para agregar valor ao empreendimento do que por promover uma real sustentabilidade, de acordo com seu tripé ambiental-social-econômico.

Intervenção em patrimônio edilício modernista e boneco-Junkspace Fotos por José Clewton do Nascimento e Maurício Camargo


Enquanto proponente e mediadora da oficina, considero que a experiência configurou-se como um primeiro e importante momento de compartilhamento de assuntos da minha pesquisa de mestrado, o que responde diretamente à minha motivação de estudar a Natal contemporânea exatamente por querer entender a cidade em que vivo, e querer que outras pessoas também se sensibilizem sobre a produção de nossa cidade enquanto assunto importante à todos que vivem nela. Com o apoio do mapa gigante da cidade, a apreensão da relação do Junkspace ao todo

urbano foi facilitada, contribuindo para a desconstrução da ideia de separação da cidade que os empreendimentos imobiliários murados procuram criar. E, a partir dessa ignição, foi possível também discutir a construção de imagens urbanas não saudáveis em contraponto à dos condomínios paradisíacos. Conforme enunciado por um dos participantes, existe uma “colonização do sonho”. A oficina, acredito eu, pode ter influenciado a percepção de que nossos desejos e medos nem sempre são tão nossos, pois são criados por outros que colonizam nossas vontades; Des-

sa maneira, podemos ser levados a acreditar que “os tempos são assim”, em uma postura que nos afasta da noção de que o espaço que vivemos não é neutro e que relaciona-se com as ordens hegemônicas sociais do local e tempo em que vivemos. Procuro colaborar, ao mesmo tempo que entender, como a nossa cidade poderia ser diferente; Mas, para poder construir a minha cidade dos sonhos mais justa social e ambientalmente - é preciso diagnosticar o que constrói a cidade atual.

NOTAS 1) Espetáculo no sentido dado por Guy Debord, que diz: “o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem” in A sociedade do espetáculo,Contraponto, Rio de Janeiro, 1997.

chama branding (construção de marcas), que buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas de modo a lhes garantir um lugar na geopolítica das redes globalizadas de cidades turísticas e culturais (2009).

Complemento essa ideia citando Paola Berenstein Jacques: O processo de espetacularização urbana está cada vez mais explicito e sua crítica já se tornou recorrente no meio acadêmico, mesmo que muitas vezes com outros nomes: cidade-cenário, cidade-museu, cidade genérica, cidade-parque-temático, cidade-shopping, em resumo: cidade-espetáculo. Correntes urbanas aparentemente distintas como o planejamento estratégico, o new urbanism, o urbanismo extra large ou o urbanismo corporativo, chegam a um mesmo resultado: a mercantilização espetacular das cidades, o que pode ser visto como um pensamento hegemônico, único ou consensual. Diferentes processos urbanos, tais como: estetização, culturalização, patrimonialização, museificação, musealisação, turistificação, gentrificação, privatização, disneylandização, shoppinização, cenograficalização etc, fazem parte, contudo, do mesmo processo de espetacularização das cidades contemporâneas que, por sua vez, é indissociável das estratégias de marketing ou mesmo do que se

2) Espaços luminosos, segundo Ana Clara Torres Ribeiro: “Os espaços luminosos são mais do que espaços simplesmente iluminados. Os espaços luminosos, no meu entender, seriam produtos da razão que amplifica estrategicamente comandos da modernidade. Denotam a força da racionalização emanada do pensamento instrumental, que, ao selecionar o que tem ou não valor, é capaz de seduzir e convencer. Os espaços luminosos engrandecem a visão, oferecendo materializações imediatas e indícios da visão de mundo desejada e desejável. Nestes espaços, são criadas formas de leitura das hierarquias sociais e ativismos controlados pelas ofertas dos novos serviços. Os espaços luminosos são, portanto, ativos; mas, a sua condensação de atividades não se traduz em oportunidades de ação plena. Esta se encontra reserva aos detém o poder de criá-los e mantê-los sob as luzes do sempre mais moderno”(2012).


REFERENCIAS ARANTES, Pedro Fiori. “O grau zero da arquitetura na era financeira.” Novos Estudos-CEBRAP 80 (2008): 175-195. ELLIN, Nan. Postmodern urbanism. 2. ed. [edição revisada]. Nova Iorque: Princeton Architectural Press, 1999. p. 77-80. JACQUES, Paola Berenstein. Notas sobre espaço público e imagens da cidade.Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 110.02, Vitruvius, jul. 2009 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/10.110/41>. KOOLHAAS, Rem. Junkspace. October 100, Obsolescence, 2002. 175-190. Disponível em: < http://lensbased.net/files/ Reader2012/rem+koolhaas+-+junkspace.pdf>. Acesso em 07 de maio de 2015. NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 62; 293-294. RIBEIRO, Ana Clara Torres. “Homens lentos, opacidades e rugosidades.”Salvador: Redobra, ano 3 (2012): 58-71.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.