Memória oral e história do vale do Tua

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MEMÓRIA ORAL E HISTÓRIA DO VALE DO TUA: MATERIAIS DE UM PROJETO Organização: OTÍLIA LAGE EDUARDO BEIRA



MEMÓRIA ORAL E HISTÓRIA DO VALE DO TUA: MATERIAIS DE UM PROJETO

Autores: ALBANO VISEU JOANA DIAS PEREIRA JOSÉ MANUEL MENDES OTÍLIA LAGE

Organização: OTÍLIA LAGE EDUARDO BEIRA


PROJETO FOZTUA coordenadores ANNE MCCANTS (MIT, EUA) EDUARDO BEIRA (IN+, Portugal) JOSÉ M. CORDEIRO (U. Minho, Portugal) PAULO B. LOURENÇO (U. Minho, Portugal) www.foztua.com EQUIPE memTUA ESCOLAS Eduardo Beira (coordenador) Albano Viseu João Luis Teixeira Maria Leonor Fernandes Maria Otilia Pereira Lage

ISBN: 978-153-01709-0-6 Fevereiro 2016 Design gráfico, paginação e capa por Ana Prudente Editado e impresso por Inovatec (Portugal) Lda. (V. N. Gaia, Portugal) Impressão da capa e encadernação por Minerva – Artes Gráficas, Lda. (Vila do Conde, Portugal)


ÍNDICE

APRESENTAÇÃO, Maria Otilia Pereira Lage PARTE I - SOBRE OS PROJETOS DE HISTÓRIA ORAL 1. HISTÓRIA ORAL E HISTÓRIA LOCAL, Joana Dias Pereira 2. PERGUNTAR E OBSERVAR NÃO BASTA, É PRECISO ANALISAR, José Manuel de Oliveira Mendes 049 3. FAZER ENTREVISTAS, • GUIÃO, Maria Otilia Pereira Lage • Albano Augusto Veiga Viseu 065 • ENTREVISTAS… GUIDELINES, Maria Otilia Pereira Lage 007 009 011 021

071 PARTE II - UM ARQUIVO ORAL 073 AS MEMÓRIAS DO VALE E DA LINHA DO TUA E DO DOURO, Albano Viseu 083 COLEÇÃO ORAL MEMTUA ESCOLAS: SUMÁRIOS 135 CONSIDERAÇÕES FINAIS: APRENDIZAGEM COLABORATIVA, Maria Otilia Pereira Lage 139 ANEXO ANÁLISE DO PROJETO PELAS ESCOLAS



Memória oral e história do vale do Tua:

APRESENTAÇÃO Maria Otilia Pereira Lage investigadora do CITCEM, Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura,Espaço e Memória”

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sta antologia tem como objetivo compilar e divulgar textos de apoio ao desenvolvimento do Projeto MemTua 2 – Escolas, realizado em 20142015, em parceira com os agrupamentos escolares e as escolas profissionais dos cinco concelhos do vale do Tua – Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça e Vila Flor – sobre a história local e regional da Linha e do Vale do Tua. Este projeto, extensão na comunidade escolar dos projetos FozTua, assentou numa pesquisa de terreno/trabalho de campo transversal à etnografia, sociologia, história oral e aprendizagem colaborativa, com resultados visíveis nalgumas publicações como esta antologia composta, necessariamente, de estudos do âmbito desses domínios científicos. Sendo este projeto, em que as escolas foram atores de primeiro plano desse trabalho de interação escola-comunidade, direcionado para a reconstituição de fontes orais para a história quotidiana local e regional do Tua, inclui também esta antologia textos de apoio à realização das atividades de ação cooperativa de professores, alunos e comunidades. Não tem a pretensão de constituir-se em “estado da arte” dos estudos sobre os domínios científicos e técnicos considerados nem visa incluir resultados de investigação considerados fundamentais por outros investigadores. Con7


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templa apenas alguns dos estudos metodologicamente sólidos e teoricamente relevantes usados como suporte das principais atividades em que se destaca a preparação e realização de mais de 150 entrevistas. Procura-se, assim, compilar sobretudo documentos e materiais de apoio essenciais ao desenvolvimento deste projeto e que podem funcionar como meio e replicação do mesmo. Tem como finalidade principal, entre outras, permitir analisar como se configura a relação memórias, fontes orais e história local/regional e qual a sua contribuição para a salvaguarda da história das comunidades sociais rurais e urbanas, campo que vem sendo percebido como espaço de representações das relações sociais humanizadas, valorizando formas que destacam as pluralidades expressas nos modos de vidas diferenciadas, nas ações dos quotidianos de sujeitos anónimos e noutras formas de convivência local e regional contemporâneas. Ao procurar-se recuperar a memória social produzida sobre uma experiência coletiva visa-se compreender como acontecimentos marcantes vividos pelas coletividades do vale do Tua são representados por diferentes sujeitos. Ressalta, em tal dialética, a contribuição da historia oral entendida como campo de salvaguarda do património sócio-histórico de uma determinada espácio-temporalidade inclusiva de espaços, objetos, monumentos, lugares e pessoas. Estes aspetos formam uma espécie de mosaico de “lugares de memória”, representativos, ao nível simbólico e material, de tradições e costumes das populações cuja preservação, através do reconhecimento imprescindível das lembranças e reminiscências dos lugares, contribui para a comunicação e continuação da história local e regional mantida viva na memória de todos.

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PARTE 1 • SOBRE OS PROJETOS DE HISTÓRIA ORAL

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HISTÓRIA ORAL E HISTÓRIA LOCAL: POTENCIALIDADES, CONTRANGIMENTOS E EXPERIÊNCIAS Joana Dias Pereira IHC Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

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ste artigo resulta do amável convite dirigido ao Instituto de História Contemporânea por parte do engenheiro Eduardo Beira para a apresentação de uma conferência sobre a relevância dos testemunhos orais na reconstrução histórica, bem como da observação ampliada dos processos de transformação que marcam a contemporaneidade. Ficámos muito lisonjeados por reconhecerem, na nossa experiência, utilidade suficiente para colaborar no arranque do que com certeza será um trabalho muito frutuoso e um precioso legado para a investigação histórica – o projeto memTUA Escolas. Como é óbvio, não nos propusemos fazer uma intervenção pedagógica sobre os modelos teóricos que enquadram a prática da história oral ou da local e as suas metodologias próprias. Seria totalmente descabido, tendo em conta que os seus promotores estão muito mais capacitados do que nós para isso. Limitamo-nos a relatar a nossa experiência, enquanto questionadores do passado recente, no recurso a esta tipologia de fontes e, assim, entusiasmar os participantes com as potencialidades deste programa de trabalhos sobre as vivências e as memórias das populações do Vale do Tua. Foram previamente tecidas algumas considerações sobre a emergência e desenvolvimento da história oral e local na historiografia internacional apenas para sublinhar a atualidade e pertinência desta iniciativa.

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A EMERGÊNCIA DA TESTEMUNHA NA HISTORIOGRAFIA Por muito tempo menosprezados pelos historiadores, os testemunhos diretos converteram-se, nas últimas décadas, numa fonte fundamental e alvo de vastos projetos de recolha, conservação e divulgação. A memória e seus processos de reconstrução foram eleitos objeto da história. A entrevista constitui atualmente uma ferramenta incontornável para compreender a contemporaneidade. Não será exagerado dizer que a memória, enquanto objeto de estudo, é dos maiores desafios que se colocam hoje em dia aos historiadores da contemporaneidade. A sua conservação tem vindo também a ser eleita como uma das prioridades das instituições ligadas à cultura e ao património. Atualmente já não é admissível que a investigação em história recente, pelo menos na esfera da história social, cultural e das mentalidades, se abstenha de recorrer aos testemunhos diretos, assim como é cada vez mais exigido aos museus e arquivos público que recolham, conservem e disponibilizem estes preciosos e perecíveis documentos. Os fundos orais são cada vez mais um recurso incontornável para o historiador e os projetos de história oral uma prática imprescindível. A utilização de documentos orais, todavia, exige procedimentos e metodologias próprias. O testemunho direto, como qualquer outra fonte, deve ser alvo de uma análise hermenêutica, crítica e heurística tão intensa quanto um documento escrito. Deve ser confrontado com outras fontes e, nomeadamente, outros testemunhos, relevando-se as versões contraditórias. Estas fontes devem ser interpretadas enquanto uma configuração específica, historicamente contextualizável, da memória e da vontade de a fixar. Por outro lado, o documento oral apresenta diferentes tipologias e as recolhas desta natureza podem dar origem a fundos documentais distintos. A opção mais comum é a da entrevista que procura reconstruir a história de uma vida, podendo dar origem a uma narrativa descritiva e interpretativa da biografia do informante, mas alguns fundos orais procuram recolher depoimentos sobre temáticas, períodos ou acontecimentos específicos. É de sublinhar o papel da arquivística neste processo. A par do desenvolvimento e reconhecimento da história oral, a arquivística tem vindo a incrementar métodos e práticas específicas para salvaguardar, organizar e disponibilizar ao público esta tipologia de documentos, não negligenciando os limites de co12


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municação que os relatos de protagonistas vivos exigem (FOGERTY, 2006). A emergência da testemunha no debate historiográfico, contudo, é relativamente recente. Até aos anos sessenta, as populações subalternas surgiram nos estudos históricos sob o signo «do número e do anonimato», como um elemento «perdido no estudo demográfico ou sociológico», ou seja, como entidades condenadas a permanecer «silenciosas» (TRAVERSO, 2012). A distinção, sublinhada por Halbwachs, entre história e memória induziu uma certa desconfiança por parte dos historiadores face a esta tipologia de fontes (HALBWACHS, 1925). No entanto, foi exatamente esta profunda reflexão sociológica em torno do processo de rememoração, demonstrando que a evocação e a localização das lembranças são determinadas pelos quadros sociais reais que servem de referência nessa reconstrução que chamamos memória, que permitiu aos historiadores integrar os documentos orais na sua análise crítica, conferindo uma nova utilidade aos mesmos. Para além da antinomia entre História e Memória, Halbwachs sublinhou ainda a distinção entre a «memória histórica», a reconstrução dos dados fornecidos pelo presente da vida social projetada no passado reinventado e a «memória coletiva», aquela que reconstitui magicamente o passado (DUVIGNAUD, 1990). Com base na obra de Halbwachs, outros autores têm desde então sublinhado as armadilhas da rememoração, sendo hoje indiscutível que a memória não significa outra coisa senão as representações coletivas do passado tal como se forjam no presente. A testemunha e as suas recordações do passado histórico não podiam contudo continuar a ser ignoradas pelos historiadores, sobretudo para os que se debruçam sobre a contemporaneidade. Estes foram obrigados a admitir a incontornável limitação das suas metodologias e fontes comuns e a reconhecer que a testemunha não só conhece dados factuais inacessíveis através de outras fontes mas, sobretudo, permite reconstituir a experiência histórica que é também a das vivências dos seus protagonistas, não obstante a sua subjetividade. Nos anos sessenta e setenta, os praticantes da história oral colocaram sérios desafios ao statuos quo intelectual que descriminava as suas práticas. Nas décadas seguintes, os debates internacionais sobre o significado da memória e da construção narrativa potenciaram o desenvolvimento desta área do saber. Na alvorada do século XXI, o recurso a testemunhos diretos foi consensualmen-

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te considerado como uma metodologia válida para a reconstrução histórica (no passado julho teve lugar em Barcelona a 18ª conferência internacional de história oral) e a revolução tecnológica digital permitiu recolher, conservar e difundir memórias em todo e por todo o globo. O recurso por parte da historiografia aos testemunhos orais tem permitido alargar mais do que o imaginado as fronteiras da própria disciplina. A especificidade da história oral, uma história baseada na memória, mostrou ter mais potencialidades do que constrangimentos. Os testemunhos orais não narram apenas um acontecimento - o que sucedeu - mas como as pessoas o vivenciaram – o que sentiram, o que desejaram, o que temeram, o que pensaram e como reconstruíram estas vivências com base nos seus itinerários e quadros sociais. Este progresso e conquista de respeitabilidade, porém, não escusam o historiador de «criticar» estas fontes, à semelhança do que é obrigado a fazer com outras tipologias documentais. A história do século XX analisa o testemunho dos seus atores do passado e integra o relato oral nas suas fontes, a par dos arquivos e de outros documentos materiais ou escritos. Isto significa «aprender com a memória depois de a passar pelo crivo de uma verificação objetiva, empírica, documental e factual, assinalando, se necessário for, as suas condições e armadilhas» (TRAVERSO, 2012).

O ESPAÇO ONDE SE ENRAÍZAM AS MEMÓRIAS As vivências individuais, enraizadas num determinado contexto sócio-espacial, exigem análises ampliadas e integradas na história local e regional, uma escala de observação que, a par com as fontes orais, se mostrou fundamental para compreender o impacto das grandes transformações que marcaram o alvorecer da modernidade, na vida quotidiana das comunidades e dos indivíduos. Estes fenómenos, deste a rotura operada pela nova história social e cultural, tornaram-se tão relevantes para os investigadores como o processo político ou a evolução das instituições da administração pública, por muito tempo o centro da reflexão historiográfica. Segundo Halbwachs, a memória coletiva desenvolve-se num determinado 14


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quadro espacial, considerando o espaço como uma realidade que pervive. As «memórias subterrâneas», nas palavras de Pollak, são transmitidas no quadro familiar, em associações, em redes de sociabilidade afetiva que se enraízam em pequenos espaços, nos microcosmos em que se desenvolvem as «histórias de vida». Neste sentido, a história oral está intimamente relacionada com a história local, partilhando as mesmas preocupações e aspirações, a de resgatar da obscuridade grupos e regiões subalternizadas e por muito tempo desconsideradas por uma História centrada na ação política e nos centros de poder (POLLAK, 1989). Tal como com os testemunhos orais, durante muito tempo a academia desconfiou das potencialidades de uma história ampliada e focada nos impactos do processo histórico geral numa determinada localidade ou região. A par da emergência da investigação recorrendo a fontes orais, todavia, entre as décadas de 50 e 70, as práticas historiográficas sobre as regiões e localidades transformaram-se em vários países europeus. É necessário destacar os estudos regionais e locais desenvolvidos pela escola francesa dos Annales, sobre a Catalunha por Pierre Vilar, sobre a Provence por Maurice Agulhon, só para citar os mais famosos. Estes estudos locais, urbanos e rurais, formam um conjunto coerente do ponto de vista metodológico, assentando em fontes que permitiram o exame detalhado da longa duração. Aprofundaram o conhecimento sobre a geografia de uma determinada região, as suas estruturas económicas, demográficas, sociais e mentais, integrando as conjunturas e acontecimentos políticos nos processos de longo termo (BURKE, 2010: 80-81). A nova história local assentou sobretudo numa mudança na escala de observação. A metáfora mais utilizada para o ilustrar esta tendência foi a da ampliação fotográfica. Esta dilação, longe de simplificar a análise da trama social, revela a densidade das relações sociais, das interdependências entre os diferentes agentes da experiência histórica. Nesta nova escala de análise os detalhes invisíveis nas interpretações globais surgem determinantes nos complexos processos sociais que o historiador pretende reconstruir. É comum confundir-se história local com micro-história. Embora não sejam sinónimos, têm raízes partilhadas, sendo ambas largamente influenciadas pela escola dos Annales. No entanto, a micro-história, nascida em contexto italia-

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no, deixa de ter na delimitação espacial a sua especificidade. Apresenta em vez disso, uma metodologia que, recorrendo à redução da escala de análise, procura esclarecer problemas gerais da historiografia. Em vez de deter-se sobre as tendências de longa duração e os largos espaços geográficos, propõe-se analisar em detalhe as comunidades, os grupos familiares e mesmo indivíduos, como é exemplo a sua mais emblemática obra, O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg (1976). A micro-história, tal como a história local e a história oral, elege os anónimos como sujeitos, observa o processo histórico desde baixo, from bellow, como diria E. P. Thompson (1987, 1ª edição em 1963). Permite o enriquecimento da análise social, tornando-a mais complexa e atenta aos aspetos diferentes, inesperados e múltiplos da experiência coletiva (REVEL, 2000). Estas tendências historiográficas e as novas metodologias exploradas por seu impulso permitiram abrir novas linhas de investigação na área da história. É de destacar o contributo da história local, a análise ampliada do processo histórico, bem como da possibilidade de recorrer a testemunhos diretos, para o avanço do estado atual dos conhecimentos sobre a experiência coletiva das famílias e grupos envolvidos nos processos de industrialização e urbanização.

EXPERIÊNCIAS DE INVESTIGAÇÃO No âmbito da minha tese de doutoramento, consagrada a este tema, elegi uma região - a Península de Setúbal e mais precisamente a margem Sul do Tejo e Norte do Sado - na qual a grande indústria se havia fixado a partir de meados do século XIX, induzindo a fixação de sucessivos fluxos migratórios, provenientes do Alentejo, da Beira Interior e de Trás-os-Montes. Este foi um espaço privilegiado para observar em detalhe o impacto da modernização tecnológica e económica nas sociabilidades primárias e secundárias, ou seja, nas redes de relação familiar e de vizinhança mas também nas associações de cooperação, previdência, lazer e desporto que proliferaram em paralelo com as fábricas e bairros operários. Esta opção assentou também no facto de nestes concelhos se ter vindo a recolher, desde os anos oitenta, inúmeros testemunhos orais e a constituir verda16


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deiros arquivos desta tipologia. Foi-me assim possível confrontar as minhas fontes documentais com a imagem do passado gravada na memória dos seus protagonistas. Esta confrontação foi fundamental para o enriquecimento da minha investigação, assim como a leitura de muitas outras teses realizadas em contexto europeu, que também recorreram a fontes orais. Os dados estatísticos referentes aos movimentos migratórios do campo para a cidade, os inquéritos oficiais sob o trabalho nas fábricas, a habitação e até a alimentação de uma família operária, as descrições da época mais ou menos romanceadas, tendem a refletir um processo caracterizado pelo desenraizamento e a pobreza material. No entanto, a forma como os protagonistas vivenciaram e recordam este período é radicalmente diferente do que a documentação, os vestígios materiais e até os testemunhos externos refletem. «A vida era bela nessa época…», frisava um residente no Borgo de San Paolo, em Turim, nas primeiras décadas do século XX. Segundo Danielle Jalla, autora de um estudo monográfico sobre este bairro periférico, o saudosismo refere-se sobretudo às relações de reciprocidade e confiança que atravessavam estas comunidades de residência, trabalho e lazer (JALLA, 1982). Também no contexto francês, como sublinha Yves Lequim, «prolifera em torno do quarteirão operário o discurso das intimidades, do calor das vizinhanças, da familiaridade das ruas e dos pátios, através das camaradagens dos terrenos baldios, das fraternidades das escadas, dos companheirismos de percurso, em resumo de todas as ocasiões de encontro e de trocas da vida quotidiana» (LEQUIM, 1982). Nos testemunhos orais recolhidos na Península de Setúbal, a importância dos laços de solidariedade entre as famílias operárias e suas estratégias de sobrevivência coletivas são eloquentemente destacadas nas entrevistas realizadas na região. Os homens valorizam as memórias relacionadas com os companheiros de trabalho, com as lutas laborais e a participação nas coletividades locais. As mulheres relembram mais as vivências domésticas e a solidariedade entre vizinhas. Esta é uma história das afetividades e proximidades forjadas nos novos espaços industriais e de habitação operária, que muitos investigadores elegeram como objeto de estudo privilegiado, reconstruindo transformações históricas não menos relevantes que a introdução da fábrica ou do trabalho assalariado. 17


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Foram os testemunhos orais que chamaram a atenção para esta esfera da história social, motivando o desenvolvimento de uma importante corrente historiográfica, liderada por Maurizio Gribaudi, sobre a recomposição das redes sociais comunitárias e de ofício, típicas do Ancien Regime, em novos laços de solidariedade nascidos das estratégias de sobrevivência das famílias e dos grupos que abandonaram as suas moradas e modos de vida original para ingressar no mundo moderno. É de destacar que o autor sublinha que, antes de iniciar as entrevistas, acreditava na ideia de uma cultura de classe homogénea baseada numa experiência comum e capaz de unificar os comportamentos dos atores sociais. No entanto, durante a recolha de testemunhos diretos, Gribaudi constatou um quadro completamente distinto, marcado pela multiplicidade de itinerários no ingresso na condição operária. Com estas experiências abriu-se o flanco para uma nova reflexão sobre a ação destes homens e mulheres e seu passado social (GRIBAUDI, 1987). Finalmente, deve-se sublinhar que se os limites das fontes escritas foram largamente ultrapassados pelos testemunhos diretos, a reconhecida subjetividade da recordação foi entendida não como uma deformação mas como um relevante produto histórico. Alguns destes protagonistas vivenciaram o processo de desindustrialização e todas as suas consequências socioculturais, pelo que os traços de saudosismo e idealização das suas memórias espelham exatamente essa determinação de resgatar, salvaguardar e reconstruir referências e identidades coletivas, ameaçadas pelo inexorável processo histórico. Em suma, os testemunhos diretos dos envolvidos no processo de industrialização e urbanização alertaram os investigadores desta temática para fenómenos históricos invisíveis nas restantes tipologias de fontes. Para além disso, as representações coletivas refletidas nas suas memórias tornaram-se importantes objetos de estudo, para compreender os quadros sociais que o envolveram estes protagonistas ao longo do tempo. * ** 18


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Em jeito de conclusão, deverá sublinhar-se que este renovado interesse pela memória tem a sua própria história, que se prende com as profundas transformações tecnológicas, económicas, sociais, culturais e nas mentalidades vivenciadas pelos homens e mulheres novecentistas. É a história de uma sociedade que experimentou uma «crise de transmissão» (TRAVERSO, 2012). A natural transmissão da experiência coletiva de uma geração para a outra, típica das sociedades tradicionais rurais, foi bruscamente interrompida pelo alvorecer da modernidade. Segundo Walter Benjamin, a modernidade caracteriza-se precisamente pelo declínio da experiência transmitida, um processo simbolicamente marcado pela Primeira Guerra Mundial mas que tem as suas raízes no processo de industrialização, urbanização e modernização das sociedades ocidentais (BENJAMIN, 1987). De facto, esta nossa necessidade absoluta de recolher e conservar a memória daqueles que nos vão deixar e que recordam um passado que perdemos é um produto de uma sociedade carente de referências. A nossa era, a «era das revoluções», a «das catástrofes», das «hegemonias», tem vindo a apagar as tradições e a fragmentar as existências, mesmo em paisagens preservadas na sua beatitude original como o Vale do Tua. Este projeto, envolvendo estudantes e as camadas mais envelhecidas da região permite exatamente reconstruir essa correia de transmissão da memória, essencial para a preservação da identidade local.

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BIBLIOGRAFIA BENJAMIN, Walter - Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. BURKE, Peter - A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. São Paulo: Editora da Unesp. 2010. BURKE, Peter, «Abertura: A nova história, seu passado e seu futuro». In: A Escrita da História: novas perspetivas. São Paulo: Editora da UNESP. 1992. DUVIGNAUD, Jean, «Prefácio». In: HALBWACHS, Maurice - A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. GINZBURG, Carlo - Il formaggio e i vermi: Il cosmo di un mugnaio del ‘500. Torino: Einaudi, 1976. FOGERTY, James E., «Oral History and Archives: Documenting Context». In: Handbook of Oral History. Lanham, MD: AltaMira Press, 2006. GRIBAUDI Maurizio - Mondo operaio e mito operaio. Spazi e percorsi sociali a Torino nel primo novecento. Turin: G. Einaudi, 1987. JALLA, Danielle, «Le quartier comme territoire et comme représentation: les “barrières” ouvrières de Turin au début du XXe siècle», Le Mouvement Social, n.º 118 (janeiro-março de 1982) p79-97. LEQUIN, Yves - Ouvriers dans la ville. Paris: Les Editions ouvrières, 1982. NORA, Pierre, «Entre mémoire et histoire: la problématique des lieux». In: Les Lieux de Mémoire: La République. Paris: Éditions Gallimard, 1984. POLLAK, Michael, «Memória, Esquecimento, Silêncio”, Estudos Históricos, vol. 2, n.º 3 (1989) p3-15. REVEL, Jacques, «A História ao Rés do chão». In: LEVI, Giovanni - A Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 THOMPSON Edward Palmer – A formação da classe operária inglesa: A árvore da liberdade. Vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987. TRAVERSO, Enzo – O Passado: modos de o usar. Lisboa: Unipop, 2012.

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PERGUNTAR E OBSERVAR NÃO BASTA, É PRECISO ANALISAR: ALGUMAS REFLEXÕES METODOLÓGICAS José Manuel de Oliveira Mendes Centro de Estudos Sociais • Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

1. INTRODUÇÃO Neste texto apresento algumas reflexões em torno das opções metodológicas pelas quais orientei a recolha e a análise dos dados do meu estudo sobre a produção identitária nos Açores após a revolução de abril de 1974.01 Com um objeto multifacetado como a produção, circulação e reconstituição de identidades num espaço arquipelágico, recomendava-se uma utilização variada de técnicas de recolha dos dados, que surpreendessem os indivíduos e os grupos em diferentes contextos, com diferentes agendas e inscritos em diferentes dispositivos discursivos e práticos. Esta obrigação de errância por diversos locais exigia a utilização flexível das técnicas disponíveis, não num esforço de triangulação, numa aceção tradicional de busca da verdade última, mas sim para estabelecer conexões parciais e multiplicar o campo dos possíveis. Essa utilização de múltiplas técnicas e a circulação em diferentes espaços permitiu variações de escala e de perspetiva. Como afirma Boaventura de Sousa Santos, a escala cria o fenómeno (1995: 460). Cada escala revela certos aspetos e, ao mesmo tempo, oculta e esquece outros. O que se apreende num questionário a uma amostra representativa não é o mesmo que se capta numa entrevista. Também é relevante, para aquele autor, a identificação dos patama01

Ver Mendes (2003).

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res que permitem a construção e a regulação do que pertence a cada escala e do que lhe é exterior.02 Boaventura Sousa Santos sugere a existência de três patamares: o patamar da deteção, que permite distinguir entre o que é ou não relevante para a análise; o patamar da discriminação que distingue entre o que é ou não igual, e que justifica diferenças qualitativas no tratamento; um terceiro patamar é o da avaliação, que define o que é legítimo ou não incluir na análise a efetuar (1995: 466-467). A opção metodológica adotada não permite que me subtraia, como analista, aos enviesamentos e opções pessoais, nem dá acesso a um qualquer lugar transcendente e omnisciente. Complexifica só os resultados e as conclusões, e permite estabelecer ligações, embora provisórias, entre os fenómenos em análise e descobrir similitudes e diferenças inesperadas. Como bem refere Michael Burawoy (1998), as opções metodológicas ocorrem antes e orientam, de facto, a escolha e a definição dos problemas. Daí que, na aplicação dos métodos quantitativos e qualitativos, convém ter sempre presente que os critérios de avaliação respetivos, bem como os objetivos a atingir, são bastante distintos e implicam pressupostos epistemológicos diversos. Começo com algumas reflexões gerais de ordem metodológica e concentrome, de seguida, na especificação das vantagens e limitações do método comparativo e do método de estudo de caso alargado. Explicito, depois, as opções tomadas na utilização desses diferentes métodos. Numa segunda parte, passo em revista as diferentes técnicas utilizadas e as referências teóricas que mais me ajudaram a precisar a sua aplicação. Não faço, como não seria de esperar num texto desta índole, uma análise exaustiva da bibliografia existente para cada técnica, mas procuro somente explicitar as referências que me ajudaram a delimitar e a aceder ao objeto em estudo.

