o material circulante da linha do Tua
Hugo Silveira Pereira
iniciativa TUA coordenadores ANNE MCCANTS (MIT, EUA) EDUARDO BEIRA (IN+, Portugal) JOSÉ MANUEL LOPES CORDEIRO (U. Minho, Portugal) PAULO B. LOURENÇO (U. Minho, Portugal)
ISBN: 978-153-01710-0-2 Design gráfico e paginação, incluindo capa, por Ana Prudente Imagem de capa: Locomotiva E81 em Codeçais © D. W. Winkworth Editado e impresso por Inovatec (Portugal) Lda, V. N. Gaia, Portugal Encadernação e produção da capa por Minerva - Artes Gráficas (Vila do Conde, Portugal)
AGRADECIMENTOS
Uma investigação biográfica é uma tarefa árdua e morosa, que implica a recolha de muitas e variadas fontes e que não pode ser levada a bom termo de forma individual e isolada. Assim, gostaria de expressar os meus agradecimentos às seguintes pessoas e entidades: • ao engenheiro Eduardo Beira, pelo interesse que sempre manifestou por este trabalho e pelas fotografias que forneceu; • ao engenheiro Nelson Oliveira e à Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro pela partilha de informação relativamente ao tema deste estudo e em particular pelo acesso em formato digital à sua revista, Bastão-Piloto; • aos senhores Detlef Schikorr, Axel Spille e Johannes Jacob Smit pelas fotos que gentilmente cederam para este livro; • ao doutor Albano Viseu pelos elementos que também forneceu para este trabalho; • à doutora Ellan Fei Spero pelas referências teóricas sobre o uso da fotografia em temas de História da Tecnologia; • ao pessoal dos arquivos e bibliotecas consultados; • naturalmente, e por todas as razões, aos meus amigos (em especial à Susana Almeida, por me ter ajudado a rever o texto) e à minha família, em especial aos meus pais.
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MÁQUINAS E HOMENS: O material circulante da linha do Tua Hugo Silveira Pereira
003 Agradecimentos 007 1. INTRODUÇÃO 015 2. A REDE FÉRREA NACIONAL DE VIA ESTREITA 017 3. MUDANÇAS NA GESTÃO DA REDE FÉRREA DE VIA ESTREITA 019 4. O MATERIAL CIRCULANTE DA LINHA DO TUA 4.1. SOB GESTÃO DA CN 4.1.1. Material tractor 29 4.1.2. Material rebocado 4.1.2.1. De passageiros 035
4.1.2.2. De mercadorias, bagagens e correio
049 4.2. COM A CP 4.2.1. Locomotivas a vapor 086 4.2.2. Automotoras a gasolina 092 4.2.3. Motores diesel 4.2.3.1. As automotoras Allan 104
4.2.3.2. Locomotivas diesel
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4.2.3.3. As automotoras Duro Dakovic
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4.2.3.4. O último material circulante do Tua: os Light Rail Vehicles (LRV)
121 4.2.4. Material rebocado de passageiros sob gestão da CP 4.2.4.1. Da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal 126
4.2.4.2. Dos Caminhos de Ferro do Estado
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4.2.4.3. Da linha do Vouga
133 4.2.5. Material rebocado de mercadorias sob gestão da CP
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Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
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139 5. O MATERIAL CIRCULANTE NA MEMÓRIA ORAL DO TUA 161 6. FONTES E BIBLIOGRAFIA 6.1. FONTES 6.1.1. Arquivos 6.1.2. Monografias 162 6.1.3. Periódicos 6.1.4. Fontes orais 6.2. BIBLIOGRAFIA 6.2.1. Periódicos 6.2.2. Monografias
1. INTRODUÇÃO
A linha do Tua foi inaugurada em 1887 numa cerimónia em Mirandela que contou com a presença do rei D. Luís. Em 1906, a linha foi prolongada até Bragança, capital do distrito com o mesmo nome. Por esta altura, depois de três workshops Railroads in Historical Context e depois de quatro anos de pesquisa e de recolha de documentação sobre o caminho-de-ferro do Tua (ao qual já se junta a bibliografia preexistente), não haverá necessidade de descrever uma vez mais a história desta linha. Para os efeitos pretendidos, será suficiente dizer que a secção entre Mirandela e Bragança fechou em 1991-1992 e o troço entre a estação do Tua e o Cachão foi encerrado em 2008, funcionando hoje em dia apenas uma pequena extensão férrea entre Carvalhais e Cachão explorada pelo Metro de Mirandela73. Contudo, um estudo comparativo mais profundo entre a linha do Tua e outras linhas portuguesas de via estreita nunca foi realizado no âmbito do projecto FOZTUA; nem tampouco um estudo detalhado das companhias que operaram a esta via-férrea e da sua evolução ao longo dos anos. E estes são detalhes importantes para uma investigação histórica sobre o material circulante que operou na linha do Tua, como veremos. Assim, neste texto, procuraremos antes de mais ir de encontro a estes tópicos para explicar (1) de que forma a linha do Tua se inseriu na rede nacional de via estreita e 73
ALEGRIA, 1990. DAVIES, 1998. McCANTS et al., 2012. McCANTS et al., 2013. PEREIRA, 2012b. PINHEIRO, 1986. SANTOS, 2011. SILVA, 2004. TORRES, 1936.
(2) a importância da existência de diferentes gestões para a história do seu material circulante. Para fazer isto, basear-nos-emos sobretudo nos trabalhos de Carlos Manitto Torres (1936), W. J. K. Davies (1998), José Ribeiro da Silva (2004) e Luís Santos (2011). O primeiro foi um engenheiro da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses (CP), que escreveu um livro em 1936 sobre a história factual das diversas linhas que compunham a rede nacional, desde os seus primórdios em meados do século XIX. Décadas mais tarde, em 1998, Davies apresentava o seu trabalho sobre a rede nacional de via estreita e o seu material circulante. Este livro será a principal inspiração e fonte de informação para este trabalho, pois dá-nos uma minuciosa e detalhada descrição do material que circulou na linha do Tua (com algumas fotos de arquivo e tiradas pelo próprio autor). Contudo, falta-lhe algum rigor metodológico, nomeadamente quanto à indicação das fontes de informação: Davies lista em bibliografia final o seu material arquivístico (principalmente documentação do arquivo histórico da CP, embora também tenha sido provável o recurso à história e memória oral de antigos colaboradores da CP), mas não o cita no texto propriamente dito. Em todo o caso, o trabalho de Davies continua a ser uma obra de referência para todos os que desejem fazer investigação ou saber mais sobre a rede nacional de caminhos-de-ferro de via estreita. Em 2004, José Ribeiro da Silva, outro funcionário da CP, editou um trabalho em cinco volumes sobre a
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rede que enquanto ferroviário tão bem conhecia. Na sua recolha, Ribeiro da Silva combinou factos históricos com literatura de viagem, ao descrever a paisagem de que um passageiro podia desfrutar ao viajar pelas linhas da CP. Por fim, Luís Santos concluiu o seu doutoramento em História em 2011 na Universidade Complutense de Madrid com uma dissertação sobre as políticas ferroviárias portuguesa e espanhola na primeira metade do século XX. Na sua tese, fornece-nos detalhes chave sobre a evolução da posse e gestão das ferrovias nacionais nesse período, que se revelou também determinante para a própria evolução do material circulante no Tua. Além destas obras principais, não enjeitaremos outros livros, dissertações e artigos que possuem informação útil para esta temática, que serão devidamente referenciados no texto. Também fontes de arquivo serão incluídas neste trabalho sempre que necessário. O arquivo histórico da CP é, por maioria de razões, um desses arquivos. É nele que se encontra guarda-
da uma parte que pensamos ser ínfima do antigo arquivo corrente da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro (adiante CN), que construiu e operou durante 60 anos a linha do Tua. Mais surpreendente é o recurso ao arquivo histórico militar. À partida, nada faria supor que este acervo conservasse fontes sobre o material circulante usado naquele caminho-de-ferro. Contudo, na primeira metade do século XX, as autoridades militares ordenaram a realização de algumas vistorias à ferrovia, seu material e pessoal, no intuito de conhecer a melhor forma de os usar em caso de guerra. Dessas vistorias resultaram relatórios que permitem conhecer com algum detalhe a evolução de locomotivas, carruagens e vagões utilizados naquela via-férrea. Recorremos ainda a fontes orais recolhidas no âmbito do projecto FOZTUA (subprojecto memTUA) entre a comunidade de homens e mulheres que por razões profissionais, familiares ou mais ou menos casuais ligaram as suas vidas à ferrovia e à linha do Tua em particular.
A história oral é hoje em dia uma fonte e uma metodologia perfeitamente aceite pela comunidade académica74, embora, como qualquer outra fonte e metodologia, tenha as suas qualidades e os seus defeitos. A maior tentação ao lidar com a história oral é presumir que “o fato (sic) de alguém dizer algo já seria automaticamente mais verdadeiro do que qualquer coisa que historiadores conceituados tivessem escrito no passado”75. De facto, “a excitação produzida pelo trabalho de campo, a cordialidade sincera dos entrevistados e o envolvimento que sentimos com suas vidas freqüentemente conduzem a distorções”76. Por outro lado, a pesquisa oral tem o condão de revelar muitos elementos novos sobre períodos da história contemporânea profundamente investigados pelos métodos mais documentais77 e além disso “pode dar a palavra aos ‘esquecidos da história’, aos que não têm capacidade, 74 75 76 77
GRELE, 1996: 267. GRELE, 1996: 271. GRELE, 1996: 273. FRANÇOIS, 1996: 9.
nem tempo nem vontade de escrever”78. No caso das entrevistas do memTUA, mais do que a verdade factual, procuraremos aqui a história na primeira pessoa, a experiência pessoal e a percepção individual no contacto com o caminho-de-ferro de Tua a Bragança e seu material circulante: dificuldades, desafios e perigos na sua condução, uso do material rebocado de passageiros e mercadorias, importância social do maquinista, etc., questões que dificilmente poderão ser respondidas por outro tipo de fontes. É assim que devem ser entendidas as transcrições que incluiremos no capítulo respectivo: como percepções individuais e não como factos. Como refere Ronald Grele a respeito de um projecto de história oral realizado nos Estados Unidos da América (Hard Times), “não se trata de um acervo de documentos dos anos 30, e sim de dados sobre o que os anos 60 lembram ou pensam da vida dos anos 30”79. A história oral é por natureza 78 79
BECKER, 1996: 29. GRELE, 1996: 276.
subjectiva e individual, o que poderia contrastar com a alegada objectividade e colectividade da documentação escrita que foi não foi produzida para a História80. No entanto, as próprias fontes escritas, embora não constituídas ad hoc para o investigador (e mesmo assim algumas são-no, veja-se o caso das memórias81, como a de João Lopes da Cruz, empreiteiro da linha do Tua), podem deixar perpassar mais opiniões e percepções que factos. É o caso dos debates parlamentares ou dos relatórios técnicos sobre a linha do Tua: ambos (sobretudo os primeiros) exprimem opiniões e percepções (mais que factos) sobre o caminho-de-ferro. Atesta-o o facto de, por exemplo, os primeiros relatórios sobre a via a terem colocado na margem direita do rio e só estudos e opiniões posteriores (assentes em bases mais do que técnicas) definiram que o seu assentamento se faria pela margem oposta82. As transcrições parciais es80 81 82
BECKER, 1996: 27 e 29. BECKER, 1996: 28. PEREIRA, 2012b.
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tão disponíveis em https://sites.google.com/site/foztuavale/publications/ memorias e serão doravante referidas pelo seu número de identificação. Incluiremos por fim uma série de fotografias ilustrando o material circulante que operou na linha do Tua, mas não necessariamente neste contexto geográfico. As imagens fotográficas são uma excelente e indispensável fonte para estudos em História da Tecnologia. De acordo com Ellan Spero, “photographic images offer historians of technology multiple points of entry for inquiry as both visual records and pieces of technological evidence in their own right. They are especially useful to understanding the context of the late 19th century. During this period of dramatic technological change, photography was emerging alongside significant growth of rail, mass manufacturing, and other transport and infrastructural engineering projects. Photographs may, within a single frame, also provide a venue for comparison across the changing elements of society, technology, and en-
vironment, which might not otherwise comingle so explicitly if studied through text alone. A photograph literally offers a view of the past through the gaze of an individual living in that particular moment. It is a representation of the world at large, yet is also a product of a personal decision making process, which is both artistic and technical in scope. The photographer is both a participant and an observer in this technological landscape, curating the pieces of the world in action, which will be chemically fixed into static traces”83.
83
Agradeço à Dra. Ellan Fei Spero do Massachusetts Institute of Technology o envio deste parágrafo sobre a importância da fotografia como fonte para estudos de História da Tecnologia.
2. A REDE FÉRREA NACIONAL DE VIA ESTREITA
A bitola estreita tornou-se uma verdadeira questão entre os políticos e engenheiros portugueses por volta da década de 1870. Por esta altura, Portugal tinha já construído uma mancheia de linhas de via larga (167 cm) ligando a capital a Espanha, Porto e Alentejo (os principais objectivos da política ferroviária nacional conduzia nas décadas de 1850 e 1860) e era então necessário levar o caminho-de-ferro as regiões mais interiores e acidentadas do reino. Ao longo da década de 1870, vários factores motivaram o investimento em caminhos-de-ferro de via estreita: (1) a Associação dos Engenheiros Civis Portugueses – através da sua Revista de Obras Públicas e Minas – divulgava o sucesso deste tipo de caminho-de-ferro no estrangeiro e tentava fazer pressão sobre o parlamento e o ministério das obras públicas a seu favor; (2) o baixo custo da construção das linhas de via larga do Minho e Douro (tidas como ferrovias económicas) não passava de uma miragem; (3) os primeiros anos de exploração do único caminho-de-ferro de via estrei-
Figura 1 – A rede férrea nacional em 187084
ta até então construído em Portugal (a linha do Porto à Póvoa e Famalicão, no litoral, construído inteiramente por capitais privados) eram promissores; (4) Portugal tinha vencido a crise financeira dos anos 1860, mas as suas finanças estavam longe de serem saudáveis e portanto a anunciada barateza da via estreita era muito tentadora; e (5) as conclusões a que haviam chegado os engenheiros portugueses enviados pelo governo ao estrangeiro (à Escola de Pontes e Calçadas em Paris, mas também a Itália, Áustria e Suíça) eram também muito favoráveis ao investimento na bitola reduzida: a sua construção podia ser mais barata que a via larga; era mais adaptável aos terrenos acidentados do interior nacional; e podia ser suficiente em regiões onde altas velocidades e grande capacidade de transporte não fossem necessidades prementes85.
84
85
PEREIRA, 2012a.
CORDEIRO, 1879.
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Figura 2 – Rede férrea de via estreita a norte do Douro, de acordo com a proposta de Sousa Brandão86
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À medida que os anos iam passando, várias propostas eram apresentadas quer ao governo, quer ao parlamento. A maioria delas, porém, não passava de mera especulação. Os seus proponentes não pretendiam mais do que obter a concessão do caminho-de-ferro para depois a vender a quem oferecesse mais. Por outro lado, os governos nacionais acreditavam que este tipo de investimento podia ser feito sem qualquer tipo de apoio por parte do erário público, como tinha acontecido aliás com a linha do Porto à Póvoa e Famalicão. No entanto, a maioria dos investidores não partilhava da mesma opinião. À excepção de um homem de negócios português que tomou em ombros a construção da linha de Guimarães (começada em 1881 e terminada em 1884 entre esta cidade e a linha do Minho) sem nenhum subsídio do governo, todos os empreendedores exigiam os mesmos apoios que o estado havia concedido aos caminhos-de-ferro de via larga… e os ministros das obras públicas tiveram que ceder. Em 1881, Portugal aceitou conceder uma garantia de juro a uma associação de capitalistas britânicos para construir um caminho-de-ferro de via estreita em… Goa, na Índia Portuguesa, ligando o porto de Mormugão à fronteira com a Índia Britânica perto de Castle Rock87. O governo português reconheceu que sem apoios financeiros os investidores privados não tinham interesse em construir caminhos-de-ferro no território nacional; por outro lado, usar os próprios recursos do 86 87
BRANDÃO, 1880. KERR & PEREIRA, 2012.
estado para construir directamente caminhos-de-ferro simplesmente não era uma opção. Dois anos mais tarde o ministro das obras públicas Hintze Ribeiro assinava um acordo semelhante com um grupo de homens que se predispunha a construir duas linhas nos vales do Tua e do Dão (este último ligando a cidade de Viseu à linha da Beira Alta, inaugurada em 1882). Depois de alguns obstáculos burocráticos terem sido removidos, a construção começou em 1884 e em 1887 a linha do Tua era inaugurada88. Os povos do Dão, contudo, tiveram que esperar mais três anos antes de poderem ver o fumo da locomotiva na paisagem. Ambas as linhas eram operadas pela CN89. Embora os primeiros meses de funcionamento não tivessem sido promissores, o governo de então acreditava que a bitola estreita seria o futuro para os caminhos-de-ferro nas províncias da Beira Alta e Trás-os-Montes. Para tornar esse futuro presente, o ministro das obras públicas Emídio Navarro apresentou em 1888 uma proposta de lei ao parlamento para a construção de uma rede ferroviária de via estreita naquelas duas regiões.
88 89
CORDEIRO, 2013. PEREIRA, 2012b. TORRES, 1936.
Figura 3 – A rede proposta em 188890
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Arquivo histórico do ministério das obras públicas. Mapas e Desenhos. C-32-7-B.
Todavia, esta proposta de lei nunca seria discutida em nenhuma das casas do parlamento português. O governo enfrentava então lutas intestinas entre alguns dos seus ministros enquanto a oposição apelidava este projecto de um novelo de caminhos-deferro, que apenas tinha como fim obter
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trunfos eleitorais. A proposta acabou perdida nos arquivos parlamentares, apesar de outra tentativa infrutífera em 1890 de a transformar em lei91. Os anos seguintes não foram de todo favoráveis à construção ferroviária em Portugal. O país declarara uma bancarrota parcial em 1892 e o resto da década foi marcada por uma política de austeridade. Em 18981899, o então ministro das obras públicas Elvino de Brito ousou alterar esta situação e tentou dar novo empurrão ao investimento público em caminhos-de-ferro, através de uma série de decretos que desembocaram na lei de 14 de Julho de 1899. Este diploma impôs uma série de disposições legais, as mais importantes das quais eram os seguintes: (1) a criação de um fundo financeiro que reunia receitas de diversas origens e que deveria ser aplicado 91
PEREIRA, 2012a.
exclusivamente à construção de caminhos-de-ferro por engenheiros do estado; e (2) a obrigação de aprovar uma lei que predeterminasse as linhas que deveriam ser construídas através daquele fundo. Nos anos seguintes, um comité de engenheiros trabalhou com as autoridades locais e com a Associação de Engenheiros Civis Portugueses no sentido de apresentar uma proposta de rede ao governo. Este processo foi dividido em três fases que correspondiam a três sub-redes dentro da rede nacional: a norte do Douro, a sul do Tejo e entre o Tejo e o Douro. O processo de aprovação também foi tripartido: em 1900, a rede a norte do Douro estava aprovada; em 1902 foi a vez da rede a sul do Tejo e em 1907 a malha entre aqueles dois rios foi ratificada pelo governo92. 92
PEREIRA, 2012a. PINHEIRO et al., 2011. SANTOS, 2011.
Figura 4 – A rede férrea nacional decretada pelos diplomas de 1900, 1902 e 190593
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PEREIRA, 2012a.
A lei de 1899 tinha como objectivo colocar o estado à frente da construção ferroviária, mas não fechava completamente a porta à concessão de subsídios e isenções fiscais à iniciativa privada. Assim, nos anos seguintes, uma série de linhas-férreas (tanto de via larga como de via estreita, mas para os objectivos deste artigo, vamo-nos concentrar nas últimas) foi construída sob esta estrutura legal pelo estado e por companhias privadas. Em 1903 a extensão da linha do Tua de Mirandela a Bragança foi concedida juntamente com uma garantia de juro a um empreiteiro local chamado João Lopes da Cruz, que mais tarde passaria a concessão à CN. Em 1906 a linha era inaugurada. Um ano mais tarde, outra companhia privada – Compagnie Française pour la Construction et Exploitation des Chemins de Fer à l’Étranger – iniciava a construção de mais um caminho-de-
ferro de via estreita que prolongava a linha do Dão (também conhecida como ramal de Viseu) até ao litoral em Aveiro e Espinho – a linha do Vouga. Foi concluída e inaugurada sete anos mais tarde, em 1914. Ainda em 1907, a companhia da linha de Guimarães prolongava-a até Fafe (mas sem qualquer apoio ou subsídio do governo). Até 1911, o estado iniciaria também a construção de três novas vias-férreas de bitola reduzida (Tâmega, Corgo e Sabor) ligando as localidades de Amarante, Vila Real e Carviçais à linha do Douro em Livração, Régua e Pocinho, respectivamente. A Primeira Guerra Mundial trouxe uma grande desorganização à gestão e construção ferroviárias, de modo que só após o fim do conflito conseguiu o estado prolongar as linhas do Corgo até Chaves (1921) e do Tâmega até à Chapa (1926)94. 94
TORRES, 1936. SILVA, 2004.
3. MUDANÇAS NA GESTÃO DA REDE FÉRREA DE VIA ESTREITA
A partir dos anos 1920, começou a pensar-se na unificação da gestão ferroviária em Portugal. Este processo foi longo, moroso e rico em detalhes. Para bem da discussão, limitemo-nos a dizer que em meados da década de 1920 Portugal tinha vários operadores diferentes (públicos e privados) explorando diferentes secções da rede e foi nessa altura sentido que por um conjunto de razões esta situação não era a mais eficiente. Contudo, nacionalizar as companhias privadas não era uma opção viável, pois exigia uma operação financeira muito custosa para os depauperados cofres públicos. Por isso, o governo decidiu fazer o contrário: privatizar as suas linhas e entregá -las a uma única entidade. Em 1927, um concurso público concessionou as redes que pertenciam ao estado (no caso das linhasférreas de via estreita, as do Tâmega, Corgo e Sabor) à CP, que na altura era praticamente controlada pelo governo (pois havia vários anos que o estado cobria o défice anual da companhia), embora se mantivesse uma companhia
privada para todos os efeitos. Este acordo implicou uma série de direitos e deveres de parte a parte, tornando-se a CP responsável pela gestão da maior parte da rede férrea nacional. Todavia, a CP não tinha verdadeiro interesse na operação das linhas de bitola estreita, pelo que subarrendou as linhas do Corgo (incluindo a sua extensão até Lamego, então em construção) e do Sabor à CN e a linha do Tâmega à recémformada Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal (que resultara da fusão das companhias de Guimarães e do Porto à Póvoa e Famalicão). Tanto a CN como a Norte estavam também sob forte influência do governo, pelas mesmas razões que a CP. Foi, portanto, debaixo deste novo arranjo organizacional que a rede ferroviária de via estreita cresceu um pouco mais: a linha do Tâmega chegou a Celorico de Basto em 1932 e a do Sabor a Duas Igrejas em 1938; no litoral, a Companhia do Norte construiu também e operou novas secções em torno do Porto. A CN pensou também
em alargar a sua concessão, construindo uma linha entre o Tua e Viseu. Os estudos foram mesmo realizados e entregues ao governo, mas tal linha nunca seria construída95. O estado esperava com esta decisão aumentar a eficácia do serviço prestado pelos caminhos-de-ferro tanto do ponto de vista operacional como financeiro, entre outros objectivos (como diminuir o poder dos sindicatos ferroviários). Porém, essa esperança não foi concretizada. As companhias que exploravam as linhas de via reduzida estavam perto da falência e a própria CP não se estava a comportar muito melhor. As receitas de exploração estavam em queda em virtude da concorrência da camionagem; a infra-estrutura e material circulante eram obsoletos e não havia disponibilidade financeira para os modernizar; os custos de exploração e financeiros estavam em crescendo por causa da desvalorização do escudo; e o peso do passivo financeiro esmagava as companhias. O 95
Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1928: 4.
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estado viu-se mais uma vez forçado a intervir e a ajudar essas companhias e ao fazê-lo acentuou ainda mais o seu controlo sobre elas. A nacionalização continuava a ser uma operação proibitiva, pelo que o aprofundamento da fusão da gestão ferroviária tornava-se uma solução ainda mais lógica para enfrentar esta questão. De início o governo considerou a fusão de todas as companhias de via estreita numa só, mas as linhas que compunham a rede não estavam interligadas, o que constituía um sério obstáculo ao sucesso desta decisão. Assim, o governo resolveu ir ainda mais longe e entregar a totalidade da rede à CP, através da lei 2008 de 1945 – Concessão Única. O processo então espoletado durou até 1951 e no final, toda a rede à excepção da linha de Cascais foi entregue à CP, uma companhia privada controlada pelo estado fascista instituído em 1933. Foi assim a CP que terminou a linha do Tâmega, com a inauguração da extensão final entre Celorico de Basto e Arco de Baúlhe
em 194996. A CN foi fundida na CP, num processo que terá prejudicado os trabalhadores da empresa fusionada, que preferiam a gestão de uma empresa mais pequena à administração a nível nacional da CP97. Um dos entrevistados do subprojecto memTUA testemunhou esta transição. Segundo este antigo chefe de lanço, “antes de entrar para a CP trabalhei na CN. Trabalhar para uma empresa ou para a outra era exactamente a mesma coisa… A única diferença é que tinha um vencimento maior na Companhia Nacional…”98. Esta reorganização do panorama ferroviário nacional durou até 1974. Neste ano, um golpe de estado derrubou a ditadura e instituiu um regime democrático. Uma das primeiras decisões dos revolucionários foi a nacionalização de várias empresas privadas, uma das quais a CP. Com o passar dos anos, várias alterações re96 Para tudo isto, ver: SANTOS, 2011. 97 Bastão-Piloto, n. 76 (Abril 1987): 30-31. 98 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
gulamentares foram feitas. Em 1999, a CP foi despojada da gestão da infra -estrutura ferroviária (entregue a uma nova empresa pública, a REFER), ficando apenas com a administração do material circulante. Isto não alterou o estatuto de empresa pública que a CP ainda hoje mantém.