2.O MÉTODO COMPARATIVO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS Na análise das vantagens e das limitações do método comparativo, sigo de perto as propostas de Charles Ragin (1994; 1987). Este autor, embora procurando compatibilizar as abordagens quantitativas e qualitativas, propõe um método 02

Para uma aplicação destes conceitos no estudo do cancro, ver Nunes (1996).

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de comparação qualitativa baseado em técnicas algébricas (lógica booleana). A mim interessa-me, partindo deste autor, precisar os argumentos que justificam a aplicação de uma lógica comparativa qualitativa, não atingindo o nível de formalização e sofisticação sugerido por Charles Ragin. Para Ragin, a análise comparativa qualitativa é baseada nos métodos de estudos de caso.03 Tem como primeira característica o ser uma análise holística, que trata os casos como entidades globais. As relações entre as partes e o todo são estudadas no contexto global onde se inserem. Outra característica é que a causalidade é sempre conjuntural. Várias condições causais podem conduzir ao mesmo efeito, como produto situado de interseções específicas de condições. A análise comparativa permite, assim, examinar constelações e configurações de factos. A sua vantagem principal vê-se no estudo de problemáticas que envolvam causas múltiplas e conjunturais. O pressuposto de partida é a complexidade causal, que depois permitirá uma visão sintética dos processos em presença (1987: ix-xi). Se a vantagem dos estudos de caso é visível quando temos um pequeno número de casos, a sua eficácia diminui quando estes aumentam de forma acentuada. Nesta situação, em vez de optarmos diretamente por métodos quantitativos e por uma análise baseada em variáveis, Charles Ragin sugere que se aplique uma estratégia sintética, que permita testar argumentos alternativos, mas com uma base de interpretação teórica sólida (1987: 84). Essa estratégia de conjugação dos métodos qualitativos e quantitativos faz-se pela elaboração de tabelas de verdade e a aplicação de uma lógica booleana.04 A grande vantagem do método comparativo qualitativo é que não se preocupa com a frequência relativa dos casos, pois um único caso pode pôr em causa uma teoria, mas sim com a variedade de padrões de causas e efeitos significativos do fenómeno em estudo (1987: 52). Contudo, convém não esquecer que as lógicas e os pressupostos dos métodos quantitativos e qualitativos são distintos. Como refere Michael Burawoy (1998), os quatros princípios de regulação dos métodos quantitativos são: evi03

A coletânea organizada por Charles Ragin e Howard Becker (1992) constitui um reportório excelente dos problemas e das vantagens do uso dos estudos de caso.

04

Uma explicação técnica aprofundadada é apresentada por Ragin (1987, caps. 6 e 7). Um descrição mais acessível pode ser encontrada em Ragin (1994) e em Becker (1998: 183-194).

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tar a reatividade, isto é, tentar não afetar o mundo em estudo; assegurar a fidelidade e a replicabilidade dos dados; e certificar-se de que os dados são representativos da população em estudo. Este modelo quantitativo tem como obstáculo principal o efeito do contexto e em quatro dimensões principais: o contexto da situação de entrevista, que acaba por ser sempre diferente; a grande variação nas posições objetivas dos inquiridos; os efeitos exteriores que afetam o campo em análise; e, por último, o facto de que a situação de entrevista e a interação face-a-face daí resultante, serem constituintes, não podendo nunca ser neutralizadas. Já quanto aos métodos qualitativos, e ainda segundo Burawoy, os seus quatro princípios de regulação são: a intersubjetividade entre o analista e os sujeitos em estudo; a entrada no mundo vivido das pessoas que se está a estudar; a relação dos processos locais com as forças externas; e o objetivo de reconstruir uma teoria já existente, atendendo à ligação entre teoria e ideologia.05 O grande obstáculo aos preceitos do método qualitativo são as assimetrias de poder que perpassam todo este processo de relacionamento entre analista e sujeitos em estudo. Optando pelo que chama de ciência reflexiva, baseada nos métodos qualitativos, Burawoy salienta que as suas propostas se baseiam no método do estudo de caso alargado. Tendo já sido aplicado e explicitado nos anos 50 e 60 (por Max Gluckman, Clyde Mitchell e Jaap van Velsen), este método foi recuperado e analiticamente aprofundado por Michael Burawoy (1998; 1991). No entanto, refira-se que já Boaventura de Sousa Santos, no seu estudo emblemático sobre as relações de poder entre os habitantes de favelas no Recife e os grandes proprietários, os interesses imobiliários e o Estado, tinha aplicado de forma exemplar este método, reconstituindo a complexidade dos níveis e dos processos legais e políticos presentes (1995: 378-397; 1983). O objetivo de Burawoy é tornar claras as vantagens deste método quando comparado com outras propostas, sobretudo com a teoria ancorada (grounded theory). A base do estudo de caso alargado é a observação participante e caracteriza-se por quatro pontos fundamentais: intersubjetividade, processo, estruturação e reconstrução teórica (1998). Com a intersubjetividade o ob05

Este último preceito faz parte especificamente do método de caso alargado seguido por Burawoy e que analisarei já a seguir. Nem todos os cientistas sociais alinham com esta opção de utilizar teorias existentes e procurar reexaminá-las empiricamente.

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servador torna-se um participante, experienciando o mundo do outro. Com a lógica do processo, as observações são projetadas no tempo e no espaço, permitindo uma perspetiva enquadradora. A estruturação permite atender às forças extra-locais que moldam os acontecimentos e as situações. Por último, a reconstrução teórica, a que Burawoy dá especial ênfase, parte de um quadro teórico existente e procura descobrir anomalias e testar essa teoria. Burawoy está consciente dos obstáculos que se colocam a este método e enumera-os. Um primeiro será a questão do poder e da dominação no relacionamento entre observador-participante e os indivíduos que se está a estudar. Um outro obstáculo é que todo o estudo sociológico contribui sempre para o silenciamento de determinadas dimensões e aspetos das vidas das pessoas. Por outro lado, o estudo das forças exteriores que afetam o campo em análise obriga sempre a uma objectificação dessas forças. Por último, as descobertas ou reconstruções teóricas tendem a ser reificadas, fechando-se a explicação e normalizando os mecanismos detetados. Quando compara o método de estudo de caso com a teoria ancorada,06 Burawoy acentua as diferenças que dão vantagem, na sua perspetiva, ao primeiro. Assim, quanto ao modo de generalização, o estudo de caso reconstrói teorias já existentes enquanto a teoria ancorada procura descobrir novas teorias; a explicação no primeiro é genética e no segundo genérica; a comparação faz-se no primeiro com fenómenos similares para explicar as diferenças, enquanto a teoria ancorada usa fenómenos díspares de forma a descobrir as semelhanças; para o estudo de caso alargado as explicações são societais, enquanto que na teoria ancorada são estatísticas; no primeiro, a totalidade está localizada num contexto externo, enquanto que na segunda a totalidade procede da abstração do tempo e do espaço; para o estudo de caso alargado o objetoobjecto de análise é a situação, e a causalidade provém da ligação invisível entre os elementos, enquanto que na teoria ancorada o objeto são as variáveis e a causalidade deriva da relação linear entre variáveis; na relação macro-micro, o primeiro 06

Burawoy considera que estas são as duas propostas metodológicas que melhor respondem às críticas que são avançadas aos métodos qualitativos, sobretudo na articulação entre os níveis macro e micro. Para ele, o método de caso interpretativo de Clifford Geertz (1973) e a etnometodologia não conseguem responder a essas críticas, dado que o primeiro funde o macro e o micro, e a segunda reduz a sociologia ao micro e ao particular (1991: 272-273). Esta visão da etnometodologia atém-se aos escritos mais tradicionais de Harold Garfinkel. Outros autores têm acentuado o potencial da etnometodologia no estudo dos processos sociais, considerando que o reducionismo micro é uma falsa questão, dado que toda a produção social é sempre local. Ver Lynch e Bogen (1996: 262-287), Button (1991) e Hester e Eglin (1997).

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estabelece as macro-fundações da microsociologia, enquanto que na teoria ancorada se estabelece as micro-fundações da macrosociologia. Por último, a mudança social é explicada, no método de caso alargado, pelos movimentos sociais, e na teoria ancorada pela engenharia social (1991: 280). Como todas as tipologias de intenção pedagógica esta também não deixa de ser redutora. A caracterização da teoria ancorada baseia-se no escrito original de Glaser e Strauss (1967), que tinha um pendor nitidamente positivista. Posteriormente, Anselm Strauss reformulou e adaptou a teoria ancorada, aligeirando a tendência positivista e reforçando a importância dos fatores e processos meso e macro, operacionalizados através do que chamava de matriz condicional, além de atender a uma complexa teoria da ação (1993: 42-43; 6065 e 255-258; 1987; Strauss e Corbin, 1990).07 Depois destas precisões, cabe-me referir que optei, neste trabalho, pelo uso de uma metodologia qualitativa numa perspetiva comparativa, tentando aplicar os preceitos mais frutuosos do método de estudo de caso e da teoria ancorada, não os considerando antagónicos mas complementares. A intenção de comparar permite-me estabelecer as conexões parciais entre os processos e os lugares em análise (Strathern, 1991: 26). Marilyn Strathern propõe que, ao estabelecer conexões parciais, o investigador, mais do que forçar ou fixar características comuns de forma abstrata, deve apreender proximidades no tempo e no espaço, tendo em conta as compatibilidades que existem entre os diferentes lugares. A análise faz-se pela analogia, pela ideia de que as sociedades são sempre extensões de outras. Estas ideias apoiam-se diretamente na sociologia feminista de Donna Haraway e no seu conceito de posicionamento. Não há nenhuma entidade geral que unifique as diferentes partes, e cada parte é uma tomada de posição interessada. O ser-se feminista e antropóloga implica diferentes mundos e audiências. Quando se pensa como antropóloga a pessoa mobiliza o conhecimento feminista como uma ferramenta, e esta complexifica a análise. Cada pessoa existe como uma visão incorporada e localizada (Strathern, 1991: 39-40). Como afirma Boaventura de Sousa Santos, na sua busca de um novo senso07 Para o potencial da teoria ancorada em diferentes contextos de investigação ver Maines (1991). Para a pertinência das propostas de Anselm Strauss no estudo das identidades, ver Mendes (2003, Cap. 1). Barney Glaser viria, mais tarde, a contestar as reformulações de Anselm Strauss, apelando a um maior papel da generalização e da lógica positivista (1992).

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comum, “escrever sobre algo significa escrever do lado desse algo, e nunca do centro. É por isto que a perspetiva é a essência da escrita” (1995: 235). Com as suas propostas de uma ciência baseada na participação, na solidariedade e no prazer, Boaventura Sousa Santos estabelece a importância do conhecimento como emancipação, assente na aceitação e reavaliação do caos, na comunidade e numa nova subjetividade baseada na reciprocidade. Esta reciprocidade entre sujeitos revê a distinção entre sujeito e objetoobjecto. O objeto é a continuação do sujeito por outros meios e, assim, todo o conhecimento é auto-conhecimento, numa postura crítica e reflexiva (1995: 22-37 e cap 3 ao espelho). Por outro lado, atento ao carácter situado de todo o conhecimento e ao carácter incompleto de todas as culturas, propõe uma hermenêutica diatópica, que permita uma melhor consciência dessa incompletude e obrigue ao diálogo entre topoi distintos. Esta posição epistemológica radica-se numa opção metodológica especificada nos contributos da nova retórica, que obriga a uma tolerância discursiva, a uma disponibilidade para incorporar conhecimentos alternativos e uma preferência por conhecimentos marginais ou suprimidos (1995: 340). Contudo, como refere Donna Haraway (1997: 35-39), se o investigador se assume como uma testemunha modesta que intervém no mundo, como alguém que é finito e se suja na realidade, deve também procurar uma objetividade forte (no sentido de Sandra Harding). O analista, enquanto testemunha modesta, não entra na luta estratégica e agonística e no jogo de mobilização de aliados, mas não pode permanecer invisível, a pretexto de uma qualquer distância científica. A objetividade forte exige difração08 e não só pura reflexão. A difração é a produção de padrões de diferença no mundo e não a propagação da semelhança. A testemunha modesta não pode sobreviver na cultura da nãocultura, tem que se comprometer, fazer uma diferença (1997: 268-269). O conhecimento que deriva deste posicionamento epistemológico é situado, fiável, parcialmente partilhável, envolto em tropos, mundano, justificável e, acima de tudo, não inocente (1997: 138). Essa participação no mundo faz parte de um trabalho que George Marcus (1998b: 105-131), a propósito da etnografia, chama de cumplicidade entre o analista e os sujeitos que este está estudando. As metáforas da entrada numa 08

A difração é uma metáfora ótica para significar o esforço para marcar uma diferença no mundo (Haraway, 1997: 16).

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cultura ou sociedade diferente, da passagem de fronteiras, podem ser agora abandonadas. Em cada local certas práticas, ansiedades e ambivalências estão presentes como respostas ao funcionamento de causas e agentes não-locais. O investigador não busca o conhecimento local, mas sim a articulação das formas de ansiedade geradas pela consciência de que algo do exterior afeta as pessoas. O investigador, pela sua presença, torna esse exterior premente e relevante (1998b: 117-119). A novidade que George Marcus introduz é a sugestão de uma etnografia multi -localizada (multi-sited), que permita ao investigador circular entre diferentes contextos e situações (1998b). Citando: “Esta etnografia móvel toma trajetórias inesperadas no traçar de uma formação cultural através e dentro de múltiplos locais de atividade. Isto desestabiliza a distinção, em que quase toda a etnografia foi concebida, entre mundo de vida e sistema” (1998b: 80). O objetivo é seguir conexões, associações e relações nos locais mais inesperados, estabelecendo traduções09 e aproximações entre os mesmos. Interessante é que o mesmo já tinha sido sugerido por Howard Becker (1997), quando, analisando a epistemologia dos métodos qualitativos, propunha, para além ou em paralelo com uma descrição densa (thick description), uma abrangência (breadth) analítica. O investigador deve procurar descobrir algo sobre todos os tópicos, em diversos contextos, com que se depara, mesmo que tangencialmente.10 Os modos de construção de uma etnografia multi-localizada, numa lógica verdadeiramente comparativa, serão os seguintes para George Marcus: seguir as pessoas, acompanhando o movimento de um grupo inicial de sujeitos;11 seguir as coisas, tais como mercadorias, ofertas, o dinheiro, obras de arte e a propriedade intelectual;12 seguir as metáforas, quando o que se está a estudar releva do discurso e dos modos de pensamento; seguir os argumentos, as histórias e as alegorias, como instrumentos heurísticos para a compreensão de outros lo09

O conceito de tradução foi desenvolvido na teoria dos atores-redes. Veja-se Latour (1999; 1991).

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Becker apela, noutro escrito, a um pensamento combinatório, pensando e experimentando todas as combinações que os dados sugerem (1998: 212-213).

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O melhor exemplo deste modo de construção encontra-se no acompanhamento que Élisabeth Claverie fez das peregrinações religiosas (2003; 1990).

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A atenção às inscrições nos objetos e à materialidade das relações sociais é também uma dascaracterísticas da teoria das redes-atores. A este propósito veja-se os importantes ensaios de Callon (1998) e de Latour (1994).

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cais ou processos; seguir as vidas ou as biografias, pela possibilidade que dão de justaposição de contextos, de tempos e de espaços. Queria acabar esta parte referindo uma máxima recomendada por Luc Boltanski (1990: 130-132), e que eu tentei seguir o mais possível no meu estudo: recusar a heurística do mal. Com efeito, devemos atender ao que as pessoas são capazes, sem imputar esquemas incorporados e outros determinismos, e deixar que elas nos surpreendam e se surpreendem. Das surpresas no terreno, do investigador e das pessoas com o qual este está em contacto, pode advir uma melhor compreensão do porquê e do como agem, atendendo sempre aos constrangimentos e aos dispositivos onde se inscrevem as suas ações e os seus relatos. Como diz Howard Becker (1997), citando Bruno Latour, o investigador deve ser tão indeciso quanto os atores que estuda. Se eles acham que uma conclusão, uma identidade, uma relação não é consistente, é controversa ou é artificial, nós também o devemos fazer. Isso é assim, mesmo que se esteja estudando uma controvérsia histórica cujo desenlace já conhecemos. Por outro lado, se os atores envolvidos consideram que uma dada conclusão, identidade ou relação é estável e não coloca quaisquer problemas, devemos fazer o mesmo.

3. AS TÉCNICAS UTILIZADAS Como indiquei na introdução, vou passar agora a analisar as diferentes técnicas utilizadas no estudo referido. As técnicas utilizadas foram as seguintes: a entrevista, a análise do discurso e a observação. A entrevista O discurso como prática Muitos autores, por exemplo Michael Burawoy (1998), argumentam pela vantagem metodológica e teórica da observação participante, dando menor importância à utilização da entrevista como técnica de estudo.13 Contudo, mais do que criar antinomias rígidas, deve-se tentar articular as diferentes técnicas disponíveis. A entrevista tem vantagens e permite apreender aspetos que a 13

Para uma excelente síntese sobre as vantagens e os limites do método etnográfico, ver Katz (2001; 2002).

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observação participante não permite. A observação participante prolongada dá, por outro lado, uma densidade analítica impossível de conseguir com um contacto restrito de umas horas com os entrevistados. Fixando-me agora na técnica da entrevista, cabe perguntar, antes de mais, quando é esta técnica pertinente. Uma tentativa de resposta foi avançada por Kleinman et al. (1994). Para estas autoras, e partindo do pressuposto de que subjacente aos métodos e às técnicas estão sempre opções epistemológicas e ideológicas, a entrevista permite captar não o indivíduo mas a sua localização social. A entrevista é um excelente técnica para apreender como os membros de uma dada categoria social mantêm, transformam e desafiam uma ou várias identidades. A entrevista favorece o estudo de realidades sociais, cognitivas e simbólicas que ultrapassam, atravessam ou cortam as ancoragens locais. E também se mostra uma técnica adequada quando os entrevistados, pelas posições que ocupam, circulam entre diferentes mundos e locais de trabalho, possuindo uma mobilidade elevada (Collins, 1998: 14). Estariam nesta situação os produtores e mediadores culturais, sociais e políticos tais como deputados, dirigentes associativos, intelectuais, autarcas, etc., que constituem o núcleo dos meus entrevistados. Por outro lado, todo o trabalho preparatório da entrevista, assim como a própria dinâmica da situação de entrevista, dão informações etnográficas preciosas sobre os entrevistados e os meios sociais onde se inserem. Como salientam as autoras atrás referidas, as entrevistas procuram verificar como as pessoas atribuem sentido às suas vidas, e constituem uma boa técnica para ver como, fora dos contextos habituais de trabalho, outras economias do desejo emergem e como a identificação pessoal numa dada esfera afeta outras pertenças. A flexibilidade e a plasticidade identitárias poderão tornar-se mais visíveis numa situação de entrevista, assim como a presença imaginária de outros com os quais se dialoga no trabalho identitário. Além disso, e de forma paradoxal, a entrevista pode ter a grande vantagem de se basear num contacto de curta duração com o entrevistado. Este, sabendo que o entrevistador terá uma probabilidade mínima de vir a fazer parte do seu círculo de amizades e relações pessoais, poderá contar ou revelar aspetos inesperados. A posição do entrevistador como um estranho benigno poderá induzir confissões e desabafos impossíveis de conseguir num contexto quotidiano de trabalho ou de vida (Collins, 1998: 329).

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A entrevista, como situação interacional, estrutura-se sempre de várias formas.14 Daí que a distinção entre entrevista estruturada ou não estruturada perca parte da sua pertinência (Collins, 1998: 13). Deve-se é estar atento às definições e relações de poder, às inflexões discursivas e à irrupção do imprevisto.15 Numa situação de entrevista, o entrevistado, mais do que comunicar ou partilhar significados, pode estar negociando as suas identidades, arrastando nesse processo o entrevistador e obrigando este a negociar, alterar ou sublimar também as suas identidades. Ninguém, para o bem e para o mal, sai incólume de uma entrevista. E é nessa riqueza dialógica, nessa polifonia de vozes presentes e ausentes, que jaz toda a riqueza das entrevistas, mais do que numa busca distante e objetiva de factos ocorridos.16 Para a construção do guião das entrevistas e na análise das mesmas baseei-me, a nível teórico, nas propostas de análise discursiva de Margaret Wetherell e Jonathan Potter (1995; 1992).17 O foco principal destes autores é no que as pessoas fazem com as suas práticas discursivas e o tipo de recursos que mobilizam para tal. A preocupação central é ver como os discursos são construídos de forma a serem performativos a nível social, sendo dada especial atenção ao conteúdo dos discursos. Não se procura o que está por debaixo ou atrás dos discursos, isto é, recusa-se uma hermenêutica da suspeição que podia atender 14

Para uma exposição minuciosa, na tradição etnometodológica e da análise conversacional, da dinâmica e das tensões numa situação de entrevista, ver Mazeland e Haven (1998) e Hester e Francis (1994). Osprimeiros distinguem três orientações nas situações de entrevista: uma primeira tem a ver com a descrição e demonstração do mundo da vida dos entrevistados; a segunda orientação prende-se com a relevância local da própria situação de entrevista, como um encadear de respostas a perguntas; e, uma última, em que a entrevista é usada como material de análise num projeto de investigação.

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Contrariamente ao que afirma Jean Peneff (1992:14), nem sempre os estudos baseados nos discursos e nas representações dos atores revelam só as invariantes ou a coerência narrativa dos entrevistados. Estes, muitas vezes, restituem o imprevisto das situações vividas, o papel do acaso e, revivendo experiências, surpreendemse com as suas reações. O ator em pleno controle do seu discurso e das suas emoções é uma ficção. Das identidades múltiplas que emergem numa entrevista muitas são inesperadas tanto para o entrevistador como para os entrevistados. Como afirma Latour (1996:100-101), até o manipulador de marionetas se surpreende com o que estas o obrigam a fazer.

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Um exemplo clássico do uso da entrevista como forma de avaliar o impacte objetivo de determinados fenómenos sociais é o de Merton, Fiske e Kendall (1990). Embora numa lógica positivista e estruturalista,este manual possui recomendações pertinentes para todos os que utilizam a técnica da entrevista. Para uma perspetiva histórica do papel da entrevista nas diferentes ciências sociais, bem como para uma análise fina das dinâmicas de interação durante a entrevista, ver Blanchet et al. (1989).

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Estes autores tentam construir um quadro analítico e metodológico a partir de contribuições derivadas da filosofia linguística, da retórica, da etnometodologia e da análise conversacional, do pós-estruturalismo e da sociologia da ciência.

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aos enviesamentos cognitivos, às personalidades autoritárias ou a outras entidades essencialistas e reificadas. Recusando o cognitivismo, tenta-se apreender a organização retórica ou argumentativa das conversas e dos textos, e os dilemas ideológicos que os indivíduos enfrentam, e como procuram responder aos mesmos.18 Os relatos produzidos pelos indivíduos têm sempre presente o que está em jogo, isto é, a forma como os interesses de diferentes coletividades e agentes interferem com as suas ações. Daí que os discursos, devido ao seu carácter performativo, têm que ser justificáveis (accountable). E mesmo que se proceda ao relato de factos ocorridos, assiste-se a uma produção avaliativa, embebida em diálogos reais e imaginários saturados de posicionamentos ideológicos.19 Central para esta forma de abordagem é o conceito de reportórios interpretativos (Wetherell e Potter, 1992: 90-93). Estes são entendidos como um conjunto abrangente de termos, descrições e tropos ordenados em torno de metáforas ou imagens marcantes. São recursos para avaliar, construir versões factuais e desempenhar ações específicas. Os reportórios interpretativos permitem compreender os conteúdos dos discursos e a forma como estão organizados. Contudo, os reportórios interpretativos não devem ser vistos como sistemas rígidos, mas sim como jogadas ou movimentos coreografados, em que os sujeitos (tanto o entrevistador como o entrevistado) se constroem ou reformulam pelo discurso. Os reportórios são, assim, fragmentados e caleidoscópicos. O objetivo do analista é ver que reportórios são usados em que contextos, e como conceitos como identidade, cultura, região, nação e outros, são mobilizados, traduzidos e colocados nas sequências discursivas.20 Mas a noção de reportórios interpretativos não pode conduzir a análises reducionistas. Como bem salientam Jean Talbot et al. (1997), os relatos e as nar18

Ver Billig (1988).

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Para o conceito de posicionamento enquanto produção discursiva de subjetividade, numa relação tensa entre posição e força ilocucionária, o texto já clássico é o de Davies e Harré (1990). O objetivo desta análiseé extrair os aspetos autobiográficos da conversação, de forma a descobrir como cada pessoa se concebe a si e aos outros, vendo que posições são assumidas e atribuídas. O posicionamento pode ser interativo (trabalho sobre o outro) ou reflexivo (trabalho centrado sobre si). De relevo para a análise são os comprometimentos morais e políticos mais marcantes para os indivíduos. Para a importância dos acontecimentos epifânicos nas biografias pessoais, ver Denzin (1989).

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Uma boa adaptação da teoria dos atores-redes a esta problemática da construção identitária pode ser encontrada em Michael (1996). A inovação desta teoria é a incorporação dos não-humanos no trabalho identitário (Callon, 1998; Latour e Hermant, 1998; Latour, 1999; 1996; 1991).

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rativas podem funcionar como desafios e formas de resistência às narrativas dominantes, implicando opções morais e políticas delicadas ou não convencionais. O que interessa sobretudo é estar atento às histórias contadas e às suas implicações pessoais, familiares, comunitárias e sociais mais vastas. Um dos textos pioneiros na reformulação das teorias sobre entrevistas, apelando ao trabalho de coconstrução e às lógicas narrativas, foi o de Elliot Mishler (1991).21 Este autor apelava a uma maior atenção às histórias pessoais contadas nas entrevistas, e não a uma procura de factos. Como diz Susan Chase, a entrevista deve ser um convite para se contar histórias e não para se elaborar simples relatórios (1995: 2). As propostas de certas autoras feministas influenciaram de maneira decisiva a forma como encarei a técnica a entrevista, procurando, numa lógica dialógica, desmontar os mecanismos de poder e as narrativas dominantes.22 Como indica Hones (1999), o objetivo é representar as histórias tal como foram contadas e os seus múltiplos sentidos, removendo as camadas reinterpretativas desnecessárias. Tal proposta vai beber nas recomendações de Norman Denzin (1997: 233-244), segundo a qual todos os textos são contituídos por uma multiplicidade de textos, numa rede de relações intertextuais que incorpora narrativas que têm sempre a ver com a autoridade discursiva, a diferença sexual, o poder e o conhecimento. O essencial é ultrapassar os quadros interpretativos fixos e apelar à leitura como uma atividade interpretativa flexível, aberta e, em parte, indeterminada. Em resumo, parece-me que uma boa proposta para a análise discursiva poder ser encontrada em John Law (1994: 95), inserida numa sociologia pragmática e relacionalmente materialista. Para este autor, a noção de discurso deve ser cortada em diferentes dimensões e aspetos: 1 – o discurso deve ser visto como um conjunto de padrões que podem ser imputados às redes do social; 2 – devemos procurar os discursos no plural; 3 – os discursos devem ser tratados como tentativas de ordenar e não como ordens em si; 4 – devemos explorar como 21

A reformulação de Mishler ainda se apoia muito nas propostas estruturalistas de Labov e Waletzky, que definem as seguintes etapas sequenciais de todas as narrativas: resumo; orientação; complicação; avaliação; resolução e conclusão (Mishler, 1991: 77-87).

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Para um bom exemplo ver Krieger (1991: 159-164) e as reflexões pertinentes de Linden (1992). Uma revisão metodológica radical é avançada por Clough (1992). Uma análise interessante da negociação desentidos e das implicações morais nas entrevistas poder ser encontrada em Bruner (1990: cap. 4). Para uma visão renitente sobre o papel das histórias contadas pelos entrevistados, e para um apelo à análise dos fatores estruturais, ver Tilly (1997).