4. O MATERIAL CIRCULANTE DA LINHA DO TUA As páginas anteriores mostraram que para o estudo do material circulante da linha do Tua há que ter em conta vários momentos na história desta via-férrea. Antes de mais, existiu o material circulante comprado e gerido pela CN especificamente para o caminho-de-ferro entre o Tua e Bragança; seguidamente, temos que ter em conta o arrendamento à CN das linhas do Corgo e do Sabor; por fim, temos o período da história da linha sob a gestão da CP, tanto antes como depois da revolução de 1974. Como vimos, a CP acabou por ficar com a totalidade da rede de via estreita em Portugal e, como veremos de seguida, isso trouxe bastantes mudanças ao inventário do material circulante no Tua. 4.1. SOB GESTÃO DA CN 4.1.1. Material tractor A primeira leva de locomotivas chegou ao Tua em 1887 provenientes das oficinas da Maschinenfabrik Esslingen de Emil Kessler perto de Estugarda na Alemanha. Tinham sido escolhidas directamente pelo engenheiro-director da CN, Dinis Moreira da Mota, que montou uma delas, espantando os próprios técnicos da Maschinenfabrik quando chegaram ao Tua e a viram pronta a trabalhar99. Eram tudo menos máquinas modernas. Eram seis locomotivas-tanque (transportavam o próprio carvão e água de que necessitavam e portanto não tinham tênder) do tipo Mogul, ou 99
CORDEIRO, 2012: 285.
seja com a disposição dos rodados 2-60T (duas rodas dianteiras não-motrizes num eixo, seis rodas motrizes em três eixos e sem rodas traseiras, de acordo com a notação Whyte) ou 1Ct n2 (1 eixo não motor, três/C eixos motores, locomotiva-tanque/t, a vapor saturado/n e com dois cilindros de acordo com a notação alemã DIN 30052). Foram numeradas CN1 a CN6 e baptizadas com os nomes da província de Trás-os-Montes e de cidades desta região, respectivamente, Traz os Montes, Bragança, Mirandella, Villa Flor, Carrazeda e Foz-Tua). Ironicamente, a locomotiva CN2 foi chamada de Bragança – a capital da província – muito embora a linha só lá tenha chegado
em 1906, inaugurada precisamente por esta máquina100. Foram devidamente abençoadas em 1887 pelo bispo de Bragança, quando da abertura oficial da linha101. De acordo com Davies, “they were long, side-tank machines with two outside cylinders and Allan motion actuating inclined slide valves. Drive was to the centre coupled axle, with laminated springs underhung on the two rear axles and tophung on the leading one. The boilers had long, round-topped fireboxes extending al100 O Seculo, 2.12.1906, n. 8959: 2. 101 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1888: 3. NUNES, 2005c.
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Locomotiva E81 (antiga CN1/11) na estação do Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E81 (antiga CN1/11), possivelmente na estação do Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
most to the centre axle line while the smokebox, set forward of the cylinders, had twin, stove-pattern hinged doors. Boiler fittings included two Friedmann injectors and comprised a plain tapered chimney, a dome in an open topped cover with twin Salter safety valves, and a small round sandbox between dome and cab; the maker’s drawing shows a further Salter valve on a plinth over the firebox but in practice this appears to have been enclosed in the cab. Large external steampipes from dome to cylinders were a distinctive feature of this and all other classes. The idler axle was designed as a pony truck but actually had only limited sideplay. The cab was open-backed, with a rear bunker supplemented by one behind and above the left hand tank and was arranged for right hand drive. As built, the class had straight running plates and angular, open-backed cabs with short side sheets and four
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rectangular spectacle glasses set in a straight line. During various overhauls under CN ownership all members had their cab side sheets extended and fitted with a single window, the running plate was raised over the cylinders and motion, to give better access, and smokebox doors of some at least were replaced by a conventional pattern, probably during a reboilering”102. Fernando dos Anjos, maquinista reformado que conduziu algumas destas máquinas, é testemunha das pequenas alterações que as locomotivas foram sofrendo ao longo dos anos. Numa visita realizada ao núcleo museológico da CP em Bragança em 2014, Fernando dos Anjos avaliava as máquinas que via diante dos seus olhos da seguinte
forma: “Pela chaminé, esta era a 82. Mas... eles andaram a modificar isto. Tiraram peças de umas para as outras. Pela bomba parece-me a da 82... o regulador é igual ao da 81, mas é tudo a mesma conversa. A máquina é a 81, mas a chaminé aqui em cima era da 82, porque a 81 não tinha este capitel”103. Uma outra característica curiosa destas locomotivas era no acesso à cabine, que tinha duas portas articuladas, como nos elevadores antigos104. A segunda encomenda da CN correspondeu ao material circulante da linha do Dão. Eram locomotivas muito semelhantes ao conjunto anterior (Davies chama-as de “Mirandella type without idler axle”), embora fossem
102 DAVIES, 1998: 91-93. Ver também: Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].
103 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 104 PEDREIRA, 1991: 13.
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locomotivas-tanque do tipo Bourbonnais 0-6-0T ou Ct n2 de simples expansão e vapor saturado105. Além disso tinham “a slightly greater overhang at the rear and a shortened front end but with an extended smokebox”106. Tal como as suas irmãs do Tua vinham das fábricas de Emil Kessler, mas chegaram a Portugal em 1889107, sendo-lhes atribuídos nomes relativos à história e geografia do território onde deviam operar: Beira Alta, Vizeu, Santa Comba, Tondella, Dão e Viriato108. Era isto aliás, que também as distinguia das máquinas do Tua, uma vez que a sua numeração era igualmente CN1 a CN6109. Este foi o primeiríssimo elenco à disposição da CN para explorar as suas linhas e que serviu as suas necessidades até aos primeiros anos do sé105 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 106 DAVIES, 1998: 93. 107 Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.]. 108 DAVIES, 1998: 95. 109 PEDREIRA, 1991: 6 e 8.
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culo XX. Foram o embrião de todas as locomotivas que a CN deteve, já que todas as demais eram cópias ou evoluções deste modelo básico. Tinham também a particularidade de serem locomotivas propositadamente estandardizadas para facilitar a manutenção e a operação110. A partir de 1904, a linha do Tua foi crescendo até chegar a Bragança e a direcção da CN sentiu a necessidade de comprar mais duas locomotivas, tendo confiado novamente na perícia da casa Kessler111. Naquele ano duas novas máquinas-tanque Mo110 Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação. 111 Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].
gul 2-6-0T ou 1Ct n2 chegam ao Tua para trabalhar nas novas secções da linha. Foram numeradas CN7 e CN8 (numeração de fábrica 3288 e 3299) e denominadas de Vilalva e Macedo. Eram versões melhoradas, mais pesadas e mais potentes (com caldeiras maiores112) do que o lote anterior, mas mantinham as cabines abertas atrás, as portas duplas nas caixas de fumo e as válvulas de seguranças características das CN1 a CN6113. Custaram 26 contos, numa operação que envolveu ainda 30 vagões e que foi financiada pela casa Burnay com 40 contos de réis114. 112 Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação. 113 PEDREIRA, 1991: 7. 114 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração
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Três anos mais tarde, duas novas locomotivas-tanque 2-6-0T (ou 1Ct n2) foram compradas por 19,5 contos uma vez mais a Kessler para trabalhar especificamente na ligação entre Mirandela e Bragança (até ao fim do vapor no Tua, a troca de locomotiva em Mirandela foi regra geral – aliás, a CN sempre escriturou em separado o movimento das duas linhas115). Chegaram em Novembro116 e foram numeradas CN9 e CN10 (sendo proapresentado à assembleia-geral em 1904: 18. Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1905: 10. 115 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1908: 4. 116 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1908: 10-12.
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Locomotiva E81 (antiga CN1/11) entrando no viaduto das Presas (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E81 (antiga CN1/11) tomando água em Codeçais (sem data) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E81 (antiga CN1/11) na estação de Abreiro (sem data) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E82 (antiga CN2/12) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
vável que tivessem sido chamadas de Sabor e Vinhaes117). Eram vistas como as estrelas da companhia (ainda na década de 1980 eram gabadas “pela sua enorme potência, esforço de tracção e capacidade de produzir vapor”118). Eram parecidas com as CN7 e CN8, mas ligeiramente maiores e mais pesadas; também as suas janelas eram mais altas que as daquelas duas máquinas; quanto ao esforço de tração, mantinhase o mesmo119. Pouco tempo depois, a CN iniciou um investimento para dotar o seu material tractor e o seu material rebocado com freios de vácuo, num esforço que se prolongou por alguns anos120. Esta operação foi conduzida nas oficinas próprias da CN. A companhia tinha dois complexos oficinais: 117
Gazeta de Bragança, n. 873 (14.2.1909): 2. NUNES, 2007: 54. 118 PEDREIRA, 1991: 5. 119 DAVIES, 1998: 95-96. NUNES, 2007: 54. PEDREIRA, 1991: 5. 120 Arquivo histórico militar, Div 3/20/40/1, 19081911. Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1907: 10. Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1908: 12.
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Locomotiva E82 (antiga CN2/12) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
um em Viseu e outro Mirandela. Em 1915, o de Mirandela estava dotado de uma panóplia de máquinas e ferramentas que lhe permitia executar com grande autonomia a manutenção, reparo e melhoria do material circulante existente e também a construção ou montagem de vagões e veículos novos. O material circulante era regularmente submetido a inspecções, de acordo com o número de quilómetros percorridos. As grandes reparações nas locomotivas (caldeiras, caixas de fogo, chapas tubulares, tubos de fumo, substituição de escoras e de chapas das fornalhas, enchimentos de eixos e rectificação de moentes e bielas) eram ali executadas, nas oficinas de Mirandela (as pequenas reparações eram algo que se podia fazer nos depósitos ou cocheiras das locomotivas). Estes consertos exigiam depois provas de experiência na via, conduzidas pelo pessoal da oficina. No caso particular das caldeiras, depois de restauradas, eram submetidas a provas hidráulicas, na presença de um fiscal da repartição de caminhos-de-ferro. Outra tarefa que implicava muitas horas de trabalho era a rectificação dos roda-
dos e dos aros das locomotivas. Usava-se para isto tornos de rodas de grandes dimensões, procedendo-se depois ao endurecimento das superfícies, através de técnicas de cementação. O conjunto do equipamento oficinal era movido a vapor (sistema tipo Pantin) através de tambores montados em eixos ligados às máquinas através de correias de transmissão. Na secção de ferraria, existiam quatro forjas: duas delas eram alimentadas por foles de mão; as outras duas estavam ligadas a um sistema de ventilação121. As locomotivas até aqui indicadas foram utilizadas no Tua durante a primeira fase de operações da CN, na qual esta companhia detinha apenas duas linhas: Tua e Dão. A cada máquina estava atribuída uma equipa de condução, composta por maquinista e fogueiro (prática que só viria a terminar com a dieselização do material tractor122). Por esta altura, o serviço de passageiros era feito por quatro locomotivas. Duas faziam em dias alternados o serviço dos com121 GOMES, 2014. 122 GOMES, 2014.
boios correios de Tua a Bragança. Uma máquina puxava, também em dias alternados, os comboios mistos e tramways entre Tua e Mirandela, fazendo uma quarta locomotiva idêntica tarefa na secção Mirandela-Bragança. O serviço de mercadorias efectuava-se quando fosse necessário por qualquer locomotiva disponível e conforme as conveniências do serviço. De realçar também que, de acordo com a opinião dos oficiais do exército que analisaram a linha do Tua entre 1924 e 1925, esta poderia comportar locomotivas com mais 50% de poder de tracção das máquinas existentes (ver tabela seguinte)123. Tabela 1 – Detalhes do serviço das locomotivas da linha do Tua na década de 1920124 Percurso
Tipo de comboios Mistos
Correios/tramways Sentido
Ascendente
Descendente
Troço
Carga (t)
Vel. Média (km/h)
Carga (t)
Vel. Média (km/h)
Mercadorias Carga (t)
Tua-Tralhariz
90
120
132
Tralhariz-Mirandela
110
130
160
Mirandela-Macedo
75
Macedo-Azibo
110
120
132
Azibo-Rossas
75
100
100
Rossas-Bragança
110
120
120
Bragança-Rossas
85
29,4
100
25,9
100
120
132
132
Azibo-Macedo
120
Macedo-Mirandela
31,2
146 Mirandela-Tua
120
27,5
Vel. Média (km/h)
Carga (t)
Vel. Média (km/h)
25
112
25
100
Rossas-Azibo 120
25
Via
120 146 160
Ao tempo, as locomotivas existentes eram já bastante antiquadas, muito embora tenham continuado a desempenhar o seu trabalho, se bem que com algumas dificuldades em virtude do alto preço que o carvão atingira sobretudo com o deflagrar da Primeira Guerra Mundial. 123 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 124 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
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Foi por esta razão que a CN passou a usar nas suas máquinas inicialmente uma mistura de carvão com antracite das minas de São Pedro da Cova e mais tarde lenha. O uso de lenha vulgarizou-se a partir de 1917. Apenas no percurso ascendente se misturava com algum carvão inglês. Três anos depois, em 1920 o carvão já só era usado nas oficinas (forja e fundição). A tracção consumia exclusivamente madeira de pinho125. O consumo esgotara, contudo, as florestas locais e a CN viu-se obrigada a encomendar lenha de mais longe, o que era demasiado caro e moroso. Foi neste contexto que em 1919 se fez a encomenda de um camião-automóvel, que, porém, não foi efectivada, pois cálculos realizados pela companhia demonstraram que o custo da gasolina era também incomportável126. A memória oral local vai de encontro aos relatos destas dificuldades de abastecimento de combustível enfrentadas pela CN. José Augusto Teixeira, trabalhador agrícola na região, recorda-se de que “na altura da guerra cortaram por aí muitos pinheiros, sobreiros e eucaliptos. A torga era para os ferreiros para fazer carvão para o comboio. Levavam aqueles toros às costas; da Fraga do Lobo levavam às costas para a Gricha para a azenha da Sobreira. Era uma fila de mulheres a tirar aquela lenha e a carregá-la. Ganhavam pouco dinheiro mas faziam todo o trabalho que era preciso. Vinham os vagões à linha carregar aqueles toros e muita lenha”127. Outro problema de difícil solução ligado à alimentação e boa conservação das máquinas era o do fornecimento de água. As locomotivas não passavam sem água, que tinha também que ter uma composição química que não prejudicasse as caldeiras. As tomas de água podiam ser feitas na linha em nove estações. O líquido era armazenado em reservatórios cilíndricos de ferro, através de diversos sistemas (bombas manuais, pulsómetros, moto-bombas e 125 GOMES, 2014. 126 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1920: 11. 127 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M4.2013 José Augusto Teixeira
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Locomotiva E83 (antiga CN3/13) nas oficinas de Campanhã (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E83 (antiga CN3/13) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E84 (antiga CN4/14) em local desconhecido (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva CN5 (futura E85) ainda no tempo da CN em local e data desconhecidos. Fonte: Boletim da CP, n.º 116 (1939).
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gravidade). A água era captada em poços, nascentes e no próprio rio Tua, o que conduzia inevitavelmente a problemas de impurezas e incrustações nas caldeiras, elevando o seu aquecimento e exigindo lavagens mais frequentes. O abastecimento de água acabou por ser resolvido a partir das décadas de 1940-1950 com a generalização do seu fornecimento através das redes municipais.128 Antes, na década de 1920 a CN procurou reforçar a sua frota circulante, aproveitando o programa de reparações de guerra imposto à Alemanha. Neste sentido, a CN apresentou ao governo dois contratos para a compra de duas locomotivas à Maschinenfabrik Esslingen e de 20 carruagens e 60 vagões à Linke-Hofmann. Segundo o relatório da direcção de 1923 (apresentado em 1924), só o último contrato foi aceite, apesar de as locomotivas terem sido fabricadas pela casa Kessler (sendo-lhes atribuídos os números de fábrica 4116 e 4117129). No entanto, a Alemanha tinha por esta altura suspenso o programa de reparações e a entrega das carruagens começou por ser adiada para depois ser cancelada130. Como vimos anteriormente, nos anos 1920 a CN arrendou à CP as linhas do Corgo e do Sabor, o que trouxe algumas alterações ao inventário de locomotivas no Tua. A primeira alteração foi introduzida na numeração das máquinas. Para evitar confusões com o conjunto do Dão, as locomotivas CN1 a CN6 foram renumeradas para CN11 a CN16131. Quanto às CN7 a CN10, viram a sua identificação alterada para CN21 a CN24. Todas eram usadas em qualquer serviço da linha (manobras, passageiros, mercadorias, mistos)132. Além do mais, a CN introduziu também algumas modificações às próprias máquinas. Segundo Davies, “by 1943 (CN diagram) the side tanks appear to have been 128 GOMES, 2014. 129 PEDREIRA, 1991: 9. 130 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1924: 4. Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1927: 4. 131 NUNES, 2005c. PEDREIRA, 1991: 13. 132 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
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extended in line with cylinder front faces and pop safety valves over the firebox had replaced the Salter variety; No. 15 at least then had a conventional smokebox door, suggesting at least partial reboilering and the cab side sheets had been extended and provided with small barred windows”133. Nos lotes de 1904 e 1907, “straight footplating, pop safety valves and short tanks” foram adicionados e “both were certainly modified later with full cabs, new boilers, conventional smokebox doors, pop safety valves over the firebox and square, instead of cylindrical, sandboxes to bring them more or less to standard of the final pair”134. O arrendamento daquelas duas linhas trouxe consigo muito provavelmente o aluguer das máquinas a elas adstritas. Mas, aparentemente, nenhuma delas veio para o Tua. Já o percurso inverso foi feito pelas CN23 e CN24 (antigas CN9 e CN10) que foram parar ao Sabor. Por outro lado, a CN trouxe para o Tua uma locomotiva diesel 2-6-2 novinha em folha. Foi construída pela firma Deutz de Colónia, identificada com o número 31 e carinhosamente chamada de Lydya. Foi a primeira locomotiva diesel de via estreita a operar em Portugal. Chegou, literalmente, em pedaços, que foram remontados nas oficinas da CN de Mirandela. Chegou a Portugal em 1938 ou comprada pela CN ou à laia de compensação de guerra da Alemanha a Portugal ou talvez como parte de uma experiência de inovação na tracção135. Era uma “reasonably large machine with rod drive via a jackshaft sited aft of the coupled wheelbase” e teve uma carreira bastante curta em Portugal. Terá feito serviço de linha até 1940-1941, apresentando inclusivamente resultados favoráveis, mas devido à guerra que eclodiu em 1939 (com as consequentes dificuldades na obtenção de peças suplentes e de combustível) acabou por ser posta de parte136. Segundo depoimentos de alguns entrevistados do projecto memTUA, foi operada por um tal de Sr. Germano137. A máquina ainda existia em 1957, 133 134 135 136 137
DAVIES, 1998: 93. DAVIES, 1998: 95-96. Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação. Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação. Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M21.2014
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embora nunca tenha sido incorporada no inventário da CP. Foi provavelmente desmantelada antes do início da década de 1960138. Na década de 1940, as locomotivas da CN tinham entre 40 e 60 anos, muito à semelhança do que acontecia com outros operadores ferroviárias, o que acarretava várias restrições ao serviço e custos adicionais139.
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Locomotiva E85 (antiga CN5/15) na Senhora da Hora na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E85 (antiga CN5/15) na Senhora da Hora na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
4.1.2. Material rebocado A reconstrução da frota de material rebocado original da CN é uma tarefa difícil pela falta de documentação associada, pelas modificações, transferências e demolições a que as carruagens foram sendo sujeitas ao longo dos tempos e pela renumeração das mesmas – de facto, é muito difícil correlacionar a numeração dada pela CP no seu inventário de 1979 com as antigas cifras da CN e de outras companhias. A documentação guardada no arquivo histórico militar incide alguma luz sobre este assunto, se bem que não seja completamente esclarecedora no que respeita aos números dos veículos e à sua evolução. 4.1.2.1. De passageiros Sabemos porém que até 1906/1907 toda a frota era assente em eixos e a partir daquela data surgiram as primeiras carruagens de bogies (conjunto de dois eixos e quatro rodados, ligados entre si e equipados com molas, onde a carruagem assentava o seu peso, e que permitia uma maior extensão do veículo, uma melhor inscrição nas curvas e um transporte mais suave140). Ainda por volta daqueles anos, a frota foi reforçada com novas compras (carruagens mistas de primeira e segunda classe) e com remodelações do material preexistente (de terceira classe)141, de modo a satisfazer as necessidades do serviço na nova secção da linha até Bragança. De acordo com os registos do arquivo histórico militar, na década de 1920, operavam na linha de Foz-Tua a Bragança três carruagens mistas (de primeira e segunda classe) e sete carruagens (de terceira. Cada uma das primeiras tinha uma lotação de 28 lugares, valor que subia para 40 em cada um dos veículos de terceira classe. Ao todo a capacidade de transporte vagões era de 364 pessoas142. Anos mais tarde, em 1930, a CN detinha uma frota de 54 carruagens Aníbal Joaquim Rodrigues, João Evaristo Gonçalves e António Diamantino de Jesus DAVIES, 1998: 76 e 97. GOMES, 2014. GOMES, 2014. Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1908: 10-12. 142 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 138 139 140 141
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de passageiros (para as linhas do Tua, Dão, Corgo e Sabor): dois salões (AS12 ou S1 e AS11 a crer nos registos militares), sete carruagens de primeira classe (A11-17), dez carruagens mistas de primeira e segunda classe (AB51-57 e ABy61-63, distinguíveis pelo facto de as primeiras possuírem quatro compartimentos e as segundas terem dois compartimentos e uma casa-de-banho), 11 carruagens de segunda classe (B8191) e 24 carruagens de terceira classe (C121-144, distintas umas das outras pelo número de compartimentos, freios e dimensões – ver tabela 2). Só no Tua existiam: dois salões (uma carruagemsalão S1 e uma carruagem-coupé leito AS11, originalmente com três camas e depois com seis lugares), três carruagens de primeira classe (A12, 13 e 17), cinco mistas de primeira e segunda (duas com quatro compartimentos – AB 51 e 52 – e três com três – ABy 61 a 63), quatro de segunda (B81 a 84) e 15 de terceira (sete com quatro compartimentos e oito com um – ver tabela 2 com a numeração destes veículos)143.
O salão da direcção foi construído pela Compagnie Internationale Braine-le-Comte em 1890. Davies descreve-o da seguinte maneira: “it was 6,500m long, metal clad vehicle with balcony ends, and having a double roof over the passenger accommodation only. From one end, accommodation comprised: passage with washroom on one side and toilet on the other; sliding door to main saloon, carpeted and with movable settees and armchairs, lit by plate glass windows; door to smoking compartment fitted with longitudinal upholstered bench seats. Oil lamps were provided in each compartment”144. É provável que a partir de 1907 a sua estrutura tenha sido montada sobre dois bogies, pois é assim que aparece descrita num reconhecimento militar realizado entre 1908 e 1911145. O segundo salão foi adquirido em 1906 à Carl Weyer Dusseldorf Eisenbahn Bedarf para servir na extensão de Bragança. Era “a
handsome, clerestoried vehicle in the German style but with vertical strip teak cladding to waist level and panelling above, surrounding plate glass windows. Entry was via railed balconies at each end and accommodation comprised: a small smoking compartment with longitudinal leather benches; a short passage with a washroom opening off one side and a pantry on the other; a main saloon with settees and armchairs in buttoned red leather. The saloon was tastefully decorated in varnished wood veneer with inlaid marquetry panels at cantrail level and lincustra ceilings. Ventilation was provided by droplights flanking large picture windows”146. De acordo com relatórios militares provavelmente de inícios do século XX, tinham uma tara média de 10,9 t147. Actualmente, encontra-se preservado no núcleo museológico de Arco de Baúlhe. As carruagens de primeira classe tiveram origens diversas: a A11,
1924-1925. 144 DAVIES, 1998. 145 Arquivo histórico militar. Div 3/20/40/1, 1908-1911.
146 DAVIES, 1998: 104. 147 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
143 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10,
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Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Esquema das locomotivas da série E8X/CNX/CN1X, de acordo com Davies © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Esquema das locomotivas da série E8X/CNX/CN1X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].
a A13 e a A17 foram construídas pela La Métallurgique entre 1886 e 1890; a A12 pela Bristol Wagon Works em 1886 e o duo A14-A15 pela mesma companhia que produzira o salão da direcção número um; quanto à A16, desconhece-se o seu fabricante. Tinham uma tara média de 5,9 t148. A A13 encontra-se preservada em Bragança, tendo sido, segundo Valdemar Pais, antigo zelador daquela secção museológica, usada pelo rei D. Carlos e mais tarde quando da visita do então presidente da república Mário Soares à capital do distrito149. Sobre as carruagens mistas de primeira e segunda classe pouco se sabe, sendo provável que tenham sido fabricadas pela Braine-le-Comte e pela La Métallurgique. Em 1906, a CN encomendou três novas carruagens mistas à Carl Weyer de Dusseldorf (ABy61-63). Eram parecidas com o salão encomendado à mesma firma, mas eram mais compridas e tinham corpo de metal. Tinham alpendres em cada extremidade e lotação para 12 passageiros de primeira classe e 24 de segunda, separados por um corredor que dava também acesso aos lavabos. De origem, tinham candeeiros a petróleo e aquecedores para os pés. Tinham uma tara média de 13 t e pelo menos desde 1908 estavam montadas sobre bogies150. Estiveram ao serviço (primeiro com a CN e
depois com a CP) até finais da década de 1970, sendo desmanteladas na década seguinte. Já as carruagens de segunda classe foram todas construídas entre 1886 e 1890 por quatro companhias diferentes: Bristol Wagon Works (B81), La Métallurgique (B82, B84 e B85), Nicaise et Delcuve (B83) e Braine-le-Comte e/ ou La Métallurgique (os restantes). Segundo Davies, estas vagões eram “four-compartment four-wheelers, with thinly upholstered seats, only one complete, central partition and two shared lamps”151. Tinham uma tara média de 5,3 t e assentavam sobre dois eixos152. Em 1947, só restavam seis deste conjunto de 11. Por fim, as carruagens de terceira classe existentes em 1930 tanto resultaram de encomendas à Braine-le-Comte como de reconstruções de outros vagões executadas nas oficinas de Mirandela (é possível que nas oficinas da CN de Mirandela e Viseu tenham sido feitas muitas alterações a todos estes veículos: alpendres adicionados nas extremidades, corpo em metal, casas-de-banho, aumento de comprimento, fusão de carruagens – como é exemplo a C124 guardada em Bragança ou a C252, preservada em Macinhata –, aumento da lotação e do número de compartimentos internos, intro-
148 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 149 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M17.2014 Valdemar Pais 150 Arquivo histórico militar. Div 3/20/40/1, 1908-1911; Div 3/20/30/10, 1924-
1925. 151 DAVIES; 1998: 101. 152 Arquivo histórico militar. Div 3/20/40/1, 1908-1911; Div 3/20/30/10, 19241925.
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dução de travões a vácuo, luz e aquecimento eléctrico, etc.). A sua tara média variava entre as 5,2 e as 14,1 t conforme a tipologia da carruagem (ver tabela 2)153. Tabela 2 – Características das carruagens de passageiros usadas no Tua até à década de 1920154 Série
S
AS
A
AB
ABy
B
Cfv
Tipo
Salão
Coupé
1.ª
1.ª e 2.ª
1.ª e 2.ª
2.ª
3.ª
Numeração
1
11
12, 13 e 17
51 e 52
61 a 63
Quantidade
1
1
3
2
3
4
7
7
1
1 de 1 de 1 1.ª 2.ª WC
4
4
1
1
Compartimentos
1 1 lavatório WC
2
Dimensão Comprimento 4,5 2,12 de cada compartimento Largura 2,35 2,35 (m) Por 12 compartimento
Lugares
3
2 de 1.ª
33
3,28 4,63 1,65 2,27
2,27
6,1
-
0,79
0,79 2,06 2,06 2,06 1,67 1,2 1,23 1,75 1,6 1,6 2,39 2,39 1,3 1,57
1,57
2,35
-
10
10
40
-
40
48
-
6
8
8
8
2,27
29
1,06
-
2,24
2 de 2.ª
81 a 121 a 126 127 a 84 e 134 133
3.ª
1,06
8
2,27
1
3.ª
4
4
8
10 10
12
24
-
20
22
28
32
36
40
40
Entre párachoques
10,42
7,38
7,42
7,38
11,93
7,38
7,38
8,4 12,32
Interior
7,75
6,28
6,25
6,18
9,25
6,28
6,28
6,1
Máxima
2,53
2,56
2,55
2,56
2,51
2,56
2,56
2,64 2,62
Interior
2,35
2,27
2,24
2,27
2,39
2,27
2,27
2,38
2,4
No lado
2,88
3
2,82
2,82
3
2,82
2,82
3
2,88
Na parte média
3,12
3,1
3,08
3,08
3,19
3,08
3,08
De vácuo
1
1
1
1
1
1
1
Manual
1
-
-
-
1
Eixos
4
2
2
2
4
4
4
Tara (t)
10,9
5,9
5,9
5,55
13
5,3
5,2
Altura
Dimensões (m)
Largura
Comprimento
Por veículo
3
CSfv CRf
Freios
153 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 154 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
9,4
3,19 3,517
1
1
1
1
4
4
6,35 14,1
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A CP continuou esta política de reconstrução de vagões antigos, se bem que tenha também desmantelado muitos deles até 1960. Segundo Davies, até finais da década de 1970 e inícios da década de 1980, ainda continuavam ao serviço as duas carruagens de primeira classe 13 e 17 e 13 carruagens de terceira classe (122 a 127, 129 a 134 e 252), todas colocadas na linha do Tua. Na década de 1980, todos foram sucessivamente destruídos à excepção das carruagens 13, 130 (ambas preservadas em Bragança com os números CN13 e CN124), 125 (armazenada no Tua) e 252 (colocada no núcleo de Macinhata)155. 155 DAVIES, 1998.
Algumas destas carruagens originais da CN, bem como outras de outras companhias na mesma altura tinham um sistema de iluminação engenhoso: “para a iluminação das carruagens e do comboio era produzida energia eléctrica por um gerador que tinha uma correia ligada ao rodado e havia um dínamo que gerava a corrente (…). Esse dínamo, que era montado no chassis da carruagem, girava e ia para um regulador de tensão, onde se regulava a corrente para carregar as baterias. Funcionava como o alternador de um carro”156. 156 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M21.2014 Aníbal Joaquim Rodrigues, João Evaristo Gonçalves e António Diamantino de Jesus
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35 023
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4.1.2.2. De mercadorias, bagagens e correio Como seria natural, a CN possuiu também uma frota especializada em transporte que não de passageiros. Para transporte de bagagens e correio, a CN dispunha dos vagões Dfv 251 a 256, o segundo, o terceiro e o quarto fabricados em Nivelles pela La Métallurgique em 1887, os restantes de origem desconhecida. Davies dá-nos a seguinte descrição destes veículos: “Standard coach underframe and had metal-clad bodies with a sliding door each side but personnel doors on one side only. One end was partitioned off as a guard’s compartment, with a pillar handbrake and a raised plinth beneath a half-width «birdcage» lookout. The other end comprised an entrance lobby, with bench seat, and 021
Locomotiva E111 (antiga CN7/21) puxando uma composição à saída de Abreiro em data desconhecida © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E111 (antiga CN7/21) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E111 (antiga CN7/21) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E111 (antiga CN7/21) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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a half-width toilet. The central space, reached via a sliding door on each side, was bare”. Os veículos 251, 255 e 256 distinguiam-se dos demais por terem “a full width birdcage roof lookout over a guard’s compartment at one end, a large central luggage space accessed by a sliding door each side and with two half-width toilets with side doors at the other end. The guard’s compartment was fully partitioned, with an entrance door at each side and a raised central dais with pillar handbrake. In the main space against that partition, were a livestock box, with internal lid and external grill, at one side and a desk and cupboard at the other. There was a full length footboard along each side”157. A sua tara média era de 5,35 t158. A partir de certa altura, nos veículos 252, 253 e 254 a gaiola foi removida e o guarda passou a ter um compartimento maior com acesso interno para o espaço da bagagem. O hall de entrada foi convertido numa casa de banho com portas internas e externas e uma cómoda ou prateleiras ocupava o espaço original da casa de banho. Na forma final dos restantes, gaiolas com portas externas com um armário por cima substituíram uma casa-de-banho. O compartimento do guarda tinha uma abertura sem porta para a divisão principal da bagagem e continha uma pequena bacia alimentada por um tanque no telhado que também fornecia a outra casa-de-banho. Havia variações mínimas entre os três veículos, o que sugere reconstrução. Aparentemente todos estes vagões foram herdados pela CP, se bem que tenham sido separados entre o Tua (252, 253 e 254) e o Sabor (os outros), onde serviram até pelo menos a década de 1970. Sobreviveram os veículos 254 (transformado em veículo de serviço) e 255 (preservado em Bragança, pintado de cinzento)159. É também possível que o vagão guardado em Macinhata com a designação Dfv 255 seja um dos desta série. A acreditar nos relatórios e contas da CN, a com157 DAVIES, 1998: 108-109. 158 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 159 DAVIES, 1998: 108-109.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) saindo do túnel das Presas no sentido descendente (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) em aproximação ao viaduto das Presas em sentido ascendente (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) sobre o viaduto das Presas no sentido descendente (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) saindo do túnel das Presas no sentido ascendente (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) afastando-se do túnel das Presas no sentido descendente (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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panhia construiu também alguns vagões em 1902 nas suas próprias oficinas. Desconhecemos, porém, qual a sua designação e evolução160. A partir de 1910, a CN passou a dispor de veículos próprios para o transporte de correio, provavelmente construídos nas suas oficinas de Mirandela, com peças e estruturas de outros vagões e seguindo o modelo dos Caminhos de Ferro do Estado. Eram “4-wheeled vans to standard CN passenger stock dimensions. They had a metal-clad body with four windows and a central personnel door each side, the door having a droplight. The roof was double and the drawing shows no indication of lighting. The interior was a single space, with sorting desks and pigeonholes against each end bulkhead. One half of the vehicle otherwise contained only a letterbox let into each side, and a folding basin next to one door. The other half had a table, with cupboards under, against one side while the other contained a three seat wooden bench – which coyly hid a primitive toilet beneath a flap at one end. The modifications referred to above in 1936, sensibly changed these arrangements so that sorting stations were in a horseshoe pattern round one half of the vehicle while the other end was bare except for a partitioned-off washroom/toilet in one corner, the letterboxes and a heating stove”161. Permaneceram na CP até 1953, ano em que provavelmente foram desmantelados e substituídos pelos novos vagões-correio de bogies Linke-Hofmann. Para transporte exclusivo de mercadorias, a CN originalmente (1887) dispôs para o Tua uma frota de mais de 40 veículos, a saber: 13 vagões de taipais baixos (séries L301-309 e Lf310-313, 316 de acordo com os relatórios dos militares, fabricados em Nivelles pela La Métallurgique, com respectivamente 3,2 e 3,65 t de tara média162, um deles preservado na secção museológica de Bragança), 18 vagões de bordas altas (séries O501-511 e Ofv 512-518, 160 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1903: 15. 161 DAVIES, 1998: 109. 162 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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fabricados pela mesma companhia e com tara média de 4 t163) e 18 vagões cobertos (séries J801-812 e Jfv 813-818, produzidos igualmente em Nivelles e com tara média de 4,5 e 5 t conforme dispusessem ou não de freio164). Até 1890 a frota foi reforçada com mais 22 vagões cobertos (Jfv 819-822, Jf901-904, Jfv 905-907 e J908-918, as três últimas produzidas pela La Métallurgique em 1890, a primeira de origem desconhecida). A abertura das secções a norte de Mirandela a partir de 1904 obrigou a CN a novo investimento em material de transporte. Chegaram assim ao Tua mais sete vagões de taipais baixos (séries Lf314316 e L317-320, 322 de acordo com os relatórios marciais, fabricadas provavelmente pela Compagnie Centrale de Construction de Haine St. Pierre), 24 vagões de bordas altas (séries O519-522, Of523-532 e O533-542, a primeira fabricada pela Compagnie Centrale em 1904, as duas últimas pela escocesa Hurst Nelson de Motherwell em 1907, com tara média entre os 4 e os 4,5 t165) e 12 vagões cobertos (série J823-834, produzidos pela Compagnie Centrale em 1904). Se nos fiarmos nos registos do arquivo históri-
co militar, aportaram ao Tua, provindos do Sabor, três vagões de bordas baixas com os números 16, 30 e 31 (ver tabela 3). É ainda possível que para esta extensão férrea, as oficinas de Mirandela tenham reconstruído uma parte da frota. Genericamente, “all were on standard girder chassis, of a nominal 5,050m length and 2,200m width over headstocks, with a wheelbase of 2,500m and laminated spring running gear. Nominally unbraked vehicles actually had a lever parking brake on one side only, operating on two wheels, while braked ones had a pillar handbrake at one end. Initially all appear to have handbrakes only but by the 1920s all had been piped and some fitted with vacuum brakes”. Os vagões cobertos seriam cinzentos e os vagões de taipais vermelho oxidado166. Davies identificou ainda dois veículos especiais na frota da CN: o T1001 (ou simplesmente T1), um guindaste móvel de quatro rodas, dois eixos e tara média de 14 t167, fabricado pela Baume et Marpent para a abertura da linha do Tua; e o Js1, uma oficina móvel resultante de uma conversão de um vagão coberto168. Em 1926, chegaram a Portugal, para a linha do
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163 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 164 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. Este arquivo dá-nos uma numeração diferente para este material entre o 1 e o 11 e entre o 23 e o 34 (para os vagões sem freio) e entre o 12 e o 22 (para veículos com travão). 165 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
166 DAVIES, 1998: 110. 167 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925. 168 DAVIES, 1998.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) na estação de Mirandela em data desconhecida © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) em Mirandela em 1978 © Axel Spille.
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Corgo, à laia de compensação de guerra por parte da Alemanha, cinco vagões de via estreita (série DRfv12-16). É provável que toda a colecção tenha estado no Tua, embora a única certeza recaia sobre os vagões 14 e 15 (4 e 5, de acordo com a documentação do arquivo histórico militar): o primeiro, construído pelos Ateliers Germain, foi alugado
pela CN, que o transformou num vagão-pagador; o segundo, fabricado pela Maschinenfabrik Augsburg de Nuremberga foi convertido numa carruagem de bagagens e correio em 1942 (DPRfv1)169. Por fim, referência a duas carruagens que vieram parar ao Tua ainda durante a gerência da CN: a SRfv4 (fu169 DAVIES, 1998.
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170 DAVIES, 1998: 167, 171, 173.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) na estação de Carvalhais (década de 1970) © Detlef Schikorr.
038
Locomotiva E113 (antiga CN9/23) entre Carvalhais e Vilar de Ledra (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) sobre o viaduto da Assureira (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) sobre o viaduto da Assureira (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) saindo do viaduto da Assureira (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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tura IEfv 40042) e a IE 40041 (futura JEsf 40052). A primeira foi construída no Pocinho pela CN a partir de uma carruagem de mercadorias fabricada em 1906 pela Compagnie Centrale de Construction. Entre 1934 e 1936 seria alterada e transformada numa carruagem-oficina para o departamento de via. A segunda era um vagão fechado usado como oficina (e mais tarde messe) construído a partir de um veículo de trabalho com um tanque de 4 m3 170.
Locomotiva E113 (antiga CN9/23) perto de Mirandela em data incógnita © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Representação gráfica da locomotiva E114 (antiga CN10/24) por artista desconhecido. Fonte: BastãoPiloto, n.º 103: capa.
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Locomotiva E114 (antiga CN10/24) na estação de Macedo de Cavaleiros em data desconhecida © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Esquema das locomotivas da série E11X/CNX/CN2X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Departamento de Material e Oficinas. Serviço de Estudos. Locomotivas a vapor de via estreita. Características. [S. l.]: [s. n.].
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Esquema das locomotivas da série E11X/CNX/CN2X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Departamento de Material e Oficinas. Serviço de Estudos. Locomotivas a vapor de via estreita. Características. [S. l.]: [s. n.].
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Esquema das locomotivas originais da linha do Tua, quando da gestão pela CN. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Serviço de Tracção e Oficinas. Tipos de locomotivas. [S. l.]: [s. n.].
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Detalhe de esquema das locomotivas originais da linha do Tua, quando da gestão pela CN. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Serviço de Tracção e Oficinas. Tipos de locomotivas. [S. l.]: [s. n.].
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A locomotiva 31, Lydia, primeira máquina a diesel a operar em Portugal (data desconhecida). Fonte: DAVIES, 1998.
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Outra imagem da locomotiva 31, Lydya (1938). Fonte: www.cp.pt.
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Tabela 3 – Características dos vagões e furgões de mercadorias usadas no Tua até à década de 1920171 Série
Tipo
DFv
DRf
DRf
Furgões para bagagens e recovagens
J
Jfv
Vagões cobertos para mercadorias
L
801 a 812, 813 a 822 301 a 309 310 a 30 e 823 a 834 e e 901 a e 317 a 316 31 908 a 918 907 322
251 a 256
4
5
Quantidade
6
1
1
35
17
15
7,4
8,52
11,72
5,94
5,94
5,94
4,95
4,95
Comprimento
Entre párachoques
3,2 3,2 (bagagens) (bagagens) 2,8 2,8 (correio) (correio)
LR
LRf
Vagões de bordas baixas para mercadorias
Numeração 48
Lf
7
2
16 1
O
Of
Ofv
T
Vagões de bordas altas para mercadorias
Vagão com guindaste para cargas e descargas
501 a 511, 512, 513, 514, 519 a 522 e 515, 518 e 516 e 533 a 542 523 a 532 517
1
25
14
3
1
5,94 10,12 10,22
5,94
5,94
5,94
5,94
4,9
4,9
8,92
8,92
4,9
4,9
4,9
5
Máxima
2,42
2,5
2,411
2,48
2,48
2,32
2,32
2,49
2,49
2,24
2,24
2,24
2,3
Interior
2,2
2,26
2,104
2,18
2,18
2,24
2,24
2,08
2,08
2,12
2,12
2,12
2
No lado
2,9
3,2
3,2
2,95
2,95
1,25
1,25 1,312 1,312
1,9
1,9
1,9
1
Na parte média
3,12
3,345
3,389
3,1
3,1
1,25
1,25 1,312 1,312
1,9
1,9
1,9
1
De vácuo
1
1
1
0
1
0
1
0
1
0
1
1
0
Manual
1
1
1
0
1
0
0
1
1
0
0
1
0
Vão das portas ou taipais de abater (m)
1,5 x 1,8
-
-
4,9 x 0,3
4,32
4,32
1,55 x 1
1,55 x 1
1,55 x1
-
Tara (t)
5,35
8,8
14,7
4,5
5
3,2
3,65
7
7,8
4
4,2
4,5
14
Carga máxima (t)
10
-
-
10
10
10
10
14
14
10
10
10
-
Número de eixos
2
2
4
2
2
2
2
4
4
2
2
2
2
Freios
Altura
Largura
5,5
Dimensões (m)
Interior
171 Arquivo histórico militar. Div 3/20/30/10, 1924-1925.
1,55 x 1,8 1,55 x 1,8 4,9 x 0,3
49
4.2. COM A CP 4.2.1. Locomotivas a vapor Com a passagem da linha do Tua para a CP, o inventário de locomotivas foi substancialmente alterado. Em primeiro lugar, o conjunto inteiro foi renumerado. As máquinas primitivas da CN, que por esta altura ostentavam a identificação CNX, transformaram-se na série E (E provavelmente de estreita) 81 a E86 (e depois de 1974 UIC 3-069081 a 086). As CN21 a 24 tornaram-se as E111-114 (depois de 1974 3-089 111 a 114). Além do mais, algumas destas máquinas que nunca tinham visto outras paisagens que não as do Tua, foram dispersadas pela rede: as locomotivas E83, E84, E85 e E86 (antigas Mirandela, Villa Flor, Carrazeda e Foz-Tua) foram colocadas nas linhas de via estreita do Porto (a E86 e provavelmente a E111 também trabalharam no Vouga e a E114 teve ainda uma curta experiência nas linhas centradas na Invicta), enquanto as máquinas E81, E82, E112 e E113
nunca deixaram as margens do Tua. A E81 e a E82 eram as máquinas do maquinista Fernando dos Anjos, e com as quais passou alguns momentos atribulados: “uma vez, eu vinha do Tua com a 82 (a minha, a 81, estava na oficina) e trazia um comboio de adubo. Ao pé do túnel da Falcoeira, por cima do Castanheiro, comecei a andar mais devagar porque avistei qualquer coisa ao longe em cima da linha. Era uma pedra que estava a dois dedos da borda de um carril; saí, medi, e muito a custo, consegui passar. Quando cheguei a Santa Luzia, avisei e lá foram tirar a pedra. Um maquinista sem experiência era capaz de não ter passado”171. Para substituir aquelas quatro máquinas (E83 a E86), a CP colocou no Tua as seguintes locomotivas vindas do Dão: CN1, CN2, CN5 e CN6 ou, para ser mais preciso, E51, E52, E55 e E56, pois estes foram os novos 171 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
números atribuídos pela CP (e depois de 1974 3-059051 a 056172). Circularam sobretudo no troço entre Foz-Tua e Mirandela, puxando comboios de serviço e mistos ou servindo como máquinas de manobras, tendo também circulado nas vias-férreas de via estreita do Corgo, Sabor e Porto173. Por curiosidade, a E53, antiga CN3 Santa Comba, foi transferida para a estação da Boavista (Porto) como máquina de manobras, enquanto a E54 (antiga CN4 Tondella) foi usada no Pocinho e na Régua, também como locomotiva de manobras. Esta última encontra-se actualmente em Viana do Castelo num pedestal na quinta do Santoinho174. Estas máquinas sofreram também algumas modificações sob a gestão da CP: “E52, 54 and 56 had twin pop safety valves over the dome, 172 Arquivo CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. 173 PEDREIRA, 1991: 10. 174 ARAÚJO, 1992: 20. NUNES, 2005a: 50. NUNES, 2005c.
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
050
50
the others had them mounted side by side over the firebox; domes were not all of the same height or shape. E 52 and E 54 retained the original stove type smokebox doors, matched to the original buffer beams, the others having conventional circular doors and squared off beams, and E 53 alone ended up with a copper capped chimney. All, however retained the original open-backed cab, although a rather primitive wooden backboard went the rounds”175. Na série E8X (antigas CN-1/11-CN6/16) “the cabs were fully
enclosed, with a modified roof line, and, from field measurements, slightly larger boilers appear to have been fitted, the frames lengthened and the bufferbeams replaced by a modified pattern. Two copper-capped chimneys appear to have been swapped around, possibly owing to boiler changes during overhauls”176. Também uma das locomotivas da linha de Guimarães foi, na década de 1950, para o Tua, por lá permanecendo até 1963, quando foi abatida. Era uma de duas máquinas-
175 DAVIES, 1998: 94. Ver também NUNES, 2005a: 51 e PEDREIRA, 1991: 10.
176 DAVIES, 1998: 89-93.
052 051
053
51
050
Locomotiva E81 (antiga CN1/11) tomando água em Cortiços (década de 1970) © Detlef Schikorr.
051
Locomotiva E81 (antiga CN1/11) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
tanque tipo Mogul 2-6-0T (1’Ct n2), com um eixo móvel, construídas em 1884 pela Societé Suisse pour la Construction de Locomotives et de Machines (Schweitzerische Locomotiv u Maschinenfabrik) de Winterthur para a Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães. Na altura, estas máquinas tinham os números 4 e 5, passando a ostentar a numeração 24 e 25 após a fusão daquela empresa na Companhia
dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal. Com a concessão única passaram a ter o identificativo E71 e E72. Segundo Nuno Nunes, a E71 foi a que operou no Tua, como máquina de manobras ou de substituição177. Tinham “outside cylinders with Walschaerts motion actuating slide valves and a full cab with back 177 NUNES, 2005b.
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
052
053
bunker. Boiler fittings comprised a plain tapered chimney, and a large cylindrical dome on the front ring; a cylindrical sandbox was added later between dome and cab. The smokebox appeared externally to be integral with the boiler barrel. A single spring safety valve was mounted directly on the dome casing and two Gresham injectors were fitted. The locomotives were arranged for right hand drive, with screw reversing gear”178. Em 1979, já não constavam do inventário da CP, segundo os registos da mesma companhia. Terão sido abatidas entre 1963 e aquela data179. As locomotivas da série E8X
(a série original do Tua) e a E114 não sentiriam saudades de casa durante muito tempo, pois nas décadas de 1960 e 1970 voltaram progressivamente para o Tua. O ex-maquinista Fernando dos Anjos chegou a trabalhar com este modelo bem como com as máquinas da série E8X. Segundo o antigo funcionário da CP, a E114 “era muito boa. Mas, a minha [a E81] era melhor... andava mais bem composta. Esta foi a tal que me partiu o vidro de nível à saída do Tua; esta não tem a cabine fechada. Tinha um oleado que se baixava quando chovia ou estava frio (...) A máquina a vapor dava muito que fazer ao maquinista”. A E114 foi também a locomotiva que levou Mário Soares, então presidente da república a Bragança. Fernando dos Anjos foi o
52
178 DAVIES, 1998: 35-36. 179 Arquivo CP. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário de Material Circulante. Situação referida a 31/12/1979. [S. l.]: CP, 1979.
maquinista responsável pela condução do chefe de estado. “Eu fui escolhido para fazer o comboio em que veio Mário Soares (...) Para mim foi um dia de fome. Vinha um inspector atrás de mim, que não percebia nada de condução, mas queria tudo à moda dele; era muito mesquinho; viemos com o café desde Bragança até ao Cachão (...), mas ele [Mário Soares] só foi na máquina entre Carvalhais e Mirandela. Eu estava a ver que não chegávamos a Mirandela, porque era ele que ia a deitar o carvão (borrou as mãos e tudo) e não deitava muito. Custava-lhe baixar-se, que ele era gordo...”180. As linhas no litoral em torno do Porto ou de Aveiro eram natu180 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
054
055
53
ralmente consideradas mais valiosas e mais propensas à inovação. Nestas ferrovias, máquinas como as E8X tornaram-se obsoletas mais rapidamente e foram recambiadas para linhas de menor tráfego, como o Tua. Um bom exemplo desta política é a locomotiva E95 (antiga VV2?), originária da linha do Vouga que veio para o Tua em 1976. Era uma locomotiva-tanque do tipo Mogul 2-6-0T (1’Ct n2) encomendada à firma Orenstein & Koppel e construída em 1910 em França pela Decauville, então associada daquela empresa alemã181. Citando Davies, “they were straightforward, Germanic-looking side tank locomotives with only a par181 Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.]. OLIVEIRA & MARQUES, 1988: 34. PEDREIRA, 1991: 15.
tial running plate, high-set side tanks with side and rear bunkers, outside cylinders, and Walschaerts valve gear. Boiler fittings comprised a tapered, rimmed funnel, a large, rounded dome, round sandbox on the rear boiler ring and twin safety valves over the firebox (…). The firebox was of Belpaire shape and they had a full, germanic cab with side window and a rounded roofline”182. O eixo não motor era móvel. Também algumas máquinas a vapor Mallet 0-4-0T (B’Bt n4v), provenientes das antigas linhas do Tâmega, Corgo e Sabor (pertencentes ao estado) vieram para o Tua em 1975/1976 (as Mallet eram locomotivas com rodados agrupados em dois bogies, um fixo e o outro articulado, o 182 DAVIES, 1998: 199-200.