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os discursos são desempenhados, incorporados e contados em diferentes materiais; 5 – e, por último, devemos ver como os discursos interagem, mudam e se extinguem.

4. REGRAS DE APLICAÇÃO, TRANSCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS Das reflexões feitas acima deduzem-se algumas recomendações para a aplicação, transcrição e análise das entrevistas. Embora seguindo um guião e procurando abordar com todos os entrevistados os temas de base definidos, permitindo uma certa padronização, exige-se uma enorme flexibilidade e uma atenção extrema aos interesses e às perspetivas dos entrevistados. É preciso deixar-se surpreender, ser guiado e seguir o entrevistado nos seus percursos e justificações discursivas. Daí que o entrevistador deve, contrariamente ao que é habitualmente recomendado nos manuais de metodologia, assumir um papel ativo e intervencionista, oferecendo contraexemplos e deixando-se interpelar pelo entrevistado (Holstein e Gubrium, 1998; Wetherell e Potter, 1992: 99). A entrevista é uma co- construção social e o papel do entrevistador deve ser reconhecido no ato situado e único que é a entrevista. Crucial é, assim, colocar nas transcrições as perguntas, hesitações e expressões do entrevistador. A citação de um extrato sem a pergunta do entrevistador é um ato descontextualizador e redutor. Na análise das entrevistas, para evitar a descontextualização das respostas, aquelas devem ser transcritas na sua totalidade, evitando a transcrição só de partes ou de segmentos significativos (Wetherell e Potter, 1995). Também deve ser restituída, na medida do possível, o contexto e a dinâmica da aplicação de cada entrevista, indicando-se onde e como ocorreu a mesma, se houve ou não interferências, se aconteceram momentos tensos, etc. (Bizeuil, 1998; Briggs, 1986: 104-111). Na apresentação dos resultados devem ser transcritos extratos longos das entrevistas, permitindo uma melhor apreensão dos quadros interpretativos do entrevistador e do entrevistado (Briggs, 1986: 111), não ocultando as perguntas, as hesitações e os erros gramaticais. Como afirma Ron Chenail (1995),

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deve-se deixar andar o gravador, fornecendo o contexto das respostas e dando um papel central aos dados recolhidos. Extratos curtos não permitem ao leitor entrar no jogo das construções interpretativas, e tal prática dá demasiado controle ao analista. Como muito bem argumentam Margaret Wetherell e Jonathan Porter (1992: 225-226), a escolha do sistema de transcrição está intimamente relacionada com o tipo de análise a efetuar. A transcrição já é uma forma de análise. E, como refere Susan Chase (1995: 23, nota 6), corrigir as entrevistas, tirando as perguntas do entrevistador, as hesitações, as respostas não lexicais, é ignorar que o sentido se comunica através de práticas discursivas complexas.

5. A ANÁLISE DAS ENTREVISTAS Tendo definido e indexado os temas pertinentes, as entrevistas foram codificadas utilizando o programa NUD*IST (No-Numerical Unstructured Data Indexing Searching and Theorizing).23 Mas, devido ao espartilhar das entrevistas em unidades mínimas e à falta de uma visão de conjunto, este programa mostrou-se demasiado limitativo na restituição da complexidade discursiva dos entrevistados. Após várias leituras integrais das entrevistas, tirando notas das partes relevantes para os temas e sub-temas definidos, optei por indexar estes no programa de processamento de texto WORD.24 Esta opção deu-me uma perspetiva mais ampla dos dados, mantendo, como recomenda Briggs (1986), sempre presente no desenrolar da análise a estrutura global de cada entrevista. O passo essencial no desenrolar da interpretação dos dados foi dado, contudo, com a elaboração de resumos para cada uma das entrevistas, assinalando-se os pontos fortes relativos a cada tema e sub-tema. A especificidade e o reportório interpretativo de cada entrevistado ficou mais claro, permitindo também o estabelecer de conexões parciais entre os entrevistados, conforme a sua naturalidade, trajetória, posicionamento político e ideológico, sem reduzir as entrevistas a esquemas interpretativos demasiado simplistas. A opção de apresentar extratos longos contextualizava as entrevistas e as cambiantes das mesmas. 23

Para uma avaliação do papel dos computadores na análise qualitativa ver Richards e Richards (1994). Para uma aplicação concreta do NUD*IST numa investigação, ver Buston (1997).

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Para uma opção semelhante usando o processador de texto WordPerfect, ver Carney et al. (1997).

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De grande importância foram as recomendações metodológicas sugeridas por Natasha Mauthener e Andrea Dooreta (1998). Estas autoras propõem um método relacional para a análise das entrevistas, centrado nas vozes que dialogam nesses encontros. Recomendam três ou mais leituras das entrevistas completas, cada uma com um objetivo específico (1998: 126-132). A primeira leitura procura deslindar o enredo (acontecimentos principais; protagonistas e sub-enredos) e as respostas do entrevistador ao que está a ser dito (explicitar o posicionamento pessoal do entrevistador em relação à entrevista). A segunda leitura deve procurar a voz do entrevistado, isto é, como este sente e fala de si, e que pronomes pessoais são usados (eu, nós, tu). Segundo as autoras, é esta procura da voz de cada pessoa que distingue o método relacional do método da teoria ancorada, pois este centra-se mais na ação e na interação entre as pessoas. Uma terceira leitura deve centrar- se nas relações interpessoais e nas redes sociais mais vastas. Uma quarta leitura procura situar os entrevistados em contextos culturais e estruturais mais amplos. Este método enfatiza os múltiplos níveis presentes em toda a narrativa. Mais do que se preocupar com a codificação, o analista deve assumir-se como um detetor e modulador de vozes, mantendo as diferenças dos entrevistados. O método relacional na análise das entrevistas procura simultaneamente as semelhanças e as diferenças. Numa segunda fase, cada entrevista é resumida (1 a 2 páginas) e procede-se a uma análise temática comparativa com as outras entrevistas. O certo é que o investigador nunca se liberta das contradições que derivam das relações de poder e da auto e hetero-reflexividade na situação de entrevista. Se conseguir restituir algumas vozes que façam alguma diferença, já conseguiu algo.

6. A ANÁLISE DOCUMENTAL CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS Na análise documental procuro explicitar como foram construídas as narrativas públicas sobre o processo autonómico e o trabalho identitário realizado pelo diferentes atores em presença no espaço regional. Desde logo, optei por não aplicar uma análise de conteúdo de contornos quantitativos.25 Optei por, tomando as notícias e o outros escritos nos jornais e os debates parlamentares, 25

Para uma boa introdução a esta técnica ver Vala (1986). A referências clássicas são Krippendorf (1980) e Bardin (1979).

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programas de governo e discursos de tomada de posse, como textos, utilizar as recomendações e os pressupostos da análise crítica do discurso. O meu objetivo não era saber quantas vezes se disse algo sobre algum tema, mas sim quem disse o quê, como e com que interesses. Procuro precisar que argumentos foram avançados para justificarem os diferentes níveis identitários em presença nesse período de mais de 20 anos. Também procuro verificar que aliados foram mobilizados e que adversários foram identificados, quais os aspetos e dimensões consensuais e aqueles sobre as quais se extremaram as posições. Como pano de fundo, como contexto, temos os acontecimentos de âmbito regional, nacional e internacional que marcaram, infletiram ou acentuaram certas componentes identitárias, conduzindo ao abandono e esquecimento de outras. Na grande variedade de autores que se reclamam da análise crítica do discurso,26 baseio-me nas formulações de Teun Van Dijk. Não cabe aqui resumir toda a sua teoria,27 mas apresentar somente os seus fundamentos. Para Van Dijk, a análise crítica do discurso é, antes de mais, uma forma de estudar como o poder, as desigualdades e a dominação social são ativados, reproduzidos e resistidos através dos textos e das conversas e em contextos políticos e sociais concretos. A análise crítica do discurso exige uma perspetiva funcional que vá além da frase e do texto e que tenha em conta os constrangimentos, estruturas e processos sociais, políticos e históricos mais vastos (Van Dijk, 1997b). Van Dijk distingue entre estruturas globais e locais do discurso (1984: 55). As estruturas globais são definidas para o discurso como um todo ou para largos segmentos do mesmo. As estruturas locais situam-se ao nível das frases, da relação entre as frases e nas jogadas e movimentos na interação dialógica (estratégias semânticas, estilo, retórica e estruturas pragmáticas e conversacionais). Mas, como refere o autor, se analiticamente é pertinente distinguir estas duas dimensões, a análise final tem que ser integral e integrada. Nas estruturas globais do discurso é ainda avançada a distinção entre superestruturas formais e macroestruturas semânticas. As superestruturas formais podem ser entendidas como esquemas baseados em regras. Estes esquemas 26

Ver a este propósito a boa coletânea de textos editada por Emília Ribeiro Pedro (1997).

27

O autor faz uma boa síntese em Van Dijk (1997a). Onde este autor apresentou, de forma explícita e completa, o seu quadro teórico foi num texto de 1984 (Van Dijk, 1984). Muitos textos podem serencontrados na página pessoal do autor em http://www.let.uva.nl/~teun. Par uma visão alternativa, ver Fisher (1997) e Johnston (1995).

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são formados por uma série de categorias hierarquicamente ordenadas, que se tornam convencionais e que podem ser específicas para diferentes tipos de discurso (Van Dijk, 1996: 77-89). Assim, as categorias convencionais do discurso jornalístico não são as mesmas para os debates parlamentares ou para os artigos científicos. Uma análise adequada terá que ter em conta os constrangimentos inerentes à produção de cada tipo específico de discurso.28 As narrativas devem ser enquadradas nas superestruturas formais que ordenam os campos onde são produzidos os discursos.29 As macroestruturas semânticas, dentro de cada superestrutura formal, são os tópicos ou temas gerais dos discursos. São propriedades do significado global do discurso, isto é, configurações hierárquicas de macro-proposições. Um tema ou um tópico é a ideia mais importante ou sintetizadora, que subjaz a uma sequência de frases num discurso e que lhe dá uma coerência global (Van Dijk, 1984: 55-57). A reconstrução dos temas ou tópicos assenta num processo de abstração e generalização baseado num quadro cognitivo bem definido.30 O analista tem como objetivo resumir os tópicos encontrados em poucos conceitos-chave, num esforço explícito de abstração.31 As recomendações e o quadro analítico de Van Dijk foram bastantes importantes para a minha análise das narrativas públicas sobre o processo autonómico. Contudo, tendo em conta o que disse mais atrás sobre o discurso como prática, considero que o esquema analítico de Van Dijk enferma, ainda, de um excesso 28

Para Van Dijk (1996: 82-89), as categorias do discurso jornalístico são: a um nível mais geral, o resumo(que inclui o título da notícia e o cabeçalho) e o relato. O relato subdivide-se em duas sub-categorias: a situação e os comentários. A situação engloba o episódio relatado (que se subdivide em acontecimentos principais e consequências) e os antecedentes (este subdivide-se em contexto e história. O contexto, por sua vez, engloba as circunstâncias e os acontecimentos prévios). Os comentários têm como sub-categorias as reações verbais e as conclusões (estas subdividem-se em expectativas e avaliações).

29 30

Para uma análise das narrativas públicas sobre o racismo nos discursos político, empresarial, académico, educacional e mediático, ver Van Dijk (1993). Van Dijk distingue entre memória episódica e memória semântica social. A memória episódica inclui os modelos e as representações textuais de situações particulares que ocorreram com os indivíduos. Ageneralização, a descontextualização e a aplicação de esquemas de grupo conduzem à construção de uma memória social que engloba valores, normas, ideologias grupais. Para uma esquema de síntese, ver Van Dijk (1984: 27).

31

No seu estudo sobre os preconceitos quanto aos estrangeiros na Holanda, baseado em entrevistas, Van Dijk chegou à conclusão de que os três conceitos-chave eram: diferença, desvio e ameaça. A um nível mais abstrato, o conceito que resumia tudo, segundo ele, era o de infração (1984: 71).

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de formalismo e é perpassado por um cognitivismo muito acentuado. Deve ser dada mais margem de manobra, na minha opinião, aos atores a estudar, e evitar uma visão transcendente e denunciadora das ideologias. Onde se apoiará o analista para indicar todos os outros discursos como ideológicos? Daí que na análise de discurso empreendida me tenha socorrido de duas obras que reputo de fundamentais. Uma foi a de Michael Schudson sobre o caso de Watergate (1992). A outra foi a de Michael Lynch e David Bogen sobre o caso Irão-Contras (1996). Embora com metodologias distintas, estes dois estudos fornecem pistas importantes para uma trabalho de reconstituição das narrativas e contra-narrativas públicas em circulação sobre determinados temas. Para Michael Schudson, o objetivo era verificar como o passado, a memória social e coletiva, era perservada numa grande variedade de formas, e como se fixavam as diferentes versões de um dado acontecimento. A sua pergunta de base era saber como os discursos sobre Watergate influenciaram ou podiam influenciar a ação social presente e futura (1992: 4). Daí que seja dada uma importância significativa ao desenrolar dos acontecimentos, aos seus desenlaces alternativos possíveis, evitando a retroprojeção do presente no passado. A multiplicidade memorial estabelece-se pela análise das diferentes formas onde se inscreve, reproduz e desempenha a memória: carreira, mito, reforma, celebridade, aniversário, reputação, linguagem, metáfora, expectativas e lições pedagógicas. Michael Lynch e David Bogen, partindo de uma perspetiva etnometodológica que chamam de pós-analítica, procuram explicitar como a história, o espetáculo e a memória são construídos ativa e localmente pelos atores envolvidos. O grande constraste era, no caso em apreço, entre os documentos escritos e as histórias contadas que eram localmente organizadas e relevantes a nível biográfico. A recomendação central é de que, em vez de aplicar ou testar uma dada teoria, as histórias e os documentos devem ser vistos como recursos que os intervenientes usam para clamar, repudiar, resistir ou imputar, de forma justificável e responsável, certas relações entre biografia e história. A memória, o esquecimento são mobilizados ou não para fazer algo, para justificar atitudes e ações.

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7. A OBSERVAÇÃO CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS O método da observação define por excelência a prática da sociologia e da antropologia. Quer essa observação seja ou não participante, prolongada ou não, apresenta- se como uma forma de envolvimento e de interação que permite um aprofundamento da análise dos fenómenos em estudo. Como já se viu mais atrás, e segundo Burawoy, a observação participante é a técnica ideal para experienciar o mundo do outro e sentir, por conseguinte, as redes de dominação em que as pessoas estão envolvidas. No processo complexo de negociação de identidades e de acessos, como refere António Firmino da Costa (1986: 144-146),32 condiciona-se os resultados da pesquisa e o que as pessoas dizem, sussuram ou silenciam. Não sendo aqui o espaço mais adequado para fazer, como já disse na introdução, uma revisão exaustiva da bibliografia sobre a técnica de observação, cabe-me referir que o texto que mais me ajudou no equacionar epistemológico e ontológico da aplicação desta técnica foi o de Nicolas Dodier e Isabelle Baszanger (1997). Estes autores definem três grandes tipos de etnografia: integrativa, narrativa e combinatória. A etnografia integrativa, na linha da tradição antropológica, constrói coletivos de pertença para os indivíduos, numa lógica de totalização monográfica. As grandes críticas a este tipo de etnografia baseiam-se na coexistência de diversas e contraditórias referências em pessoas e grupos, na variedade enorme de entidades mobilizadas em diferentes situações e, principalmente, na noção que as solidariedades existentes entre as pessoas existem inscritas em longas redes socio-técnicas sem referência a uma totalidade comum de pertença (1997: 46). A etnografia narrativa, que apareceu como resposta à etnografia integrativa e à consciência da importância da escrita e da linguagem na construção etnográfica, tem por objetivo dar conta dos diálogos entre culturas durante o trabalho de terreno. O papel do investigador é reconhecido e trabalhado de maneira explícita, sendo de grande importância a noção de testemunho. A etnografia combinatória dá conta da coleção heteróclita de recursos entre os quais as pessoas se devem deslocar. Estes recursos não pertencem a um todo 32

Este texto de Firmino da Costa e o texto de Raúl Iturra (1986), na mesma colectâna, constituem boas introduções à história, evolução, problemas e vantagens do trabalho de terreno e da observação participante. Um exposição muito completa da técnica de observação pode ser encontrada em Massonat (1987).

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coerente (como queria a etnografia integrativa), e procura-se generalizar a partir do estudo de terreno (contra a singularidade narrativa da etnografia narrativa). A comparação constante é feita não entre entidades coletivas, mas sim entre situações e tipos de atividades. Numa lógica próxima da pragmática sociológica, tenta-se definir os diferentes regimes de ação em que as pessoas participam. Tenta-se dar conta da dinâmica das atividades concretas das pessoas no quadro de referências normativas complexas, situacionais e não unificadas (Dodier e Baszanger, 1997: 51). O objetivo é constituir uma combinatória de situações e casos possíveis, circulando entre diferentes lugares conforme vão emergindo novas dimensões analíticas. Estes três tipos de etnografia produzem, segundo Dodier e Baszanger, diferentes alteridades. A alteridade da etnografia integrativa é de pertença. A da etnografia narrativa é biográfica. A alteridade da etnografia combinatória é pragmática. Assenta numa sociologia do encontro, que analisa e descreve o fundo comum de recursos heterogéneos e as posições actanciais variadas. A sua lógica é performativa e permite dar conta da complexidade material, técnica, individual, social e política dos jogos e dos compromissos identitários.

CONCLUSÃO Nexto texto de reflexão metodológica procurei restituir a complexidade inerente a qualquer análise de dados qualitativa. Mais do que seguir protocolos analíticos rígidos e pré-formatados, há que manter abertas sempre as alternativas interpretativas e, num processo lento e estruturado, por sucessivas aproximações, procurar estabelecer as possibilidades de proximidade significativa contidas nos dados a trabalhar. O respeito pela riqueza e diversidade dos dados não deve obviar à sua reconstrução, na verdade, à sua tradução, numa linguagem teórica que lhes dê coerência e um contexto interpretativo. Parece claro que não se pode deixar de atribuir competências específicas aos atores retratados e que não se pode ignorar a pragmática das suas opções e atitudes. Mas, o tecer e o alinhavar das diferentes perspetivas, dos diferentes discursos, cabe ao analista, que deve atender ao que faz quando interpreta, de forma a potenciar espaços de liberda-

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de e não a construir cangas analíticas redutoras de uma realidade que é sempre complexa, transbordante e propiciadora de outras versões.

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Memória oral e história local

FAZER ENTREVISTAS Otilia Lage investigadora do CITCEM, Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura,Espaço e Memória” •

Albano Viseu

Investigador do CITCEM (U. Porto).

gentes do Vale do Tua e fazia parte das suas vidas.

1. FAZER ENTREVISTAS: PORQUÊ E PARA QUÊ? ONDE? QUANDO? COMO ENTREVISTAR?

O presente projeto de levantamento e de rememoração de memórias, lembranças, acontecimentos, vivências e “histórias de vida”, é trazido agora até às escolas dos cinco concelhos do Vale do Tua, para que os alunos, orientados pelos professores e técnicos de som e video, se tornem em autênticos investigadores das terras do Vale do Tua e da sua história recente.

1.1. Estas são perguntas a que se procura responder neste Guia, de apoio à realização de um trabalho de recolha de fontes orais e documentos históricos sobre o Vale, a Linha e o Comboio do Tua, integrado no Projeto MemTua – Escolas. Este projeto visa fazer a reconstituição do património histórico do vivido, através do apelo à memória, numa tarefa de reconstituição e de partilha de momentos significativos, que nos projetam num arco temporal de mais de 100 anos, nos deixam espreitar essa cortina transparente, e nos envolvem num mundo em que o comboio animava o quotidiano das

1.2. O surgimento em Portugal, deste tipo de história oral, que se centra na reconstituição de histórias de vida de indivíduos e grupos significativos, dá-se por volta dos finais do séc. XX, para o que contribuíram investigadores que trabalharam em contextos académicos es-

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materiais do projeto memTUA Escolas

trangeiros e vindos de áreas disciplinares vizinhas da história, como a sociologia e a antropologia. A partir de alguns trabalhos já realizados, identificam-se as suas práticas mais comuns, que passam pela realização de entrevistas, cujas orientações gerais metodológicas se fornecem, desvendando as possibilidades que se levantam com a sua utilização.

A informação obtida, a fonte oral, tem as suas especificidades: a presença da memória e da subjetividade; as ideias da pessoa e os seus desejos inconscientes; a tendência a interpretar e mesmo a “imaginar” mais do que a refletir sobre os acontecimentos e a descrevê-los não objetivamente. Por isso, é importante respeitar algumas regras e orientações que se indicam a seguir.

Associadas à realização de entrevistas, temos, em primeiro lugar, a recolha de “histórias de vida” e, associadas a elas, as memórias de um passado vivido recente, depoimentos e testemunhos de pessoas idosas ou conhecedoras dos assuntos que se pretendem estudar no âmbito deste projeto MEMTua: Escolas – vivências históricas e quotidianas do Vale, Linha, Comboio e Barragem do Tua. Estes materiais. recolhidos com critério e sistematicidade, podem constituir fontes orais importantes para muitos estudos sobre este tema central: a Memória e o Futuro das terras e populações do Vale do Tua, numa área geográficocultural que abrange as aldeias e vilas dos concelhos de Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça e Alijó.

2. PORQUÊ E PARA QUÊ? 2.1. Que memórias guardam as pessoas do vale, da linha e do comboio do Tua? Para se poder dar resposta a estas e outras perguntas relacionadas, é preciso saber fazer entrevistas a certos indivíduos preferenciais das nossas terras: pessoas mais idosas e com boa memória, familiares - avós, pais, tios – amigos e conhecidos, que tenham trabalhado nos caminhos-de-ferro, motoristas de camionetas de passageiros, ou de táxis, telefonistas, ou as antigas meninas dos telefones, lavradores ou trabalhadores agrícolas das zonas do vale do Tua, antigos almocreves, trabalhadores rurais, comerciantes, e muitos outros que devem ser escolhidos por terem histórias para contar sobre este assunto e por conhecerem “estórias” da história do século passado das terras e da vida das populações do vale do Tua, relacionadas ou não com o comboio do Tua.

A recolha/registo de vivências e memórias, depoimentos, testemunhos e “histórias de vida”, com recurso às informações dos atores sociais entrevistados, que são escolhidos com base em critérios que adiante se indicam, é um produto intelectual partilhado, através do qual se produz conhecimento de interesse para todos os desta região e de fora dela.

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Memória oral e história local

O comboio transportou pessoas e mercadorias e tornou necessário um conjunto de profissionais que, directa ou indirectamente, animaram o tráfego diário. As empresas de camionagem e os táxis tonaram-se necessários para fazer o intercâmbio com o comboio.

também por quase nada…

Em algumas estações, surgiram atividades relacionadas com a venda de produtos alimentares e artesanais.

Quantas memórias ficaram de um tempo em que circulou o comboio: entre Foz Tua e Mirandela, de 1887 a 2008, e entre Mirandela e Bragança, de 1906 a 1992!

As escolas e as feiras locais contavam com o comboio. As estações e os apeadeiros sentiam o pulsar da vida e o ritmo constante da chegada e da partida.

O comboio foi, durante muitos anos, o único meio de transporte e de ligação de algumas aldeias ao mundo envolvente e ao exterior.

O desafio que te propomos é o seguinte: parte à descoberta dessas memórias e regista-as, através de entrevistas que vais também filmar

Em bancos de madeira ou já almofadados, circularam os magalas e os militares, os estudantes, os feirantes, os agricultores, os funcionários da CP, os professores, os médicos, os doentes que iam ser internados em hospitais de Lisboa e, depois, do Porto. A população, em geral. Circularam o correio, as encomendas e as ricas mercadorias da região: a cortiça, o vinho, o azeite, a fruta, a carne, o fumeiro, os folares, o minério, a madeira, as rolhas e outros derivados da cortiça…

Torna-te num investigador de história e contribui para a reconstituição das MEMÓRIAS DE UM TEMPO HISTÓRICO, vivido e partilhado pelas pessoas do VALE DO TUA.

A hospitalidade transmontana, mas também por vezes a animosidade, transvasavam e o comboio ganhava vida, porque as pessoas: comiam os seus farnéis, bebiam, conviviam, cantavam, contavam histórias, atualizavam notícias, falavam acerca de preços de bens e serviços, do preço de animais e de produtos locais… mas também, em menores casos podiam

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3. ONDE E QUANDO?

As entrevistas devem ser realizadas com a orientação e primeira correção dos professores e e o apoio de profissionais de som e vídeo, para as gravações, entre Setembro de 2014 e Abril de 2015, no maior e mais representativo número de aldeias e povoações dos cinco concelhos

do Vale do Tua – Alijó, Carrazeda, Mirandela, Murça e Vila Flor. Selecionar as entrevistas, realizadas no maior e mais representativo número de aldeias e povoações dos concelhos referidos, um número mínimo de 10 a 12 entrevistas por escola.

Em síntese: Grupo de pesquisa do projeto

MEMTua

Tema central

Memória e Futuro da linha e do Vale do Tua

Objetivo

Recolher “histórias de vida”, memórias, testemunhos e vivências significativas das terras e das populações do Vale do Tua

Estratégia

Recurso à gravação áudio-video de entrevistas e à digitalização de fontes documentais complementares

Finalidade

Recolha de fontes orais, constituição de história oral para Museu da Memória

Coordenação

• •

Professor da escola/agrupamento coordenadores do sub-projeto MEMTua-Escolas

Calendarização

Realização/seleção das Entrevistas e registos video: realização: Setembro de 2014 e Abril de 2015 seleção: 10 a 12 por escola.

• •

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Memória oral e história local

● Produzir trabalhos, acerca da informação recolhida, com correcção.

4. O QUÊ E COMO ?

● Divulgar os trabalhos produzidos 4.1. Entrevistas

4.3. Como elaborar o Guião de Entrevista e como realizar e transcrever a Entrevista?

A Entrevista é uma conversa com perguntas e respostas; é um diálogo entre duas ou mais pessoas. Deve pois haver comunicação e interesse pela opinião do outro.

O guião de entrevista é um texto que serve de base à realização de uma entrevista:

As perguntas servem para conhecer melhor o assunto que se está a tratar ou a personalidade do (a) entrevistado (a).

a) Preparação da Entrevista: • define os objetivos da entrevista; • seleciona o tema e a pessoa a entrevistar;

4.2. Objetivos das entrevistas ● Recuperar memórias históricas, vivências e histórias de vida de indivíduos e populações sobre o tema central anteriormente indicado e temáticas adiante explicitadas.

• recolhe elementos sobre esse tema e essa pessoa;

● Ficar a conhecer a maneira como os familiares, vizinhos e amigos viveram os acontecimentos, de forma direta ou diferida, e se tornaram sujeitos dessa história.

• regista o objetivo principal da entrevista;

b) Elaboração do guião:

• enumera tópicos/temáticas a incluir: • elabora perguntas que permitam obter respostas, de acordo com o(s) tema(s), os objetivos da entrevista, as expetativas do entrevistador e dos leitores/ ouvintes (ver Exemplos sugeridos).

● Partilhar os acontecimentos históricos levantados, revisitandoos, para lhes encontrar um sentido/ significado.

As perguntas podem ser abertas ou fechadas:

● Aplicar técnicas de entrevista e de comunicação multimédia.

• As perguntas abertas começam por “como”, “por que”, “o que pensa de…”, etc. Com perguntas abertas, o

● Tornar os alunos mais ativos e participantes na sua aprendizagem. 53


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entrevistado tem espaço para dar a sua opinião e são as que se recomendam em entrevistas semi-estruturadas como as que se sugerem.

o fim as que precisam de maior reflexão. c) realização da entrevista:

• As perguntas fechadas são as que pedem uma resposta Sim ou Não. O entrevistado limita-se a confirmar ou não o que o entrevistador lhe pergunta. Usar com moderação, porque obtemos pouca informação e não envolvemos o suficiente o entrevistado.