052
Locomotiva E81 (antiga CN1/11) em local e data desconhecidos Fonte: Boletim da CP, nº 247 (1950).
053
Locomotivas E81 (antiga CN1/11) e E82 (antiga CN2/12) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E82 (antiga CN2/12) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E83 (antiga CN3/13) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
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056
Locomotiva E83 (antiga CN3/13) na estação da Senhora da Hora da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E83 (antiga CN3/13) perto do apeadeiro de Araújo na linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E84 (antiga CN4/14) na estação de Viseu na linha do Dão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
059
Locomotiva E85 (antiga CN5/15) na estação da Póvoa de Varzim da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
060
Locomotiva E85 (antiga CN5/15) em Amorim na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
061
Locomotiva E85 (antiga CN5/15) na estação de Famalicão da linha do Porto à Póvoa e a esta cidade (década de 1970) © Detlef Schikorr.
062
Locomotiva E85 (antiga CN5/15) na estação de Famalicão da linha do Porto à Póvoa e a esta cidade (década de 1970) © Detlef Schikorr.
058
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que, aliado à maior potência dos seus motores de dupla expansão/v, permitia uma melhor adaptação a vias mais curvilíneas183). Pelo menos as E163, E165, E166, E167, E168, E169 e E170 (antigas MD403, MD405, MD406, MD407, MD408, MD409 e MD410 e futuras 3-069163-170) arribaram ao Tua, onde trabalharam até ao fim do vapor nesta linha, poucos anos depois da sua chegada184. Faziam parte de uma série de dez locomotivas comprada à casa Henschel & Sohn entre 1905 e 1909 (as primeiras quatro chegaram naquele primeiro ano; as restantes seis no segundo)185 para trabalhar na linha do Corgo e na secção da linha do Tâmega entre Livração e Amarante. Tinham “full, side-windowed cabs with back bunkers and long boilers with a central dome but without sandboxes – 183 LUNA, 2003: 6. OLIVEIRA, 2010: 59. 184 NUNES, 2006. 185 Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.]. Trainspotter, n. 15 (2011): 29. CATALO, 1990: 15. NUNES, 2006.
060
061
062
although two, one in front and one to the rear of the dome, were added prior to 1947. The dome was of brass but was normally painted; it is only on preserved examples that it has been scraped clean! Two pop safety valves were mounted over the firebox and a copper capped chimney was fitted. The side tanks were almost full length from the start. All four cylinders had slide valves actuated by Walschaerts motion and an interesting feature was that the locomotives had outside rear frames although the front bogie frames were inside”186. Fernando dos Anjos recorda-se de trabalhar com este modelo. Conta que “uma vez, trouxe a 169, que era das da Boavista. Vinha com um comboio de mercadorias. Em Rebordãos avariou-me uma viela de avanço... eu, em Mirandela bem a vi, mas pensei: ‘vais até onde calhar’, mas, quando cheguei a Rossas, lá me partiu a puta da viela de avanço. E era aqui que eu largava o serviço... E agora? Disse ao que ia comigo, que era um homem de Tomar chamado Vicente – era um borracho como um ladrão, bebia vinho como um burro: ‘Vai lá pedir por aí um serrote’... Calçamo-la, deixamo-la fora de serviço e... Bragança com ela...”187.
186 DAVIES, 1998: 144-145. 187 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
55
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
Tabela 4 – Algumas características das locomotivas a vapor do Tua188 Séries Características (mm)
CN1-6 E51-56
56
CN(1)1-(1)6
CN7/21-8/22
CN9/23-10/24
MD403-410
VV2
E81-86
E111-112
E113-114
E163-170
E95
E71-72
Comprimento entre párachoques
6890
7990
7600 ou 7910
8300
8300
9733
7336
Comprimento total
7940 ou 7990
8680
8710 ou 8950
9350, 9400 ou 9420
9350 ou 9420
10853
8400
Largura total
2400
2500
2400 ou 2420
2400
2400
2500
2400
Altura até à chaminé
3640
3550
3640 ou 3750
3570 ou 3750
3570 ou 3750
3750
3400
Distância entre eixos (rígidos)
2850
2600
2850
2850
2850
-
-
Distância entre eixos (total)
2850
4650
4650 ou 4700
4650 ou 4700
4700
5200
4400
Diâmetro das rodas motoras
1000
1000
1000
1000
1000
1100
1020 ou 1030
Diâmetro das rodas dianteiras
n/a
750
800
800
800
n/a
730
Número de cilindros
2 (exteriores)
n/a
2 (exteriores)
2 (exteriores)
2
4 (exteriores)
2
188 Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Departamento de Material e Oficinas. Serviço de Estudos. Locomotivas a vapor de via estreita. Características. [S. l.]: [s. n.]. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.]. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Linha de Santa Comba a Vizeu. Tipo das locomotivas de 3 eixos conjugados. [S. n.]: [s. l.], 1947. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Linha do Tua. Esquema das locomotivas existentes nesta linha. [S. l.]: [s. n.], 1947. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Serviço de Tracção e Oficinas. Linhas do vale do Corgo e vale do Sabor. Tipos de locomotivas. [S. l.]: [s. n.], 1947. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Serviço de Tracção e Oficinas. Tipos de locomotivas. [S. l.]: [s. n.]. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário de Material Circulante. Situação referida a 31/12/1979. [S. l.]: CP, 1979. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. Arquivo histórico militar. Div 3/20/40/1; Div 3/20/30/10, 1924-1925. DAVIES, 1998. OLIVEIRA, 2010: 61 e 63.
Séries Diâmetro dos cilindros
350
340
350 ou 360
350
350
320 ou 390/480
350
Curso dos êmbolos
500
500
500
500
500
550
460
Sistema de distribuição
Allan
Walschaerts
Allan
Allan
Allan
Walschaerts
Walschaerts
Tipo de distribuidor
Plano
Plano
Plano
Plano
Plano
Plano
Cilíndrico
Sistema de alimentação
2 projectores Friedman
2 injectores Gresham modificado (nãoaspirante)
2 projectores Friedman
2 projectores Friedman
2 projectores Friedman
2 projectores Friedman
2 projectores Friedman
Sistema de iluminação
Acetileno
Acetileno
Acetileno
Acetileno
Acetileno
Acetileno
Acetileno
Sistema de lubrificação
Por copos e bomba
Por copos
Por bomba
Por copos e bomba
Por copos e bomba
Por bomba
Por bomba
Sistema de travagem
Vácuo e manual
Vácuo e manual
Vácuo e manual
Vácuo e manual
Vácuo e manual
Vácuo e manual
Vácuo e manual
Superfície de aquecimento (m2)
64,5, 70 ou 78
53,45
76,97 ou 85,5
99,36
99,36
74,68 ou 81,8
55,34 ou 58,34
Superfície da grelha (m2)
0,88 ou 0,96
0,90
1,05 ou 1,094
1,22
1,22
1,37
1
Número de tubos de fumo
132
117
132
172
172
144
127
Diâmetro dos tubos de fumo (mm)
45x50
41x46
45x50
41x48
41x48
41x46
41x46
Timbre da caldeira (kg/cm2)
10
10
10
11
11
12
12.5
57
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
Séries
58
Esforço de tracção (kg)
3675
3465
3675
4042
4042
6220
4103 ou 4109
Cavalos-vapor
510
-
600
835
835
655
500
Depósito de carvão (kg)
800
900
800
800
1000
1300
1150
Depósito de água (l/m3)
3000/3,0
3400/3,4
3400/3,4
3500/3,5
3900/3,9
3500/3,5
3400/3,4
Consumo médio de carvão (kg/ km)
10
-
10
10
-
16
-
Consumo médio de água (l/km)
100
-
100
100
-
200
-
Carga nas rodas dianteiras (kg)
n/a
6110
5500
6500
7000
n/a
5100
Carga máxima/peso aderente por eixo motor (kg)
8333
7130
7260 ou 7500
8000
8333
10700
8300
Carga rebocada em rampa de 18mm/m à velocidade de 26 km/h (t)
130
120
140
Carga total (kg)
25000
21390
22500
24000
25000
42100
24900
Tara/peso vazia (kg)
19000
-
21000
23200, 24000 ou 28200
23500 ou 25000
34200(?) ou 34400
-
Peso em ordem de marcha (kg)
25000
27500
28000
30300 ou 30500
32000
42000 ou 42100
30000
Velocidade máxima (km/h)
55
-
54 ou 60
54 ou 60
60
60
-
063
066
59 064
065
067
063
Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
064
Locomotiva E86 (antiga CN6/16) no apeadeiro da Avenida de França no Porto na linha desta cidade à Póvoa e a Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
065
Locomotiva E86 (antiga CN6/16) no apeadeiro da Avenida de França no Porto na linha desta cidade à Póvoa e a Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
066
Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Póvoa de Varzim na linha do Porto àquela cidade e a Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
067
Locomotiva E86 (antiga CN6/16) na estação da Póvoa de Varzim na linha do Porto àquela cidade e a Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
068
60
073
068
Locomotiva E111 (antiga CN7/21) na estação de Salsas em data desconhecida © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
069
Locomotiva E111 (antiga CN7/21) na estação de Rossas (década de 1970) © Detlef Schikorr.
070
069
Traseiras das locomotiva E111 (antiga CN7/21) e E112 (antiga CN8/22) na estação de Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
071
071
Locomotiva E112 (antiga CN8/22) na estação de Mirandela (década de 1970) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
072
Locomotiva E112 (antiga CN8/22) perto de Carvalhais (década de 1970) © Detlef Schikorr.
073
Locomotiva E112 (antiga CN8/22) perto de Vilar de Ledra (década de 1970) © Detlef Schikorr.
074
Locomotiva E112 (antiga CN8/22) sobre o viaduto da Assureira (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) sobre o viaduto da Assureira (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E112 (antiga CN8/22) na estação de Rossas em data desconhecida © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Descarrilamento da locomotiva CN8 (futura E112) em local desconhecida, ainda no tempo da CN.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) saindo da estação de Grijó, concelho de Macedo de Cavaleiros (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) saindo da estação de Macedo de Cavaleiros (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) sobre o viaduto do Remisquedo (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) saindo do viaduto do Remisquedo (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) aproximando-se do término da sua viagem em Bragança (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) na estação principal de Bragança (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) na estação principal de Bragança (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E113 (antiga CN9/23) na estação principal de Bragança (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E114 (antiga CN10/24) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E114 (antiga CN10/24) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E114 (antiga CN10/24) na estação da Senhora da Hora da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E51 (antiga CN1) na antiga cocheira de Bragança (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E51 (antiga CN1) na antiga cocheira de Bragança (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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A introdução progressiva de automotoras diesel-eléctricas no Tua tornou algumas destas locomotivas obsoletas. Em 1979, somente cinco máquinas a vapor permaneciam no Tua: E52, E55, E81, E82 e E95. Todas tinham sido já indicadas para preservação museológica ou para desmantelamento. Na rede por inteiro, havia ainda 29 locomotivas em uso, quase tantas como as que já se encontravam imobilizadas (22). Seis anos depois, em 1985, só quatro locomotivas se encontravam ainda ao serviço; 25 tinham sido assinaladas para serem colocadas em museus, oito estavam imobilizadas e 13 tinham sido abatidas189. 189
Arquivo histórico da CP. CP. Direcção
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Locomotiva E52 (antiga CN2) em cruzamento perto de Vilarinho (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E52 (antiga CN2), ainda com a placa original com o seu nome de baptismo, em Mirandela em data desconhecida © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Locomotiva E52 (antiga CN2), ainda com a placa original com o seu nome de baptismo, em Mirandela em data desconhecida © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotivas E52 (antiga CN2) e E82 (antiga CN2/12) cruzando-se em Vilarinho (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E53 (antiga CN3) abandonada na estação da Boavista (década de 1970). Esta locomotiva nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outras máquinas que ali trabalharam © Detlef Schikorr.
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Locomotiva CN3 (futura E53) ainda com a placa de número e nome originais (data desconhecida). Esta locomotiva nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outras máquinas que ali trabalharam. Fonte: Boletim da CP, n.º 106 (1938).
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Locomotiva E54 (antiga CN4) no Pocinho (linha do Sabor) em 1978. Esta locomotiva nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outras máquinas que ali trabalharam. © Axel Spille.
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Locomotiva E55 (antiga CN5) em manobras na estação do Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E55 (antiga CN5) em manobras na estação do Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E55 (antiga CN5) na estação do Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E55 (antiga CN5) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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O destino final destas locomotivas foi diverso: ao passo que a E51, E84 e E85 foram demolidas entre 1979 e 1985 e a E56 e a E112 alhures depois de 1986, a E52, E55, E83, E86, E111, E114, E163 e E167 foram preservadas em vários museus após a sua retirada de serviço (em meados da década de 1970): a E52 em Bragança e depois em Macinhata (como N2)190, a E55 também em Bragança191, a E83 em Lousado, a E86 em Macinhata (como CN6)192, a E111 primeiro em Bragança193 e depois em Macinhata (como CN7)194, a E114 em Bragança (esta máquina ainda estava operacional em 1990, tendo chegado a realizar pelo menos uma viagem turística pelo Tua em 1989195), a E163 primeiro em Estremoz e depois no Entroncamento (onde foi restaurada196) e a E167 em Lousado e mais tarde Arco de Baú-
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Industrial. Função Material. Inventário do Material Circulante. Situação referida a 31/12/79. [S. l.]: CP, 1979. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. DAVIES, 1984: 2. PEDREIRA, 1991:10. DAVIES, 1984: 24. PEDREIRA, 1991: 13. DAVIES, 1984: 23. Bastão-Piloto, n. 169 (Janeiro 1995): 20. Bastão-Piloto, n. 103 (Julho 1989): 12. Bastão-Piloto, n. s 113-114 (MaioJunho 1990): 24. DIOGO, 1993: 22. BONIFÁCIO, 1993: 15. NUNES, 2006.
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Locomotivas E55 (antiga CN5) e E56 (antiga CN6) lado a lado na estação do Tua em data desconhecida © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotivas E55, E81 e E82 (antigas CN5, CN1/11 e CN2/12) em Mirandela (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E56 (antiga CN6) no Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E56 (antiga CN6) em manobras provavelmente na estação do Tua (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Esquema das locomotivas da série E5X/CNX, segundo documentação da CN. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Linha de Santa Comba a Vizeu. Tipo das locomotivas de 3 eixos conjugados. [S. n.]: [s. l.], 1947.
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Esquema das locomotivas da série E5X/CNX, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].
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Locomotiva E71 na estação do Tua em 1959. Fonte: NUNES, 2005b.
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Esquema das locomotivas da série E7X, segundo documentação da CP. Fonte: Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Departamento de Material e Oficinas. Serviço de Estudos. Locomotivas a vapor de via estreita. Características. [S. l.]: [s. n.].
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Esquema das locomotivas da série E7X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s.d.].
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Locomotiva E95 na estação de Aveiro em data desconhecida © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Locomotiva E95 na estação de Viseu (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Esquema das locomotivas da série E9X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Departamento de Material e Oficinas. Serviço de Estudos. Locomotivas a vapor de via estreita. Características. [S. l.]: [s. n.].
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Esquema das locomotivas da série E9X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].
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Locomotiva E163 (antiga MD403) no Tua em data desconhecida. Fonte: Trainspotter, n. 15 (2011).
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lhe197. A E95 foi vendida para Espanha (Valencia) em 1979 para serviços turísticos198. A E113 foi reparada em Guifões e armazenada em Sernada do Vouga (ainda funcionava em 1990199). A E165 foi guardada em Livração, depois de ter sido retirada de serviço em 1986 (segundo alguns autores, esta máquina foi restaurada e colocada “como nova” em 1992-1993 em Guifões)200. A E169 foi colocada num pe197
Bastão-Piloto, n. 169 (Janeiro 1995): 13. MARQUES, 1989: 36. NUNES, 2006. 198 PEDREIRA, 1991: 16. 199 BONIFÁCIO, 2008. DIOGO, 1993: 22. PEDREIRA, 1991: 8. 200 Bastão-Piloto, n. s 113-114 (Maio-Junho 1990): 24. BONIFÁCIO, 1993: 15. DIOGO, 1993: 22. GRILO, 1997: 19. MARQUES, 1989: 24. NUNES, 2006.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) perto do apeadeiro de Vila Franca, 1978 © Axel Spille.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) nas imediações de Vila Franca em 1978 © Axel Spille.
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destal em Vila Real (como MD409)201, enquanto as suas irmãs E168 e E170 estão a apodrecer na estação do Tua202. O paradeiro da E166 é desconhecido, se bem que se saiba que estava a enferrujar no Tua em 1988/1992203. Quanto à E81 e E82, foram usadas como fornecedoras de peças. A E81 acabou por ser desmantelada, mas a E82 encontra-se no museu de Bragança, onde ostenta orgulhosamente o N1204. 201 DAVIES, 1984: 23. NUNES, 2006. 202 NUNES, 2006. 203 FERREIRA, 1988: 27-28. MARQUES, 1992: 13. NUNES, 2006. 204 CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. BastãoPiloto, n. 92 (Agosto 1988): 41. Trainspotter, n. 15 (2011): 29. DAVIES, 1984: 23. NUNES, 2005c. DAVIES, 1998: 91-95.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) próximo de Remisquedo em 1978 © Axel Spille.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) na estação de Bragança em 1978 © Axel Spille.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) chegando à estação de Bragança (1978) © Axel Spille.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) na Senhora da Hora na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E165 (antiga MD405) na estação de Amarante na linha do Tâmega em data desconhecida. Fonte: Trainspotter, n. 15 (2011).
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Locomotiva E165 (antiga MD405) na Senhora da Hora na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E166 (antiga MD406) na estação do Tua (data desconhecida) © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Locomotiva E166 (antiga MD406) na estação do Tua (sem data) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E166 (antiga MD406) na estação do Tua (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) estacionada em Bragança (1978) © Axel Spille.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) na estação de Fafe da linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) na rotunda da estação de Fafe da linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) na estação de Fafe da linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) em marcha na estação de Fafe da linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) no apeadeiro de Cepães da linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) na estação de PaçôVieira da linha de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) aproximando-se de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) na estação de Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E167 (antiga MD407) na Boavista, na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E168 (antiga MD408) em Castanheiro (1978) © Axel Spille.
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Locomotiva E169 (antiga MD409) no Cachão (data desconhecida) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E169 (antiga MD409) saindo de Mirandela (data desconhecida) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E169 (antiga MD409) estacionada em Mirandela (1978) © Axel Spille.
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Locomotiva E169 (antiga MD409) em Mirandela em 1978 © Axel Spille.
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Locomotiva E169 (antiga MD409) na Senhora da Hora, linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotivas E85 e E169 (antigas CN5/15 e MD409) em Guimarães (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E170 (antiga MD410) em Mirandela (data desconhecida) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Locomotiva E170 (antiga MD410) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E170 (antiga MD410) na rotunda da estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotiva E170 (antiga MD410) na estação da Boavista da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Locomotivas E167 e E170 (antigas MD407 e MD410) na Boavista na linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Esquema das locomotivas da série E16X, segundo documentação da CN. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Serviço de Tracção e Oficinas. Linhas do vale do Corgo e vale do Sabor. Tipos de locomotivas. [S. l.]: [s. n.], 1947.
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Esquema das locomotivas da série E16X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Departamento de Material e Oficinas. Serviço de Estudos. Locomotivas a vapor de via estreita. Características. [S. l.]: [s. n.].
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Esquema das locomotivas da série E16X, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. 1ª Zona. Locomotivas de vapor de via estreita. Esquemas e principais características. [S. l.]: [s. n.], [s. d.].
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4.2.2. Automotoras a gasolina Ao tomar conta da linha do Tua, a CP introduziu também algumas inovações no material circulante. Entre finais da década de 1940 e inícios da década de 1950, foram realizadas algumas experiências com três automotoras a gasolina de dois eixos. Tratava-se de um projecto experimental dirigido pelo engenheiro Vasco Viana que resultava das viagens de estudo que técnicos da CP tinham feito na década de 1930 pelas redes férreas europeias que já estavam a utilizar automotoras com motor de combustão interna. O objectivo passava por diminuir os custos de operação em linhas de tráfego reduzido. Em vez da composição pesada formada por locomotiva, carruagens e vagões, um único veículo automotor fazia praticamente o mesmo serviço sobretudo nas horas menos movimentadas205. 205 Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação.
A experimentação foi prática comum sob a gestão da CP, uma vez que havia uma “wide variety of buffing and coupling systems in use: the VV [Vouga line] had a central buffer with screw coupling below and safety chains; the CN had a similar but not necessarily compatible device at different height centres; the Norte, which had taken over Norwegian choppers from the CFG [linha de Guimarães] and hole-and-pin couplers from the PPF [linha do Porto à Póvoa e Famalicão], had a compromise with centre buffer and twin, close-set screw couplings; while the Estado had a central buffer with coupler underneath – but again at a different height. CP did eventually standardize on the latter – or something like it with a very large
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Automotora a gasolina da série MEX em acção no Tua (talvez São Lourenço) em 1948. Agradeço ao Dr. Albano Viseu a amabilidade em me ter cedido esta fotografia
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Automotora a gasolina ME7 no Pocinho. Esta máquina nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outros veículos que ali trabalharam © Detlef Schikorr.
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Automotora a gasolina ME7 no Pocinho. Esta máquina nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outros veículos que ali trabalharam © Detlef Schikorr.
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buffer – but inspection suggests that not all vehicles were refitted and in any case the, apparently indiscriminate, use of differing sized wheelsets meant that problems were never entirely solved”206. De volta às automotoras a gasolina, foram construídas em 1948 nas oficinas de Lisboa com peças de automóvel e motores Chevrolet de 6 cilindros, 3,5 litros e 90 cavalos. No Tua foram experimentadas as automotoras com os identificativos MEf2, MEf3 e MEf6 a MEf8 (depois de 206 DAVIES, 1998: 275.
1974, 9 0 94 6 019002, 3 e 6 a 8). Davies dá-nos uma descrição minuciosa deste equipamento, que ia beber muitas características ao material rodoviário (a nível de transmissão e freios, por exemplo): “they are full-fronted, single-ended railbuses with a front-mounted internal combustion engine driving a single rear axle through a mechanical lorry gearbox and cardan shafts; (…) The frame is a simple steel girder structure with its front end supported on a crude four-wheeled bogie and was produced by cutting and narrowing the original road chassis; two manual brakes are fit-
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Automotora a gasolina ME7 em Miranda/Duas Igrejas (1978). Esta máquina nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outros veículos que ali trabalharam © Axel Spille
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Automotora a gasolina ME7 estacionada em Miranda/Duas Igrejas em 1978. Esta máquina nunca operou no Tua, mas tinha o mesmo modelo de outros veículos que ali trabalharam © Axel Spille
ted, working on all wheels with a large brake wheel where the steering wheel would normally be. The whole affair is covered by a bulbous body fashioned in 1940’s «streamliner» style and built like a road coach. (…) Internally, the layout comprises the driver’s compartment containing the engine and a bench seat for driver and two 1st class passengers – though it often held up
to ten; a saloon containing transverse seats, originally all upholstered for 23 1st class passengers and latterly upholstered for eight 1st class passengers with similar plywood seats for fifteen 2nd (née 3rd) class [apesar de algumas carruagens possuírem 16 assentos de terceira classe na traseira e 11 assentos de primeira classe na dianteira; três destes assentos ocupavam um sofá em
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curva na dianteira, separados do condutor pelo motor e pela caixa de velocidades; a lotação em pé era de dez]; a small toilet compartment fitted into one rear corner. Entrance to the main saloon is by car-type doors halfway along its length and the entrance area – which thriftily contains a seat for three people – now divides 1st from 2nd class allowing five official standees. Light buffers are fitted but there is no provision for a trailer. The cars had a thermic siphon heating apparatus, off the exhaust, and electric light”207. Uma bagageira colocada fora do chassis na traseira guardava depósitos de água, enquanto o depósito principal de 207 DAVIES, 1998. Ver também: AMARO, 2005. AMENDOEIRA, [s. d./a]: 1.
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Esquema das automotoras da série MEX, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Serviços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. Lisboa: CCFP, [s.d.].
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Esquema das automotoras da série MEX, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Serviços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. Lisboa: CCFP, [s.d.].
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gasolina estava por baixo do sofá de primeira classe e tinha um bocal interno. As experiências não foram bem-sucedidas no Tua, pois esta linha, apesar de tudo, ainda era das que apresentava números de tráfego mais elevados, de maneira que o uso das automotoras só era feito em períodos vagos muito curtos208. A utilização destas máquinas foi assim descontinuada, embora noutras linhas tivessem sido usadas até mea208 Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação.
dos das décadas de 1970/1980 (quando foram assinaladas para demolição209), se bem que com constantes avarias210. A MEf2 e MEf6 tornaram-se inoperáveis por essa altura. A MEf3 foi preservada em azul no museu de Macinhata do Vouga (e em Arco de Baúlhe e Lousado encontramos dois outros exemplares deste modelo: a MEf5 e a MEf7)211. 209
Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário do Material Circulante. Situação referida a 31/12/79. [S. l.]: CP, 1979. 210 Arquivo RTP. Programa O Comboio do Sabor de 2.4.1980, 13:20. 211 Bastão-Piloto, n. 169 (Janeiro 1995): 13.