Atitudes do entrevistador

• Tipo de perguntas a evitar: sobre banalidades, a vida privada, convicções políticas ou religiosas que podem embaraçar o entrevistado e levá-lo a não responder.

• Escolher um local agradável e tranquilo e não mostrar pressa.

• Obter informações prévias sobre o entrevistado e sobre o assunto da entrevista. • Estabelecer contacto com o entrevistado, marcar dia, hora e local.

• Ter em conta as regras de etiqueta e pedir licença para filmar. • Elaborar o guião, antes da entrevista, e segui-lo durante a sua realização.

As perguntas devem ser simples e claras Não devem misturar assuntos, nem conter mais do que uma pergunta na mesma formulação; evita perguntas longas, pois confundem o entrevistado que acaba por se esquecer de parte da pergunta; evita ambiguidades de linguagem, para que o entrevistado não precise de pedir esclarecimentos; evita influenciar as respostas e procura alternativas para eventuais fugas ao tema.

• Durante a entrevista, não acrescentar comentários às respostas, nem demonstrar a sua opinião pessoal. • Manter um tom informal, mas com delicadeza e sem agressividade. • Utilizar uma linguagem clara e rigorosa, mas acessível. • Não deixar que o entrevistado se alongue demasiado nas respostas, nem que se desvie do assunto.

As perguntas devem seguir uma certa lógica Evita repetições e não faças perguntas cuja resposta já foi dada; descobre em cada pergunta algo que encaminhe para outras perguntas; não te desvies do assunto; estabelece um determinado número de perguntas e ordena-as; começa pelas perguntas mais simples e deixa para

d) Transcrição das entrevistas • Elabora uma introdução (apresentar brevemente o entrevistado, destacar o tema da conversa, falar sobre as condições de realização da entrevista, etc…)

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Memória oral e história local

• Transcreve as perguntas e as respostas ou reporta a entrevista de forma indirecta, eventualmente fazendo a seleção das partes mais interessantes.

4.4. Como produzir/organizar o material audiovisual (áudio, vídeo e fotográfico)? Quem regista? qualquer pessoa, sendo conveniente que tenha apoio na captação de imagens e sons de um profissional em audiovisual e com experiência.

• Regista o nome por extenso na primeira pergunta, do entrevistador, e na primeira resposta, do entrevistado.

Quando se regista? durante todo o processo da entrevista, para não se perderem informações, contextos, momentos e documentos apropriados.

• Assinala as restantes perguntas e respostas com as iniciais do entrevistador e do entrevistado. • Escreve uma conclusão, destacando algumas ideias importantes, apontando pistas para novos desenvolvimentos, etc.

O que guardar? o acervo original (o material não editado, disponibilizado pelas pessoas inquiridas e pelas instituições detentoras dos documentos) e o acervo para divulgação (obtido durante o processo de pesquisa, mas selecionado e tratado para difusão pela web e/ou outros meios, depois de uma avaliação da qualidade técnica e do registo).

• Faz referência aos constrangimentos da entrevista (dificuldades de contacto, de realização ou outras) ou às expetativas iniciais e finais, se julgar necessário. • Mantém e respeita a escrita de palavras e de expressões locais, explicando, se necessário, o seu significado, ente parêntesis curvos. Ex. (“sótos” – pequenos comércios onde se vende de tudo).

Finalidade: o acervo obtido visará o acesso, a recuperação e o uso académico das fontes. Quantos registos são necessários? mínimo de 300 imagens, como acervo original, e 50 imagens, como acervo para divulgação.

• Assinala os tempos mortos e os saltos na conversa, através de reticências. • Inclui curtas explicações, entre parêntesis retos. Ex. [o entrevistado mudou de assunto].

Quais as recomendações gerais? a captação deve ser feita no formato digital ou digitalizado. A câmara deve ter microfone acoplado ao equipamento de gravação. A gravação áudio é parte fundamental da estrutura do vídeo, portanto deve obedecer às recomendações de gravação áudio – no exterior ou no interior, com ruído de fundo mínimo e volume não demasiado baixo. Recomenda-se que o

• Presta atenção à pontuação, à ortografia e à apresentação gráfica do registo escrito. • Elabora a ficha técnica da entrevista: nomes do entrevistador e do entrevistado, local e duração da entrevista, nome de quem fez o registo áudio e vídeo. 55


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trabalho de captação seja acompanhado por um técnico de som. Que elementos devem ser incluídos na composição de legenda? descrição/objeto, autor (sobrenome e nome), local, data, duração. 5. TEMAS, QUESTÕES E PERGUNTAS A COLOCAR AOS ENTREVISTADOS • Começar sempre por saber e registar a identificação pessoal e familiar do entrevistado, se é analfabeto, ou sabe ler e escrever e que outras habilitações tem. • Pedir-lhe que conte a sua “história de vida”, a qual pode também ir sendo perguntada e narrada ao longo da entrevista e sintetizada e concluída no final. • Nos exemplos que a seguir apresentamos, podem escolher-se os temas, e as questões, mais ajustados aos entrevistados que poderão ser: • homens e mulheres, idosos ou de meia idade, pessoal ferroviário (chefes de estação, guarda-linhas, fatores, manobradores, revisores, agulheiros…), taxistas, motoristas de autocarros e de transporte de mercadorias, trabalhadores rurais, proprietários e comerciantes, donos de pensões, vendedores, médicos, veterinários, enfermeiros, funcionários públicos, professores, padres, antigos barqueiros, antigos militares, antigas telefonistas ou empregadas dos correios, etc.

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Memória oral e história local

1. SE ALGUMA VEZ VIAJOU, ATRAVÉS DA LINHA DO TUA, EXPLIQUE, POR FAVOR: • que tipo de comboio utilizou (de passageiros, misto…); • a razão por que fez essa viagem, e com que frequência utilizava esta linha férrea de via estreita; • qual era o ambiente e o convívio no comboio; • recorda alguma música ou alguma canção que ouviu ou aprendeu nessas viagens; • de que assuntos falavam as pessoas, ao longo da viagem, e que notícias se ficavam a saber; • lembra-se das paragens nas estações e apeadeiros, da entrada e saída de pessoas e mercadorias, de algumas peripécias ou episódios; • sente saudades dessas viagens de comboio e por que razão.

dessas viagens; • recorda-se de dois momentos diferentes na história da nossa emigração: o de contenção e proibição até aos anos 1960 (sendo apenas consentida a saída para as então colónias portuguesas) e a permissão oficial da emigração para a Europa na década de 1960 e depois; • como era a vida das populações do Vale do Tua antes de emigrarem para o estrangeiro ou de migrarem para outras regiões do pais; • as pessoas de outras zonas do país vieram trabalhar na nossa região, em momentos como as vindimas, as ceifas ou a apanha da azeitona; o que sabe e o que acha desse movimento de pessoas e a influência ou dinamismo que trouxeram para a região. 3. SOBRE AS DESLOCAÇÕES PARA O SERVIÇO MILITAR, INCORPORAÇÕES MILITARES, E PARTIDA PARA A I E II GUERRA MUNDIAL E GUERRA COLONIAL. • os soldados costumavam viajar de comboio quando iam às sortes, quando eram incorporados no serviço militar e quando iam combater na guerra; que memórias tem desses tempos, o que ouviu contar, o que pensavam ou pensam as pessoas; • Portugal participou na I Guerra Mundial, cujo centenário se

2. SOBRE O CONHECIMENTO E/OU EXPERIÊNCIA DA EMIGRAÇÃO E DAS MIGRAÇÕES INTERNAS. • alguma vez emigrou, ou tem familiares que emigraram ou estão emigrados; quando e para onde • conhece pessoas que saíram da sua terra, à procura de melhores condições de vida no litoral e ou em outras terras do país; • sabe se essas pessoas partiam de comboio quando emigravam para outros países; tem recordações

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comemora este ano, e manteve uma neutralidade estratégica durante a II Grande Guerra: quais as lembranças desses conflitos e desses tempos; • soube ou ouviu falar de algumas deserções nesses períodos e, depois, na Guerra Colonial em África.

RACIONAMENTO DE BENS DE PRIMEIRA NECESSIDADE, O CONTRABANDO, O MERCADO NEGRO, A CRISE ECONÓMICA E SOCIAL. • O que recorda dessa época conturbada e difícil, aqui em Trásos-Montes, como por exemplo com o racionamento de bens: as filas, as senhas, o papelmoeda, as rondas regionais para controlar o abastecimento local das populações, alimentos alternativos para matar a fome; a miséria… • O que sabe do contrabando local de produtos e do mercado negro … • Lembra-se ou ouviu falar da crise dos anos 1940 na região transmontana?

4. MEMÓRIAS DA GRANDE EPIDEMIA DE 1918/19 E DA CRISE SOCIAL E POLÍTICA DESSA ÉPOCA EM PORTUGAL, PAÍS POBRE E RURAL, ONDE HAVIA FALTA DE ALIMENTOS, CARESTIA DE VIDA, FALTA DE PODER DE COMPRA, ETC. O CARÁCTER VIOLENTO E IMPREVISTO DA PNEUMÓNICA, AS MÁS CONDIÇÕES HIGIÉNICAS E SANITÁRIAS, A FALTA DE MÉDICOS E DE MEDICAMENTOS. • o que recorda de ouvir contar sobre esses acontecimentos, como foram sentidos em Trás-os-Montes e em particular pelas terras e populações do Vale do Tua;

6. SOBRE AS COMUNICAÇÕES NAS ALDEIAS E NAS VILAS (OS PRIMEIROS TELEFONES E RÁDIOS, AS ANTIGAS CENTRAIS TELEFÓNICAS E OS POSTOS PÚBLICOS, A DISTRIBUIÇÃO DO CORREIO, OS AEROGRAMAS, OS TELEGRAMAS …). • que recordações tem dos primeiros telefones a manivela e das centrais com cavilhas? Sabe quem operava nessas centrais telefónicas? • em algumas aldeias havia um posto público, com telefone: como funcionava e quem lá trabalhava? • quem fazia e como se fazia a distribuição do correio na sua terra, antigamente; recorda-se de

5. OS TEMPOS DIFÍCEIS DA II GUERRA MUNDIAL, ESTÃO AINDA VIVOS NA MEMÓRIA DE MUITA GENTE TRANSMONTANA, E OUTROS ACONTECIMENTOS COMO A CORRIDA AO VOLFRÂMIO, A FALTA E

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Memória oral e história local

7. AS DINÂMICAS REGIONAIS: OS TRABALHOS AGRÍCOLAS; AS MONDAS E AS CEIFAS; AS VINDIMAS; OS USOS E TRANSPORTE DE GADO; AS FEIRAS DE MIRANDELA E DE CARRAZEDA DE ANSIÃES. CEIFEIROS DE OUTRAS ZONAS DO PAÍS, DESIGNADAMENTE DO ALENTEJO, E TRABALHADORES SAZONAIS DE OUTRAS REGIÕES ACORRIAM ATÉ ÀS POVOAÇÕES DO VALE DO TUA E DA FRIEIRA (TERRAS FRIAS DE PLANALTO), REALIZAVAM O SEU TRABALHO, CANTAVAM, ENCHIAM AS RUAS, AS TABERNAS E AS PENSÕES DE ALEGRIA. AS FEIRAS, MUITO MOVIMENTADAS ERAM, PARA ALÉM DE LUGARES DE COMPRA E VENDA, ESPAÇO DE ENCONTROS, CONVÍVIO, LAZER E SOCIALIZAÇÃO. • O que recorda dessas atividades? • Como eram vividas as vindimas e a apanha da azeitona? Quem participava nelas e quando? • As feiras de Carrazeda de Ansiães e de Mirandela eram célebres, porque nelas se vendiam e se

o correio ser lido em voz alta antes de haver distribuição pelas casas? • lembra-se ou ouviu falar dos militares portugueses em África que se correspondiam com familiares, amigos e as madrinhas de guerra, em Portugal, através dos aerogramas e de mensagens pela rádio ? • era frequente o uso de telegramas e de cartas? Quem as escrevia quando as pessoas que as queriam enviar eram analfabetas? • Noutros tempos, as novidades e informações, sobre o que se passava no mundo, no país e na região, eram muitas vezes transmitidas e atualizadas pelos vendedores ambulantes, pelos saltimbancos, por pessoas que visitavam o mundo local, como os caixeiros - viajantes. Tem memórias dessas formas de comunicação?

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compravam não só os produtos agrícolas, os instrumentos de trabalho, os arreios, mas, acima de tudo, porque nelas eram comprados e vendidos os animais de trabalho e de serviço das casas agrícolas. Que recordações tem desta realidade e o que pensa da sua importância para a economia e a vida das populações do Vale do Tua?

DOURO, DESIGNADAMENTE EM TERRAS DO CONCELHO DE CARRAZEDA, ONDE ALGUNS PROPRIETÁRIOS SE DEDICARAM DURANTE ANOS AO CULTIVO DE PLANTAÇÕES DE TABACO. • O que sabe dessas atividades de outrora e que importância terão tido para Trás-os-Montes? Ouviu falar delas? Porque terão acabado? Conte-nos o que sabe.

8. EM TRÁS-OS-MONTES, HOUVE, EM TEMPOS, O DESENVOLVIMENTO DE ALGUMAS CULTURAS VOLTADAS PARA A INDÚSTRIA COMO, POR EXEMPLO, A SERICULTURA E PRODUÇÃO DA SEDA, A CULTURA DO LINHO, ETC.. • Qual a importância dessas indústrias para o desenvolvimento do concelho de Mirandela, Macedo, Alfândega e de outros concelhos onde esta indústria se afirmou?

10. O PATRIMÓNIO CULTURAL (I)MATERIAL DE TRÁSOS –MONTES É MUITO DIVERSIFICADO E RICO: HÁ AINDA MEMÓRIA NA REGIÃO, DE INÚMERAS LENDAS, ESTÓRIAS, MÚSICAS, CANTARES, REZAS, MEZINHAS, ALGUMAS DAS QUAIS JÁ FORAM COMPILADAS POR ESTUDIOSOS… • Recorda-se de algumas dessas músicas, canções, rezas, mezinhas, lendas ou estórias que ouviu, por exemplo em viagens de comboio que fez ou que se cantam e contam na sua terra?

9. EM JANEIRO DE 1886, A CÂMARA MUNICIPAL DE MIRANDELA PEDIA AO GOVERNO «A CONTINUAÇÃO DOS ENSAIOS DA CULTURA DO TABACO NA REGIÃO». E IDÊNTICA SITUAÇÃO ACONTECEU, POSTERIORMENTE, E DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DA I REPÚBLICA, NO VALE DO

11. A REGIÃO TRANSMONTANA VIVEU, OUTRORA, PERÍODOS DE GRANDES DIFICULDADES, RELACIONADAS COM O ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE, A MEDICAMENTOS E EDUCAÇÃO. • Que memórias guarda dessa

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Memória oral e história local

realidade e dos seus impactos na vida das pessoas.

14. EM TRÁS-OS-MONTES, A VIDA ECONÓMICA E SOCIAL FOI, NOUTROS TEMPOS, ANIMADA PELOS ALMOCREVES E PELAS BARCAS DE PASSAGEM, NA TRAVESSIA DE RIOS. • Tem algumas memórias ou ouviu falar destas duas realidades e influência que exerceram nas populações locais?

12. A LINHA DO VALE DO TUA FEZ O DESPACHO DE PRODUTOS REGIONAIS QUE GANHARAM PROJEÇÃO NACIONAL, COMO, POR EX: A ALHEIRA DE MIRANDELA (NAS CAIXAS DAS ALHEIRAS ESTAVA O NOME DA ESTAÇÃO – MIRANDELA - DE ONDE ERAM DESPACHADAS) • Que outros produtos acha que terão sido despachados, através desta linha, e que projeção local, regional ou nacional vieram a ganhar?

15. ALGUNS PROFISSIONAIS QUE SE RELACIONARAM COM A LINHA DO TUA E COM AS POPULAÇÕES DO VALE DO TUA DEVEM TER MUITAS MEMÓRIAS SOBRE ESTES DOIS MUNDOS DE ENVOLVIMENTO. • Procura identificar quem possua essas memórias e registe-as, entrevistando, por exemplo, pessoal ferroviário ( chefes de estação, fatores, revisores, guardas de linha, etc.) taxistas, motoristas de autocarros e motoristas de transporte de mercadorias. • Pede-lhes para te mostrarem folhetos de horários, bilhetes, fotografias de comboios e carruagens, de autocarros, de táxis, de camionetas que efetuaram serviços na região transmontana e pede-lhes para fotografar ou digitalizar esses documentos.

13. A CAMIONAGEM, OS AUTOCARROS E OS TÁXIS CONTRIBUÍAM PARA ALTERAR E MELHORAR O MOVIMENTO DE PESSOAS E DE MERCADORIAS, ESTABELECENDO UM ELO DE LIGAÇÃO COM O COMBOIO E SENDO, ATÉ, COMPLEMENTARES DO MESMO, TENDO DEPOIS INCLUSIVE, CONCORRIDO COM O COMBOIO QUE COMEÇOU A PERDER A IMPORTÂNCIA QUE TEVE. • Fale-nos dos horários praticados, serviços prestados e custos, por exemplo dos bilhetes, praticados por estes diferentes meios de transporte? 61


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L’Historien, l’Archiviste et le Magnétophone. De la Constitution de la Source Orale à Son Exploitation, Paris, Ministère de l’Économie, des Finances et de l’Industrie.

5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERTAUX, Daniel. Histoires de vies ou récits de pratiques? Méthodologie de l’approche biographique en sociologie. In: Recherches Economiques et Sociales, Paris, n. 6, avr., 1977.

FERRAROTTI, F. Histoire et histoires de vie:la méthode biographique dans les sciences sociales. Paris: Méridiens, 1983. GORJÃO, Vanda (2002), Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição Feminina ao Estado Novo, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.

BRANDÃO, Ana. Entre a vida vivida e a vida contada: história de vida como material primário de investigação sociológica. Braga: Universidade do Minho - Centro de Investigação em Ciências Sociais, 2007.

JOUTARD, Phillippe. Ces voix qui nous viennent du passé.Paris: Hachette, 1983.

CRUZEIRO, Maria Manuela (2009),Vasco Lourenço. Do Interior da Revolução, Lisboa, Âncora Editora.

LECHNER, Elsa. Histórias de vida: olhares interdisciplinares. In Elsa Lechner, (Org.) Introdução: O olhar biográfico. Porto: Edições Afrontamento, 2009.

CRUZEIRO, Maria Manuela, e Rui Bebiano (orgs.) (2006),Anos Inquietos. Vozes do Movimento Estudantil em Coimbra (1961-1974), Porto, Edições Afrontamento.

MICHELAT, Guy. Sobre a utilização da entrevista não-diretiva em sociologia. In: THIOLLENT, M. Crítica metodológica, investigação social e

DESCAMPS, Florence (2001), 62


Memória oral e história local

enquête operária. São Paulo: Polis, 1980 PINTO, António Costa (1986), “A emergência da história oral ” provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, ISCTE. POLLAK, Michael (1987), “Pour un inventaire”, em Questions à l’Histoire Orale. Table-Ronde du 20 Juin 1986,Les Cahiers de l ́IHTP n.º 4, Paris, IHTP/CNRS. RIOUX, Jean P., L’historien et les récits de vie. In: Récits de vie.Lille: Université de Lille III, 1983. Revue des sciences Humaines, n. 191. RITCHIE, Donald A. (2003),Doing Oral History. A Practical Guide, Nova Iorque, Oxford University Press. SANTOS, Boaventura Sousa (org.) (2004), A Fita do Tempo da Revolução. A Noite Que Mudou Portugal….Porto, Edições Afrontamento.

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Memória oral e história local

ENTREVISTAS… GUIDELINES ORIENTAÇÕES PARA A TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS Otilia Lage investigadora do CITCEM, Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura,Espaço e Memória”

1. INTRODUÇÃO Uma questão se apresenta, desde logo: a transcrição revela fielmente as informações da entrevista? ou, a transcrição realizada pelo pesquisador será fidedigna? A transcrição de uma entrevista é uma pré-análise das informações pesquisadas e pode exigir várias leituras do material recolhido para entender e compor bem os dados. Deverá conter os elementos essenciais para transformar as informações em dados. Efetuada a recolha e transcritas as entrevistas, deram-se os primeiros passos para a descrição e interpretação dos testemunhos apurados, tendo por base os objetivos e as dimensões de investigação previamente traçados. Ao escutar a gravação, o entrevistador consegue “captar a experiência sem a acuidade dos envolvimentos emocionais que o contexto vivo” (entrevista) acarretava e poderá retomar a experiência para aprofundar as suas observações. Assim, “ao efetuar a transcrição o pesquisador tem, então, a invejável posição de ser ao mesmo tempo interior e exterior à experiência” (QUEIROZ, 1983, p. 84).

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2. PROCEDIMENTOS GERAIS A transcrição das conversas, de importância fulcral para análise dos dados, é algo demorado e exige concentração para ser feita uma anotação fidedigna das declarações dos entrevistados, que devem ser registadas ao mesmo tempo que se ouve a gravação. Deverá ser feita pelo próprio entrevistador, mas em grupos de trabalho em que o objeto da pesquisa, os objetivos e o roteiro são compartilhados, a transcrição pode ser realizada por algum desses membros mesmo que não tenha participado da realização da entrevista. Nesse caso será necessária uma supervisão da transcrição para manter o novo documento (o texto da transcrição) o mais próximo possível do original (as verbalizações gravadas). Tendo sempre como objeto de análise as declarações dos entrevistados, a partir dos registos das entrevistas presenciais feitas, com autorização expressa dos inquiridos e com base no guião de questões/perguntas, previamente elaborado, deve-se redigir com a máxima fidelidade o texto de cada entrevista realizada. O princípio básico para constituir uma boa análise é partir de uma transcrição integral, na qual todas as verbalizações são transcritas. Deve-se transcrever tudo o que foi falado pelo entrevistado e pelo entrevistador. As perguntas deste têm entoação, ênfase e foram apresentadas de forma específica, num momento específico, diferente da pergunta do roteiro. Esta está no roteiro, está na forma escrita, e na entrevista ela foi usada na forma verbal, com uma entoação particular dentro de um contexto de interação social e verbal. Às vezes, o entrevistador faz pausas ao perguntar que podem ser interpretadas pela pessoa que está sendo entrevistada. Por isso, a transcrição deve reportar-se à forma como a pergunta foi emitida durante a entrevista. De repente, no momento da entrevista, o entrevistador faz uma pergunta de uma forma diferente daquela que estava no roteiro, mas que parece ser melhor do que a que fora planeada e constava dele. Também é comum a necessidade de refazer a pergunta no momento da entrevista, pois o entrevistador tem a sensibilidade de perceber a situação concreta de refazer a pergunta. A transcrição deve captar e deixar transparecer essa informação. Para se uniformizar o tratamento formal do registo escrito das entrevistas e evitar discrepâncias a este nível, o texto correspondente a cada entrevista pode ser organizado em três partes essenciais: 66


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• Ficha técnica da entrevista (nomes do entrevistador e do entrevistado, nome de que fez o registo áudio-video, local, data e duração da entrevista) • Dados biográficos do entrevistado • Conteúdos (questões, perguntas e falas) Na passagem das entrevistas para registo escrito, deve procurar-se respeitar, dentro dos limites possíveis, as características próprias do registo oral. Todavia, é preciso que sejam retificados certos aspetos próprios da oralidade, nomeadamente contrações e repetições de palavras, eventuais incorreções ao nível dos processos de concordância em género e/ou número, bem como omitir repetições redundantes de palavras. Em casos pontuais, pode haver questões que não foram formuladas e/ou respostas pouco precisas, pelo que surge a necessidade de pedir esclarecimentos adicionais aos entrevistados. Nestas situações, o entrevistador deve contactar novamente os entrevistados em causa, a fim de obter dados omissos e/ou elucidar aspetos ambíguos. As informações posteriormente solicitadas devem ser fielmente citadas nas respetivas entrevistas e destacadas no texto. Saliente-se, ainda, que, se ao longo das conversas, houve perguntas que, por motivos vários, foram objecto de reformulação, as mesmas devem aparecer grafadas também, na transcrição das entrevistas. De modo a facilitar a posterior análise dos dados obtidos, podem-se categorizar os entrevistados, atribuindo a cada um deles uma sigla (abreviatura do nome) e/ou numerá-los por ordem das falas e da realização das entrevistas. Salienta-se que em determinadas pesquisas, como as histórias de vida ou história oral, existe a necessidade de armazenar as informações na sua totalidade, como geralmente é realizado por e nos Centros de Documentação. Além desses cuidados apontados, parece ser conveniente que o pesquisador intitule a sua transcrição. A entrevista, após passar pela fase de transcrição, apresentará um produto para análise podendo ser nomeada como de relato, fala, verbalização, depoimento ou opinião. É conveniente também que apresente no final da transcrição dos conteúdos das falas, meia dúzia de palavras-chave, no máximo, que traduzam os principais temas que foram tratados na entrevista. 67


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3. ALGUMAS PRÁTICAS E NORMAS DE ESCRITA E PONTUAÇÃO Embora haja normas definidas como as que foram compiladas por Marcuschi (1986) que podem ser utilizadas numa transcrição de entrevista, sugere-se um outro procedimento mais comum assente nas regras da gramática portuguesa comumente utilizadas e mesmo na adaptação de outras normas. É possível simplesmente utilizar na transcrição do discurso oral da entrevista para texto escrito, as normas gramaticais e, por exemplo, as seguintes pontuações: (.) ponto final; (!) exclamação; (?) interrogação; (…) reticências dentro ou não de parêntesis (para indicar interrupções de falas, pausas ou silêncios e indicação de que se está transcrevendo apenas trechos das falas), (( )) parêntesis curvos (para introduzir notas e explicações do entrevistador às falas e seus contextos), [ ] parêntesis retos (para sobreposições de falas) (“ “) aspas (para as palavras pronunciadas de modo diferente do padrão), siglas ou algarismos (para indicar os falantes), itálico ou aspas (para representar o texto das falas transcritas), negrito ( para enfatizar). Mas é necessário descrever o porquê do uso desses sinais gráficos e expôr os critérios de transcrição, pois a entrevista é muito maior do que a sua transcrição. Por isso, definidos os critérios gráficos de transcrição, deverá apresentarse a sua descrição que, geralmente, é feita num quadro resumo, em anexo ao texto da transcrição. É conveniente que as falas transcritas, que podem ser apresentadas publicamente, ou lidas pelos entrevistados, recebam pequenos ajustes na grafia, pois, a experiência tem mostrado que expressões orais ao serem literalmente escritas como, por exemplo, alcançá (alcançar), tá (estar), vô (vou) não têm sido bem recebidas pelos próprios participantes ao fazerem a leitura da sua fala no material escrito. As entrevistas podem e devem ser editadas. Exceto quando se pretende fazer análise de discurso, frases excessivamente coloquiais, interjeições, repetições, falas incompletas, vícios de linguagem, erros gramaticais e ortográficos, devem ser corrigidos na transcrição editada. É importante, porém, manter uma versão original e uma versão editada de todas as transcrições [...] (DUARTE, 2004, p. 221). .

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4. CUIDADOS METODOLÓGICOS QUANTO À TRANSCRIÇÃO Um procedimento interessante, para quem está a entrevistar, é elaborar um diário de campo com anotações das ocorrências físicas e sociais, antes e, se possível, durante a entrevista. Também é possível anotar informações logo após a entrevista. Essas anotações ajudam à realização da transcrição e podem enriquecê-la. Um outro procedimento que pode auxiliar é iniciar a transcrição logo após a entrevista, pois as impressões e lembranças serão mais fáceis de serem acedidas, pois estarão vivas e presentes para o pesquisador. A forma de comprovar a fidedignidade de uma transcrição obedece aos procedimentos consagrados pela literatura. Esses procedimentos partem do princípio da concordância intra e interavaliadores. A transcrição e a gravação são fornecidas aos avaliadores para verificar a concordância. Também é possível esta ser realizada pelo próprio pesquisador. Um primeiro procedimento seria o investigador transcrever a gravação. Depois de uma semana, retoma a gravação e transcreve novamente. Comparar as duas transcrições. Se forem muito diferentes, terá de se corrigir a transcrição. Após a primeira transcrição, deve-se escutar de novo a gravação e corrigir, alterar e complementar a transcrição, com mais elementos. A maneira como a transcrição foi realizada deverá ser descrita em observações iniciais ou finais, para fornecer detalhes explicativos. Um segundo procedimento pode ser realizado com a transcrição por parte do pesquisador e por outra pessoa. As transcrições podem ser comparadas. Não é necessário que os avaliadores (em número ímpar e integrando o investigador) façam a transcrição de toda a gravação, mas só de alguns trechos para comprovar a concordância. Também é necessário que o avaliador tenha acesso às normas que estão sendo utilizadas. Depois é feita a comparação das três transcrições, se forem bastante semelhantes, a transcrição está fiel à gravação. Uma terceira maneira de verificar a concordância é entregar a gravação e a transcrição para uma outra pessoa escutar e checar os possíveis erros da transcrição, informando-a das normas que foram usadas para fazer a transcrição. Espera-se que a transcrição do investigador que tem um conhecimento mais abrangente do contexto da pesquisa esteja sempre melhor.

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REFERÊNCIAS ALBERTI, V. (1990) História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. BARDIN, L. (1977) Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. DUARTE, R. (2004) Entrevistas em pesquisa qualitativas. Curitiba, Educar, n. 24, p 213-225. MANZINI, Eduardo José – Considerações sobre a transcrição de entrevistas. Disponivel em www.oneesp.ufscar.br/texto_orientacao_transcricao_entrevista MARCUSCHI, L. A. (1986) Análise da conversação. São Paulo: Ática.

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Memรณria oral e histรณria local

PARTE 2 โ ข UM ARQUIVO ORAL

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Memória oral e história local

AS MEMÓRIAS DO VALE E DA LINHA DO TUA E DO DOURO Albano Viseu Investigador do CITCEM (U. Porto).

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s diferentes tempos e espaços não são vistos separadamente na lembrança dos sujeitos. O tempo é memória, o tempo é diferencial, o tempo são os momentos, o tempo é situar-se no passado. O passado é uma reconstrução e uma reinterpretação constante e uma parte importante dos documentos em relação ao passado próximo que ainda está por descobrir. As entrevistas de História Oral permitem explorar aspetos da experiência histórica raramente registados, tais como: as relações pessoais, a vida doméstica, a natureza de organizações clandestinas, as histórias de vida, as vivências, as instituições, as formas dinâmicas do fluir social, as relações entre os grupos humanos e as vertentes do seu desenvolvimento, os atropelos da liberdade, os sonhos e os sentimentos que marcaram gerações, os marcos significativos do desenvolvimento, de ação, de transformação e de mudança… A arte de lembrar é um ato profundamente pessoal e apenas os seres humanos são capazes de guardar lembranças, pelo que podemos falar em lugares e em objetos da memória. A memória é um processo individual que ocorre num meio social, daí a existência de memórias individuais compartilhadas. Para que o trabalho em História Oral seja bem-sucedido, deve haver uma ética 73


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da pesquisa, desde a forma de conduzir as entrevistas, até à ética da interpretação e à ética da transcrição. Para conhecer a história dos sujeitos que se relacionaram com o rio, com o vale e com a linha do Tua, e dado que existem poucos registos escritos, é fundamental fazer uma pesquisa, questionando as pessoas, para procurar o que sabem sobre a temática em perspetiva. Na sua trajetória de vida, cada indivíduo guarda apenas os eventos mais significativos e, por esse motivo, as narrativas históricas podem ser consideradas como uma versão entre outras possíveis. A história que se pode construir, a partir dos relatos das pessoas que vivenciaram o passado questionado, constitui um desafio interessante para os alunos e pressupõe uma partilha de conhecimentos e de visões. A memória reporta-se ao passado e realiza um recuo no tempo, como algo que se vai avivando a cada instante, como algo que nos liga à vida, porque se torna importante e essencial exercer um ato de rememoração para se compreender a mudança e o presente em que se vive. Ao recordar, fazem-se atualizações do passado que se remetem para o presente para se lhe encontrar um nexo, uma ligação e um sentido orientador. O passado é a partilha de uma realidade já vivida que se aloja na memória e se mantem nos horizontes da nossa identidade, como somos seres humanos conscientes e em mutação. Nesse transcurso, não poderemos esquecer que o exercício da memória também muda, porque fica condicionada pelo tempo que passa, pelas atualizações que a cada passo vamos fazendo sobre o passado e pelas afetações da memória, em consequência da dor, do sofrimento, da afronta, da doença, da divagação e do esquecimento. A realização de entrevistas tornou a pesquisa de informações dependente de várias vertentes: o entrevistado, o momento, o exercício de concentração e de reflexão e a disposição e a vontade em querer partilhar memórias. Os alunos do Projeto MemTua2, ao inquirir as pessoas, transmissoras de memórias, fizeram trazer à tona momentos, vivências e imagens de um passado que, se para uns foi significativo, pungente, heroico e construtor de um significado; para outros, traduziu-se em silêncio, sofrimento, pânico, dor, fuga, evasão e transtorno complacente. 74


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Os alunos e os professores preocuparam-se em arranjar transmissores de memórias, das Memórias da Linha e do Vale do Tua. E pode constatar-se, pela análise das recolhas conseguidas, que houve uma preocupação na escolha dos entrevistados: ferroviários (maquinistas, manobradores, chefes de estação, agulheiros, chefes de lanço, revisores, operários, mecânicos, eletricistas …), familiares de ferroviários e os utilizadores das linhas do Tua e do Douro. Quase todos se serviram do comboio, num tempo em que, apesar de ser lento, se tornou essencial como meio de transporte para quem ia estudar, cumprir o serviço militar, frequentar termas, consultar o médico, visitar familiares, comprar e vender produtos nas feiras, participar em festas e em romarias, passear, vender pão e produtos regionais, prestar serviços (taxista, …). Foi evocado, neste deambular pelo passado, um tempo em que os comboios andavam superlotados e em que se viviam algumas peripécias a bordo. O cenário do registo de memórias, individuais e coletivas, levou-nos a visitar um tempo transcorrido, vivido em terras do Vale do Tua e do Vale do Douro, onde as circunstâncias condicionaram o seu desenvolvimento, mas em que o comboio surgiu para modernizar, para movimentar e para as ligar ao país e ao mundo. A periferia abriu-se um pouco aos núcleos culturais atrativos e polarizadores de desenvolvimento e à economia de mercado. As localidades do território transmontano e alto-duriense beneficiaram, até ao momento em que a camionagem e as novas vias de comunicação aceleraram as suas ligações com o Porto, Coimbra, Lisboa, Pinhão, Lamego, Régua, Chaves e Vila Real, e em que tornaram antiquada e quase desnecessária a utilização da via-férrea no vale do Tua. Os serviços ganharam, durante o tempo em que a linha funcionou, ânimo e significado. Podemos, neste contexto, compreender o desenvolvimento do ensino, a fixação de quadros, o surgimento na região de novas atividades, novos serviços e novas profissões. A banca, os seguros, os serviços de saúde e da justiça, a administração local, as Câmaras e as juntas de freguesia, saíram beneficiados. A mobilidade das populações melhorou e a sua economia e as suas vivências aproximaram mais as localidades. 75


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As feiras tornaram-se polos de atração e de crescimento e dinamizaram a economia, a cultura e a vida das populações locais. As romarias ganharam entusiasmo e deram sentido a práticas ancestrais de religiosidade e a ritos e rituais que se foram perpetuando. Mantiveram-se quadros mentais e orientações de pessoas, em busca de informações para a sua constante ligação ao mundo do trabalho local, à economia, ao abastecimento de alimentos, essenciais e necessários, e à criação de um suporte, capaz de fixar e de dignificar a vida das populações. As feiras de Carrazeda de Ansiães, de Mirandela, de Vila Flor, de Bragança e de Macedo de Cavaleiros foram evocadas como projeção da vida regional e como locais de captação da vida social e de dinamização económica. Houve localidades que mais se desenvolveram, como: o Tua, o Cachão, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Bragança. A pesca nos dois rios, Tua e Douro, também foi mencionada, bem como a sua fauna e flora, as suas espécies autóctones (boga, barbo, escalo e enguia) e as novas espécies exóticas (achigã e lúcio) que povoaram as bacias hidrográficas e passaram a refletir alterações nos ecossistemas… As termas de S.Lourenço e de Carlão corresponderam à procura de soluções para problemas da saúde, pelo que foram igualmente recordadas. As pessoas acorriam a estes locais ou a pé, ou a cavalo, ou através do comboio. Houve pessoas que as acompanharam nesse trajeto e lhes levaram as malas ou lhes fizeram companhia. A animosidade de tais locais e os bailaricos ali realizados transformaram esses espaços em pontos de encontro da juventude e em locais em que os adultos procuraram tratar-se. Nesses espaços físicos da memória, despoletaram namoricos, amores, e amizades, que se tornaram consistentes para a vida. A população local, ao deslocar-se, através desta linha, deu vida a Mirandela, a Macedo de Cavaleiros, a Vila Flor, a Alijó, a Murça, a Carrazeda de Ansiães, a Bragança, ao Cachão e ao Tua. Mas também ganharam vida as aldeias e lugares servidos, quer por estações de menor monta, quer por apeadeiros que se tornaram meramente funcionais. O comboio da linha do Tua conduziu as pessoas para a linha do Douro, linha coletora, permitindo que se deslocassem, quer no sentido ascendente até ao Pocinho ou a Barca de Alva, quer no sentido descendente, até ao Pinhão, à Régua, a Lamego, ao Porto, a Coimbra e a Lisboa. As duas linhas conduziram igualmente as pessoas até outras vias reduzidas 76


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da época: a Linha do Sabor (Moncorvo, Mogadouro, Duas Igrejas, Miranda do Douro), a Linha do Corgo (Vila Real, Vila Pouca de Aguiar e Chaves) e a Linha do Tâmega (Livração, Amarante, Celorico de Basto, Mondim de Basto e Arco de Baúlhe): um fenómeno igualmente invocado pelos entrevistados. A linha do Tua percorre no seu trajeto dois espaços territoriais distintos: um mais plano, até Abreiro, e outro mais desnivelado, em que o V do Vale do Tua se encrava cada mais, se precipita e adensa, desde Abreiro, até ao Tua. Neste trajeto, o horrível de uma paisagem agreste e de um relevo hostil dá projeção à individualidade e causa admiração aos olhos e às almas que se esvaziam numa completa contemplação. É o sortilégio dos poetas e dos admiradores do encanto, perante uma miríade de sensações... A linha permitiu que nas margens do rio se fizesse o cultivo e houvesse acesso a algumas espécies vegetais. Com ela, melhorou a ligação ao mundo envolvente de populações de algumas localidades isoladas, permitiu o acesso ao rio e trouxe a valorização da sua fauna e da sua flora. As dificuldades do trajeto fizeram com que fossem colocadas duas máquinas a empurrar e a puxar os comboios, especialmente nos espaços em que o relevo condicionava e mais dificultava, quer na linha do Tua, quer nas Linhas do Corgo e do Sabor. Esta morosidade dificultava a deslocação dos seus utilizadores e a chegada atempada a suas casas, pelo que se muniam com lautas merendas, quando iam a consultas ou de visita a familiares que se encontravam a viver em outras localidades. A experiência, em relação às linhas mencionadas, comprova que uma viagem dessas podia ser mais demorada e, pelo facto, deviam ir prevenidos. A lentidão do comboio, que não ultrapassaria em alguns troços os 30 km de velocidade, permitiu que houvesse tempo suficiente para que se colhessem uvas, laranjas e figos e para que as pessoas voltassem a apanhar o comboio em movimento… O Tua, com a sua estação e a sua aldeia, ganhou importância como local em que se fazia a mudança das pessoas e o transbordo de mercadorias. A localidade cresceu e desenvolveu-se um pouco, em torno das quintas do Douro e de três vertentes: a linha, os serviços e a estação de comboios.

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Pessoas de outros locais do país fixaram-se no Tua para trabalhar na linha, nas oficinas de manutenção, no transbordo de mercadorias e na estação. A dinamização da vida local passou pela valorização da panificação, das padarias, e pela venda de produtos agrícolas na estação e nos estabelecimentos comerciais locais. Recorda-se ainda a dinâmica de uma tasca e de um pequeno restaurante que foi crescendo com o tempo … As pessoas entrevistadas referiram o nome de apeadeiros e estações da linha do Tua e projetaram as suas memórias, em torno do seu movimento. Referiram também a venda de pão, água fresca e frutos da região na estação do Tua; de água fresca, em bilha de barro; e, de rebuçados, na Régua e de regueifa no Tua e em Valongo … Os momentos históricos da vida nacional projetaram as memórias, em torno de ocorrências significativas marcantes: as que deram vida ao comboio, aos seus equipamentos e às suas unidades de suporte (estações, apeadeiros, depósitos de água, armazéns de mercadorias…); as incorporações no serviço militar; o cumprimento da recruta; a ida para a I Grande Guerra e para a Guerra Colonial; a crise económica do pós-guerra, as contenções e o racionamento, a fome e a miséria; o negócio do volfrâmio; a partida para as migrações internas e para a emigração; a falta de trabalho e a procura de melhores condições de vida; a utilização da linha por personalidades ilustres: o rei D. Luís e a família real, os presidentes da república Américo Tomás (linha do Douro), Mário Soares, e outros… A falta de condições de vida levou as pessoas a trilhar os caminhos existentes e as fracas estradas que havia: ia-se a pé para as estações e apeadeiros ou a cavalo. Os táxis eram muito caros e a camionagem só a custo se foi impondo e tornando mais funcional … Os entrevistados referiram-se também ao ambiente vivido a bordo do comboio: a apatia e a postura do silêncio; a conversa, a troca de opiniões, as amizades e os namoricos que nasciam; o estreitamento de relações sociais; o debate em torno da vida agrícola e social da região (o preço dos produtos agrícolas; o pagamento de tarefas e de jeiras; as ceifas; as vindimas e a apanha da azeitona; a venda do azeite; a ida a feiras e a romarias …); a contemplação da paisagem e do trajeto; o tempo para a leitura; o deambular pelo comboio para falar com um amigo, um conhecido, para ir à casa de banho, ou para ir comer algo ao va-

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gão-restaurante, quando o havia; os comboios a vapor e as faúlhas; o negrume causado nas pessoas pelo carvão… Um maquinista da linha do Tua defendeu a aposta na continuidade do trajeto, entre Mirandela e Bragança, por ser mais plano, menos difícil de fazer e por ter uma relativa importância turística, e o consequente encerramento do troço mais sinuoso e mais acidentado. Ficou estabelecida a semelhança levantada pelas dificuldades do relevo à circulação dos comboios nas outras linhas da região, como já foi mencionado: Corgo e Sabor… Os entrevistados referiram o transporte de pessoas: um número considerável, porque se tornou num transporte necessário, numa época em que havia poucos automóveis, as estradas eram fracas e sinuosas, os táxis eram caros e a camionagem tinha fracos horários, pouco compatíveis com a vida das populações, e havia poucas ligações. Nos anos 60 e 70, os entrevistados assistiram a uma viragem: as estradas existentes melhoraram um pouco; as viagens de comboio da linha do Douro tornaram-se mais rápidas com o aparecimento da automotora, movida a diesel, e com o aumento do número de comboios em circulação; a realização de obras de melhoramento na linha do Tua; a introdução do automóvel na vida das famílias, cujo poder aquisitivo foi melhorando. Mais tarde, a construção do IP4 e a reorganização da camionagem veio dar uma machadada final na linha. A vida das pessoas ganhou outro sentido com a aceleração do tempo e com a diminuição da duração do percurso que passou a ligá-las ao litoral ou a outras localidades. Nos últimos tempos, já só transitava por esta via o pessoal da CP e os prejuízos consideráveis foram-se avolumando, devido à falta de manutenção da linha, ao apodrecimento do seu material, à deterioração das máquinas e dos equipamentos e à aposta em material circulante, desadaptado à linha e ao seu percurso. A não modernização da linha e a não agilização das viagens, através desta via, lançaram o seu abandono e, ultimamente, o seu encerramento. As pessoas entrevistadas referiram também a utilidade da linha para o transporte de mercadorias e para a criação de dinâmicas ao comércio local: o movimento ascendente de adubos, carvão, cimento e ferro para a construção civil 79


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e para animar o comércio local e descendente de cereais, azeite, cortiça, fruta, fumeiro… Este movimento possibilitou algum desenvolvimento da região, em consequência do funcionamento de projetos: no Cachão (CAICA), no Romeu (Casa Menéres), em Mirandela (CUF, oficinas da CP, a SAPEC, organismos públicos, …). Em Macedo de Cavaleiros, Bragança, Carrazeda de Ansiães, Alijó, Murça e Vila Flor, esses projetos estiveram também ligados, não só à receção de adubos, de matérias-primas e equipamentos agrícolas, mas também à venda e escoamento de cereais e de farinhas e à criação de gado, com a exploração dos respetivos recursos (leite, queijo, peles; fruta; vinho; azeite, cereais…) O transbordo no Tua levantou problemas à canalização da produção e à captação de matérias-primas, não só às empresas – CUF (Mirandela); Sociedade Clemente Menéres, Lda., (Romeu); Complexo Agroindustrial do Cachão (Cachão) –, como também aos comerciantes, aos silos, aos agricultores e às cooperativas de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Mogadouro, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça, Alijó, Bragança... A falta de cuidado no trespasso das mercadorias danificava os produtos e as matérias-primas, tornava moroso o processo e a chegada destas espécies aos mercados de consumo, fazendo com que fossem mais caros. A CUF tentou uma solução com a instalação no Tua de um sem-fim, de um monta-cargas, e passou a transportar a sua produção e as matérias-primas em camiões da empresa; o CAICA utilizou um serviço de camionagem alternativo ao comboio, e próprio, e desviou o transporte de adubos para o Pocinho, construindo um armazém na Vilariça para sua posterior distribuição pela região; a Sociedade Clemente Menéres, Lda., tentou vigiar o aumento das tarifas, observar as exigências da CP, em relação às quantidades transportadas, à carga de espécies e aos preços praticados, e pediu vagões, ajustados ao transporte da cortiça, essencialmente. A linha conservou a mesma bitola reduzida, o que ilustra que nunca foi dada razão a estas empresas para que a via fosse alargada e ajustada à linha do Douro e às necessidades advenientes … O turismo foi pouco aproveitado, pois, após os anos 60, os turistas começaram a visitar a região para contemplar as suas belezas naturais e paisagísticas, o trajeto da linha de caminho de ferro, as vertentes do Douro e do Tua, e frequentar as suas feiras, festas e romarias. 80


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A aposta na valorização do turismo, como fonte de riqueza, foi lenta e desadaptada às necessidades da região e ao enriquecimento de um setor que só mais tarde, já nos nossos dias, deu alguns resultados, após o momento em que o Alto Douro se tornou uma riqueza e foi reconhecido como Património Natural da Humanidade. Há empresas que se dedicam à exploração dos recursos da região, para fomentar o turismo, e quintas que dinamizam atividades, em torno da vinha e do vinho. As memórias, a bordo do comboio, foram igualmente evocadas: canções que se aprendiam ou se cantavam; danças proporcionadas pelo comboio; conversas sobre a vida local, nacional e mundial; a ida ao médico, a determinados locais: Mirandela, Pinhão, Régua, Lamego, Porto, Coimbra, Lisboa; a frequência das escolas, de seminários e de universidades e o crescimento de Moncorvo, Mirandela, Chaves, Vila Real e Bragança, ligado ao fomento da educação e do ensino; a ligação entre as várias localidades e os quartéis de cumprimento da recruta; as idas para a Guerra Colonial; as saídas para a emigração e para as migrações internas; a libertação de uma vida de misérias; a troca de práticas e de ensinamentos, ligados à medicina popular, a rezas, a ritos e a rituais; a utilização da aguardente, da linhaça, da cebola, do linho, do vinho e de outros produtos da flora local, adaptados às necessidades de tratamento e à tentativa de cura das populações. O comboio foi utilizado para o acesso a serviços de saúde e da educação e transportou, em macas e vagões apropriados, pessoas para os hospitais do Porto, de Coimbra e de Lisboa. O comboio transportou o correio e as encomendas… Os entrevistados recordaram como era feita a distribuição do correio nas aldeias e como eram escassos os telefones no mundo rural. As ligações telefónicas da época eram demoradas e estabelecidas através de centrais telefónicas. Havia um telefone público num determinado local de cada aldeia e de cada vila e cidade. As estações e os apeadeiros tornaram-se valorizados e ganharam uma projeção nas memórias de quem as recordou, porque viveu de perto os seus fenómenos de funcionamento, manutenção, crescimento e estagnação, e os recordou por herança. Ganharam importância, neste contexto, as estações e os apeadeiros da linha do Tua (Tua, S.Lourenço, Amieiro, Brunheda, Abreiro, Vilarinho, Ca81


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chão, Mirandela, Romeu, Cortiços, Macedo, Sendas, Rossas, Bragança) e da linha do Douro (Tua, Pinhão e Régua). As pessoas recordaram as estações, os produtos comercializados e o movimento de estações com maior movimento como: o Tua, Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Bragança; Pocinho; Régua; Livração; Valongo; Ermesinde; Campanhã e S.Bento. As pessoas não ficaram indiferentes aos acidentes, às mortes e aos descarrilamentos verificados na linha do Tua, ao longo do seu trajeto. O eco retumbante de tempos idos chegou até nós, de tempos em que eram vendidos os produtos, como as alheiras de Mirandela e os figos de Carlão, além dos azeites, dos vinhos, da fruta e dos minérios da região… No seu conjunto, foram avivadas memórias vividas e memórias partilhadas. Os horizontes do encontro com a memória, com o repositório de abrangências e do reavivar de outros tempos, mostra-nos como é importante o trabalho realizado. Os passos dados foram os possíveis, num terreno incerto, em que alguns entrevistados pouco se abriram ao recordar, apenas evocando o que, naquele momento, lhes vinha à mente, em que a evocação causou muitas vezes dor e sofrimento, e desvio da abordagem, em que não foram muito aprofundados pelo entrevistador alguns assuntos que poderiam ser mais ricos e consistentes, em que não se procurou uma preparação prévia de algumas entrevistas, em que as falhas de memória e o esquecimento estiveram presentes e muitas vezes provocadas pela pressão e pela presença de uma câmara que os pode ter inibido… Estas e outras razões tornam necessário que se continue este trabalho de reconstrução de memórias para, com o constructo, se constituir um acervo documental que proporcione aos investigadores o alargamento do seu campo de investigação e para que se constitua o Museu da Memória das Gentes e das Terras do Vale do Tua.

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SUMÁRIOS

10º ANO, TURMA A ALIJÓ AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ALIJÓ 10º ANO, TURMA A 02 Laura Ribeiro / António Leite (video 3:17m) Uma entrevista a António Leite, empresário nascido no Pinhão. Apesar de ter trabalhado numa firma de vinho do Porto, sempre se dedicou à pesca. Recordanos as dificuldades que teve de enfrentar no rio Douro, algumas técnicas de pesca e a venda do peixe.

01 André Vieira / Jacinta Monteiro (video 9:57m) Uma entrevista entre avó e neta (n.1945), com muitas histórias: tirou o curso de enfermagem depois duma juventude entre os trabalhos agrícolas, em Parada (Alfândega da Fé), emigrou para Moçambique, retornada em 1975 regressou às terras de origem. Aposentada como enfermeira, inicia nova vida como padeira quando a vida se complicou.

03 Maria Silva / Paulo Silva (video 4:52m) Uma entrevista a um empresário de terraplanagem, natural de Carlão, que parti-

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lha as suas memórias sobre as viagens de comboio inesquecíveis, quer na linha do Tua, quer na do Douro, a paisagem magnífica do seu entorno (rio Tua e rio Douro) e os momentos de pesca abundante. 06 Lara Carvalho / Alfredo Jesus (video 2:01m) Uma entrevista a um enfermeiro militar da Força Aérea que partiu para a Guerra Colonial, em 1961, sobre a reconstituição de algumas memórias vividas em Luanda, Coto e Negage, locais onde prestou o serviço militar.

04 Diana Silva / Alípio Alves (video 4:34m) Entrevista a um funcionário do Agrupamento de Escolas de Alijó que refere com saudade as suas memórias sobre a Alijó do tempo da sua juventude, em que a população se dedicava mais à agricultura e aos serviços públicos, e as viagens que fez de comboio, entre o Tua e o Pinhão, para tratar da saúde e por questões de lazer.

07 Júlia Bernardo / José Bernardo (video 5:10m) Uma entrevista a um trabalhador agrícola de Vale de Mendiz, que recorda as viagens de comboio em trabalho e em passeio e as diferenças na cultura da vinha e nos trabalhos agrícolas na sua juventude e nos tempos atuais: as vindimas, a apanha da azeitona, a arranca da batata que se colhia para consumo próprio.

05 Maria Silva / Joaquim Pêra (video 7:49m) Um valioso testemunho de quem sempre se dedicou à pesca nas margens do rio Tua, aproveitando os seus tempos livres. Fala-nos sobre este rio, seu rio de elite: a sua fauna piscícola (boga, enguia, escalo), as novas espécies exóticas, o convívio com as lontras, as técnicas de pesca, e as sensações de momentos vividos que o tornaram um amante da natureza e um apreciador do sossego.

08 Lara Carvalho / Agostinho Carvalho (video 1:59m)

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O entrevistado recorda os verões da sua infância e de seus primos, cheios de peripécias e de brincadeiras, vividos durante as férias no rio Douro. Rememoração dos tempos de pesca de seu avô, pescador profissional, e das tarefas do amanho, da escolha e da venda de peixe.

11 Hélder Morais / José Morais (video 2:51m) O entrevistado recorda a sua presença na Guerra colonial em África, na Guiné, entre 1967 e 1969: a viagem para a Guiné, o clima, a alimentação, os perigos a enfrentar, os mortos caídos em combate e as saudades que teve de enfrentar.

09 Daniela Gouveia / António Gouveia (video 1:28m) O entrevistado recorda as viagens pedestres que realizou, entre as termas de S.Lourenço até ao Tua, como forma de viajar e de passar o seu tempo livre. E caracteriza as pessoas transmontanas que utilizavam o comboio da linha do Tua como “simples e simpáticas”.

12 Hélder Morais / Jorge Laiginhas (video 6:13m) Este escritor, natural de Safres, uma aldeia ribeirinha do Tua, recorda as memórias da sua infância e da sua adolescência, relacionadas com a Linha e com o rio Tua. Queria “fugir” dali, realizar viagens, e o comboio poderia realizar esse desejo. A dicotomia do amor/ódio à solidão do rio Tua e a construção de uma identidade fortemente ligada à região e às memórias vividas que perduram no tempo.

10 Carlos Macedo / Fernando Ribeiro (video 3:06m) Nesta entrevista, o entrevistado recorda algumas peripécias da Guerra Colonial: a partida para Angola, os cuidados a observar, quando em campanha, no mato, a luta pela sobrevivência e a espera pela rendição.