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4.2.3. Motores diesel A partir de 1947 e sobretudo após a Concessão Única, a CP decidiu investir na substituição do vapor pelo diesel nas suas linhas, uma vez que o parque de locomotivas a vapor estava envelhecido e deteriorado e a tracção a diesel afigurava-se mais barata que a tracção a vapor212. A preocupação com a economia de combustível era algo que tinha as suas raízes há algumas décadas, mesmo na própria CN. Desde cerca de 1910 que a companhia vinha introduzindo técnicas visando a redução do consumo de combustível, uma delas o aquecimento da água da alimentação antes de ser introduzida nos geradores de vapor213. E não esqueçamos que a primeira locomotiva diesel em Portugal circulou precisamente no Tua, adquirida pela CN. No Tua, o processo de dieselização e substituição do vapor começou verdadeiramente em 1955, com a chegada das primeiras automotoras Allan, de Roterdão. Isto não significou a retirada imediata do vapor, que ainda foi usado na linha nas duas décadas seguintes, em virtude de melhoramentos introduzidos ao nível do consumo de carvão nas máquinas214. No entanto, a chegada das Allan trouxe importantes consequências sobre o conjunto de carruagens de passageiros, uma vez que também prestavam o mesmo serviço (muito embora em algumas ocasiões tenham também rebocado carruagens mais antigas215). 212 OLIVEIRA, 2010: 70. 213 Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro. Relatório do conselho de administração apresentado à assembleia-geral em 1912: 16. 214 OLIVEIRA, 2010: 71-72. 215 GRILO, 1988-1989: 36. OLIVEIRA, 1991: 29.
4.2.3.1. As automotoras Allan As dez Allan de via estreita (existiam também 25 Allan de via larga) que vieram para Portugal foram construídas em 1954 pela N. V. Allan & C.ª de Roterdão (originalmente, uma fábrica de mobiliário216), após uma consulta a quatro ou cinco casas por parte da CP. Na recta final, a Allan superiorizou-se à Schindler e ficou com o contrato. A sua experiência com transmissões eléctricas e frenagem reostática e obviamente um preço mais favorável pesaram na decisão final. A versão de via estreita era melhor que a versão de via larga, pois esta havia sido construída em primeiro lugar. Naturalmente, os defeitos desta primeira leva (ao nível de uma excessiva preocupação no domínio da robustez estrutural, que se reflectia num exagerado peso das máquinas) foram tidos em conta e reparados na construção das Allan de bitola métrica217. As Allan eram automotoras diesel-eléctricas, de bitola estreita e bogie dupla. Inicialmente foi-lhes dado o identificador MEY 301 a MEY 310, que foi mais tarde alterado para 90 94 8 039301-9310 ou mais simplesmente, série 9300218. Vieram acompanhadas de oito atrelados (originalmente, série REY 301-308, depois série 50 94 28-29 301-308219). 216 217 218 219
FERREIRA, 2002. CASTRO, 1996: 26-27. AMARO, 2005. GRILO, 1988-1989: 15. Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
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Automotora Allan na linha do Tua, chegando a Abreiro (sem data) © Bureau Vaudoise d’Adresses, Aigle, Suiça. Fonte: Colecção Johannes Jacob Smit (reproduzida com autorização deste coleccionador)
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Automotora Allan em Mirandela durante a sua viagem de estreia (1955). Fonte: Boletim da CP, n. 317 (1955).
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Automotora Allan acompanhada da avoenga locomotiva E81 (antiga CN1/11) na estação de Sendas (sem data) © Bureau Vaudoise d’Adresses, Aigle, Suiça. Fonte: Colecção Johannes Jacob Smit (reproduzida com autorização deste coleccionador)
Chegaram em 1955, quando os caminhos-de-ferro portugueses “viviam uma época de grande modernização e desenvolvimento devido à aposta na tracção diesel”, com o propósito de melhorar a qualidade do serviço na rede de via estreita (que à data era considerado ineficiente em virtude da falta de material circulante e da antiguidade do mesmo) e de reduzir os custos com o dispendioso parque de locomotivas a vapor220. Especificamente para o Tua chegaram com o objectivo de substituir as automotoras a gasolina221. As Allan eram máquinas bastante modernas para a época, a nível de design, de parte mecânica e caixa (mais baixa e mais leve), de bogies e de freios (eléctrico combinado com pneumático), sendo consideradas mais eficazes em termos de consumo de combustível e mais confortáveis para os passageiros. Tinham um design tipicamente holandês, sendo muito parecidas (em termos de desenho, de pintura exterior, de interiores e também de problemas) com o modelo que a empresa produzira anos antes para os caminhos-de-ferro secundários holandeses e que aliás serviu de base para a encomenda portuguesa. A maior diferença registava-se ao nível das bogies (com suspensão secundária reforçada para mais bem as adaptar às características das linhas nacionais)222. Estes “motor-cars were powered by twin 204hp [11,3 l]223 AEC diesel engines driving both bogies through four 80hp electric motors”; estes motores
220 221 222 223
Divisão de Material e Tracção. Servicços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. [S. l.]: [s. n.]. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário de Material Circulante. Situação referida a 31/12/1979. [S. l.]: CP, 1979. Trainspotter, n. 17 (2011): 11. Informação recolhida no fórum comboios.org localizado em http://www.comboios.org/forum/viewtopic.php?f=985&t=11416&view=previous. GRILO, 1988: 56. OLIVEIRA, 1991: 17. AMARO, 2005. AMENDOEIRA, [s. d./a]: 1. GRILO, 1988-1989: 15. WEEL & OLIVEIRA, 1991. Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Serviços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. [S. l.]: [s. n.].
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eram um pouco frágeis e propensos a sobreaquecimento; “all mechanical equipment was situated underneath the body floor”, o que permitia que toda a caixa fosse usada para transporte de passageiros e bagagens224. O sistema eléctrico e pneumático permitia o acoplamento de duas motoras em unidade múltipla. “The body itself comprised, from one end, a half-width driving cab reached through an end vestibule; a 32 seat 3rd class saloon [depois segunda classe; originalmente estes veículos não tinham assentos de segunda classe] arranged in four bays of 2x2 upholstered seating; a central lobby with two toilets; washrooms and cupboards for the heating and lighting gear; a 12 seat 1st class saloon arranged 2x1 in two bays; an entrance vestibule giving onto a small luggage compartment with driver’s half-width cab. Braking comprised air, vacuum (for when towing standard coaches), electric and manual”; o freio de vácuo era do tipo de conduta dupla, o que criava um pro224 Agradeço ao engenheiro Nelson Oliveira a partilha desta informação.
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blema se as duas condutas não tivessem o mesmo grau de vácuo; o freio eléctrico era do tipo reostático, estando as resistências de dissipação montadas no tecto (este travão nunca era usado, provavelmente devido a deficiências da instalação eléctrica); “heating was taken from the engine cooling system and lighting was electric. The trailers were of similar profile but had a single 3rd class [depois segunda classe] saloon and no luggage compartment”. Os reboques também não tinham cabine de condução (ao contrário das motoras que tinham duas), o que obrigava à inversão da máquina nos terminais quando os comboios tinham a formação motora e reboque225. “Para a condução o ma225
DAVIES,
1998:
278-279.
Ver
também
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Uma Allan perto de Vila Franca (1978) © Axel Spille
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Automotora Allan na estação de Rossas em data ignorada. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Automotora Allan seguindo a locomotiva E111 (antiga CN7/21) em Rossas na linha do Tua (sem data) © Bureau Vaudoise d’Adresses, Aigle, Suiça. Fonte: Colecção Johannes Jacob Smit (reproduzida com autorização deste coleccionador)
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Automotora Allan na estação de Mosca, decorada para a inauguração da variante desde a ponte da Coxa até Bragança (1968). Fonte: Boletim da CP, n. 472 (1968).
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Automotora Allan no fim do percurso na estação de Bragança (data desconhecida) © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Automotora Allan, preparandose para uma viagem até ao Tua (data desconhecida) © D. W. Winkworth. Fonte: WINKWORTH, 2006.
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Automotora Allan em local desconhecido (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Automotora Allan em local desconhecido (década de 1970) © Detlef Schikorr.
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Automotora Allan na estação da Trindade, ponto inicial da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (década de 1950). Fonte: Boletim da CP, n. 321 (1956).
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quinista dispõe ao seu lado esquerdo do inversor e do manipulo tracção/frenagem que acelera o motor ou aplica a frenagem reostática; este manipulo tem incorporado um dispositivo de homemmorto e um pedal de encravamento; em frente estão os diversos indicadores, nomeadamente o amperímetro de carga dos motores, voltímetro da bateria, conta-rotações dos motores e outros indicadores úteis à condução; em baixo está o pedal da buzina; do lado direito está o manipulo do freio com um raio de acção de 180º, um vacuómetro duplo e outros indicadores do freio juntamente com o comando dos faróis (os faróis de cauda são curiosos pois podem apresentar 3 aspectos: vermelho, branco e verde. A manobra é feita através de duas alavancas nas cabines de condução, que fazem rodar um conjunto de vidros com as cores respectivas, escolhendo o maquinista o necessário para cada situação); junto à porta está o indicador (e registador na cabine 1) de velocidade”226.
Das dez máquinas que chegaram a Portugal, cinco foram colocadas nas linhas em torno do Porto e outras cinco no Tua227. Os testes no Tua começaram nos primeiros meses de 1955 e foram bastante positivos. No dia 5 de Outubro de 1955 era realizada a primeira viagem oficial de uma Allan no Tua. A automotora, conduzida pelo maquinista Júlio dos Prazeres Pereira, transportou altos membros da direcção da CP e alguns engenheiros holandeses da firma construtora desde o Tua até Bragança em boas condições técnicas e sem incidentes a registar, tal como aliás acontecera durante os testes realizados nos meses anteriores228. O serviço propriamente dito iniciou-se a 15 de Outubro (três meses antes de se iniciar nas linhas de via estreita do Porto). Originalmente, foram pintadas de azul acinzentado claro com faixas horizontais vermelhas e numeradas com letras de bronze. No início da década de 1960 passaram a azul-escuro com faixa vermelha e tecto prateado.
Algures nas décadas de 1960/1970, algumas perderam a lista vermelha. Na década de 1970, começaram por ostentar um vermelho e branco, com tecto e bogies castanhos e avental às riscas, mas mais tarde (1973?) o avental foi pintado unicamente de vermelho e tempos depois a frente foi remodelada às riscas diagonais vermelhas e brancas (para a tornar mais visível, uma preocupação pertinente em linhas com muitas passagens de nível, como era o caso das vias de bitola estreita portuguesas)229. As Allan eram na altura elogiadas por serem mais rápidas e mais confortáveis que o transporte em carruagem puxada por locomotiva a vapor. A direcção da CP acreditava que elas podiam vir a ser uma mais-valia nas linhas de via estreita com alto tráfego ou com importante valor turístico230, muito embora elas não fossem apropriadas para linhas tão curvilíneas como a do Tua (as experiências, realizadas pela mesma altura, no Corgo comprovaram
AMARO, 2005. OLIVEIRA, 1991: 20-21. 226 OLIVEIRA, 1991: 21.
227 GRILO, 1988-1989: 15. 228 Boletim da CP, n. 317 (1955): 9.
229 AMARO, 2005. GRILO, 1988-1989: 20. GRILO, 1996a: 8. OLIVEIRA, 1991: 21. 230 Boletim da CP, n. 321 (1956): 12.
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Automotora Allan passando pela avenida de França no Porto (linha do Porto à Póvoa e Famalicão) em data desconhecida © Bureau Vaudoise d’Adresses, Aigle, Suiça. Fonte: Colecção Johannes Jacob Smit (reproduzida com autorização deste coleccionador)
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Automotora Allan parada em Santo Tirso (linha de Guimarães) em data desconhecida © Bureau Vaudoise d’Adresses, Aigle, Suiça. Fonte: Colecção Johannes Jacob Smit (reproduzida com autorização deste coleccionador)
isso mesmo: as Allan descarrilavam sempre entre a Régua e Vila Real231). Apesar disto, o seu sucesso foi bastante alto. Introduziram velocidades mais altas (até 50 km/h) e tempos de viagem mais curtos, embora fossem obrigadas a fazer as curvas muito devagar e fossem algo propensas a incêndios, em virtude de os seus motores com sobrealimentação estarem instalados num espaço reduzido e não se adaptarem ao clima português (mais quente que o holandês)232. A sua robustez tornou-se lendária e qualquer avaria podia ser resolvida com as ferramentas mais simples233. 231 CASTRO, 1996: 27. GRILO, 1988-1989: 36. OLIVEIRA, 1991: 29. VAZ, 1988: 44. 232 AMARO, 2005. VICENTE, 2010: 93. 233 OLIVEIRA, 1991: 21.
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Uma Allan em Espinho, na linha do vale do Vouga (1992) © Johannes Jacob Smit
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Automotora Allan no final do percurso em Aveiro na linha do Vouga (1992) © Johannes Jacob Smit
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Recriação artística de uma automotora Allan por Paulo Jorge Araújo. Fonte: Bastão-Piloto, n. 144 (1993)
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Esquema das automotoras Allan, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Servicços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. [S. l.]: [s. n.].
O maquinista Fernando dos Anjos, entrevistado no âmbito do subprojecto memTUA, chegou a conduzir algumas destas máquinas e confirma que “eram um rico material, com grande estabilidade; só eram problemáticas no Verão, por causa do calor. Por vezes deitavam a água fora; de Mirandela até ao alto de Rossas era
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preciso saber lidar com elas”234. Foi também uma Allan quem inaugurou a nova secção da linha do Tua entre Bragança e ponte da Coxa em 1968 (que substituiu e encurtou a secção existente anteriormente e que facilitou a expansão urbana de Bragança) 235. Cerca de dez anos depois, começaram a ser transferidas para a linha do Vouga, que tinha sido recentemente reaberta na condição de as locomotivas a vapor serem substituídas por automotoras a diesel para evitar incêndios236. Por volta de 1985, a CP só con234 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 235 Boletim da C.P., n.er 472 (1968): 6. 236 Trainspotter, n. 17 (2011): 11. AMARO, 2005. GRILO, 1988-1989: 16. GRILO, 1988: 56. GRILO, 1988-1989: 36.
tava com quatro exemplares desta série 9300: as automotoras 9301, 9303, 9308 e 9310. A automotora 9302 e a 9304 foram abatidas devido a incêndio em 1980 e 1984, respectivamente; as 9305 e 9307 foram guardadas em Sernada do Vouga; a 9306 foi transformada em comboio-socorro (embora alguns autores digam que ela foi destruída num incêndio em 1988237); e a 9309, que esteve envolvida num violento desastre em 1964 em Custóias (na linha da Póvoa), foi destruída num incêndio em 1972 no Tua após colisão com a locomotiva E112238. As quatro sobreviventes foram renovadas com motores Volvo (1987); as suas fron-
tais foram também remodeladas, passando a ter apenas quatro janelas em vez de seis; os tradicionais aventais arredondados foram substituídos por novos mais direitos e esquinados; e os interiores foram também renovados, tornando-se mais modernos e agradáveis239. Foram mantidas em operação até 2001 quando foram armazenadas em Sernada do Vouga. Depois, a 9301 foi vendida ao museu ferroviário do País Basco, a 9308 foi destruída num incêndio e a 9310 foi restaurada em Guifões, encontrando-se actualmente em exposição no Museu Nacional Ferroviário no Entroncamento240. 239
237 GRILO, 1988-1989. OLIVEIRA, 1991: 29. 238 AMARO, 2005. BONIFÁCIO, 2008. GRILO, 1988-1989: 15-16. OLIVEIRA, 1991: 29.
AMARO, 2005. GRILO, 1988-1989: 18. GRILO, 1988: 56. OLIVEIRA, 1991: 27. 240 Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo.
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
Tabela 5 – Algumas características das Allan241 Características Motor
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Automotoras
Reboques
AEC/Allan
n/a
Cavalos (cv)
320 (eléctrico)/408 (diesel)
n/a
Altura (mm)
3800
3400
Largura (mm)
2896
2896
Comprimento entre pára-choques (mm)
18500
18500
Comprimento total (mm)
19510
19510
Peso do chassis (kg)
23000
13840
Peso das bogies (kg)
14000
8160
Peso total (kg)
37000
22000
Capacidade de carga (kg)
6000
9000
Diâmetro das rodas (mm)
820
820
Número de motores diesel
2
n/a
Número de cilindros por motor
6
n/a
Diâmetro dos cilindros (mm)
130
n/a
Curso dos êmbolos
1800
n/a
Esforço de tracção no arranque (kg)
9000
n/a
Esforço de tracção em regime contínuo – 27km/h (kg)
2840
n/a
Esforço de tracção à velocidade máxima (kg)
1150
n/a
400
n/a
Depósito de combustível (l) Transmissão Sistema de travagem Areiador Sistema de aquecimento e ventilação Sistema de iluminação
Smitt/Eléctrica
n/a
Knorr/Ar comprimido, vácuo, eléctrico e manual
Knorr/Vácuo e manual
Pneumático
n/a
Ar aquecido insuflado pelo sistema de refrigeração
Ar insuflado aquecido por caldeira Webesto
Eléctrico
Eléctrico
Lotação 1ª classe
12
0
Lotação 2ª/3ª classes
32
68
Lotação em pé
26
44
Lotação total
252
376
Velocidade máxima (km/h)
70
n/a
Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. CP. Direcção de Material. Gabinete Técnico. Automotoras, autocarros e barcos. Lisboa: CP, [s. n.]. Trainspotter, n. 17 (2011): 11. NUNES, FERREIRA & LAVRADOR, 2008. 241 Arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Servicços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. [S. l.]: [s. n.]. CP. Direcção de Material. Gabinete Técnico. Automotoras, autocarros e barcos. Lisboa: CP, [s. n.]. AMARO, 2005.
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Esquema das automotoras Allan, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Divisão de Material e Tracção. Servicços Técnicos e Eléctricos. Material Motorizado. Esquemas. [S. l.]: [s. n.].
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Esquema das automotoras Allan, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Gabinete Técnico. Automotoras, autocarros e barcos. Lisboa: CP, [s. n.].
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Um exemplar da série 9000 da CP em local e data desconhecidos © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Uma locomotiva da série 9000, acompanhada de uma carruagem napolitana, na estação da Senhora da Hora da linha do Porto à Póvoa e Famalicão (1986) © Johannes Jacob Smit.
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Uma locomotiva da série 9000 na estação de Lousado, entroncamento das linhas do Minho e de Guimarães (1992) © Johannes Jacob Smit.
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4.2.3.2. Locomotivas diesel Desde a chegada das Allan ao Tua até à nacionalização da CP em 1974/1975, nenhuma outra melhoria seria aplicada ao material circulante daquela linha. Até àquela data, as locomotivas a vapor colaboraram com as automotoras diesel-eléctricas no sentido de satisfazer as necessidades das populações locais. Mas em 1974/1975 as Allan completavam 20 anos de idade e algumas das máquinas a vapor aproximavam-se do século de actividade. Por isso a CP (agora, uma companhia pública) decidiu modernizar o material circulante do Tua, comprando seis locomotivas diesel-eléctricas usadas da marca Alsthom à empresa que geria o caminho-de-ferro de Tajuña, perto de Madrid (uma ferrovia de bitola métrica, que originalmente era uma linha americana assente directamente sobre a estrada e que foi construída entre 1888 e 1921), razão pela qual estas locomotivas ficaram conhecidas como espanholas242. A empresa do caminho-de-ferro 242 GRILO, 1997: 18.
de Tajuña passava também por um processo de modernização próprio e tinha comprado recentemente cinco novas locomotivas General Electric. As suas antigas locomotivas Alsthom FT-1022 a FT-1027, construídas em 1959 e compradas em três lotes entre 1964 e 1967, foram assim vendidas à CP243. Chegaram a Portugal pintadas em azul e branco (ou cinzento?)244, mas foram re-decoradas com o tradicional laranja escuro com riscas brancas diagonais na frente, castanho na cabine e o logótipo da CP em preto nos flancos. Foram também renumeradas com os números 9001 a 9006. Inicialmente cinco destas máquinas foram colocadas nas linhas do Tua e do Corgo. Depois foram reescalonadas para as linhas do Tâmega, Vouga e Porto245. Eram máquinas Bo-Bo (quatro eixos em dois bogies individuais, 243 Arquivo histórico da CP. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985. BONIFÁCIO, 2008. MUÑOZ RUBIO, 2005, vol. 1: 445-449. 244 MARQUES, 1986: 22. PATULEIA, 1998: 21. 245 VAZ, 1988: 44. VICENTE, 2010: 95.
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todos ligados aos seus próprios motores de tracção) “with a cab at one end, and a long bonnet flanked by narrow running plates on each side; the upper part of the cab was tapered inward, presumably to suit their original loading gauge”246. As locomotivas 9001 a 9003 tinham um motor de 850 cavalos, enquanto as três
demais tinham motores de 775 cavalos – esta era a principal diferença entre elas –, e todas podiam circular a uma velocidade máxima de 70 km/h, muito embora a velocidade média no Tua fosse de pouco mais de 30 km/h. Foram estas locomotivas as responsáveis pela erradicação do vapor no Tua247.
246 DAVIES, 1998: 213.
247 Maquetren, n. 42: 15-18. ALMEIDA, 2000: 1718. GOMES & GOMES, 2006: 159.
A CP ficou tão satisfeita com o desempenho destas máquinas que decidiu encomendar onze novas locomotivas à casa-mãe da Alsthom em 1976. Este lote tornou-se a série 9020/9030, com uma numeração entre o 9021 e 9031. Tinham “a wider chassis, improved suspension and a modified, rectangular cab giving better visibility. Wide running plates protected
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
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Uma locomotiva da série 9000 estacionada em Sernada do Vouga (linha do Vouga) em 1992 © Johannes Jacob Smit.
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Esquema das locomotivas diesel da série 9000, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Departamento Técnico. Locomotivas. Lisboa: CP, 1980.
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Esquema das locomotivas diesel da série 9000, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Departamento Técnico. Locomotivas. Lisboa: CP, 1980.
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by rails and chains gave easy access to the power unit. As before they were diesel electric, with a 12 cylinder 1050 hp engine providing power to four traction motors and had air, vacuum and manual brakes. They could be worked up to three in multiple but this was very rarely, if ever, done”248. As suas cores eram semelhantes à da série anterior. Funcionaram algum tempo na linha da Póvoa, mas após a chegada das automotoras da série 9600, foram reescalonadas para outras ferrovias. Algumas delas vieram para o Tua (pelo menos as locomotivas número 9021, 9022, 9023, 9026, 9028, 9029, 9030 e 9031249), mas não conseguimos reconstituir com precisão o inventário geral das locomotivas que trabalharam nesta linha. Os maquinistas que trabalharam com estas máquinas tinham delas uma excelente impressão. Fernando dos Anjos relata que “com as diesel, nunca tive descarrilamentos; eram muito boas e muito fáceis de manobrar”250. Na infame Noite do Roubo (noite de 13 de Outubro de 1992 em que o material circulante que operava na linha de Bragança foi removido por via rodoviária), algumas destas máquinas foram definitivamente retiradas da linha do Tua251. As locomotivas Alsthom trabalharam na rede nacional até meados da década de 1990/inícios do século XXI, sendo depois vendidas a diversos operadores africanos (Guiné-Bissau, Benim, Togo e Madagáscar)252.
248 DAVIES, 1998: 213. 249 DIOGO, 1993: 22. GRILO, 1997: 19. MARQUES, 1992: 19. 250 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 251 AZEVEDO & SALGUEIRO, 2015: 478. 252 GRILO, 1996b: 4. GRILO, 1997: 18. VICENTE, 2010: 95.
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Locomotiva da série 9020/9030 puxando comboio misto à saída da estação do Tua (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Comboio misto de vagão fechado de mercadorias e carruagens napolitanas puxado por locomotiva da série 9020/9030 vencendo a rampa para o túnel das Presas (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Locomotiva da série 9020/9030, puxando duas carruagens napolitanas, descendo para a estação do Tua (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Grande plano de uma carruagem napolitana puxada por uma locomotiva da série 9020/9030 na aproximação à estação do Tua (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Exemplar da série 9020/9030 em Mirandela © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Espécime da série 9020/9030 na Régua © Johannes Jacob Smit.
191
Tabela 6 – Algumas características das locomotivas das séries 9000 e 9020-9030253 Características Altura (mm) Largura (mm) Comprimento entre para-choques (mm)
9001-9003
9004-9006
9021-9031
3700
3700
n/a
2550
2550
2800
10200
10200
10144
Comprimento total (mm)
11174
11174
11360
Carga sobre os eixos (kg)
46000
46000
46800
Tara (kg)
43000
43000
43000
Peso em ordem de marcha (kg)
46000
46000
46800
950
950
950
Alsthom/SACM
Alsthom/SACM
Alsthom/SACM
Diâmetro das rodas (mm) Motor Cavalos
850
775
840
V 12
V 12
V 12
175 x 180
175 x 180
175x180
Alsthom
Alsthom
Alsthom/eléctrica
Jourdain-Monneret/ar comprimido, vácuo
Jourdain-Monneret/ ar comprimido, vácuo
Freins Westinghouse/ ar comprimido, vácuo
70
70
70
Esforço de tracção no arranque (kg)
11500
11500
11500
Esforço de tracção em regime contínuo – 15km/h (kg)
11000
9000
10000
Tipo e número de cilindros Diâmetro dos cilindros (mm) Transmissão Sistema de travagem Velocidade máxima (km/h)
Esforço de tracção à velocidade máxima (kg) Sistema de homem-morto Velocímetro
2400
1900
2150
Hollande
Hollande
Vacma
Teloc
Teloc
Hasler
253 Arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Departamento Técnico. Locomotivas. Lisboa: CP, 1980. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985.
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Exemplar da série 9020/9030 em Vila Real (1978) © Axel Spille.
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Grande plano de um exemplar da série 9020/9030 em Chaves (1978) © Axel Spille.