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transporte de pessoas e de mercadorias, o crescimento de Foz Tua, as paragens dos comboios para abastecimento de água, as etapas da sua carreira até chegar a chefe de estação e uma causa para o encerramento da linha.

11º ANO, TURMA C

13 Francisco Correia / Albano Pereira (video 15:15m) Este ferroviário recorda-nos alguns momentos da sua vida: o movimento dos comboios do Tua, a colaboração nas obras da Linha e as peripécias de trabalho, a ida para a Guerra Colonial, e o trabalho que prestou na estação de S.Lourenço, onde passou a lua-de-mel, na Brunheda, onde recorda a neve, no Cachão e em Mirandela. Lamenta encerramento da Linha.

15 Helena Narciso / Orlando Felix (video 5:59m) Apesar de natural da Lousa (Moncorvo), radicou-se em Alijó e recorda que foi um utente habitual da linha do Tua, quando estudante em Bragança, nos anos 1960. Por isso, fala sobre as viagens “muito divertidas” entre o Tua e Bragança, no não cumprimento dos horários, nos problemas causados pelos comboios e recorda os familiares emigrados.

14 Joana Garcia / Fernando Quintas (video 14:35m) Este ferroviário, natural do Amieiro, reconhece que a linha do Tua foi a mais importante via do Nordeste Transmontano e um fator do seu desenvolvimento. Recorda a história da sua construção e dos galegos envolvidos nessa tarefa, acabando muitos deles por se fixar em terras ao longo da linha, como no Amieiro, o serviço do cantonamento telefónico, a tração a vapor e os operacionais, o funcionamento a lenha da máquina a vapor, durante a II Guerra Mundial, o

16 Ana Veiga / Natalina Alves (video 3:16m) Esta professora recorda o tempo que viveu como bombeira voluntária e os momentos em que participou em missões de resgate das vítimas dos descarrilamentos da linha do Tua nos acidentes de 2007 e de 2008: as buscas de resgate das pes-

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soas mortas e vivas, a presença de turistas ingleses nesses comboios e o hospital de campanha. 12º ANO, TURMA B 19 Francisco Sousa / Mário Vaz (video 2:57m) O entrevistado evoca as memórias de um tempo que construiu na sua infância sobre o comboio do Tua, onde os pais tinham propriedades nas suas margens, onde chegou a pescar, e recorda a história de um senhor que ia regar as laranjeiras com um motor colocado no rio Tua e de outro que afirmava que havia mexilhões no rio Tua.

17 Cláudia Fonseca / José Ribeiro (video 5:08m) As memórias deste professor estão muito ligadas a S.Mamede de Riba Tua. Recorda nesta entrevista os tempos em que utilizou o comboio da Linha do Douro como passageiro, a pesca no rio Tua, os laranjais de S. Mamede, no Rio Tua, a emigração para África, as máquinas de comboio a carvão na linha do Tua e a nostalgia desta Linha.

20 Sofia Grácio / Abílio Evaristo (video 2:28m) O entrevistado recorda as viagens que realizou na Linha do Douro, nas suas deslocações até ao Porto, servindo-se dos seguintes meios de transporte: o comboio a vapor e deslocação a pé.

18 Armando Carvalho / Manuel Raio (video 3:45m) Este auxiliar de acção educativa recorda os passeios e aventuras de infância no rio Tua para se divertirem, das suas viagens nesta linha e das conversas a bordo, sobre a Guerra Colonial e considera que uma viagem de comboio na Linha do Douro dessa época era muito morosa.

21 Ana Praça / António Pinto da Rocha (video 8:01m) Este professor e investigador local recorda a sua infância ligada ao Rio Tua e à 87


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pesca das enguias. Reconhece que o rio foi mais importante que a linha do Tua e que a Linha do Douro retirou alguma centralidade de S. Mamede de Riba Tua e levou os seus habitantes. Recordou a sua linha de investigação e de escrita sobre o traje, as alcunhas, as barcas de passagem do Tua…

24 Armando Carvalho / Maria Pimentel (video 6:32m) A entrevistada reconhece a importância dos rios Douro e Tua sobre a agricultura, a criação de empregos e o desenvolvimento da região. Reconhece a importância do comboio para a região, muito usado há 50 anos. Recorda as condições do ensino em Portugal no tempo em que iniciou a sua atividade docente e alude um episódio vivido na travessia do Douro numa passagem de ano.

22 Ana Ribeiro / Jacinta Monteiro (video 4:98m) A entrevistada recordou as viagens de comboio e que em Ria Tua havia uma barca de passagem e que as pessoas que a utilizavam iam rezar a umas alminhas, a fim de conseguirem ter uma boa travessia.

25 Cláudia Fonseca / Arlindo Pinto (video 5:16m) As memórias levantadas nesta entrevista incidem sobre vários aspectos: como eram os comboios de outros tempos, o comboio a carvão; o pitoresco das longas viagens na linha do Douro, viagens longas, que soube apreciar, quando frequentou um colégio como interno e quando cumpriu o serviço militar.

23 Armando Carvalho / Abílio Evaristo (video 6:31m, texto) O entrevistado foi utente frequente do comboio do Tua como estudante e como militar, pelo que recorda as suas viagens, desde a Ribeirinha, apeadeiro da linha do Tua, até ao Porto. Evoca também as suas memórias de criança, quando os romeiros se dirigiam a pé até ao monte da N.ª S.ª da Assunção, no dia 15 de Agosto, para cumprir promessas e para prestar o culto da sua devoção.

26 Cláudia Fonseca / José Pimentel (video 6:16m) 88


Memória oral e história local

Este proprietário agrícola recorda o seu nascimento numa ambulância, no dia em que esta entrava ao serviço, as alterações sofridas pela vinha e pelos trabalhos agrícolas na região, os passatempos da sua meninice, a frequência das termas de S. Lourenço e a dificuldade das viagens de outros tempos.

da na linha do Tua e refere as sensações vividas nessa viagem maravilhosa até Mirandela onde realizaram um piquenique e brincaram à beira do rio Tua.

29 Cátia Almeida / José Almeida (video 5:39m) O entrevistado recorda o tempo em que assentou praça, a sua partida para a Guerra Colonial na Guiné e os momentos difíceis quando que viveu no mato. Evoca também a sua emigração para a Alemanha e as dificuldades de adaptação que sentiu.

27 Cláudia Fonseca / Laura Carvalho (video 6:08m) A entrevistada recorda os passatempos da sua meninice, numa época em que a vida era tão diferente da de hoje, a utilização do comboio da Linha do Douro para ir ao médico e a venda de pão nas povoações da linha do Tua. Revela um episódio ficcionado inventado pelo pai, sobre a queda da ponte do Rio Tua, num dia em que chegara muito tarde a casa.

3º ANO, CURSO PROFISSIONAL TÉCNICO DE TURISMO

2º ANO, CURSO PROFISSIONAL TÉCNICO DE TURISMO

30 Adelaide Silvino / Elsa Alves (video 3:07m) A entrevistada recorda a importância do comboio para a mobilidade das pessoas da região, em outros tempos atrás, e conta um episódio vivido por ela, pelos irmãos e pelo pai, numa viagem realizada na Linha do Douro e do apoio que receberam para solucionar o problema que tiveram de enfrentar.

28 Cátia Almeida / Elisabete Machado (video 2:31m) A entrevistada recorda a sua primeira viagem de comboio na sua infância vivi89


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tanheira, Carrazeda de Ansiães (a venda, o contrabando) e de Mirandela. Recorda algumas viagens de comboio, as rezas e mezinhas para tentar combater as doenças num tempo de dificuldades económicas e manifestou uma grande tristeza pelo encerramento da linha do Tua.

CARRAZEDA DE ANSIÃES AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CARRAZEDA DE ANSIÃES 10º ANO, TURMA A

01 Ana Morais / Manuel Patricio (video 13:32m) Este mecânico de comboios foi trabalhar para a CP em 1981 e fala sobre a assistência necessária a dar às máquinas e aos vagões. Recorda a sua 1.ª viagem de comboio, quando tinha 10 anos, entre Brunheda e a Ribeirinha; o comboio como meio de transporte essencial no apoio às várias actividades agrícolas, no transporte de pessoas (as viagens aos fins-de-semana; o convívio, as conversas…), do correio, de mercadorias, no escoamento da produção local e no desenvolvimento do turismo. Apresenta a sua opinião sobre o encerramento da linha.

03 Arthur Palhares / José Santos (video 3:20m) Natural de Foz Tua, utilizou muitas vezes a linha do Tua e considera as viagens de comboio (a vapor e a diesel) “bastantes seguras nas quais as pessoas conseguem conversar e contar peripécias”. Quando ia à feira de Mirandela, apreciava a paisagem, divertia-se e fazia amizades. Recorda as derrocadas e os acidentes da linha.

04 Catarina Santos / Inocêncio Augusto (video 4:12m) Recorda a sua aldeia natal, Vilarinho da Castanheira, no tempo em que frequentou a escola primária, o modo de vida das pessoas, as deslocações a pé ou de burro até Carrazeda de Ansiães. Utilizou muitas vezes o comboio, a partir de 1955, altura em que realizou a sua pri-

02 André Martins / Maria Celeste (video 09:13m) Abordagem, sobre as feiras como lugares de compra e venda de produtos, de convívio e de socialização: Vilarinho da Cas90


Memória oral e história local

meira viagem. Foi para a tropa em 1957. Conta uma peripécia vivida no comboio com o revisor, por causa do bilhete.

tância da estação do Tua e dos serviços nela prestados, quer à linha do Douro, quer à do Tua. Recorda a lentidão e os atrasos verificados nas viagens de comboio. Opinião sobre o encerramento da linha do Tua e sobre a construção da barragem do Tua.

05 Daniel Ribeiro / Isabel Loureiro (video 6:17m) Recorda as viagens na linha do Tua até Mirandela para visitar as filhas ou ir a consultas e que nessas viagens se arranjaram namoricos e se fizeram amizades. Sobre a sua aldeia, Beira Grande, recorda o posto público onde se podia telefonar; o correio lido em voz alta no adro da igreja; os divertimentos no Carnaval; a cultura do linho; as dificuldades de se deslocarem até Carrazeda e de terem acesso à saúde e à educação. Esteve em Angola.

07 Francisco Guerra / Maria Alves (video 3:22m) Utilizou o comboio, nas ligações entre os Pereiros e Mirandela, quando ali vivia e ia ao médico, e, mais tarde, sempre que visitava a aldeia. Recorda as viagens de comboio desses tempos e a sua importância para transportar pessoas e mercadorias. Fala sobre o posto público da aldeia, a distribuição do correio e as cartas ditadas. Guarda memórias das dificuldades e da fome de outros tempos.

06 Maria Carvalho / António Carvalho (video 18:49m) A entrevista aborda um tempo em que funcionou em Carrazeda de Ansiães o Grémio da Lavoura e o apoio prestado aos agricultores e às suas actividades: a recolha e escoamento da produção; a preparação para lidar com as alfaias agrícolas e maquinaria; a captação e distribuição de adubos e sementes. Impor-

08 Francisco Meireles / Srª Isaura (video 18:14m) A entrevistada usava o comboio como meio de transporte, porque havia “poucos carros e carreiras para Mirandela e para Bragança e ia-se mais barato e bem” ao médico. Descreve o rio e as suas cachoeiras e o ambiente a bordo do com-

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boio. Recorda que transportava pessoas para as ceifas, para a emigração, trazia novidades, a informação, o correio, as pessoas e as mercadorias e reconhece que o comboio faz mais falta às populações que a barragem em construção. Como padeira, vendia pão à estação de Foz Tua e às povoações da Linha até Bragança. Fala sobre as termas de S.Lourenço e da falta que o comboio faz para transportar animais, adubos, pessoas, turistas, e mercadorias em gera. Criticando a barragem.

de as viagens, a solidariedade ferroviária existente entre todos os colegas de trabalho, os telefones a manivela que pediam e autorizavam a circulação dos comboios entre as estações, o apoio prestado pelo comboio ao turismo, aponta vantagens e desvantagens do encerramento da linha do Tua e emite uma opinião crítica.

11 Marta Magalhães / José Magalhães (video 19:09m) Viajou nas linhas do Douro e do Tua e deslocou-se várias vezes ao estrangeiro. Recorda os comboios sem aquecimento, as pessoas que se ficavam a conhecer nas viagens e como passavam o tempo, as epidemias que as pessoas sofriam e as calamidades que atingiam a agricultura. Fala sobre a vida difícil de um tempo em que se andava muito a pé, se fazia a criação de animais para vender na feira de Carrazeda de Ansiães, se trabalhava a terra de sol a sol com grande esforço humano e com a ajuda de animais. Emigrou para França, a salto, para fazer face às dificuldades da vida.

09 João Mesquita / Fátima Borges (video 1:38m) Realizou uma única viagem de comboio na linha do Tua para mostrar a paisagem do Vale do Tua e a Linha a uns familiares. É contra o encerramento de uma linha centenária, em que o ambiente era fabuloso e a paisagem muito bela.

10 Lúcia Matos / Fernando dos Anjos (video 18:25m) Maquinista da Linha Tua, entre 1972 e 2000, viajou imensas vezes nesta linha e fala sobre o movimento de mercadorias e passageiros que a caracterizou e sobre o transbordo no Tua. Recorda com sauda-

12 Patrícia Castro / Cidália Castro (video 15:57m) 92


Memória oral e história local

Utilizava o comboio habitualmente para ir ao médico ou visitar familiares que se encontravam longe, pelo que fala sobre o ambiente dessas viagens e a forma de passar o tempo (ler, apreciar a paisagem, conversar): viagens longas, cansativas e desconfortáveis. Recorda familiares que emigraram e conterrâneos seus que foram viver para terras do litoral, à procura de melhores condições de vida e as viagens do pai para fazer a recruta e do que passou na guerra colonial. Fala sobre dinâmicas regionais (trabalhos agrícolas; feiras; criação e transporte de gado) e sobre elementos representantes do património imaterial da região.

Os entrevistados revelam as suas memórias em relação ao comboio, única saída da sua aldeia, Mogo, para o mundo, a vida na aldeia e a sua estadia em França para onde emigrou este casal. Maria José ia com a mãe para as termas de S. Lourenço e fala sobre o movimento das termas, como era o comboio, como eram passadas as viagens. São também referidos os produtos despachados nesta linha, o acesso às feiras, os produtos ali transaccionados e a sua importância na dinamização da economia regional.

15 Vanessa Barros / António Resende (video 11:06m) Reconhece que a linha do Tua facilitava a vida à população. Utilizou esta ligação para ir a consultas médicas a Mirandela e recorda o convívio e as conversas entre as pessoas nessas viagens, viagens essas que eram mais baratas e mais calmas. Recorda os produtos que o comboio levava e divulgava ao resto do país: a alheira, o azeite, a batata, o vinho, a castanha… Critica o encerramento da linha.

13 Telmo Seixas / José Russo (video 09:45m) O entrevistado, antigo chefe de estação do Tua, descreve esta linha, referindo as suas estações e apeadeiros, o movimento de pessoas e de mercadorias, a concorrência da camionagem, as causas da sua desactivação, as viagens que realizou, a natureza virgem de algumas terras do Vale do Tua e as categorias da carreira ferroviária.

14 Valéria Lopes / Maria Borges e Joaquim Borges (video 11:15m) 93


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sua aldeia. Reaviva memórias que sua avó lhe contava sobre as dificuldades trazidas pela 2.ª Grande Guerra (o contrabando, a fome) e fala sobre os tempos difíceis da sua infância, sobre as cartas ditadas e sobre os poucos telefones que existiam na sua aldeia.

10º ANO, TURMA B

16 Andrea Campos / Eulália Rodrigues (video 2:46m) A entrevistada fala sobre o movimento que os comboios imprimiam à estação do Tua: as mulheres apregoavam o pão fresco, a regueifa, os doces, as bebidas. Apesar de tudo, Foz Tua era uma aldeia sossegada. Considera que devia haver maior movimento turístico neste local. Utilizou a linha do Douro, pois teve de ir muitas vezes até ao Porto, pelo que fala sobre a linha e sobre a paisagem.

18 Inês Santos / Maria Marques (video 4:22m) A entrevistada utilizou o comboio da linha do Tua para ir a consultas a Mirandela, onde ia com frequência, e para fazer compras, pelo que recorda como eram essas viagens, o ambiente no comboio e o aparecimento de turistas.

17 Ema Pinto / Maria Margarida Almeida (video 16:51m) A entrevistada fala sobre as suas memórias em relação à dificuldade de acesso da sua aldeia, Codeçais, até Carrazeda e que o maior movimento que se estabelecia era com Mirandela: ida às feiras, venda de animais de criação e da produção agrícola; compra de artigos necessários; ida ao médico, continuação de estudos…Recorda o ambiente do comboio (as conversas, o convívio) e sente saudades desse tempo e do movimento que animava a estação de comboios da

19 Miguel Anjos / Manuel Anjos (video 4:33m) Este trabalhador ferroviário de Campelos, encarregado da via, fala sobre o ambiente no comboio, o rio e a paisagem e o teor de algumas conversas dos passageiros. Recorda como eram vividas as vindimas e a apanha da azeitona na região e conta uma lenda sobre o comboio. Emite uma opinião crítica sobre o fecho da linha do Tua e fala sobre a tragédia 94


Memória oral e história local

que, quanto ele, terá motivado tal encerramento.

22 Telma Almeida / Luis Almeida (video 2:07m) Este antigo taxista, fala sobre o tempo em que transportava pessoas, em que havia momentos de conversa agradáveis, em que transportava emigrantes que chegavam ou que partiam do Tua. Recorda os tempos em que se passou fome, em que muita gente não tinha nada para comer, das dificuldades vividas na região, e sobre o encerramento da linha do Tua, pois considera que ultimamente não era rentável dado o escasso número de passageiros que a utilizavam.

20 Rita Pinto / Felicidade Lopes (video 12:31m) Esta nonagenária recorda o comboio a vapor, os incêndios provocados pelas faúlhas, a ajuda prestada pela população para combater os incêndios, o ambiente nas viagens de comboio e a natureza em volta da linha. Nas memórias de um tempo que se fez história, fala sobre a fome e o racionamento de bens alimentares na região do Vale do Tua.

21 Tatiana Carvalho / Luciano Jerónimo (video 3:42m) Na sua carreira de ferroviário, o entrevistado recorda que foi assentador, guarda-freio, factor e, ultimamente, revisor; frisa que, na falta de outro tipo de transporte que lhe fizesse concorrência (camionagem, carro próprio), o comboio chegou a transportar muitos passageiros, as bagagens, animais e mercadorias; recorda o tempo em que existiam três classes no transporte de passageiros, os atrasos que sofriam os comboios e o tempo em que ainda passava os bilhetes como revisor à luz de lanterna.

23 Liliana Loureiro / Maria Rosário Lopes (video 2:31m) Recorda algumas viagens que realizou de comboio na linha do Douro, indo apanhar este meio de transporte ao Tua, pois é natural do Amedo, que a viagem é muito bonita pelo enquadramento natural e pela paisagem visionada que descreve de uma forma genérica.

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24 Fábio Moura / Luis Gonçalves (video 2:46m) Este trabalhador da CP recorda que a linha do Tua tinha muito movimento, na altura em que os soldados a utilizavam, quando faziam a tropa, e quando os estudantes iam estudar e frisa que ultimamente já tal se não verificava. Nessa época, o ambiente no comboio era de fraternidade e de alegria.

26 Jorge Marques / José Eduardo (video 3:38m) As condições em que se viajava na linha do Tua e as memórias retidas pelo entrevistado, destacando um episódio de viagem que o tenha marcado (jovem apaixonado recorda um amor que se cimentou em passeio escolar e que marcou para sempre a sua memória). O ambiente humano da viagem e o ambiente de inspiração e de paz transmitido pela beleza da paisagem. As saudades dessas viagens.

11º ANO, TURMA A

25 Catarina Cruz / Ana Cruz (video 3:03m) Memórias de viagens de comboio na infância: de Carrazeda ao Tua e do Tua a Mirandela em passeio. Descrição do ambiente da viagem e a partilha de conversas, memórias e opiniões. A paisagem natural inesquecível e a “paisagem humana” construída com a maneira de ser e de reagir das pessoas do Vale do Tua.

27 Raquel Matos / Jerónimo Matos (video 3:56m) A utilização do comboio no cumprimento do serviço militar e o ambiente do encontro com outros colegas ao longo da viagem: o ambiente do comboio, a viagem, o aproveitamento do comboio para dormir, para descansar e para conversar num tempo em que os comboios andavam cheios e a abarrotar de passageiros.

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Memória oral e história local

as madrinhas de guerra dos soldados da Guerra Colonial, o mercado do volfrâmio, o contrabando, as feiras de Carrazeda de Ansiães, as mercearias, a falta de condições de vida e o acesso à saúde e à educação (as mezinhas, as rezas e os remédios caseiros…), as deslocações a pé ou no dorso de um animal, o movimento da estação do Tua e o crescimento desta aldeia, memórias sobre a linha e sobre o ambiente dos comboios, os passeios com recurso ao comboio, a paisagem, os últimos acidentes e o futuro dos transportes nesta linha.

28 Joana Gonçalves / Cândida Quintas (video 14:49m) Uma avó, natural e a viver em Foz Tua, partilha com a neta as suas memórias sobre os comboios, a Linha e a estação do Tua. Viagem, através da linha e da estação do Tua reavivado recordações sobre: os comboios a vapor, a casa da guarda da passagem de nível, as guaritas, a roda onde viravam as máquinas que invertiam a sua viagem no Tua, o reservatório de água para fornecer as máquinas a vapor, as agulhas para o comboio mudar de linha, a via larga e a via estreita, as viagens realizadas (Tua -Pinhão para aprender a arte da costura; Tua-Mirandela e Tua-Bragança para realizar estudos e tirar um curso. Opinião sobre a barragem.

30 David Violas / Carlos Violas (video 6:40m) Primeira viagem no comboio até Bragança: o ambiente, as paragens, viagens demoradas e opinião sobre o futuro da linha.

11º ANO, TURMA B

31 Marco / Luis Aguiar (video 4:03m) Viagem em criança na linha do Tua e na Douro até ao Porto: a paisagem, as vinhas, as pessoas a trabalhar nas vinhas, o rio Douro. Relato de um problema na linha do Douro. Opinião sobre o encerramento da linha do Tua.

29 Catarina Vidinhas / José Russo (video 37:53m) Chefe de estação do Tua recorda as estações e apeadeiros desta linha, o transporte de mercadorias, a sua carreira na CP,

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Trabalhador ferroviário na estação do Tua, vendia bilhetes, recorda os dias em que apurava bastante dinheiro, devido ao movimento intenso do comboio. Fala sobre um acidente na linha e recorda com saudades os seus colegas.

32 Mariana Batista / Manuel de Jesus (video 16:29m) Chefe de lanço na linha do Tua, recorda os trabalhos na linha e como foi executando as tarefas da sua preparação, quer nesta quer na linha do Sabor e do Douro, onde trabalhou. Fala sobre os comboios a vapor, o transporte de pessoas em dias de feira e de festa, a conservação da linha do Tua, os descarrilamentos, a política dos administradores e do governo e das consequências para as linhas do Tua, do Sabor e do Douro.

35 Filipa Febre / João Febre (video 26:57m) Os pais casaram por procuração, porque o pai estava em Moçambique a cumprir o serviço militar. Nasceu neste país, onde os pais procuraram melhores condições de vida. Recorda as mudanças do país após o 25 de Abril e o regresso ao país. Fez quatro contratas de apanha de morango na Suíça. Cumpriu o serviço militar como clarim e utilizava o comboio, porque lhe era mais vantajoso. Recorda as viagens: o movimento de muitas estações e a venda de produtos típicos em algumas delas. Descrição do comboio, do ambiente, das conversas, das saudades dessas viagens, das memórias de ocorrências engraçadas.

33 Carlos Aguiar / Horácio Morgado (video 2:52m) Descrição da paisagem da linha do Tua e das viagens de comboio. Fala sobre o convívio e sobre um episódio vivido numa viagem, porque lhe faltava o bilhete.

34 Eduarda Alvites / José Marques (video 6:57m)

36 Pedro Amaro / Artur Sequeira (video 13:32m) 98


Memória oral e história local

Utilizava a Linha do Douro para ir ao Pinhão ou à Régua e a do Tua para ir ao médico a Mirandela, a partir da aldeia do Tua. Descreve o ambiente das viagens, as conversas, os assuntos abordados. Recorda que o Tua foi fixador e que pouca emigração se conheceu na aldeia: trabalho proporcionado pela estação, pelo transbordo de mercadorias, pela venda de produtos locais e pelas quintas. Recorda: os efeitos da pneumónica na região e a dificuldade do acesso à saúde e aos medicamentos; os postos públicos onde existia um telefone; as fontes de informação (cartas, aerogramas, caixeiros viajantes…) e dinâmicas regionais, em torno das feiras, dos trabalhos agrícolas e dos produtos transportados pelo comboio.

38 Andreia Torres / António Torres (video 7:11m) Concretização de uma viagem de comboio de lazer, com colegas e respectivas famílias, do Porto ao Tua. Opinião de que reconhece um potencial turístico para a linha do Tua. Recorda o trabalho intenso no Tua de um colega seu que fora ferroviário nesta estação, das condições climatéricas e do horário de trabalho.

39 Joana Borges / Maria Margarida Figueiredo (video 15:45m) A entrevistada, professora reformada, frequentou as termas de S. Lourenço e recorda a utilização do comboio a vapor (comboio de ferro) e da automotora: as viagens, o ambiente, o convívio, a entrada e a saída de pessoas em estações e apeadeiros, a morosidade das viagens. Falou sobre as consequências sentidas com a II Guerra Mundial, a fome, os preparativos para fazer face à guerra, os racionamentos. Reproduziu memórias sobre os soldados e a utilização dos comboios; o carácter violento da pneumónica, a falta de médicos e de medicamentos; o acesso à saúde e à educação; os telefones a manivela; a distribuição do correio; os

37 Ana Castro / Leonel Lopes (video 14:59m) A importância da criação da linha do Tua para a população local, face à dificuldade de transportes da época. O escoamento da produção agrícola e mineral da região, a captação de mercadorias e o transporte de passageiros. A importância económica da linha do Tua ao longo do seu percurso e a sua utilidade para o desenvolvimento dos núcleos populacionais e das casas agrícolas da região. Utilização da linha para o desenvolvimento do turismo (a paisagem, a natureza) e para a criação de outras valências atractivas para a região.

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divertimentos e a animação das vindimas, ceifas e apanha da azeitona.

41 Tatiana Medeiros / Rosa Medeiros (video 6:36m) A entrevistada utilizou o comboio para ir ao médico ao Porto e à Régua e para viagens de lazer com a família para apreciar as belas paisagens. Fala sobre o ambiente vivido no comboio e as viagens agradáveis. Recorda a vida difícil de antigamente, o movimento na aldeia do Tua e como a Linha de caminho-de-ferro se tornou numa mais-valia para a aldeia e para o desenvolvimento do Turismo, local, e nas Linhas do Tua e do Douro. As formas de divulgação da informação: telefones, cartas,…

40 Mafalda Ribeiro / Fernanda Morais (video 21:35m) A entrevistada nasceu no Cachão e trabalhou nos correios, tendo sido ferroviários o pai, tios e primos. Recorda viagens no comboio a vapor, o excelente convívio que havia no comboio com 3 classes, os temas de conversa com destaque para a II Grande Guerra, as necessidades das pessoas que não tinham que comer e que vestir, as muitas dificuldades vividas, a dificuldade de acesso à saúde, aos medicamentos, à escola, ao calçado e ao vestuário, o racionamento de bens alimentares, o transporte de produtos para as estações de caminho-de-ferro, os telefones e o processamento das ligações (manivelas, cavilhas, centrais telefónicas), a actualização de informações por pessoas que visitavam as aldeias, as dinâmicas regionais (ceifas, vindimas, apanha da azeitona) e as práticas comunitárias (torna jeira, torna pão…), a importância da camionagem, histórias de viagens de comboio, a cultura popular e a religiosidade, o volfrâmio, o contrabando, as aldeias hoje estão pior e estagnadas, porque estão sem gente e sem sapateiros, alambiques, padarias, lagares de azeite, alfaiates, o comércio local…). Referência a um acidente do comboio.