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Recriação artística de uma máquina da série 9020/9030. Fonte: Bastão-Piloto, n. 149 (1993).
195
Esquema das locomotivas da série 9020/9030, segundo documentação da CP. Fonte: arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Departamento Técnico. Locomotivas. Lisboa: CP, 1980.
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Duas gerações de automotoras: Allan e Duro Dakovic lado a lado em Sernada do Vouga na linha do Vouga (1992) © Johannes Jacob Smit.
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4.2.3.3. As automotoras Duro Dakovic No final da década de 1970, a CP decidiu empreender novo processo de modernização do seu material circulante através da aquisição de veículos em segunda mão. Em 1980 a empresa escolheu dez conjuntos de unidades quádruplas motorizadas a diesel dos caminhos-deferro jugoslavos, fabricados entre 1963 e 1969 em Brod pela Duro Dakovic para efectuar serviço nas linhas de via estreita (760 mm) da Herzegovina, Sérvia e Dalmácia. Na
Jugoslávia, tinham sido bastante bem sucedidas, conseguindo melhorar (e substituir) o serviço a vapor e diminuir os tempos de viagem com as suas velocidades máximas de 60 km/h em linhas com rampas até 25 mm/m (graças aos seus motores colocados em todas as unidades do conjunto). Apesar disto, as autoridades jugoslavas decidiram encerrar algumas destas linhas de via estreita e as Duro Dakovic foram ou encostadas ou reconvertidas para a bitola europeia
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
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(1435 mm). Para os caminhos-de-ferro jugoslavos, a encomenda da CP caiu do céu254. Chegaram a Portugal, via porto de Leixões em 1980, onde se tornaram a série 9700 (9701 a 9720 para as carruagens dianteiras, 9721 a 9740 para as outras) ou Jugoslavas. Quando entraram ao serviço, ninguém lhes augurou um grande futuro e foram rapidamente alcunhadas de Xepas, em homenagem a Dona Xepa, uma personagem 254 GRILO, 1988-1989: 17. GRILO, 1989: 6. GRILO, 1996a: 6.
coxa de uma telenovela brasileira com o mesmo nome, que, tal como as Duro Dakovic, tremia e sacudia-se muito255. O ex-maquinista e condutor destes veículos, Fernando dos Anjos, não poupa nas críticas que lhes faz: “eram uma desgraça. Eram pior do que as Allan cem vezes. Era material péssimo; aqueciam demasiado, fugia a carga às baterias, eram um problema”. Para piorar a opinião do mesmo pro255 AMARO, 2005. GRILO, 1988-1989: 17. GRILO, 1989: 7-8. GRILO, 1996a: 6. NUNES, FERREIRA & LAVRADOR, 2008.
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fissional “a única vez que bati foi a conduzir uma Xepa (...). Por baixo dos Avantos, de repente, vi, na linha, uma pedra muito grande. Botei logo a mão ao freio e a motora fugiu para trás. Não aconteceu nada, mas eu dormi em cima dela toda a noite porque o maquinista não abandona o material”256. 256 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA,
O antigo factor e zelador da secção museológica de Bragança, Valdemar Pais, partilha destas memórias. Segundo este antigo funcionário da CP, as Xepas “só andavam bem no tempo fresco. No tempo quente precisavam logo de água”257. Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 257 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA,
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Automotoras Allan e Duro Dakovic nas oficinas de Sernada do Vouga na linha do Vouga (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Composições automotoras em Sernada do Vouga (linha do Vouga). À frente duas Duro Dakovic e em segundo plano uma Allan (1992) © Johannes Jacob Smit.
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Automotora jugoslava Duro Dakovic na Régua (1992) © Johannes Jacob Smit.
Eram “genuine multiple units consisting of pairs of single-ended motor cars linked with motored trailers – one Fiat 135hp diesel engine in each car, driving through a mechanical transition. As designed, they had both 1st and 2nd class accommodation with a buffet facility in one of the centre cars, and were linked by covered telescopic gangways”258. Foram (mal) adaptadas à bitola métrica dos caminhos-de-ferro de via estreita nacionais e pintadas de vermelho, branco e castanho: corpo vermelho até ao nível das janelas, branco daqui para cima, tecto castanho e frente com as diagonais vermelhas e brancas. O seu interior manteve-se como o original com uma fila de assentos duplos e outra de assentos singulares, mas foi-lhes adicionada uma série de lugares de segunda classe (originalmente só tinham assentos de primeira classe). Depois de alguns testes na rede centrada no Porto, foram enviadas para as linhas do Vouga (no troço Aveiro – Sernada – Espinho, pois não se adaptaram ao resto da linha), do Tua (pelo menos as automotoras 9721, 9727, 9729, 9731, 9732 e 9737259), onde deveriam substituir as velhas Allan, e também para o Corgo e para o Tâmega. Infelizmente, os motores FIAT davam muitos problemas, bem como a Relatório interno WP M14.2014 José Russo 258 DAVIES, 1998: 280. 259 DIOGO, 1993: 22.
transmissão, a suspensão, as portas automáticas e as tubagens dos sistemas hidráulicos (em consequência de terem estado durante demasiado tempo abandonadas na Jugoslávia)260. Os conjuntos foram alterados para unidades triplas e unidades duplas, mas nada disto resolveu os problemas referidos. No Tua, as Duro Dakovic foram sucessivamente remendadas com peças das unidades encostadas no sentido de lhes prolongar a vida útil e melhorar as condições de utilização: os radiadores foram substituídos, os limpa-vidros passaram a ter dois braços, as pinturas laterais foram alteradas para riscas vermelhas e brancas e o interior foi modificado, ficando mais confortável, prático e seguro (o problema das portas automáticas foi resolvido, os lavabos foram melhorados e foram retiradas as divisórias que existiam nas carruagens)261. Apesar disto, o serviço das Duro Dakovic não melhorou sobremaneira, pelo que foram paulatinamente encostadas em favor das locomotivas das séries 9000 e 9020-9030. Em 1990, no Tua, já só circulava praticamente este material, tendo as Xepas sido transferidas para o Vouga262.
260 GRILO, 1989: 7-11 e 15. 261 GRILO, 1989: 11-15. 262 DAVIES, 1998: 280. GRILO, 1988-1989: 17. GRILO, 1996a: 7. NUNES, FERREIRA & LAVRADOR, 2008. MARQUES, 1992: 14.
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Tabela 7 – Algumas características das automotoras Duro Dakovic263
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Características
Série 9700
Comprimento total (m)
59,5
Comprimento das automotoras (m)
14,75
Comprimento dos atrelados (m)
15
Altura (m)
3,205
Largura (m)
2,38
Carga sobre eixos (t)
104,2
Tara (t)
88
Peso em ordem de marcha (t)
92
Carga máxima (t)
120
Diâmetro das rodas (mm)
750
Sistema de travagem
Oerlinkon/ar comprimido e magnético
Sistema de homem-morto
Brissoneau & Lotz
Velocímetro
Hasler
Cavalos
185 x 4
Velocidade máxima (km/h)
60
Esforço de tracção no arranque (kg)
10300
Esforço de tracção à velocidade máxima (kg)
2200
Depósito de combustível (kg)
4 x 413
Depósito de água (kg)
4x150
Sistema de aquecimento
Webesto: queimador a gasóleo
Tipo e número de cilindros
Seis horizontal
Diâmetros dos cilindros (mm)
135
Curso dos êmbolos
150
Lotação dos veículos dianteiros
2 x 38
Lotação dos atrelados
2 x 43
Lotação em pé dos veículos dianteiros
2 x 36
Lotação em pé dos atrelados
2 x 30
Lotação total
294
263 Arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Gabinete Técnico. Automotoras, autocarros e barcos. Lisboa: CP, [s. n.]. AMENDOEIRA, s. d/b.. NUNES, FERREIRA & LAVRADOR, 2008.
200
Uma Xepa na via estreita da estação da Régua (1992) © Johannes Jacob Smit.
201
Esquema das automotoras Duro Dakovic. Fonte: arquivo histórico da CP. CP. Direcção de Material. Gabinete Técnico. Automotoras, autocarros e barcos. Lisboa: CP, [s. n.].
200
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4.2.3.4. O último material circulante do Tua: os Light Rail Vehicles (LRV) Nem todos os veículos Duro Dakovic foram desmantelados. Em 1992-1993, alguns deles foram usados na feitura da série 9400 que foi usada sobretudo na linha do Vouga264. Mais tarde, em 1995, os poucos atrelados que não foram exportados para Moçambique e para o Peru foram transformados no último tipo de veículo a ser usado no Tua: os chamados LRV2000 ou série 9500 (a matriz deste equipamento estará num modelo de automotora construído para serviço interno das instalações da CP de Custóias a partir de um dos atrelados intermédios motorizados Duro Dakovic que estava sem serviço)265. Nove destes veículos foram construídos por uma empresa do grupo CP (a EMEF). O chassis foi completamente reformulado pela CAMO. A única semelhança com as suas antecessoras jugoslavas são os bogies e os engates. As carroçarias tornaram-se mais altas e incomparavelmente mais modernas, com grandes superfícies vidradas, asseme264 GOMES & GOMES, 2006: 190. GRILO, 1996a: 7. 265 GOMES & GOMES, 2006: 195-196. GRILO, 1996b: 4 e 9. NUNES, FERREIRA & LAVRADOR, 2008.
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Um LRV aproximando-se de Frechas (2014) © Eduardo Beira
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Veículo automotor da série 9500 perto de Frechas (2014) © Eduardo Beira
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LRV parado na estação de Frechas (2014) © Eduardo Beira
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LRV atravessando passagem de nível em aproximação a Mirandela (2014) © Eduardo Beira
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Exemplar da série 9500
lhando-se a um autocarro de passageiros. Têm um motor Volvo de 200 cavalos com transmissão hidráulica Voith e freio Knorr. O aquecimento é Webesto e a refrigeração Hispacold. Foram pintados em verde-claro e bege e pesavam tanto como as suas antecessoras Duro Dakovic. Por fim, podiam circular isoladamente ou em unidades duplas266. Depois de alguns testes nas linhas da Póvoa e de Guimarães (nos quais a sua velocidade máxima foi fixada em 84 km/h), foram espalhados pelas linhas do Tâmega, Corgo e Tua: os veículos 9508 e 9509 na primeira; os 9501, 9502 e 9507 na segunda; e por fim os 9503 a 9506 na última ao serviço do metro de superfície de Mi266 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M35.2015 Milheiro de Oliveira
randela. Estes últimos diferiam dos demais da série na lotação e disposição dos assentos; possuem apenas 24 lugares sentados em duas filas simples e 90 lugares de pé ao passo que os outros membros da série dispunham de 48 lugares sentados em duas filas duplas e uma lotação em pé de 30 passageiros267. Tal como os seus antepassados E5X e E8X também os veículos do Tua foram baptizados com nomes de localidades, se bem que não de Trásos-Montes e Beira Alta. Assim, o veículo 9503 foi chamado de Lisboa; o 9504 de Bruxelas; o 9505 de Paris e o 9506 de Estrasburgo268.
267 DAVIES, 1998: 282-283. GRILO, 1996b: 4. 268 FERREIRA, 2013: 13-14.
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Algumas características da série 9500 da CP/Metro de Mirandela269 Características
Série 9500
Comprimento total (m)
15,5
Altura (m)
3,3
Largura (m)
2,38
Tara (t)
20
Carga máxima (t)
30
Velocidade máxima (km/h)
84
Lugares sentados
48/24
Lugares em pé
30/90
Alguns anos mais tarde, os LRV passaram a fazer serviço em toda a linha do Tua, sendo em duas destas viagens que o Lisboa e o Bruxelas se envolveram em acidentes em 2007 e 2008, algo que levaria ao encerramento da linha entre Tua e Cachão. Quando destes acidentes, um relatório elaborado por técnicos suíços apontou falhas graves aos LRV, nomeadamente serem muito leves e terem o peso mal distribuído, o que facilitaria os descarrilamentos270. Actualmente, somente o Paris e o Estrasburgo operam no serviço de metro ligeiro de Mirandela. 269 GRILO, 1996a: 10. GRILO, 1996b: 5. 270 Público, edição online de 15/4/2013. Disponível em http://www.publico. pt/local/noticia/cp-quer-por-na-linha-do-vouga-automotoras-consideradasinseguras-por-peritos-1591330#/0.
estacionado em Mirandela (2014) © Eduardo Beira 207
Um veículo da série 9500 em Mirandela (2014) © Eduardo Beira
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Veículo LRV parado na estação de Mirandela (2015) © Albano Viseu
209
LRV Estrasburgo na estação de Mirandela (2015) © Albano Viseu
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Panorâmica do complexo ferroviário de Mirandela com veículo LRV parado ao centro (2015) © Albano Viseu
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Esquema dos LRV da série 9500 da CP. Fonte: GRILO, 1996b: 5.
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4.2.4. Material rebocado de passageiros sob gestão da CP No capítulo referente ao material rebocado da CN já fizemos uma breve menção sobre a forma como a CP tratou as carruagens que herdou da sua antecessora. No entanto, a acção da CP não se limitou a esse material. Tal como aconteceu com as locomotivas a vapor, também outras carruagens e vagões que pertenciam a outras companhias de caminhos-de-ferro de via estreita foram transferidas para o Tua. 4.2.4.1. Da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal Da Companhia do Norte (recorde-se, resultado da fusão da Companhia da Póvoa com a Companhia de Guimarães) vieram pelo menos 19 veículos: duas carruagens de primeira classe (AEyf22 e AEyf26), quatro carruagens mistas de primeira e terceira classe (ACEyf34 a 37), nove carruagens de terceira classe (CE64, CE67, CEyf 104, CEyf 106, CEyf 107, CEyf 113, CEyf 114, CEyf119 e CEyf120), uma carruagem de bagagens (DEfv512) e finalmente três carruagens mistas de terceira classe e bagagens/correio (CDEyf 131 a 133). As carruagens AEyf22 e AEyf26 eram originalmente carruagens de luxo de bogies pertencentes à companhia da Póvoa, que as tinha encomendado em 1905 aos Ateliers Saint Germain. Chegaram ao Tua, porém, em condições diferentes. A 26 chegou em 1982, sendo ainda usada em 1997. “Built on the standard body shell, with eight windows a side, accommodation comprised: entrance vestibule; open saloon with brocaded, transverse seats for seventeen arranged 2x1 in bays and to main line 1st class dimensions; a side corridor with sliding doors giving onto four, designated, luxury compartments for six passengers. At the far end of the corridor was a toilet/washroom and a door giving onto the other vestibule from which the heating boiler cupboard opened. Seating was to main line 1st class standards with deep, upholstered individual seats covered in the standard blue-grey brocade with matching curtains and wood veneer trim; mirrors and
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Duas carruagens da CP no Tua: AEv214 and CE273. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998
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Carruagem mista da série ACEyf no Tua. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998
photographs decorated the bulkheads”. Foi reconstruída em 1975 com novas janelas de 113 cm de aço inoxidável e um interior remodelado – “this comprised a single long saloon with a decorative dividing arch in the centre and a toilet at one end”271. A 26 chegou ao Tua já depois de ter sido transformada de carruagem de primeira classe para veículo de obra (algures entre 1979 e 1980). Trabalhou assim até 1995, ano em que foi abandonada272. Os veículos da série ACEyf eram versões menos sumptuosas e menos espaçosas da série anterior. De ori271 DAVIES, 1998: 55-56. 272 DAVIES, 1998.
gem, possuíam “end vestibules giving onto two saloons, a 1st class one seating 23 in 2x1 format, separated by a short central corridor and two toilet /washrooms from a 40 passenger 3rd class saloon with 2x2 slatted wood seats”273. Desde 1974 no Tua, alternavam o serviço entre esta linha e as linhas do Porto. Fixaram-se definitivamente no Tua em 1995 quando tinham dois salões com um lavabo em cada extremidade e os estofos em bege. O terceiro conjunto de carruagens da Norte que trabalhou no Tua (CEyf) era originalmente de terceira classe. A 104, a 106 e a 107 eram carruagens de bogies, vindas 273 DAVIES, 1998: 55.
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das duas companhias que formaram a Norte. Ambas foram modificadas entre 1967 e 1974, antes de chegarem ao Tua. Em 1979/1980 foram retiradas de serviço: a 106 ficou primeiro em Mirandela (após uma acidente que danificou o telhado e o varandim) e depois na linha do Sabor onde foi desmantelada em 1985; a 104 foi marcada para preservação museológica e armazenada na secção de Bragança (com o número 2929004); a 107 foi transferida para a linha do Corgo, encontrando-se em 1997 na estação da Régua274. As carruagens 113, 114, 119 e 120 possuíam “two unequal saloons opening of the usual entrance vestibules and divided
by a half-glazed partition with swing door. Both saloons were fitted out in varnished wood and white paint trim with slatted wood seating in 2x2 transverse bays; they had longitudinal wooden luggage racks, curtained windows and electric light in rather more spartan fittings than on higher class vehicles. The small saloon held 40 passengers, the larger one 42 plus a toilet/washroom and the heater cupboard”275. Chegaram ao Tua entre 1972 e 1981 e em 1997 ainda estavam ao serviço. Entre 1980 e 1981 foram reconstruídas e passaram a ter um único salão com uma divisória decorativa em arco. Algumas delas mantiveram bancos de
274 DAVIES, 1998: 52-54.
275 DAVIES, 1998.
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Conjunto de material circulante no Tua. Š W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
madeira, enquanto noutras os assentos foram estofados. Quanto às carruagens CE64 e CE67, tratavam-se provavelmente de reconstruções dos originais de 1876 da Companhia do Porto à Póvoa e Famalicão. Tinham seis janelas de cada lado e assentos longitudinais. Vieram para o Tua na década de 1970, mas tiveram destinos diferentes: a CE64 foi armazenada em Rossas em 1980 antes de ser transferida para o museu de Lousado (como PPF C334) ao passo que a CE67 foi transformada em vagão aberto e desmantelada em 1981276. A carruagem de bagagens DEfv512 pertencia originalmente à Companhia do Caminho de Ferro de Guimarães. Era um grande veículo, com um varandim em cada ponta e corpos de madeira revestido a metal. Mais tarde, foram reconstruídos em estruturas de metal sem varandins. Arribou ao Tua algures na década de 1970, acabando por ser desmantelada em 1993277. Finalmente, a série CDEyf (antigos salões DSiyfv 91 e DPiyfv 101-102), provavelmente as carruagens mais presentes na memória dos conhecedores e utentes da linha do Tua. A série completa foi construída em 1931 pela Officine Meridionale SA de Nápoles, razão pela qual ficariam conhecidas como napolitanas ou mais genericamente italianas. Eram carruagens de bogies feitas em aço que originalmente se destinavam ao transporte de bagagens ou misto de passageiros, bagagens e correio. Tinham 14 m de comprimento e 276 DAVIES, 1998: 46-47. 277 DAVIES, 1998.
internamente estavam divididas em três secções: a primeira tinha um vestíbulo com porta num lado e casa de banho no outro; uma porta deslizante abria para uma comprida secção postal com três postos de trabalho cada um das quais com prateleiras para cartas; possuíam ainda duas caixas com grades em cada lado e um cofre-forte, acessível do lado de fora; duas portas giratórias abriam para a secção do guarda, que tinha um aquecedor, uma secretária e duas janelas. A segunda secção, com cerca de 5 m, destinava-se às bagagens. A terceira secção era o reflexo da primeira. Externamente, o veículo era praticamente simétrico “with a central droplight flanked by identical steel sliding doors and single windows; on each side on the vestibule showed a toilet window, the other an entrance door. Corridor connections and intercommunication end doors were fitted as with other vehicles in the series”278. Com a passagem para a CP, estes veículos foram transformados em carruagens de terceira classe. Internamente a carruagem foi toda aberta. Na antiga secção postal a porta exterior foi fechada e uma das caixas com grades descartada e o seu aquecedor foi recolocado perto da casa-de-banho. Uma nova porta deslizante foi aberta e um travão vertical foi instalado. Foram colocados 30 assentos de madeira, 20 numa fila de dois lugares e dez numa fila individual. Numa das extremidades, uma porta deslizante dava entrada a um pequeno vestíbulo, que tinha também duas portas para o exterior. Mais tarde, nova modificação foi empreendida: a secção para o guarda/bagagens foi encurtada e o salão passou a ter uma lotação 278 DAVIES, 1998.
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para 32 pessoas com assentos estofados em napa verde. O vestíbulo passou a contar também com uma casa-de-banho. Externamente, as janelas não foram alteradas. Só mais tarde isso aconteceria: as napolitanas passariam a ter novas janelas com molduras de aço e novas portas deslizantes para a secção de bagagem. Seriam também equipadas com um aquecedor térmico. Estas carruagens foram pintadas inicialmente de cinzento e mais tarde de azul, acabando depois de 1976 em vermelho e branco. Serviram no Porto durante muitos anos, tendo vindo para o Tua em meados da década de 1970, quando da partida das Allan para o Vouga e da chegada das locomotivas espanholas Alsthom, com quem normalmente trabalharam. Mantiveram-se ao serviço no Tua até meados da década de 1990279. Foi uma destas composições que, puxada por uma locomotiva Alsthom, descarrilou em Sortes em Dezembro de 1991, motivando assim o encerramento provisório da linha de Mirandela a Bragança. A sua remoção na Noite do Roubo marcaria o fim daquele troço ferroviário280. Em algum tempo, foram convertidas em carruagens de primeira classe, de segunda classe e mistas de primeira e segunda. Em 1979, a CP contava 19 destes veículos no seu inventário: duas de primeira classe com 41 lugares (números 00941729003 e 4), 10 de segunda classe com 82 lugares (00942029001 a 10), três de segunda classe com 30 lugares (00948229001 a 3) e quatro mistas com 23 lugares de primeira e 40 de segunda (00943729004 a 7). Em 1985, as últimas duas séries deixam
de figurar no inventário da companhia281. Deixaram de circular completamente no Tua quando da chegada dos LRV2000. 4.2.4.2. Dos Caminhos de Ferro do Estado Naturalmente, as antigas linhas do estado também contribuíram para o inventário de material rebocado existente na linha do Tua após a Concessão Única. Em 1980 chegaram as antigas carruagens de bogies de primeira classe AEyf 4116, 4119 e 4122. Apesar de pertencerem à mesma série, tinham algumas diferenças entre si, desde logo a origem: enquanto a 4116 fora construída com corpo de madeira e revestimento de metal nas oficinas do estado no Barreiro em 1908-1909, a 4119 e a 4122 tinham sido construídas em 1925 pela Van der Zypen & Charlier, tendo chegado a Portugal como compensação de guerra por parte da Alemanha. O design da 4116 baseava-se no das carruagens de 1905 da Companhia da Póvoa construída pelos Ateliers Germain: “from one balcony an off-centre door gave access through a six-seat section to a doorless side corridor which in turn led to a closed luxury compartment of «super 1st class» dimensions (1,880m between bulkheads) for six passengers and to a toilet/washroom. At the far end of this corridor a side passage continued through the main saloon for 15 passengers who were accommodated with long, highbacked bench seats; an odd feature was that, to accommo281
279 DAVIES, 1998: 62. 280 AZEVEDO & SALGUEIRO, 2015: 470 e 478.
Arquivo CP. CP. Direcção Industrial. Função Material. Inventário de Material Circulante. Situação referida a 31/12/1979. [S. l.]: CP, 1979. CP. Direcção Industrial. Serviço de Programação e Controlo. Inventário do material circulante. Situação referida a 31/12/1985. [S. l.]: CP, 1985.
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Duas carruagens da CP: CE283 e CE291. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Carruagem mista da série ACEyf. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998
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Carruagem da série CEyf. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998
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date the closed compartment and toilet in a standard bodyshell, there had to be a single half bay of three seats opposite a single droplight and facing the high seatback of the end bay. Consequently the external layout was also odd, with three pairs of droplights, one of which, serving the compartment, was wider than the rest, and interspersed with two single droplights. In general seat spacing was to main line 2nd class standards, the narrow gauge having only two classes. The luxury compartment and the small adjoining section apparently served to accommodate «genuine» 1st class passengers, being more lavishly appointed than the large saloon, if the working drawings are correct, with elaborate decorated panels and individual seats divided by armrests. The compartment also had an unusual feature in that the seats could be extended, together or individually, to form daybeds, the backs of the centre ones at least folding down to act as tables if required. For some reason, the coaches were built as mirror images of the original drawings. Lighting was
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Comboio misto sob forte neve. Fonte: Gazeta dos Caminhos de Ferro, n. 322 (1956): 20.
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Carruagens de mercadorias no Tua. © Hugo Silveira Pereira
by four oil lamps in the clerestory, together with one over the toilet and one over each balcony; these were accessed externally via an end ladder and walkway and all windows had pulldown rattan blinds. Hooded louvre ventilators were incorporated in the clerestory side panels which held hinged lights with coloured glass. One has the impression that the coaches were so designed that, if traffic required, they could be turned into 1st/2nd class composites”. Os veículos 4119 e 4122 eram parecidos com os anteriores, mas obviamente eram mais modernos ou não tivessem sido edificados cerca de 15 anos depois do anterior. A maior diferença era a substituição de dois lugares no salão maior por um armário, acessível desde o varandim, que continha um sistema de aquecimento que espalhava o calor através de canos colocados por baixo dos assentos. Chegaram ao Tua quase na versão original, já que o 4119 sofrera modificações ao nível do telhado e dos vestíbulos282. Também provinda das an282 DAVIES, 1998: 151-152.
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tigas linhas do estado, a carruagem vermelha de bogies de terceira classe CPEyf 4153 (antiga CRf3) esteve no Tua até finais da década de 1980. Havia sido construída em 1905 pelos Ateliers Germain, Monceau e Sambre da Bélgica para a linha do Corgo. Tinha as seguintes características: “10,6m long steel frame and body shell; wooden framed metal-clad bodies having end balconies and a full length double roof. Six pairs of droplight windows each side. Internal accommodation, accessed via half-glazed sliding doors from each balcony comprised two equal saloons with three bays each of transverse 2x2 slatted seating sepa-
rated by a centre gangway; seats were formed from alternating light (pine) and dark (teak) strips and the effect was completed by interior trim in varnished pitchpine. The saloons were separated by a solid bulkhead with a central panelled door; lighting was by roof mounted oil lamps, one per bay and one over each balcony, and torpedo ventilators supplemented the droplights; there was no heating or toilet facility”283. Foi modernizada pela CP antes de chegar ao Tua. É ainda provável que três carruagens de bagagens (DEyf 4512, 283 DAVIES, 1998.
4520 e 4522) fabricadas em Campanhã e pela Maschinenfabrik Augsburg de Nuremberga entre 1908 e 1918 tenham vindo parar ao Tua. Tratavam-se de carruagens de bogies com um alpendre, uma casa de banho e um compartimento para o guarda. “A central door led into the main luggage space occupying the remainder of the van and accessed via a large sliding door in the centre of each side; a narrow personnel door at the far end allowed staff access to other vehicles in a train. The vans had single roofs but with double ceiling in the guard’s section oil lamps in each section, including no less than four n the luggage space and latterly at any rate a coke stoke in the main compartment”284. 4.2.4.3. Da linha do Vouga Do Vouga chegaram também ao Tua pelo menos uma dúzia de carruagens compradas pela concessionária original: cinco mistas de primeira e terceira classe (ACE 431, 433, 437, 284 DAVIES, 1998.
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438 e 442), quatro de terceira classe (CE 453, 454, 462 e 467), uma mista de terceira classe e bagagens (CDE 483) e duas de bagagens (DE 573 ou 574 e DE 575 ou 576). As carruagens ACE 431, 433, 437 e 438 eram todas muito semelhantes entre si e correspondiam à série AB (compósito de primeira e segunda classe) da Compagnie Française pour la Construction et Exploitation des Chemins de Fer à l’Étranger. Foram construídas na segunda década do século XX pela Nicaise e Delcuve – Ateliers de La Louvière e pelos Ateliers de Seneffe. Eram “handsome balconied bogie vehicles on metal girder frames and with double roofs over the passenger sections only. The body
shells were largely of pitchpine framing, with oak floors and were externally clad with teak vertical strip panelling. Window arrangement was slightly odd, windows being grouped in pairs but with a single one at each end and all were droplights. Internally the vehicles were divided into two sections, each reached from a wide, iron-railed balcony. The small 1st class compartment seated nine, arranged two and one either side of an off-centre gangway – the end seats facing seat backs because of the window arrangement. Seats were specified as having sprung upholstery with moroccan leather underneath and cloth fabric above the compartment sides were lined to shoulder height with stretched fabric but the floor was
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Vagão de dois eixos com cabine de freio JE 1230. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
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Vagão de bordas altas com cabine para guarda-freio, no Tua. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998.
simply linoleum. A panelled swing door in a full bulkhead gave access to the 2nd class saloon, provided with more spartan padded seats arranged in bays of four each side of a central gangway; again the end bulkhead seats faced seatbacks but this time the internal cladding was simple pitchpine with a plain oak floor. Lighting was via four equally spaced, oil lamps on the roof centre line, with one further lamp recessed into each end bulkhead. Vacuum brakes were fitted from new, together with a pillar handbrake on one balcony but there was no heating. Original livery is not known for certain but was probably varnished wood with black ironwork”285. Foi com a passagem 285 DAVIES, 1998: 206-208.
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para a CP que se tornaram em compósitos de primeira (12 lugares em duas filas de seis) e terceira classe (28 lugares). As mudanças não se ficaram por aqui, pois algumas alterações ao nível da disposição dos lugares (por exemplo, a 433 tinha 18 lugares de primeira classe) e das janelas foram também introduzidas pela CP. Chegaram ao Tua em finais da década de 1970 em tons de azul e tiveram carreiras curtas pois até 1985 todas tinham sido transferidas para a linha do Sabor, onde acabaram os seus dias, excepto a 437 a quem foram retirados os bogies, passando o vagão a servir de cantina em Mirandela. Quanto à carruagem ACE 442, correspondia ao antigo salão ASfv 1 da Companhia do Vouga. Ori-
ginalmente igual ao lote anterior, foi reconvertida no salão oficial da companhia. Tinha 12 lugares “with fixed settees along the end bulkheads and six movable armchairs round two tables; a side passage giving access first to a toilet and then to two six seat closed compartments; a stewards pantry; the far balcony which also contained a locker probably for bottled gas”286. Com a CP, a despensa foi transformada numa casa de banho com entrada desde o varandim e a antiga casa de banho foi incorporada no salão de terceira classe (com 28 lugares). Em 1876, foi transferida para o Tua, onde esteve até 1980, quando foi realocada para o depósito de Carvalhal na 286 DAVIES, 1998: 205.
linha do Sabor, onde funcionou como messe. Foi destruída no início dos anos 1990. No que toca aos vagões de terceira classe, correspondiam à antiga série C da companhia concessionária da linha do Vouga. Todos tinham sido construídos em 1908 pela La Métallurgique de Nivelles (à excepção do vagão 467, que foi construído em 1911). Tinham cerca de 12,5 m de comprimento. Eram veículos com varandim, telhado duplo e armações de metal. A estrutura era em carvalho e pinho, com chão também em carvalho e revestimento externo em teca. “The droplight windows were grouped in pairs except that there was a single at one end, with a consequent half-bay of seating. In-
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ternally they were divided into two saloons seating 28 and 24, by a panelled bulkhead with half-glazed door. Internal cladding was of pitchpine and the slatted seats had alternating light (pitchpine) and dark (teak) varnished slats – a nice finishing touch. Lighting was by four roof-mounted oil lamps with additional ones recessed into the end bulkheads. The designation suggests that brakes were not fitted as new but they were certainly piped. Original livery was probably varnished teak”287. Ainda antes da incorporação na CP, em toda a série foi introduzida iluminação a gás acetileno e depois alarme e iluminação eléctrica (até 1927) e removido o telhado duplo (1946). Com a CP todas passaram a ter casa-de-banho, luz eléctrica, aquecimento por termo-sifão e travões de vácuo. A 462 serviu de cobaia em Campanhã para aquilo que deveria ser o modelo de carruagem para todas as carruagens de madeira. Tinha “straight-sided, flush-panelled bodies with semi-domed roofs, large metal-framed windows (113 cm wide) and vestibuled ends. The interior was simplified to a single saloon with hardboard panelling”288. Aparentemente, o resultado final não agradou porque este modelo nunca foi replicado. Na década de 1970 as carruagens da antiga série C do Vouga foram redistribuídas por toda a rede de via estreita ficando o Tua com os veículos já indicados, que serviram até aos primeiros anos da década de 1980. A carruagem CDE 483 (antiga CD94) era uma 287 DAVIES, 1998: 212. 288 DAVIES, 1998.
carruagem mista de bagagens e passageiros, originalmente construída pela Nicaise et Delcuve em 1911 para a Companhia do Vouga. Tinha ao todo entre 12,3 e 12,8 m, ocupados por um alpendre, 16 lugares de terceira classe, casa-de-banho, compartimento do guarda/bagagem com cerca de 5,5 m, compartimento do correio com 1,5 m e um segundo varandim. A iluminação era a óleo e não tinha aquecimento. Em 1916, o compartimento do correio foi aumentado para 2,28m e a casa-de-banho foi transferida para o extremo do salão de passageiros, tomando o lugar de quatro assentos. Nessa altura, colocou-se iluminação a acetileno. Em 1931, suprimiuse o compartimento para o correio, aumentando-se a lotação para 28 lugares sentados divididos por três filas e meia, e introduziu-se iluminação eléctrica. Já com a CP, a carruagem seria pintada de vermelho em 1971 e quatro anos depois seria enviada para o Tua, onde trabalhou até 1981, ano em que foi armazenada. De acordo com Davies, foi vendida em 1988, passando a ser usada como bar em Bragança289. Por fim, os vagões de bagagens, construídos em 1908 e 1914 pela La Métallurgique de Nivelles e pelos Ateliers de Seneffe, respectivamente. Eram “handsome balcony-ended vans with vertical teak cladding and ornamental railings. Access from each side was by a sliding door, and a narrow personnel door in each end led to a balcony; gates and fall plates allowed access to the rest of the train (...); a corner of the main van space was partitioned off to form a secure mail compartment. This had its own door form a 289 DAVIES, 1998.
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balcony and was fitted out with a tiny desk, chair and a few pigeonholes; a letterbox with external flap was positioned a tone side. The design allowed for a pillar handbrake on each balcony and a vacuum valve, while the maker’s photograph shows vacuum connections; only a single roof was fitted; no heating nor e lighting via oil lamp”290. Em 1926, sofreram algumas alterações: os alpendres foram incorporados no corpo principal; um extremo do veículo passou a acomodar o guarda e sua secretária, caixas e várias prateleiras enquanto o outro estava vazio à excepção de um fogão; um dínamo também foi instalado, juntamente com uma instalação de iluminação eléctrica. O exterior foi revestido a teca. A CP fechou as janelas em cada extremidade e instalou novos travões de vácuo e manuais. Na década de 1970 alterou-se o posicionamento das portas e o revestimento interior. Foi também no final desta década que estes veículos vieram para o Tua. Cerca de dois anos depois de terem chegado foram abandonados na linha do Sabor e em Sernada.
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Vagão de bordas baixas com cabine para guarda-freio, no Tua © Hugo Silveira Pereira
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Panorâmica das oficinas em Mirandela. Fonte: CP, 2006.
4.2.5. Material rebocado de mercadorias sob gestão da CP A CP manteve uma grande parte dos veículos de mercadorias que recebeu quando da Concessão Única, ao qual adicionou material do Vouga, do Dão e do caminhode-ferro mineiro do Lena. Quase todo o material de dois eixos da CN foi usado até meados da década de 1980, altura 290 DAVIES, 1998.
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Planos das carruagens de terceira classe (série C) da CN. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998: 102.
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Planos das carruagens mistas de primeira e segunda classes (série AB) da CN. © W. J. K. Davies. Fonte: DAVIES, 1998: 100.
em que foi sendo substituído por veículos de bogies provindos do Sabor291. Segundo Davies, a CP geriu no Tua 50 vagões cobertos (série JEfv1201-1250), 35 vagões de bordas baixas (série LE1261-1295) e 58 vagões de taipais altas (série OE 130157), alguns deles reminiscências do tempo da CN, outros provindos de outras linhas. Os vagões cobertos incluíam três veículos especiais e 47 vagões ventilados com ligeiras diferenças entre si. Os vagões de borda baixa
“had low, single or two planks bodies with either full-length drop sides or twin drop doors (…) They were on standard underframes”, mas os vagões 1277 a 1286 tinham uma característica distinta, contudo: “a brakeman’s open armchair seat above the headstock at one end”292. Por fim, os vagões de borda alta são genericamente descritos por Davies da seguinte forma: “six or seven plank body with twin outward-hinged doors arranged centrally on each side – a typical Belgian feature. Braked
291 DAVIES, 1998: 169.
292 DAVIES, 1998: 113.
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variants had either open armchairs or, more commonly, one of a variety of brake huts or shelters; some of these characterised by curved cutouts in the sides, are definitely of CN origin, the others may be CN or CP. A small but undetermined number of wagons, however, had sliding doors instead of hinged ones and these were of two patterns – a rather crude wood-framed and braced variety which looks as though it could have been locally made and a very professional-looking flush
planked affair in a metal frame”293. A CP ficou ainda com os veículos especiais da CN: o guindaste móvel T1001 (renumerado para GE1381), que era “a true rail-mounted mobile crane and presumably ran with a lowside as match wagon when required. It (…) had a standard frame but with the wheelbase offset so that axles were equidistant from the crane pivot. Full buffing-coupling gear and retractable outrigger stabilisers were fitted so it was clearly intended for line 293 DAVIES, 1998: 113.
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Plano de diverso material circulante da CN e da CP. Fonte: Brochura do antigo núcleo museológico da CP de Bragança.
use. The lattice metal jib, with sliding counterweight, had a nominal lift of 5,000 kg and was manually operated through gearing”294; e duas oficinas itinerantes (IE1385 e JEs1391). A empresa introduziu ainda 15 vagões cobertos JEy1-15, construídos por si em 1962. Eram grandes furgões com estrutura em aço e grandes portas deslizantes. Ficaram no Tua, até aos anos 1990 quando foram desmantelados à excepção de um que foi reservado para museu295.
294 DAVIES, 1998: 113-114. 295 DAVIES, 1998.
5. O MATERIAL CIRCULANTE NA MEMÓRIA ORAL DO TUA No âmbito do subprojecto memTUA foram recolhidas várias entrevistas de homens e mulheres ligadas à vivência da região. Como não podia deixar de ser, a comunidade ferroviária foi também parcialmente incluída no universo dos entrevistados contactados. Testemunhos individuais e colectivos de 60 a 90 minutos de duração foram gravados e transcritos, servindo agora de base a este capítulo. O conjunto examinado (20 entrevistados) é bastante diverso. Existem de facto maquinistas, com experiência directa no contacto com o material circulante já analisado, mas também funcionários mais ligados às instalações fixas (factores, chefes de estação, guardas de passagem de nível, operários de oficina), familiares de ferroviários e meros utilizadores da linha. Neste texto procuraremos identificar as linhas de força comum às memórias destas pessoas e analisar as principais diferenças e similitudes. O primeiro ponto a reter, embora seja referido por apenas dois dos testemunhos, é a mais-valia social
trazida pela posição de maquinista, sobretudo nos tempos do vapor. Segundo Fernando dos Anjos, ser maquinista “era uma vida limpa e uma posição que dava para namoriscar raparigas de outra posição, mais cultas… tínhamos outra apresentação, usávamos uma farda decente (…) e tínhamos o vencimento certinho ao fim do mês…”295. Outro maquinista, Luís de Almeida, recorda-se que “naquela altura, a profissão de maquinista tinha um certo estatuto; quando era fogueiro, pedia licença ao maquinista para subir para a máquina”296. O maquinista a vapor era mais bem visto pelo público, algo que se perdeu na transição para o diesel: “como era difícil lidar com o vapor, valorizava-se mais quem era bom maquinista e chegava à tabela. Os utentes já sabiam quem se preocupava mais e era melhor maquinista e preocupavam-se em saber quem era a pessoa que ia conduzi-los.
É que naquela altura enchiam-se 3 ou 4 carruagens de pessoas que iam de Macedo trabalhar para Bragança e queriam e precisavam de chegar a horas. Por isso, estavam interessados em que o maquinista fosse bom profissional”297. A relação entre o profissional e a máquina era também prezada e fomentada, o que era visível no cuidado e esmero com que o primeiro trazia a segunda. Segundo Fernando dos Anjos, “nós trazíamos tudo sempre muito limpinho, tínhamos sempre sabão e lavávamos tudo; depois, os carregadores usavam já as putas das luvas e nós dizíamos-lhes logo que se sujassem alguma coisa, tinham que a limpar”298. Em virtude da importância da função para a empresa e da sua relevância social, o maquinista usufruía de melhores regalias contratuais, sobretudo após o 25 de Abril, algo que é confirmado por todos os maquinistas que concederam o seu testemunho e
295 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus 296 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M24.2014 Luís Almeida
297 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 298 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
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também por outros funcionários que não pertenciam à secção de tracção. O entrevistado Luciano Gonçalves, ex-revisor (entre 1972 e 1993), refere por exemplo que nunca precisou de emigrar, porque “trabalhava no caminho-de-ferro… e já era do quadro… tinha mulher e já um filho e achei que não devia deixá-los…”299. O mesmo entrevistado confirma ainda que o gozo de férias só começou a ser um direito a partir da década de 1970, “depois de Marcelo Caetano ter dado essa regalia. Antes disso, só podíamos gozar 10 dias de uma vez mais dez dias alternados”300. Já de acordo com o maquinista Reinaldo Queijo, “antes do 25 299 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M25.2014 Luciano Gonçalves 300 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M25.2014 Luciano Gonçalves
António José de Almeida José Augusto Teixeira
de Abril éramos uns mártires, éramos multados por tudo e por nada!… tínhamos 13, 14 e 15 horas de serviço… muitas horas extraordinárias sem ganhar (…). Por exemplo: havia também a folha de trânsito. Se tivéssemos atrasos no horário, o que acontecia às vezes e por motivos alheios à nossa vontade, tínhamos que justificar a razão do atraso. No entanto, a parte boa da questão, é que era sempre possível arranjar-se uma avaria que nos livrava de pagar a multa que nos seria descontada no vencimento…”301. O já citado Fernando dos Anjos confirma que a “profissão de ferroviários, antes do 25 de Abril, era mísera. Ganhávamos muito pouco e trabalhávamos muito. Foi Vasco Gonçalves, 301 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
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que era filho de ferroviários, que nos beneficiou após esta data”302. Após a revolução, os empregados da ferrovia “ganhavam mais uns tostõezitos e tinham mais direitos”303. Para Fernando dos Anjos, a explicação para este facto residia na força dos sindicatos antes e após a revolução dos cravos: durante o fascismo, o sindicato dos ferroviários “era quase só para os compadres e afilhados. Não funcionava nada. Depois do 25 de Abril formou-se o sindicato dos maquinistas e as coisas avançaram um bocadinho”304. Detalhando a conversa sobre salários, Fernando dos 302 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus 303 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 304 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
Anjos lamenta a exiguidade da féria: “quando perguntavam a um ferroviário quanto ganhava no início da carreira, ele respondia: ganho 20 escudos e uma caixa de fósforos… isto porque uma caixa de fósforos custava então três tostões (…); quando entrei para a CP [em 1957 como servente de tracção] ganhava 700 escudos (…); em 1963, quando fui nomeado do quadro ganhava 900 escudos (…); em 1976 ganhava 1.800 escudos como fogueiro de primeira”305. Anos depois “em 1991, em Mirandela, tirava quase 300 contos”306. Outro maquinista, Luís Almeida, recorda que foi afastado da profissão por uma junta médica “por ter 305 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus 306 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
falta de audição… ‘És mouco, não podes trabalhar, diziam-me eles’… Tive que meter os papéis para a reforma, a qual chegou em 2000… Enquanto não veio, recebi um subsídio de doença profissional. Na altura, ganhava 114 contos… No Verão chegava a tirar 400 contos e mais. Por isso, eu gozava sempre as férias no Inverno…”307. Os maquinistas eram a elite da força laboral da CP a quem era exigido uma variedade de conhecimentos frequentemente passíveis de actualização e um percurso prévio na empresa, normalmente como fogueiro. É algo que todos os testemunhos dos ex-maquinistas confirmam. Reinaldo Queijo remembra que “em 1968 e parte de 1969 trabalhei como fogueiro em Mirandela. De307 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M24.2014 Luís Almeida
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pois fui para Contumil, como fogueiro, parte de 1969, 1970 e 1971. Em Outubro de 1971 fui para o Pocinho, já a tirocinar para maquinista. Em 1972 passei a maquinista. Estive no Pocinho e fiz Pocinho-Duas Igrejas [linha do Sabor] até 1976. Em 1976 fui destacado para Mirandela onde fiquei efectivo em 1977. E aqui trabalhei até que me reformei”308. Luís Almeida concorreu à CP “a factor, a operário e a fogueiro. Mas, entretanto deu-se a coincidência de acabarem com os fogueiros na região centro. Convinha-me pois concorrer à região norte, mas o engenheiro dos serviços onde eu estava não me deixava ir sem ter um substituto. Depois de ter exposto o caso ao presidente do 308 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M22.2014 Bernardino Cordeiro, Luís Queirós Ferraz Teixeira e Reinaldo Recto Queijo
Fernando Quintas. Adosinda Caravau
conselho de administração, conseguiu ir para Contumil fazer o curso de fogueiro, durante dois meses, isto em 1970. A turma onde fui inserido, em Campanhã, tinha 14 alunos mais ou menos do mesmo nível etário. Depois do estágio, fui fogueiro durante quatro anos. Ao fim deste tempo, durante seis ou sete meses frequentei o curso de maquinista, em Contumil, em 1974. Trabalhei com máquina a vapor quase sete anos”309. A trajectória de Fernando dos Anjos foi semelhante. Segundo o próprio, “comecei o meu trabalho na CP como servente de tracção, em 1957, com a quarta classe e com a idade de 18 anos… A CP era o que havia de mais rentável naquela altura!… Depois fui fogueiro durante ano e meio, 309 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M24.2014 Luís Almeida
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na Boavista, em Sernada do Vouga e na Régua. Fui frequentar a escola de maquinistas para Contumil, de onde saí por volta de 1970. Comecei a trabalhar como maquinista em 1971 e de 1972 a 1977, estive no Pocinho. Efectivei em Mirandela, onde trabalhei até à idade da reforma”310. O mesmo maquinista esmiúça todos os passos necessários para se poder chegar a fogueiro e maquinista: “para se ser fogueiro, a formação era de dois ou três meses, mas para se ser maquinista era maior. Em ambos os casos tinha que se passar numa junta médica e no psicotécnico. Havia maquinistas que tinham que ir todos os anos à junta médica a Lisboa ou porque tinham tensão alta ou porque 310 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
se suspeitava de algum problema de coração. Por vezes ficavam impedidos de exercer durante algum tempo. Eram muito rigorosos com isso. Quando havia mudança para novas locomotivas, tinham sempre que ir à junta médica e ao psicotécnico (...); tinham que ir à escola de formação em Campanhã. Tinham formação em função das máquinas que conduziam e faziam provas escritas e provas orais”. A formação adquirida e a experiência acumulada forneciam ao maquinista um conhecimento intrínseco do instrumento que manobravam. Por exemplo, as locomotivas não tinham conta-quilómetros, “o conta-quilómetros eram os nossos ouvidos, pelo bater da roda. Sabíamos que de estação para estação tínhamos 6 minutos para fazer o trajecto”311... 311 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
Todos estes homens acumularam uma vasta experiência na condução de diversos veículos a vapor no Tua. Nas linhas seguintes transcreveremos alguns dos relatos na primeira pessoa sobre o que era ser maquinista a vapor nas linhas de Mirandela e Bragança. Fernando dos Anjos fez “muitas vezes a viagem de Foz-Tua a Mirandela no comboio a vapor. O sucesso da viagem dependia muito de como a máquina se portava e da habilidade do fogueiro. Quando a máquina andava bem oleada, tudo corria melhor; de outro modo, parava-se várias vezes para pôr, por exemplo, mais água para poder produzir mais vapor, mas a viagem era mais cansativa. A táctica passava muito por saber trabalhar com o carvão e nunca deixar diminuir o fogo. Nem todas as máqui-
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nas queimavam o carvão do mesmo modo. Parava-se em plena via e faziase o que fosse preciso… A descer, não havia problemas, elas andavam que se fartavam, agora a subir, isso não havia pai para elas… As máquinas nem sempre estavam na sua melhor forma porque elas andavam por muitas mãos. Havia colegas de trabalho que não se importavam de as entregar em más condições. Isto, quando deixou de haver distribuição das máquinas sempre ao mesmo maquinista, pois quando havia a responsabilidade pela máquina que era entregue, o maquinista tinha que responder pelo tempo perdido na viagem devido ao seu mau funcionamento. Quando fazíamos as viagens de Mirandela para Bragança, muitas vezes transportávamos 145 toneladas de carga e quando nevava, principalmente desde Macedo até ao
Reinaldo Queijo Fernando dos Anjos
alto de Rossas, a neve entrava e tinha que se aguentar. O trabalho era muito e pesado. De Mirandela a Bragança, havia pontos em que a linha subia 2% por metro [20 mm/m]… eu cá, preferia ir dez vezes ao Tua e nem uma vez a Bragança…”312. As diferenças de comportamento das locomotivas, e mais importante, a diferença na capacidade do maquinista são ilustradas pelo seguinte testemunho do mesmo Fernando dos Anjos: “o Zé Alvarenga (já falecido) conduzia a máquina 81 [E81, uma locomotiva que, como vimos, datava da abertura da linha do Tua], que era a mais fraquinha que lá havia e andava sempre atrasado. Eu conduzia a 111, que era a melhor máquina que lá havia. 312 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
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Depois, eu passei para a 81 e ele para a 111. Eu comecei a conhecer a máquina, o meu ajudante também era bom rapazinho, e ambos lá nos íamos desenrascando, sobretudo na etapa entre Mirandela e os Cortiços, onde se patinava mais, e o que é certo é que chegávamos à tabela. O Zé Alvarenga, com a 111, chegava sempre atrasado”313. Contudo, o problema da E81 não era a antiguidade, pois uma outra máquina da mesma série – a E84 – “era uma maravilha;” – segundo Fernando dos Anjos – “o percurso entre o Romeu e os Cortiços demorava quase sempre 20 minutos. No Verão, atrasava-se por causa da folha do sobreiro que caía nos carris e por causa da humidade”314. 313 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 314 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
A própria natureza e perfil da linha dificultava o trabalho aos maquinistas. Perto da ponte do Remisquedo, e dando novamente voz a Fernando dos Anjos, “havia aqui um apeadeiro; mal se passava a ponte, era preciso acelerar para vencer a rampa que vinha a seguir; a parte que custava mais a fazer era desde a ponte de Carvalhais até Rossas, sempre a subir”315. Reinaldo Queijo confirma a dificuldade deste troço em particular bem como os desafios de conduzir uma composição de noite: “se era durante a noite, nas máquinas a vapor tínhamos uma luz produzida a partir do óleo de purgueira, que alimentava uma candeia, a qual não alumiava praticamente nada… Os sítios mais difíceis da linha no tempo da máquina a va315 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
por eram de Foz-Tua até Santa Luzia, porque havia subidas muito íngremes. Depois fazia-se bem. Mas, entretanto surgia a subida de Frechas e… depois dos Carvalhais até Rossas, era sempre a subir, durante 80 km...…”316. O antigo auxiliar de estação Bernardino Cordeiro evoca ainda outros pontos mais complicados da linha do Tua: “a primeira… à saída da linha, no Tua, havia ali um cotovelo que fazia com que a frente da máquina não reconhecesse bem o itinerário a jusante. Só víamos de meio metro para baixo…. E depois em Vale da Porca a caminho de Bragança, no Forno da Cal para baixo, que havia ali um espelho… Mas o trajeto mais difícil era da zona da Brunheda ao Tua 316 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
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que era a mais acidentada. Era um túnel aberto, como diziam os turistas que por lá passavam. Era a zona que metia mais respeito, mas também era a que mais encantava quem por lá passava”317. Os maquinistas faziam as suas refeições na própria locomotiva, empregando o vapor usado na máquina numa pequena panela que cozinhava à pressão. Reinaldo Queijo confessa que “ainda lá tenho a minha [panela]: nem a dou, nem a vendo, nem a empresto... Em que consistiam estes cozidos? Na casa da máquina, onde a gente guiava o comboio, havia um tubo próprio que dava para ligar à panela, o que a tornava uma autêntica panela de pressão onde se fazia um cozido 317 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M22.2014 Bernardino Cordeiro, Luís Queirós Ferraz Teixeira e Reinaldo Recto Queijo
José Russo Manuel de Jesus
que era uma autêntica sopa de pedra. Também cozíamos lá o feijão mesmo sem o deitar de molho. Nessa altura, comíamos todos do mesmo prato que era um grande prato de barro vermelho. Muitas vezes só tínhamos dez minutos para comer, mas aquilo sabianos pela vida!... O chefe da estação às vezes ainda provava, no fim da viagem, em Bragança… por vezes tínhamos de comer num quarto de hora… até no tabuleiro da máquina…”318. Fernando dos Anjos recorda o mesmo: “quantas vezes comíamos em andamento! Saíamos de Mirandela às cinco da tarde para chegar a Bragança por volta das oito ou dez para comermos, mas quantas vezes estávamos a comer e a neve passava de um lado 318 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
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para o outro! Era complicado…”319. Um dos problemas mais associados a este tipo de máquinas tractoras era o lançamento de faúlhas que por vezes podiam provocar incêndios, algo que é liminarmente recusado pelo antigo operário das oficinas de Mirandela, Evaristo Gonçalves: “quanto ao facto de haver mais incêndios na altura do vapor, isso não é verdade; isso eram tudo boatos!”320. Todavia, o engenheiro Alberto Lopes dos Santos, natural do Romeu, confirma que no Quadraçal, “todos os dias, o pessoal da casa Menéres (não havia bombeiros) ia apagar o fogo que o comboio fazia com as fagulhas que deitava. Eram fo319 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 320 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M21.2014 Aníbal Joaquim Rodrigues, João Evaristo Gonçalves e António Diamantino de Jesus
gos fáceis de apagar porque durante o Inverno era tudo muito bem limpo”321. É verdade que as máquinas podiam efectivamente lançar fogo aos terrenos limítrofes à linha, como aliás se queixava frequentemente Clemente Menéres à Companhia Nacional em inícios do século XX322; contudo os dois testemunhos não são necessariamente contraditórios, pois é possível que dada a limpeza das matas e a rapidez dos trabalhadores agrícolas os focos de incêndio fossem estancados à nascença, constituindo assim os fogos causados pelas máquinas meros boatos. Aqueles profissionais da tracção, bem como o chefe de estação José Russo, acompanharam ainda 321 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M34.2015 Alberto Lopes dos Santos 322 Arquivo Menéres. Arquivador da correspondência, empresa Lopes da Cruz.