42 Daniela Lopes / Fernando dos Anjos (video 31:46m) O entrevistado, pertencente a uma família de ferroviários, recorda a sua carreira ferroviária e como chegou a maquinista. Fala sobre as máquinas a vapor e a diesel, e sobre a sua condução, destacando, entre estas, as ALLAN que conduziu na linha do Tua; sobre as viagens, os horários, a preparação das refeições, o transporte de produtos, as estações e apeadeiros, o movimento do comboio

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Memória oral e história local

em dias de feira, os dois troços da linha (Tua-Cachão e Cachão-Bragança), a desactivação entre Bragança e Mirandela, o seu encerramento, a extinção de benefícios, a relação com os passageiros, a reutilização da linha para o turismo, os últimos acidentes e o mau estado da via, as alterações na linha, enquanto foi maquinista. Recorda a 1.ª máquina que conduziu e aquela em que transportou Mário Soares e Bragança ao Cachão; a alteração dos regulamentos na linha do Tua e a desmobilização dos passageiros na utilização desta via. Emite uma opinião sobre a construção da barragem e sobre o encerramento da linha do Tua.

44 Ana Afonso / Laurentina Correia (video 11:16m) A entrevistada utilizou o comboio para ir ao médico a Mirandela ou ao Porto. Recorda a ida à feira local numa carroça ou a pé, da distribuição do correio, da utilização de animais de transporte para ir para as propriedades, recorda uma canção da época das vindimas, e a letra de um fado, as ligações de comboio para se ir até Duas igrejas, para o Porto ou para Lisboa. Fala um pouco sobre o quotidiano no vale do Tua.

43 Daniela Araújo / José Araújo (video 6:25m) O entrevistado utilizou o comboio da linha do Tua, quando cumpriu o serviço militar. Recorda dessas viagens o encontro com outros soldados e o ambiente vivido no comboio. Emigrou para França, de comboio, para melhorar as condições de vida. Recorda a chegada à região de pessoas de outras regiões do país para a realização de trabalhos agrícolas; do contrabando de azeite e da fome que atingiu a região. Quando jovem, viveu em Moçambique, onde os pais tinham machambas, e das condições de vida naquele país.

45 Arlindo Pinto / _ (video 2:02m) A entrevistada fala um pouco, sobre o ambiente das viagens no comboio da linha do Tua, sobre a paisagem que a deslumbrava e sobre os dias de feira de Mirandela em que este meio de transporte ia superlotado.

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materiais do projeto memTUA Escolas

randela; o pai era regente na escola da aldeia; algumas histórias de cheias, de vivências, da moagem de cereais… Armando Fernandes, assentador da via, trabalhava na manutenção da linha para que houvesse segurança na circulação do comboio. Mais tarde, trabalhou na reparação e na pintura de pontes e emigrou para o Luxemburgo. Indica as razões, porque a estação de Codeçais era considerada a mais fluída da linha do Tua: muita água, jardim ajardinado, venda de água e de produtos regionais, pessoas e de mercadorias… Fez parte do grupo que criou o Movimento de defesa da Linha Tua. Luciano Gonçalves conta a sua história, ligada à sua carreira de ferroviário (assentador de travessas, eventual de obras e carregador); descreve a composição de um comboio e fala sobre os soldados que viajavam com preços reduzidos. Canta uma canção; recorda um descarrilamento na linha, depois de Santa Comba de Rossas. Caracteriza a linha (estações e apeadeiros, pontes, túneis…); recorda as mercadorias transportadas e emite uma opinião crítica em defesa da linha.

12º ANO, CURSO PROFISSIONAL TÉCNICO DE GESTÃO E PROGRAMAÇÃO DE SISTEMAS INFORMÁTICOS

46 Catarina Veiga / Dulce Cardoso, Dulce Alves, Armando Fernandes e Luciano Gonçalves (video 1:1:25h) Dulce Cardoso, natural de Zedes, foi para o Porto aos dez anos onde se formou em Enfermagem, regressando à aldeia nas férias. Fala das fracas condições oferecidas pelos primeiros comboios que utilizou, recorda a confusão de algumas dessas viagens, as viagens dos soldados, os produtos típicos regionais vendidos nas estações de Valongo, Régua e Tua, a distribuição do correio, as cartas ditadas, a companhia da rádio (música, relatos, noticiários, novelas, cerimónias religiosas…). Dulce Alves, natural de Codeçais, viajou várias vezes para Bragança e para o Porto, fala sobre as pessoas que asseguravam o fornecimento de água ao depósito e o funcionamento da estação de Codeçais e sobre a moagem de cereais numa azenha do rio Tua; o transporte e o despacho de produtos, a fome, o sistema secreto para se despachar produtos, durante o racionamento de bens alimentares; como fazia para ir a Freixiel buscar farinha; os bailaricos; a distribuição do correio; as feiras de Carrazeda e de Mi-

47 Francisco Cruz / José Mateus (video 2:16m) O entrevistado era agulheiro na estação do Tua e fala sobre as funções que tinha de cumprir no exercício da sua acti-

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Memória oral e história local

vidade até que um comboio estivesse formado.

50 Verónica Araújo / Graça Mesquita (video 7:41m) Esta entrevistada, natural da Lavandeira, deslocava-se em transporte terrestre para ir até Mirandela. Utilizou a algumas vezes a linha do Tua, entre o Tua e Mirandela. Fala sobre o ambiente da viagem, a paisagem de encanto, algumas estações e apeadeiros, o teor das conversas dos passageiros, a vida quotidiana, a emigração, a distribuição do correio na aldeia. Recorda o título de algumas canções que ouviu nessas viagens.

48 Daniela Veiga / Luis Veiga (video 3:45m) O entrevistado fala sobre o comboio e das condições de viagem e frisa que também o utilizou, quando cumpriu o seu serviço militar, recordando as muitas horas que lhe demorou essa viagem que o levou até à Régua e dali até Chaves.

49 Rúben Moura / Vergílio Lopes (video 9:27m) Operário da CP, trabalhou no transbordo de mercadorias, numa altura em que a linha tinha muitos passageiros que animavam as estações e apeadeiros. Recorda o tempo em que os estudantes utilizavam o comboio para se deslocarem para vários locais de formação: Bragança, Porto, Coimbra, Lisboa.

51 Daniel Lopes / Guilhermina e Maria Teresa (video 19:28m) As duas entrevistadas falam sobre o movimento que a linha do Tua teve, em termos de passageiros e de mercadorias, e sobre o seu encerramento. Recordam os últimos acidentes que levaram a esse desfecho e destacaram a importância social que a linha teve para as populações servidas por ela.

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gostado da viagem. Viajou também até ao Pocinho, Barca de Alva, Porto e Lisboa. As pessoas cantavam, falavam. Acompanhou o pai que negociava em gado, quando se dirigia às feiras. Refere produtos transportados no comboio e diz que emigrou para França, onde trabalhou na construção civil. Regressou para cumprir o serviço militar, esteve na Guiné, e, concluída a tropa, regressou a França. Recorda festas, romarias e produtos vendidos nas feiras. Emite uma opinião crítica sobre o encerramento da linha do Tua.

52 Sara Teixeira / Maria Gomes (video 2:14m) A entrevistada utilizou a linha do Tua, pelo que recorda o ambiente e o convívio proporcionados pelas viagens de comboio. Recorda como o correio era transportado pelo comboio e como se fazia a sua distribuição na sua localidade de residência e como eram as comunicações antigamente. Falou sobre os trabalhos agrícolas e sobre algumas práticas comunitárias como a entreajuda e o torna-jeira.

02 Natália Seixas e Sara Lamas / Amândio Ferreira (video 8:10m) O entrevistado foi ferroviário e trabalhou no Cachão, Vilarinho das Azenhas, Entroncamento e em Mirandela e ainda chegou a revisor. Recorda a 1.ª viagem realizada com um grupo de amigos até ao Tua para ver a paisagem, o rio, as serras, apreciar o trajeto da linha. Foi uma viagem alegre: cantaram cantigas populares, contaram anedotas e conversaram. Relembra os produtos que se vendiam na feira e o que se produzia na região. Falou um pouco sobre a sua participação na guerra colonial e sobre o transporte de mercadorias na linha do Tua.

MIRANDELA AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MIRANDELA 12º ANO, TURMA A

01 Natália Seixas / António Jaime Lanção (video 11:43m) Natural de Vale de Lobo, dedicou-se à agricultura e utilizou a 1.ª vez o comboio em 1965, quando se deslocou até Macedo de Cavaleiros e confessa ter

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Memória oral e história local

cantavam e tocavam realejo. Refere os produtos transportados e os produtos produzidos na região, as festas populares nas aldeias, as saudades das viagens e do comboio. Por fim, lembrou as datas da inauguração da linha do Tua, de Foz Tua a Mirandela e de Mirandela a Bragança.

03 Fátima Pires / Aníbal Rodrigues (video 9:34m) O entrevistado foi eletricista da CP na linha do Tua e deu assistência à iluminação do comboio. Viajou em toda a linha do Tua para a supervisionar e dar assistência em caso de avarias. Fala sobre: o ambiente no comboio, os produtos transportados e a produção regional, o apeadeiro onde entravam mais pessoas, as três classes de bilhetes, a ida à feira (Bragança, Macedo de Cavaleiros, Mirandela), as principais festas e romarias da região (N.S.ª do Amparo, N.S.ª da Assunção e Santo Ambrósio). Referiu a vantagem de viajar de comboio e falou sobre alguns acidentes do comboio.

05 Ana Pinto / Luis Albano Carvalho (video 16:51m, text) Trabalhou nos caminhos-de-ferro, tendo começado como servente de máquinas a vapor, fogueiro, maquinista e ajudante de tração. Recorda a sua primeira viagem, desde a sua aldeia, Cortiços, até Mirandela, na festa de N.S.ª do Amparo: o ambiente dentro do comboio; cantavam e tocavam realejo. Refere os produtos transportados e os produtos produzidos na região, as festas populares nas aldeias, as saudades das viagens e do comboio. Por fim, lembrou as datas da inauguração da linha do Tua, de Foz Tua a Mirandela e de Mirandela a Bragança.

04 Daniela Ribeiro / Fernando Taveira (video 6:05m) Trabalhou nos caminhos-de-ferro, tendo começado como servente de máquinas a vapor, fogueiro, maquinista e ajudante de tração. Recorda a sua primeira viagem, desde a sua aldeia, Cortiços, até Mirandela, na festa de N.S.ª do Amparo: o ambiente dentro do comboio;

06 Natacha Adelino / Luis Mesquita (video 6:06m) Natural de Pereira, recorda a sua utilização do comboio nas Linhas do Tua e do 105


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Douro como passageiro, quando estudou no Seminário em Viana do Castelo e quando cumpriu o serviço militar em Lisboa. Fala sobre a viagem: o ambiente, o convívio, os assuntos de conversa, os grupos sociais utilizadores do comboio, a produção da região. Conclui, afirmando que o comboio era uma forma saudável de viajar e um encanto, porque atravessava regiões com bastante beleza.

08 Paulo Sarmento / Fátima Duarte (video 7:59m) Natural de Faro, recorda a 1.ª viagem de comboio entre esta cidade e Lisboa, trajeto que repetiu muitas vezes. Viajou também de Lisboa ao Porto e do Porto a Mirandela. Nesta localidade, visitava uma tia com frequência, sobretudo nas férias. Recorda que as viagens eram muito divertidas e agradáveis: as pessoas levavam vários tipos de produtos e animais, iam para as feiras, cantavam, tocavam concertina e instrumentos tradicionais, Falou sobre: a ida às feiras de Bragança e de Mirandela; a produção regional; a Guerra Colonial; as festas populares e as romarias. Sente muitas saudades dessas viagens.

07 Nuno Pinto / Norberto Magalhães (video 30:56m) Este maquinista da linha do Tua, natural de Parambos (Carrazeda de Ansiães), entrou para a CP em 1962. Recorda a sua 1.ª viagem como maquinista em que teve de ser ele a deitar o carvão. Sentia algum medo na linha no inverno, porque era muito acidentada; ainda descarrilou muitas vezes e caíram-lhe pedras e árvores, mas nunca teve qualquer problema. Fala sobre: o ambiente no comboio; as pessoas a criticar o comboio por ser vagaroso e estar estragado; o transporte de mercadorias. O comboio é, para ele, o meio de transporte mais barato, cómodo e seguro, onde viajavam pessoas de todos os grupos sociais. Sente saudade das viagens e dos dias da feira em que o comboio ia superlotado. Recorda as festas locais e os produtos que se produziam na região. Opinião crítica sobre o fecho da Linha.

09 Mário Vilares / Armindo Rodrigues (video 8:17m) Natural de Campo de Víboras (Vimioso), trabalhou como motorista. Recorda a 1.ª viagem de comboio, em 1949, até Vila Nova de Poiares, onde havia um seminário, tendo acabado por ir estudar para os Carvalhos. Fala sobre: o ambiente que era bom e as pessoas muito educadas e 106


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que havia respeito pelos mais velhos; as pessoas metiam conversa umas com as outras; os produtos transportados. Referiu que viveu em Angola como civil e que não chegou a ir à tropa.

para o Porto e uma, ainda em solteiros, até França. O comboio era, para eles, o meio de transporte mais prático para se ir até ao Porto: falava-se de tudo; viagens divertidas; a paisagem da linha do Tua era maravilhosa e era um corrupio na estação do Tua e o tempo de espera por ligação. Referiram produtos que as pessoas levavam e traziam da feira; o que se produzia na região; a utilização do comboio pelos soldados; a Guerra colonial; as festas da aldeia; a atual emigração dos filhos.

10 Ana Vaz / Francisco Carrazedo (video 5:09m) Nasceu em Vila Flor e trabalhou como carpinteiro e, depois, como funcionário público em Angola, durante 30 anos. A 1.ª viagem que realizou de comboio foi entre os Cortiços e o Cachão. Falou sobre: o ambiente de festa, as pessoas cantavam, tocava-se realejo; os produtos vendidos nas feiras; uma viagem atribulada, até ao Tua. Emigrou para Angola, onde já estavam os pais, tendo referido os produtos que colhiam na sua fazenda.

12 Miguel Brêa / Paula Magalhães (video 10:56m) Filha de um ferroviário, viajou na região de Lisboa e, posteriormente, para o norte. No comboio, as pessoas formavam grupos, jogavam às cartas, liam o jornal e revistas e cantavam. Em Mirandela, viveu na estação: descreve o movimento em dias de feira, à sexta-feira à noite, ao domingo e na noite das festas de N.ª S.ª do Amparo. Recorda as estações onde entrava muita gente no comboio. Fala sobre: o preço dos bilhetes; as mercadorias expedidas e recebidas; os tropas, os estudantes e outras pessoas; as idas à Régua, aos armazéns dos ferroviários; a ida ao médico a Bragança. Sente muitas saudades do comboio e reproduz memórias que o marido lhe contou sobre Angola.

11 Ana Vaz / Manuel e Fernanda dos Santos (video 12:24m) Manuel, natural de Frechas, refere que a 1.ª viagem que realizou de comboio foi entre Frechas e Mirandela; a esposa, Fernanda, natural de Suçães, recorda que a 1.ª viagem que fez foi de Suçães a Mirandela. Estudaram em Mirandela, fizeram algumas viagens de comboio

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14 David Santos / Maria Orlanda Pereira (video 4:42m) Natural de Marmelos, uma vez concluída a escola primária, foi para Moçambique com os pais, tendo trabalhado num jardim que era do Estado e os pais tinham uma mercearia. Recorda a 1.ª viagem que realizou no comboio, quando partiu para Moçambique: de Mirandela a Lisboa e daqui seguiu viagem de navio. Esteve também em Angola. Foi muitas vezes ao Porto, de comboio, para consultas e tratamentos. Refere algumas produções de Angola e de Moçambique. Refere que passaram 3 ou 4 dias na guerra, em Angola, debaixo de fogo.

13 Paulo Cabages / Henriqueta Deolinda Filipe (video 11:54m) Trabalhou no CAICA, no Cachão, e, após ter fechado, emigrou para França, Suíça e Andorra. A 1.ª viagem que fez de comboio foi na altura do exame da 4.ª classe de Frechas (terra natal) a Mirandela. Viajou também até ao Porto (consultas e exames médicos) e até Vilarinho das Azenhas, onde tinha os padrinhos e ia passar os dias de festa. Quando era preciso comprar roupa, ia a Mirandela. Recorda que: havia muito movimento na estação do Cachão de pessoas e de mercadorias; a 1.ª classe era só para os mais ricos; na altura, havia poucos carros; a paisagem era bonita e havia mais contacto com a natureza; ia com os pais à feira de Mirandela, vender e comprar gado. Fala que, na feira de Mirandela, os produtos agrícolas eram vendidos na Praça do Mercado e que o vestuário, calçado, roupas, ferramentas, utensílios, produtos de artesanato e outros, bem como o gado, era do outro lado do rio Tua. Indicou produtos da região (vinho, cereja, laranja, azeitona) e relembrou as festas da aldeia e a festa anual de N.ª S.ª do Amparo.

15 Fábio Pereira / Henrique Silva (video 8:42m) Natural de Palheiros (Murça), recorda a 1.ª viagem de comboio que fez, com o pai e duas irmãs, para visitar a avó a Sta. Marta de Penaguião. Foram a pé dos Palheiros à Brunheda, onde apanharam o comboio. Seguiram de comboio até à Régua e, nesta estação, um senhor levou -os num camião de areia. Fala sobre: o transporte de mercadorias; as classes que 108


Memória oral e história local

viajavam no comboio; as feiras da época e os produtos vendidos e comprados; as produções da sua aldeia. Refere que emigrou para Moçambique, aos 17 anos, indica o trajeto percorrido e os locais onde o barco parou. Acrescenta que esteve em Angola, tendo assistido a alguns combates e bombardeamentos, considerando-se vítima dessa guerra.

O entrevistado fala sobre a viagem de comboio na Linha do Tua: a 1.ª viagem: viagem fascinante e a Fraga das Pombelas; as azenhas a funcionar; o ambiente: carruagens repletas de gente, o destino das viagens, as conversas, os namoros, canções, as estações e apeadeiros, as malas do correio, o transporte de valores, os produtos escoados e recebidos: azeite, vinho, cereais e gado, os comboios com 27 vagões e 2 locomotivas, os descarrilamentos, a informação, os dias de feira, o desenvolvimento da região e das pessoas, linha bem cuidada, a saudade.

16 Paulo Sarmento Cabages / Alberto António Sarmento (video 5:13m) Comerciante reformado, recorda a sua primeira viagem de comboio a Bragança, mas viajou também até ao Porto: recorda as modas regionais que se cantavam; os assuntos de conversa; entravam muitos passageiros no apeadeiro de S.Sebastião, em Mirandela; os produtos agrícolas locais; os preços dos bilhetes; foi à feira a Bragança; em 1952, migrou para Moçambique (empregado comercial) e participou na guerra nesta colónia; refere produtos e riquezas de Moçambique; fala sobre as festas regionais.

18 Bruna Afonso / José Rolando Vasques (video 27:48m) O entrevistado foi ferroviário e recorda: a história de via; a II Guerra Mundial e a fome; a guerra colonial; em Campanhã, lia jornais que ficavam no comboio; foi serralheiro soldador e deu assistência nos descarrilamentos. Relembra: a sua 1.ª viagem de comboio; o medo de andar no comboio, porque a linha era muito acidentada; o ambiente da viagem, as conversas, o convívio e as merendas; o frio no inverno, por falta de aquecimento; as cantigas; as estações mais movimentadas: Mirandela, Romeu, Cachão, Frechas…; os produtos transportados; a paisagem e o rio; as feiras; os produtos vendidos; a fartura da praça

17 Ana Teresa Pereira / Acácio José Araújo (video 12:37m) 109


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de Mirandela; a emigração; as festas.

dução; observava a sinalização ao longo da linha; trazia com ele o Diário Técnico de Bordo: livro das ocorrências, com as anomalias; quando entrava ao serviço, depois de fazer revisão à máquina, analisava o tal livro. A responsabilidade do maquinista era muito grande, porque transportava milhares de vidas; se adormecer, o comboio para, numa travagem brusca, acciona-se o HM, Homem morto. Referiu: os aparelhos auxiliares da condução; o Regulamento a cumprir. Recordou que o taquígrafo discriminava a velocidade a que circulava e estava selado e que havia um sector da empresa que controlava essas fitas; até os apitos ficavam registados; numa via larga ou dupla, o maquinista anda mais à vontade e é mais complicado trabalhar na via reduzida em que a sinalização é em chapa de chapa… Referiu ainda que conduzir na Linha do Douro, onde há nevoeiro, é preciso ter um cuidado redobrado. É preciso conhecer a linha, cumprir com as velocidades e com os tempos dos trajectos e parar; se surgir qualquer coisa de anormal; se perder tempo, os comboios começam todos a perder tempo. Falou ainda, sobre os avisos das estações, através de apitos, sobre qualquer obstáculo ou qualquer sinal estranho que viu na linha; escrevia num papel um aviso que o atirava para a linha para que o chefe de estação tomasse nota dessa ocorrência estranha. Recordou como era o trabalhar com o freio; as ocorrências que levavam a que o comboio não circulasse; os furgões que levavam merca-

19 Cândido Nascimento e Joana Camilo / Carlos José Pereira (video 4:26m) O entrevistado fala sobre a profissão de fotógrafo e fala sobre a viagem de comboio: a 1.ª viagem para Rossas buscar castanhas; os produtos transportados: madeira…; o preço dos bilhetes; a produção da região; as festas e romarias de Mirandela.

20 Mário Vilares e António Camões / Sr. Ramiro (video 1:01:23m) O entrevistado, antigo maquinista da Linha do Tua, do Douro, do Norte e de outras linhas do país, recorda que o comboio é o meio de transporte mais seguro. Se circula numa só linha, e se o maquinista falha, não há salvação. Fala sobre: o horário actualizado; o maquinista ia ver a escala, antes de sair para o serviço; tomava conhecimento, sobre as alterações do horário; não podia ser incomodado, nem distraído, durante a con-

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doria, levavam o maquinista, o ajudante e o revisor; quando uma máquina ia em sobre esforço, se o areeiro estivesse a funcionar, a areia caía na linha e o comboio sofria o efeito desse atrito; todos os vagões tinham freio, calços, cepos, mas antes só três veículos é que tinham freio; de Macedo de Cavaleiros para Mirandela o maquinista tinha de ter muito cuidado. Havia uma camaradem impecável e os trabalhadores eram muito unidos. Falou, sobre: as dormidas, os dormitórios, os lavatórios; a progressão na carreira levava o funcionário a adquirir conhecimentos; os inspectores conheciam os maquinistas pela maneira como conduziam a máquina; o maquinista tinha de cumprir a sua função e não devia fazer comentários aos passageiros; o convívio com os passageiros era maravilhoso; houve problemas de indisciplina com os militares, após o 25 de Abril. Recordou que, onde há acidentes ferroviários, foi porque algo falhou: aviso de via livre, dava seguimento; o chefe da estação que mudava de turno devia accionar o sinal; depois do concurso para maquinista, havia um ano de experiência e havia sempre um homem para as falhas. Sobre a Linha do Tua, das mais maravilhosas a nível da paisagem, acrescentou: estava condenada há muito tempo; de Mirandela ao Tua havia 50 homens a tomar conta da segurança e da estabilidade; a diminuição do número de utentes não dava nem para o gasóleo; era preciso aumentar a velocidade das máquinas e resolver os problemas: linha perigosa,

sujeita a acidentes de percurso e à queda de pedras; o comboio não acompanhou a evolução dos transportes e passou a ser mais rápido chegar de camioneta ao Porto do que de comboio… Falou sobre a importância do fogueiro, nos comboios a vapor: devia conhecer a linha nos pontos cruciais; a pressão devia estar no timbre; o fogo devia estar activado, metendo carvão; controlar a pressão, a válvula de descarga, os valores máximos e o carvão que ia gastando. O maquinista tinha de ajudar o fogueiro que, por sua vez, devia ter a velocidade regulada, controlar o vapor que ia gastar; não podia adormecer. A perda de vapor podia dever-se a: uma fuga, deficiências da máquina; carga; linha; ao tipo de máquina. Terminou, afirmando que para conduzir uma máquina a vapor era preciso trabalhar muito e era perigoso. 11º ANO, CURSO PROFISSIONALTÉCNICO DE MULTIMÉDIA

21 André Aires / Fernando Taveira (video 32:57m) Nasceu nos Cortiços (Macedo de Cavaleiros) e foi ferroviário (1966-2002), tendo chegado a maquinista. Recorda-se da 1.ª viagem que realizou em 1962, de Mirandela para o Tua. Apesar de demo-

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rado, o comboio era seguro e as pessoas gostavam de viajar nele: falavam, sobre os trabalhos agrícolas, a ida ao médico à Régua, ao Porto; tocavam e cantavam. Recorda os produtos transportados e os artigos que abasteciam o comércio local e a praça de Mirandela. Mencionou produtos da região, festas e bailaricos Sente saudades das viagens e emitiu uma opinião sobre o encerramento da linha. Relatou avarias e descarrilamentos e alguns acidentes de outros maquinistas.

23 Patrick Coelho / Ilda da Dulvicência (video 29:09m) Natural de Pereiro, Argeriz (Valpaços), depois de ter casado, foi viver para o Romeu. Apesar de ser doméstica, ajudava o marido a fazer paralelos na pedreira e a carregar as camionetas, e tratava dos animais e da horta. Sente saudades das viagens e de ir às festas e à feira de Mirandela. O marido emigrou para França a salto. Para ela era uma alegria, quando ia ao Porto de comboio. Refere mudanças verificadas em Mirandela e afirma que gostava de viver nesta cidade.

22 Daniela Agostinho/ Manuel Paulino e Hermínia Pinto (video 51:08m) Os entrevistados recordam o tempo em que corriam as feiras de Trás-osMontes a vender produtos com o carro que tinham. Produziam e vendiam os produtos da sua casa agrícola. Falaram sobre: a morte dos pais; o nascimento dos filhos; a praça do mercado e a feira de Mirandela; o cumprimento do serviço militar. Recordaram a família no ultramar e a mudança de usos e de costumes. Lembram-se das viagens de comboio de Macedo de Cavaleiros a Mirandela, na festa de N.ª S.ª do Amparo: as conversas; as canções; as estações com mais movimento; os produtos transportados; o medo que sentiram ao atravessar a ponte do Romeu.

24 Ana Catarina / Adolfo Alves (video 6:31m) O entrevistado trabalhou na agricultura e utilizou o comboio da Linha do Tua, quando estudou em Bragança. Recorda: o ambiente; as brincadeiras; as conversas, sobre as férias; as estações e apeadeiros de Mirandela, Rossas e Salselas,… onde entravam mais estudantes. Nas feiras, iam pessoas da aldeia

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Memória oral e história local

comprar e vender produtos: o cebolo, as couves, beterrabas. Falou sobre: a feira das Cantarinhas em Bragança; as férias na aldeia; a produção de cereais e de produtos hortícolas; as festas das aldeias em honra do padroeiro, no Carnaval…

Graça Borges (video 20:59m) Natural de Mosteiró da Torre (T. de D. Chama), nunca andou na linha do Tua, mas utilizou o autocarro de Vale Prados das Múrias a Mirandela. Recorda: a agricultura; as feiras, o poder de compra, o que nelas se comprava e o que se vendia; as festas da aldeia; a rádio apanhava poucas emissoras; a escola de outros tempos e a de hoje; os exames da 4.ª classe; a palmatória; o pai emigrou para o Brasil, mas regressou porque não gostou do ambiente.