o processo de dieselização da linha do Tua. Este último fê-lo “quando era chefe de estação em Foz-Tua. A máquina a Diesel podia com 400 toneladas… a de vapor só podia com 200… começámos a fazer comboios até às 400 toneladas. Bastava-nos pedir autorização ao posto regulador e ela era-nos concedida através de um telegrama…”323. Fernando dos Anjos é ainda mais assertivo: o veículo a diesel, sobretudo da marca Allan, “era a melhor máquina do mundo em via estreita”. Mas tal como com as locomotivas a vapor, não era qualquer maquinista que as conseguia conduzir. Fernando dos Anjos recorda-se que um camarada seu demorou mais do que o previsto no troço entre Mirandela a 323 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
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Bragança, precisamente por não saber lidar bem com as dificuldades que lhe surgiram advindas do calor. Em todo o caso o entrevistado conclui que as máquinas diesel “foi das coisas boas que vieram para a linha do Tua; bastava ser cuidadoso na condução porque avarias elas não tinham”324. O outro maquinista entrevistado, Reinaldo Queijo, afina pelo mesmo diapasão: “como maquinista e como praticante das Allan (...) durante todo o ano de 1973, a nossa marcha era sempre na casa dos 50/60 km/h, isto com carris de 8 m. Com as renovações, vieram os carris de 12 e de 18 m e então em vez de irmos a essa velocidade, passámos a ir a 30/40 km/h…”325. 324 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos 325 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo
Valdemar Pais Aníbal Joaquim Rodrigues
Como já vimos, a chegada das Duro Dakovic (ou Xepas) piorou a qualidade do serviço. Fernando dos Anjos chegou a estar à frente de uma destas composições, que fazia um serviço que terminava em Bragança à meia-noite: “até Rossas, era a subir e dava o sono. Eu, como maquinista, para não ter sono, ralhava comigo próprio e dizia coisas como estas: ‘ó seu burro, tu não vês que vais a conduzir uma automotora?!... então, é a dormir que se conduz um automóvel?!...’”. O mesmo entrevistado conta que chegou a ter um acidente com uma Xepa, que descarrilou na ponte de Rebordãos sem que ele percebesse porquê, pois circulava a apenas 25 km/h326. Os descarrilamentos eram e Manuel de Jesus 326 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M31.2014 Fernando dos Anjos
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apenas um dos perigos enfrentados pelos maquinistas na condução de locomotivas ou automotoras por uma via-férrea. As estatísticas do Anuário Estatístico de Portugal evidenciam que em todas as linhas nacionais todos os anos se verificavam acidentes327. A linha do Tua tinha ainda a particularidade de se situar assente num vale encaixado entre fragas praticamente a prumo, onde o desprendimento de pedras não era infrequente. Na entrevista colectiva feita a Aníbal Rodrigues, Evaristo Gonçalves e Diamantino de Jesus, os três recordam que “numa semana saímos para um descarrilamento e só regressámos, salvo erro, na semana a seguir. Começámos lá para cima, nos Cortiços, no Quadraçal, ou lá onde é que foi; depois, aquele em que antes das Fragas Más, no Castanheiro, a 327 BEIRA, 2015: 326.
máquina ficou a cair para o rio. Isto foi em 1978. Naquele tempo havia descarrilamentos por causa dos temporais, devido às pedras que caíam e por falta de manutenção das trincheiras”328. O maquinista Reinaldo Queijo relata igualmente que “uma ocasião, em Tralhariz, encontrámos um ramo grande que tapava um enorme calhau na via; pedimos socorro e esperámos toda a noite”. A região apresentava ainda a dificuldade de falta de comunicações rápidas: “Como não havia meios para pedir socorro, às vezes fazíamos 5 ou 6 km a pé até à estação. Os telemóveis só vieram nos anos 1990 e, mesmo assim, da Brunheda para baixo, só havia rede entre o Castanheiro e Santa Luzia. Daqui de 328 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M21.2014 Aníbal Joaquim Rodrigues, João Evaristo Gonçalves e António Diamantino de Jesus
Mirandela até ao Tua, voltava a não haver rede”329. O antigo chefe de estação Fernando Quintas lembra-se também “de um desprendimento entre Brunheda e S. Lourenço (perto do Tralhão): houve um descarrilamento, a máquina vinha carregada de trigo e o maquinista faleceu. Outro, entre a Brunheda e Foz-Tua, em que o maquinista ficou sem uma perna... Estes acidentes aconteceram ainda no tempo da máquina a carvão”330. Os descarrilamentos eram de facto frequentes. António José de Almeida, ferroviário e descendente de ferroviários, testemunha que “en329 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus 330 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M6.2014 Fernando Quintas
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quanto trabalhei na linha do Tua (...), desastres houve muitos… três descarrilamentos em meia dúzia de anos”. O seu pai, maquinista, legou-lhe também muitas memórias de acidentes provocados pelo desencarrilar das composições: “o meu falecido pai, uma vez, foi parar ao rio. Antes de chegar a Santa Luzia, há dois túneis e uma ponte e lajes muito escorregadias. A máquina não chegou ao rio e ficou presa numa daquelas lajes, direita virada para o rio… Nesse acidente, o meu pai partiu duas costelas mas o fogueiro (…) não sofreu nada; o maquinista é que bateu na manivela da alavanca… Mas quantos desastres lá houve, descarrilamentos, mas sem perigo… Outra vez foi um comboio carregado de trigo. O guarda-freios morreu”331. 331 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M1.2013 António José de Almeida
João Evaristo Gonçalves António Diamantino de Jesus
Este desastre é também recordado por José Augusto Teixeira, trabalhador agrícola local: “acidentes graves lembro-me de morrerem duas ou três pessoas aqui perto, no Tralhão, no Pinhal. Houve um descarrilamento, morreu um guarda-freios que vinha na cabina em cima do comboio onde havia uma manivela para reduzir a velocidade. O comboio vinha carregado de trigo e o homem caiu ao rio e morreu. Foi para aí há 40 anos”332. Por fim, último destaque para a descrição de António José de Almeida da forma como o seu pai morreu ao serviço ainda da CN: “um Inverno, ia com o comboio para Bragança e chegou ao alto de Rossas e a neve era tanta que ele saiu e foi tirá-la. Molhou-se todo e chegou a Bragança 332 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau
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com as ceroulas grossas e as calças todas molhadas. Aqueceu-se numa fogueira que tinham feito e foi-se deitar ainda com a roupa molhada vestida. Quando voltou para Mirandela e chegou a casa, queixou-se das dores que sentia nas pernas… Apanhou uma tuberculose óssea, esteve meio ano de cama, os ossos apodreceram. Não pagaram nada, ficou a minha mãe com uma reforma de 174 escudos… 18 anos de caminho-de-ferro que ele tinha… Morreu em Junho, há 70 anos, cerca de 1940…”333. Sempre que se verificavam acidentes desta natureza ou apenas para reparações menores ou por mero cuidado de manutenção dos maquinismos, as locomotivas e carruagens 333 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M1.2013 António José de Almeida
eram levadas para as oficinas de reparação e manutenção de Mirandela. No âmbito do subprojecto memTUA, conseguimos chegar à fala com três antigos operários destas instalações, que nos fornecem detalhes sobre esta importante função na exploração de uma via-férrea. António Diamantino de Jesus descreve detalhadamente as instalações: “conforme há aquele desnível da estação, havia ali o cais descoberto, depois havia o cais coberto. Junto da parede do cais, havia duas residências; depois havia a secção do motorizado (das automotoras Allan), isto no mesmo sentido. Depois, para o outro lado, havia uma secção denominada ‘as forjas’, onde faziam ou reconstruíam as molas para as carruagens; mais para o lado da CUF, havia a secção do vapor. Seguia-se a secção dos
tornos e depois a secção do material rebocado; isto tudo para o lado direito. Em frente, estava a secção do vapor, onde se colocavam as máquinas. Era o depósito das máquinas; para o lado esquerdo, ficava a secção do carvão e o local onde estava a placa giratória, onde viravam as máquinas”334. O antigo maquinista Reinaldo Queijo evoca que “naquela altura, nas oficinas de Mirandela, trabalhavam 20 a 30 pessoas, ou mais, talvez. Porque trabalhavam ali torneiros, serralheiros, soldadores, picheleiros, carpinteiros, estofadores, etc. E depois havia a parte dos serventes da tracção: uma média de nove ou dez serventes”335. 334 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M21.2014 Aníbal Joaquim Rodrigues, João Evaristo Gonçalves e António Diamantino de Jesus 335 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M22.2014 Bernardino
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Quanto ao labor em si, “nas oficinas trabalhava-se em tudo. Arranjava-se todo o material da linha do Tua e era muito”. Em relação ao material, o mais recordado era as Allan: “Mirandela tinha três, distribuídas por três operários: o António Diamantino tinha uma, o Carvalho tinha outra e o Pinto tinha a terceira… Os serviços mais difíceis de revisão estavam a cargo do titular dessa unidade. E no caso dos electricistas era a mesma coisa…”. Entretanto, como vimos, chegaram ao Tua as máquinas Duro Dakovic que mais tarde deram origem aos LRV2000. Os ex-operários recordamse das “automotoras verdes e brancas, as jugoslavas, [que] estiveram muitos anos no Tua. Foram lá para Campanhã para ser modificadas, mas essas Cordeiro, Luís Queirós Ferraz Teixeira e Reinaldo Recto Queijo
Bernardino Cordeiro Luís Queirós Ferraz Teixeira
locomotivas deram-nos muito trabalho, enquanto não foram modificadas”. Em relação às carruagens mais antigas, “eram de madeira e o carpinteiro, nesta altura, era o senhor Adriano Augusto Serra”336. O uso do material circulante e da linha é também naturalmente recordado por todos os entrevistados. Todos evocam os tempos em que linha tinha bastante movimento tanto de passageiros como de mercadorias. O antigo chefe de estação Fernando Quintas, por exemplo, lembra-se que “a linha do Tua tinha muito movimento e muita gente antes de construírem a IP4. Tinha cinco, seis composições por dia, em cada sentido. As automotoras tinham atrelado e 336 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M21.2014 Aníbal Joaquim Rodrigues, João Evaristo Gonçalves e António Diamantino de Jesus
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por vezes não chegavam, era preciso desdobrá-las”337. António José de Almeida, confirma: “havia cinco a seis comboios por dia, na via descendente e ascendente. A lotação era de 27 passageiros em segunda classe e 11 em primeira classe”338. Adosinda Caravau, viúva de um antigo ferroviário, tem memórias de um tempo provavelmente mais recente, quando o tráfego era mais reduzido. Só “havia quatro comboios de passageiros ao longo do dia: quatro para Bragança e quatro para o Tua”339. Por fim José Augusto Teixeira fala-nos não tanto no número 337 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M6.2014 Fernando Quintas 338 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M1.2013 António José de Almeida 339 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau
de composições, mas dos horários e qualidade das mesmas: “os comboios passavam todos os dias, vários. Ao meio dia passava um para baixo para o Tua e às três outro para cima, Mirandela e Bragança. Era o comboio… comboio normal era só um; à noite era o misto que arrebanhava o pessoal e as mercadorias”340. No que respeita ao transporte de mercadorias todos são unânimes em reconhecer a importância decisiva da linha, pelo menos no tempo em que ainda estavam no activo. Para Fernando Quintas “o comboio, nestas terras, era algo de muito importante (...) para o escoamento da cortiça, da azeitona, da baga do azeite e das laranjas. Utilizava-se muito o comboio para ir às feiras a 340 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau
Mirandela comprar e vender produtos ou para ir ao Tua”. O antigo chefe de estação faz uma especial menção ao complexo agro-industrial do Cachão, o qual “também utilizou muito a linha para fazer o escoamento de produtos tais como cereais, adubos, postes para os telefones e as próprias travessas da linha”341. O seu camarada José Russo destaca a importância do caminhode-ferro para o transporte de adubos: “para o Tua, iam comboios repletos de adubo, quando iam para cima e repletos de trigo quando vinham para baixo”342. Luís Teixeira recorda em especial o transporte de cortiça das propriedades dos Menéres e também das 341 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M6.2014 Fernando Quintas 342 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M14.2014 José Russo
Hugo Silveira Pereira | Máquinas e Homens: o material circulante da linha do Tua
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produções do Cachão: “todas as cargas de cortiça, naquele tempo, saíam do Romeu em comboios de mercadorias e eram grandes cargas; da fábrica do Cachão eram escoados e despachados muitos produtos daquela estação para Lisboa e para o Porto e outros locais”343. Por fim, citemos dois testemunhos mais genéricos sobre o transporte de mercadorias pela linha e a sua importância para a região. José Augusto Teixeira recorda-se que “carravam tudo para o Porto… azeite, cereais, vinhos (…). Nesta altura havia muito movimento na linha. Era pelo comboio que vinham as mercadorias, o cereal, o peixe, o carvão e... o correio (...). Havia também os comboios 343 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M22.2014 Bernardino Cordeiro, Luís Queirós Ferraz Teixeira e Reinaldo Recto Queijo
Luís Almeida Luciano Gonçalves
só de mercadoria. Eram grandes, cerca de dez carruagens. No Verão era difícil andarem”344. Luciano Gonçalves fala em particular da actividade em torno de Codeçais, tanto do comboio como dos homens que o carregavam: “quando lá andei, éramos para aí uns 12, de várias categorias. Desta aldeia trabalhava muita gente no Cachão. O transporte utilizado era o comboio. Fazia-se mais vida em Mirandela do que na Carrazeda devido ao comboio que também transportava os animais e tudo. Quando era do transporte dos adubos (entre 1960 e 1965) havia muito comboio a circular. No Tua, era tudo carregado a braços: o adubo, o carvão, as pipas de vinho, a cortiça, as travessas da linha… Só daqui de Codeçais, em 1955, passaram-me 800 344 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau
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arrobas de cortiça pelas costas; juntava-a para o cavalo carregar. Ganhava 20 escudos de sol a sol”345. O transporte de passageiros ficou também guardado nas recordações dos nossos entrevistados, pois o comboio “era usado pelas pessoas das aldeias da região, por pessoas que vinham do Porto, de Lisboa e de outras proveniências”346 – lembra-se Adosinda Caravau. Pormenores interessantes e caricatos ligados ao tipo de passageiros, à afluência à linha (sobretudo no tempo do vapor, quando “os clientes chegavam a Mirandela cheios de carvão”347), à velocidade das composições 345 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M25.2014 Luciano Gonçalves 346 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau 347 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M25.2014 Luciano Gonçalves
e à fuga à fiscalização do revisor ficaram também gravados na memória colectiva das pessoas que lidaram na primeira pessoa com o caminho-de-ferro. José Russo descreve-nos como “os comboios que vinham da via estreita, de Bragança para o Tua, com três e quatro carruagens, vinham sempre cheios. Aos fins-de-semana até tinham quatro e cinco carruagens. E cabia sempre mais gente porque as pessoas também viajavam de pé”348. O maquinista Reinaldo Queijo assevera também que “apesar dos maus horários e de outras tentativas de fechar a linha, as automotoras entre Bragança e Foz-Tua, andavam repletas”349. Também José Augusto Teixeira recorda 348 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M14.2014 José Russo 349 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M11.2014 Reinaldo Recto Queijo, Fernando dos Anjos, José Russo e Manuel de Jesus
também que se por um lado o “comboio facilitava a emigração, a saída”, por outro “nessa altura passavam, por dia, dois ou três comboios de carga no intervalo dos de passageiros, da gente que ia trabalhar para Mirandela e para o Cachão. Iam sempre cheios de passageiros”350. A grande afluência dificultava o trabalho ao revisor Luciano Gonçalves “mais na zona do Cachão, sobretudo na altura em que abriram as fábricas (…). Havia muito mânfio a procurar a melhor maneira de fugir ao pagamento e depois discutiam com o revisor, só que comigo, eles não levavam a melhor. Os passageiros frequentes podiam fazer três tipos de assinaturas: mensal, trimestral ou semestral. Essa assinatura tinha que ser renovada 350 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau
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quando terminava o prazo de validade. Apesar disso, alguns esqueciam-se… eu já conhecia os vezeiros; um deles era dos homens mais ricos de Frechas, mas andava sempre a fugir ao revisor! Na altura da feira de Mirandela havia sempre muito movimento e era muito mais complicado o trabalho (…). Na época pós-25 de Abril, o movimento era enorme por causa dos militares (…) essa bicharada a quem davam um quarto de bilhete”351. Paula Valente, professora com ligações a Trás-os-Montes, é quem fornece mais detalhes sobre a viagem no comboio do Tua enquanto passageira, uma vez que “ainda sou do tempo do comboio a carvão”. Paula Valente recorda-se ainda de mais detalhes sobre a distribuição do correio 351 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M25.2014 Luciano Gonçalves
Paula Valente Alberto Lopes dos Santos
pelo comboio, “do tempo em que a automotora era também distribuidora do correio. Vinha a mala do correio para ser aberta no sóto [taberna e loja da aldeia]. Normalmente o regedor lia em voz alta o nome das pessoas a quem se destinava a correspondência porque as pessoas estavam lá aquela hora e a maior parte era ainda analfabeta. O grande relógio daquela gente era a passagem da automotora ou do comboio, para além do sino da igreja que dava as horas”. Naquela altura, os passageiros eram divididos em três classes nas composições. “Na terceira classe só havia bancos de pau. Vi muitas vezes, quando ia à feira a Mirandela, as galinhas soltas na carruagem a comerem o milho que as pessoas lhes punham. Nas carruagens de terceira, as pessoas mantinham os seus próprios hábitos, mesmo na car-
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ruagem de um comboio… Nestas carruagens, a vivência social era outra. Nas carruagens de primeira viajava muito pouca gente. Na segunda classe viajava a maioria das pessoas e na terceira viajava quem tinha muitas dificuldades. As carruagens de primeira tinham estofos pesados, já gastos pelo tempo… Depois do 25 de Abril deixou de haver primeira classe”. A afluência aos comboios era muito diversificada: “encontrava estudantes, soldados muitas vezes fardados, grupos animados de famílias, às vezes a tocar viola, emigrantes, sobretudo em certas épocas do ano, e pessoas daqueles sítios que iam sendo distribuídas ao longo dos apeadeiros e estações que havia na linha do Tua”352. A velocidade, principalmen-
te no tempo do carvão e do vapor, não era elevada, sobretudo em alguns troços mais curvilíneos e acidentados do percurso. Paula Valente recorda-se de um episódio contado pelo seu tio: “ele e a outra rapaziada que estudava em Bragança e que ia por ali acima, chegavam a um ponto, entre Mirandela e Bragança, que eu não sei exactamente em que lugar era, onde havia uma curva na trajectória da linha, em que eles saíam, iam apanhar lenha e atiravam para a carruagem do carvão e diziam: ‘ó senhor fogueiro, tome lá lenha para o comboio andar mais depressa’. A pé conseguiam acompanhar o comboio naquela curva larga e isto era um daqueles feitos históricos da rapaziada daquela época”353. O passar dos anos assis-
tiu a um declínio no uso do comboio. Ainda segundo Paula Valente, “a partir dos anos 1970/80 começou a viajar menos gente e os horários passaram a ser mais espaçados, em função das pessoas que viajavam no comboio”354. O engenheiro Milheiro de Oliveira, gestor do metro de Mirandela, esclarece que os LRV2000 ainda conheceram períodos de grande concorrência de passageiros à linha: “Houve uma altura em que o metro transportava 900 passageiros. De Mirandela a Carvalhais, iam à volta de 300. De Mirandela para o Cachão, entre 30 a 50. Nos dias de feira havia mais. Aproveitou-se isto para deslocar os professores e os alunos para Carvalhais. Havia lá um núcleo escolar.
352 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M33.2015 Paula Valente
353 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M33.2015 Paula Valente
354 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M33.2015 Paula Valente
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Entretanto, criaram-se também as escolas profissionais, mas estas não têm a quantidade de alunos que têm as secundárias”. No entanto, no início do século XXI verificou-se uma diminuição desse tráfego – “em 2003/04, o metro já não chegaria a transportar 150 ou 200 passageiros por dia” – que passou a ser mais sazonal – “quando há os cursos de formação profissional dados na zona industrial, aumentam os passageiros”355. Como é sabido, a diminuição da afluência à linha, causada pela concorrência movida pelo transporte automóvel (sobretudo após a abertura das grandes auto-estradas e vias rápidas), pelo cancelamento da linha de Bragança e pela própria deterioração da linha e do serviço prestado, acabou 355 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M35.2015 Milheiro de Oliveira
Milheiro de Oliveira
por ser uma das causas justificativas do abandono e encerramento do caminho-de-ferro do Tua. Cada um dos entrevistados aponta uma justificação diferente para este facto, embora no cômputo geral todos apontem a degradação do serviço e a concorrência automóvel como principais razões para o fecho da linha. Na opinião de António José de Almeida, “o tráfego da linha do Tua só reduziu depois de terem cortado Mirandela e Bragança”356. Fernando Quintas aponta a construção do IP4 como momento de charneira para o declínio do caminho-de-ferro357. Com a abertura da nova auto-estrada 356 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M1.2013 António José de Almeida 357 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M6.2014 Fernando Quintas
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o camião e o autocarro prevaleceram sobre a ferrovia e o comboio358. “Para ir de Mirandela ao Porto, um autocarro demora duas horas, enquanto no comboio eram precisas cinco horas e a viagem não era directa. E já viu uma pessoa a ir, hoje, a pé, da aldeia de Tralhariz ao apeadeiro? Os tempos são outros…”359. Assim, era “um movimento impressionante que, a pouco e pouco, se foi degradando: ou porque as estações que não se iam abrindo, ou por causa dos camiões, ou por falta da aposta por parte das entidades que pudessem ter apostado mais no caminhode-ferro”360. 358 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M10.2014 Adosinda Caravau 359 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M14.2014 José Russo 360 Arquivo oral memTUA, projecto FOZTUA, Relatório interno WP M22.2014 Bernardino Cordeiro, Luís Queirós Ferraz Teixeira e Reinaldo Recto Queijo
Resta a memória, que este livro e o projecto FOZTUA procuraram preservar e divulgar.
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6. FONTES E BIBLIOGRAFIA 6.1. FONTES
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