25 Daniela Agostinho/ Ermesinda dos Reis (video 35:52m) Nasceu em Algosinho, Peredo da Bemposta (Mogadouro), mas vive há 57 anos em Mirandela. Fala sobre a pobreza e a assistência aos velhinhos, aos pobres e às crianças de Mirandela, na Misericórdia. Foi de comboio a Mogadouro, a Macedo de Cavaleiros e a Bragança. Recorda o transporte de pessoas e de animais; as encomendas; o ambiente; o transporte de gado e o ambiente da feira de Mirandela. Visitou Lourdes e Lisieux, em França. Fala sobre: a produção agrícola e as atividades a que se dedicou na sua aldeia, antes de se fixar em Mirandela, onde viveu com as irmãs, entre 1958 e 2002. Tem saudades dos tempos de antigamente.

27 Ana Catarina / Adolfo Alves (video 6:31m) O entrevistado trabalhou na agricultura e utilizou o comboio da Linha do Tua, quando estudou em Bragança. Recorda: o ambiente; as brincadeiras; as conversas, sobre as férias; as estações e apeadeiros de Mirandela, Rossas e Salselas,… onde entravam mais estudantes. Nas feiras, iam pessoas da aldeia comprar e vender produtos: o cebolo, as couves, beterrabas. Falou sobre: a feira das Cantarinhas em Bragança; as férias na aldeia; a produção de cereais e de produtos hortícolas; as festas das aldeias em honra do padroeiro, no Carnaval…

26 Daniela Agostinho/ Maria da 113


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nas férias; as pessoas conversavam para passar o tempo; vinha uma patrulha da GNR no comboio a acompanhar o cofre e ia outra patrulha de Mirandela ao Tua. Antes andava-se muito a pé: a professora ia de Bragança a Gimonde de carro e, como não havia estradas para a aldeia, ia uma moça com uma burra buscá-la a Gimonde (7 km). Falou sobre: as feiras do mês, em Bragança, a 3, 12 e 21; a produção agrícola da região; as segadas à foice; as festas da N.ª S. ª do Amparo, Santo Ambrósio, N.ª S.ª da Assunção, Corpo de Deus e a festa dos Moços da aldeia.

28 Claudia Correia / Maria Joanina Costa (video 7:51m) A entrevistada foi doméstica e utilizou o comboio pela primeira vez, bem nova, dos Avantos para Mirandela: era agradável; bom ambiente; conversas de vária ordem; nos Avantos entrava bastante gente; transportava-se tudo no comboio: pessoas e géneros; muito movimento na estação de Mirandela; as feiras de Mirandela eram fortes. E a festa de Mirandela era a melhor de Trás-os-Montes. Sente saudades desse tempo e da alegria que o movimento do comboio dava às estações. Teve familiares em Angola.

10º ANO, CURSO PROFISSIONALTÉCNICO DE GESTÃO E PROGRAMAÇÃO DE SISTEMAS INFORMÁTICOS

30 Miguel Ramos / Mário Carvalho (video 18:06m) Viveu na Brunheda, mas atualmente reside no Porto. Recorda a 1.ª viagem de comboio, aos 4 anos: o comboio cheio; viagem demorada e sem grandes condições. Considera a linha do Tua muito bonita e a viagem agradável, mas difícil de fazer. Reconstrói memórias sobre: o avô materno e o movimento da estação da Brunheda; o rio, a linha e a paisagem; as produções agrícolas; a linha e o desenvolvimento de Trás-os-Montes e

29 Rita Pinto / Armindo Miranda (video 23:31m) Nasceu em Babe, Bragança e foi soldado da GNR em Lisboa, Porto, Paços de Ferreira e Mirandela. Utilizou o comboio pela 1.ª vez, quando foi para a tropa, em Viana do Castelo (1957); após a tropa meteu requerimento para a GNR, fez exame no Porto e ficou bem. Sobre as viagens na Linha do Tua, recorda: o comboio de madeira; o fumo; os incêndios; só vinha à aldeia uma vez por ano,

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Memória oral e história local

o impacto na vida das pessoas. A partir de certa altura, os horários andaram desencontrados das necessidades da vida social e económica da região e as pessoas abandonaram a linha e aderiram à camionagem: foi o seu declínio. Opinião crítica sobre o encerramento da linha.

02 Juliana Gomes / Manuel Gomes (video 3:43m) A filha entrevista o pai, electricista de profissão, que lhe recorda as viagens que fez no comboio para cumprir o serviço militar na Figueira da Foz. Fala sobre as comunicações e sobre os problemas na viagem. Memórias do quotidiano agrícola de outras épocas, do tempo das sementeiras, da colheita e da ceifa. As dificuldades de recorrer ao médico aos medicamentos e de ter de aproveitar os livros e os cadernos dos irmãos.

VILA FLOR AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE VILA FLOR 10º ANO, TURMA B

01 Maria Inês Ala e Soraia Amaral / Manuel Amaral e Sr. Arnaldo (video 4:37m) A entrevista foi realizada na Felgueira, uma povoação quase desabitada. Utilização do comboio para ir estudar para o seminário de Vinhais: ligação Brunheda -Bragança e desta cidade de autocarro até Vinhais. Recorda os ceifeiros, o comboio ia cheio de passageiros, passatempos, o que transportava o comboio, opinião critica face ao fecho da linha do Tua.

03 Filipe Santos e Miguel Fernandes / Sr. Francisco (video 1:43m) O entrevistado, de 92 anos, utilizou imensas vezes a Linha do Douro e linha do Tua em viagens até ao Porto e possui muitas boas recordações sobre essas viagens. Emite uma opinião sobre o encerramento da linha do Tua.

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06 Tatiana Neri / Idalina Alves (video 3:17m) A neta recolheu memórias de sua avó que várias vezes utilizou o comboio quer para ir até à sua terra, quer para ir ao médico ao Porto. Recorda o convívio no comboio e fala sobre a vida quotidiana de outros tempos: os trabalhos nas vinhas e nos campos, a venda de porcos e de produtos agrícolas na feira, a ida a pé para a vila e para a feira, tempos difíceis e de muitas necessidades.

04 Pedro Jesus e Eliana Sá / Giraldina Borges (video 1:37m) Andou na Linha do Tua e gostou, apesar de a considerar assustadora, devido aos barrancos e a algumas partes que metiam medo. Emite uma opinião sobre a construção da barragem.

05 Santiago Melo / Srª Judite (video 6:17m) A entrevistada, funcionária do agrupamento de escolas de Vila Flor, utilizou o comboio para ir às compras e recorda o cuidado que tinham de ter por causa dos ladroes. Foi no comboio da linha do Tua, até as termas de S. Lourenço, mas a filha pediu-lhe para nunca mais a levar para aquele lugar. Gostava de viajar de comboio, de apreciar a paisagem, mas recorda que, uma vez, saltaram pedras para dentro da carruagem, e, de outra vez, ela e a irmã foram roubadas dentro do comboio. Considera haver vantagens dos transportes de autocarro: maior quantidade de ligações e viagens mais rápidas.

07 João Caldeira e Tiago Carriço / Sr. Anastácio (video 1:36m) O entrevistado utilizou as viagens de comboio quando foi com 18 anos trabalhar para Lisboa e quando foi cumprir com o serviço militar. Considera a viagem muito linda e emite uma opinião crítica sobre a linha do Tua.

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Memória oral e história local

recorda o tempo do comboio a vapor e das viagens que realizou, até ao Porto e quando soldado, na Linha do Douro e afirma que tinha de realizar o trajecto entre a aldeia e a estação do Tua, a pé, quer na ida, quer na volta. Fala sobre o ambiente vivido nas viagens, sobre os tempos difíceis vividos na região: o fraco poder de compra; o recurso a chás e a outros produtos naturais; as más condições sanitárias e higiénicas; o contrabando de azeite; a falta de telefones nas aldeias.

11º ANO, TURMA A

08 Adriana Freixo / Ema Amaral (video 12:15m) A entrevistada recorda as viagens de comboio que realizou, quando, nas férias, ia para casa dos tios no Porto e que estes o utilizavam com muita frequência para irem ver os seus avós. Considera que o comboio era um transporte económico, mas também moroso e cansativo. Contudo, serviu para combater o isolamento do interior e para escoar as produções agrícolas e pecuárias. Recorda com saudade a paisagem e o rio, o convívio entre os passageiros da mesma carruagem, as estradas que estavam em péssimo estado e que havia poucos automóveis. Aproveitava as viagens para descansar, conviver com os amigos e ler. Fala sobre o abandono progressivo da linha, da falta que fez a muitas populações e deixa perspectivas futuras para o seu reaproveitamento.

10 Bruna Marcelino / Rogério Fernandes (video 6:41m) O entrevistado conta a sua neta que utilizou o comboio da linha do Tua nas viagens que realizou para o Porto e quando cumpriu o serviço militar em Bragança. Refere que o comboio era praticamente o único meio de transporte, pois nos anos 50 e 60 havia fracas vias e poucos meios de deslocação na região. Recorda os temas de conversa, a sua utilização por pessoas que emigravam, por estudantes e por militares (não esquece de contar a sua incorporação para a Guiné e o clima de guerra que ali encontrou) e os produtos despachados. Fala sobre os meios de comunicação existentes (telefones, rádio, cartas, centrais telefónicas), sobre as dinâmicas regionais (feiras, transporte de gado para

09 Bárbara Teixeira / António Teixeira (video 5:11m) O entrevistado, de Seixo de Manhoses, 117


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as feiras, venda de porcos, trabalhos agrícolas) e sobre as dificuldades de acesso à saúde, aos medicamentos e à educação. Reconstitui a lenda da Fonte das Bestas.

o ambiente era animado e havia convívio entre as pessoas; e para ir para a tropa. Refere os produtos despachados, a importância das barcas de passagem, as melhores ligações que tinham com Mirandela, a utilização do comboio para a saída da aldeia para outras terras do país, para África, para a emigração (razões que explicam a emigração). Fala sobre o transporte de gado em camionetas e faz a denúncia da actual falta de transportes para as populações.

11 Carolina Cruz / Alcídio Cruz (video 5:28m) Trabalhador agrícola em Pegarinhos, e na Câmara Municipal de Alijó, conta a sua experiência na utilização do comboio da linha do Tua e reconhece que era muito utilizada para fazer face à concorrência de outro tipo de transportes e porque na altura se faziam deslocações a pé, a cavalo ou em burro. Fala sobre a ida à feira de Mirandela, os assuntos abordados nas conversas e o convívio entre as pessoas, o destino dos seus utilizadores, a captação de mão-de-obra para os trabalhos agrícolas locais (vindimas, apanha da azeitona, ceifas, trabalhos nas vinhas nas quintas…), a ida para as termas de Carlão, os produtos transportados. É a favor da reactivação da linha.

13 Diogo Firmino / Sr. Adérito (video 2:42m) O entrevistado utilizava o comboio, a partir do Cachão, porque não tinha outro meio de transporte, para chegar até Lisboa e para regressar à sua terra. Caracteriza o comboio (as máquinas e as carruagens) e conta algumas peripécias de viagem que considera agradável e muito bonita. Refere-se ao transporte de pessoas e de mercadorias.

12 Daniela Teixeira / Sr. Guilhermino (video 4:55m) O entrevistado utilizou muitas vezes o comboio da linha do Tua: para ir de Abreiro a consultas médicas, e conta que

14 Maria Pires / Carlos Pires e António Almeida (video 5:22m) Carlos Pires teve contactos com a linha do Tua, desde bem cedo para ir até Rio Tinto ver os avós, quando foi para a 118


Memória oral e história local

tropa e quando ia a consultas ao Porto. Conta que as viagens eram uma festa e fala sobre o impacto da linha sobre o CAICA e sobre o seu pai e seus avós que por ela faziam o transporte de gado. António Almeida viveu no Cachão e trabalhou no CAICA e foi um utilizador regular da linha do Tua. Considera a linha um pólo de desenvolvimento do nordeste porque fazia o transporte de pessoas e de mercadorias numa época em que as estradas eram fracas e reduzidos os meios de transporte. Fala sobre: a linha, em si mesmo, o ambiente que se vivia nas carruagens e algumas brincadeiras e picardias.

vantagens de viajar de comboio, as paragens nas estações de 5 ou de 10 minutos davam tempo para comprar qualquer coisa na estação. Frisou que, nos dias de hoje, os comboios desenvolvem a actividade turística e fazem parte do rico património ferroviário. Sente nostalgia dos tempos em que viveu bem de perto todo o movimento ferroviário.

16 Rui Pinhel / Sr.ª Emília (video 9:02m) A entrevistada utilizou a Linha do Tua, pela primeira vez, quando partiu para África. Fala, sobre o ambiente no comboio: cantava-se, tocava-se guitarra, e, nas estações, havia pessoas a vender rebuçados, amêndoas e pão. A paisagem era deslumbrante. Recorda: a Guerra Colonial e a grande tristeza das pessoas ao despedir-se dos soldados que partiam de comboio para essa guerra; a comunicação feita, através de cartas e de telegramas; as pessoas reuniam-se à volta do rádio para ouvir as novelas com muita atenção; a inauguração da Ponte do Tua: as pessoas das aldeias, acompanhadas pelo rancho, cantaram nesse local; a população de Vila Flor apanhava a camioneta na Praça e seguia até ao Tua, onde tirava o bilhete e apanhava o comboio; as feiras eram muito grandes, as pessoas das aldeias, depois de comprar o que necessitavam, iam almoçar nas tabernas e regressavam às suas terras. Relembra

15 Rita Almeida / Diamantino Cruz (video 7:16m) O entrevistado recorda que fez muitas viagens de comboio, pois até finais dos anos 60 nas vilas não havia continuação de estudos e era necessário partir para outra terra. Ele estudou no Porto e em Coimbra, mas teve amigos que estudaram em Bragança. O comboio era o único meio de transporte da altura que estava generalizado. Nas férias, enchiase de estudantes, de soldados e de outros passageiros, havia dificuldade de arranjar um lugar sentado, mas o ambiente era bom. As comunicações eram difíceis, havia poucas estradas, algumas delas com muitas curvas e esburacadas. Focou as 119


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que, antes, toda a gente se encontrava na rua, dançava, cantava e brincava, sendo ambiente alegre e muito diferente dos dias de hoje. A Linha do Tua era uma mais-valia para a população: o meio de transporte de muita gente, onde se viveram muitas memórias que jamais serão esquecidas.

boio quando regressava à terra, nas férias, e quando regressava a Lisboa. Conta que foi no comboio que deu o primeiro beijo ao namorado e que as cartas demoravam dois ou três dias até chegarem ao seu destino. Enuncia alguns produtos despachados e emite uma opinião sobre a Linha e sobre a Barragem do Tua.

11º ANO, TURMA B

19 Bárbara Gonçalves / Paula Ribeiro (video 3:52m) A entrevistada utilizou a linha do Tua e do Douro em viagens que realizou com a família, de Bragança ao Tua e do Tua a Penafiel. Refere que havia um bom ambiente no comboio e considera a linha do Tua Património Cultural, por ter servido as populações de muitas aldeias e contribuiu para a sua abertura e para o seu desenvolvimento.

17 Ana Nascimento / João Gonçalves (video 2:31m) O entrevistado referiu que viajou em comboios de passageiros na linha do Tua e que uma viagem que fez entre Bragança e o Tua demorou 8h. Recordou os assuntos abordados nas viagens: trabalho, paisagem, namoricos, bailes. Referiu que o comboio tinha falta de conforto e fazia muito barulho e falou sobre a distribuição das cartas na aldeia.

20 Catarina Marques / Alzira de Sá (video 3:23m) A entrevistada utilizou o comboio várias vezes para ir ao Porto ao médico e para visitar a família. Recorda como se passava o tempo nas viagens, o movimento quotidiano de passageiros, os soldados a

18 Ana Ganhão / Homera Rodrigues (video 4:32m) A entrevistada, uma transmontana que migrou para Lisboa à procura de trabalho, refere que fazia a viagem de com120


Memória oral e história local

caminho dos quartéis ou de regresso às terras de origem. Fala sobre: os meios de comunicação, as formas de subsistência da economia familiar (agricultura e criação de animais), a procura de cuidados médicos e a morosidade de uma viagem de ida e volta até ao acesso a esse serviço.

lentidão das viagens e a paisagem espectacular da Brunheda até ao Tua.

23 Luis Moutinho / Maria Olindina Trigo (video 10:16m) A entrevistada, professora aposentada do 1.º ciclo, viajou em comboios de passageiros e passava o tempo a fazer palavras cruzadas e a conversar. Viajou, durante 7 anos, para o Porto, onde era aluna interna num colégio desta cidade. Fez depois o Magistério Primário, em Bragança. Considera o ambiente do comboio muito bom, refere assuntos de que se falava, recorda os meios de comunicação (rádio, telefone), lembra-se das feiras de Vila Flor e de Mirandela e recorda uma canção infantil. Notam-se distorções nas respostas apresentadas, o que denota algum cansaço.

21 Daniela Pinhel / Francisco Pinhel (video 3:51m) O entrevistado afirma que a linha do Tua era muito popular e muito utilizada. Utilizou a linha do Tua para cumprir o serviço militar e para ir ver a Lisboa o seu clube do coração O comboio era lento, mas as viagens eram divertidas e interessantes, devido à paisagem e ao convívio entre as pessoas. Opinião crítica sobre a barragem do Tua e defesa da preservação da linha do Tua.

24 Ricardo Meireles / José Luis (video 17:10m) Trabalhou na linha do Tua durante 33 anos, contudo, apresentou respostas vagas, imprecisas e descontextualizadas. Confessou que já se não lembrava de muitos aspectos questionados. Confirmou

22 Inês Moura / Manuel Moura (video 2:49m) O entrevistado caracteriza os comboios a gasóleo que utilizou, de Mirandela até Lisboa, quando cumpriu com o serviço militar obrigatório, e as condições que apresentavam. Fala sobre s revisores, a 121


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que o comboio também era utilizado por pessoas que emigravam e pelos soldados para se dirigiam para os quartéis ou para as terras de origem. Critica o abandono da agricultura, a falta de pessoas a exercer actividades (sapateiros, serralheiros, carpinteiros, pedreiros…), a falta de comboios e de transportes em muitas aldeias, resultado do encerramento da linha. Fala sobre: os problemas resultantes da incompatibilidade dos horários dos comboios; a importância das feiras para os agricultores locais; os produtos despachados pelo comboio e as estações com maior movimento; o actual aumento do acesso à cultura e à educação. Considera que se o comboio fosse reposto, reanimaria a vida económica e social da região.

íngreme da linha por uma locomotiva auxiliar. Falou sobre: o transporte dos militares; a ida todos os anos para a Colónia de férias, em Mangualde, porque o pai trabalhava na CP; a costura que aprendeu no Pinhão; o preço dos bilhetes e os horários dos comboios; a vida dos maquinistas e dos fogueiros. Em síntese, afirma que o comboio era um bem para toda a gente, porque movimentava muitas pessoas e dinamizava a economia regional. Havia 4 autocarros diários, vindos de Vila Flor que passavam por Carrazeda e conduziam as pessoas até à estação do Tua para seguirem viagem para outros locais; o comboio trazia e levava o correio. Reconhece que os comboios fazem muita falta na localidade.

25 Sara Passeira / Fernanda Passeira (video 11:11m) Natural do Tua, é entrevistada pela neta, Sara, que lhe revela o seu álbum de memórias sobre o Tua e sobre a importância do comboio para a localidade (chegaram a circular 12 comboios diários) e para a região (movimento dos comboios, água, peixe, o transbordo de: cereal, adubo, carvão, peixe, nozes…, ir ao médico (Régua, Pinhão, Porto), ir no vagão maca para o hospital do Porto. O comboio da linha do Tua podia levar entre 15 a 16 vagões, sendo auxiliado na parte mais

26 Sara Passeira / Fernando Passeira (video 6:41m) Natural do Tua apresenta a sua visão, sobre a aldeia do Tua e sobre a sua vivência perto do comboio e da linha. Trabalhou na estação do Tua nos anos 70 no transbordo de adubos, cereais… Confessa que o Tua é uma zona bela e digna de ser visitada pelo que, quando passou a viver no Porto, ali vinha em viagem de grupo e de lazer. Tem boas recordações dessas viagens e reconhece que as pessoas do Tua viviam bem, graças ao trabalho proporcionado pela estação e 122


Memória oral e história local

pelo comboio. Falou sobre o quartel de Bragança e sobre a utilização do comboio pelos militares.

12º ANO

28 Yiwen Wang / Fernando Barros (Presidente da Câmara Municipal de Vila Flor e António Neves (video 24:16m) Fernando Barros, presidente da Câmara de Vila Flor, recorda que utilizou o comboio da linha do Tua em vários períodos da vida e a partir do Cachão, onde chegava de carro ou de autocarro: quando foi estudar (aos 9 anos, para o Porto; depois, para Bragança e, por fim, para Coimbra) e quando andava na tropa. Recorda que o comboio era muito frequentado por pessoas, por estudantes e pelos tropas. Na altura, não havia estradas como há hoje e o comboio era a forma mais fácil e mais barata para sair da região para outras localidades e para ter acesso ao litoral, por isso andava sempre muito cheio. O ambiente era muito vivo e todos os elementos da sociedade o utilizavam. As conversas versavam os assuntos mais variados e eram muito interessantes. A paisagem era muito bonita e digna de ser apreciada. As aldeias e vilas tinham fracas vias de comunicação e o comboio era uma possibilidade para as pessoas viajarem. O comboio trazia e levava pessoas, mercadorias, o correio (do Cachão o correio era distribuído para várias localidades da zona). As empresas de camionagem só asseguravam as

27 Diana Garcia / Teresa (video 13:39m) Apesar de ter nascido em Angola, utilizou o comboio misto da linha do Tua para fazer viagens. Considera que muita gente utilizava este meio de transporte, porque mais acessível e porque todos os produtos eram transportados de comboio. Fez viagens de Lisboa a Mirandela e do Porto até Abreiro, a estação mais perto da aldeia de residência. Considera as paisagens do Tua das mais belas do Mundo. Fala sobre: o reencontro de amigos nas viagens; os soldados que iam a pé da aldeia até Abreiro para apanharem o comboio e regressarem ao quartel; a dificuldade das pessoas estudarem, de irem ao médico e de se tratarem com chás e produtos naturais; os meios de comunicação (cartas, rádio, posto público de telefone); as dinâmicas regionais, a agricultura tradicional, a fraca produtividade, as feiras, os produtos despachados no comboio (grelos, couves, batatas, azeite). Recordou alguns rifões populares e emitiu uma opinião sobre a barragem e sobre a linha do Tua.

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linhas que lhes davam mais lucro: para chegar ao comboio e ao Cachão e nos dias de feira, mas não havia ligações de camioneta para o Porto e para Lisboa. As pessoas do Vale do Tua (Ribeirinha, Vieiro, Vilarinho das Azenhas e Cachão) usavam o comboio para ir às feiras a Mirandela. O Eng.º Neves, natural de Vilarinho das Azenhas, refere que podia utilizar a linha do Tua diariamente e que nos dias de feira era uma azáfama tremenda: as pessoas levavam aquilo que colhiam e os animais que criavam e trocavam o dinheiro apurado na feira por outras coisas (massa, arroz…). Conta que o pai da sua avó era o carregador da estação de Vilarinho e era ele que dava indicações ao comboio de carga que vinha ali buscar cereal ao celeiro para ser despachado. Fernando Barros vivia em Santa Comba da Vilariça e só utilizava o comboio para ir para longe. A viagem era muito demorada, mas a linha do Tua era essencial e foi por isso que foi construída e teve uma força muito grande como motor de desenvolvimento da região: pessoas, mercadorias e comunicações. O médico de Vila Flor era chamado às aldeias para consultar as pessoas, mas as pessoas de Vilarinho utilizavam o comboio para ir ao médico. O Eng.º Neves frisou que quem era de Vilarinho das Azenhas e queria ir a Vila Flor tinha de ir de comboio até ao Cachão e daqui apanhar a carreira para Vila Flor. O seu avô negociava em gado e era na feira eu o vendia, trocava e comprava e quem lhe vendia os animais ia levarlhos à aldeia. Antigamente, tudo era

aproveitado para se realizar na feira. Fernando Barros falou, sobre o transbordo no Tua para a Linha do Douro, o que encareceu tudo. O traçado era difícil e a velocidade lenta e o comboio perdeu a rentabilidade pelo que encerrou entre Mirandela e Bragança. Mais tarde, por falta de manutenção, houve vários acidentes que justificaram o encerramento do Tua à Brunheda. Posteriormente, é começada a construção de uma barragem que vai inundar parte dessa linha. Emitiu uma opinião sobre a construção da barragem e sobre o aproveitamento das condições para desenvolver a zona do seu concelho. Afirmou que é necessário que se crie um projecto turístico que ajude ao desenvolvimento daquela zona. Em jeito de conclusão, declarou que na vida temos de ter memória (memória de infância, memória da juventude…), uma memória de saudade, mas os tempos mudam e enquanto decisor tem de aproveitar as oportunidades e de projectar o futuro para desenvolver o seu concelho. CARRAZEDA DE ANSIÃES ESCOLA PROFISSIONAL DE CARRAZEDA DE ANSIÃES

01 Mónica Ribeiro, José Ribeiro, Fábio Arsénio, Ana Ribeiro e

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Memória oral e história local

linhas de via reduzida, os acidentes e as vidas perdidas.

Daniela Ribeiro / Manuel António Sousa (video 26:25m) A entrevista reflecte as circunstâncias que caldearam a vida do entrevistado. A sua história de vida fica reconstituída: fora pastor; teve 10 irmãos; concluiu a 3.ª classe. Questionado sobre as vertentes da história da região, falou sobre as minas de ferro, estanho e volfrâmio, nas imediações da Brunheda, sobre o trabalho nas minas, em que a pedra era muito dura; sobre as dificuldades económicas, sentidas pelas gentes do Vale do Tua; sobre o racionamento e o contrabando de azeite, em que foram utilizados os odres para o transportar. Fala sobre a emigração, sobre a pesca e sobre a importância do rio Tua para a região.

MURÇA ESCOLA PROFISSIONAL DE MURÇA

01 Ana / José Acácio Borges (video 3:30m) O entrevistado, natural de Murça e originário de uma família pobre, começou a trabalhar aos 9 anos, andou de pedreiro, foi para Angola, onde foi fiscal da barragem de Cambambe, esteve na África do Sul, na Rodésia e na Suazilândia. Um dia veio de férias e, ao verificar que em Murça havia falta de alguma coisa que desse trabalho à população local, decidiu montar uma fábrica de vigas. Regressou a África para vender o que lá tinha e aplicou o dinheiro apurado na fábrica de Murça. Chegou a ter 170 pessoas a trabalhar e a vender muito material para toda a zona Norte do país. Com o afrouxamento da construção, toda a gente sentiu o efeito da crise. Falou sobre as dificuldades que sentiu para se instalar em Murça.

02 Mónica Ribeiro, José Ribeiro, Fábio Arsénio, Ana Ribeiro e Daniela Ribeiro / Abílio César Carvalho (video 13:26m) Este maquinista trabalhou nas linhas do Sabor, do Tua, do Corgo e do Douro. Fala sobre as viagens de comboio, a sua profissão, a sua história de vida, a sua saúde, o seu ordenado. Recorda o movimento do comboio na linha do Sabor em dias de feira de Moncorvo e da importância dos táxis e dos autocarros como complementares do transporte ferroviário. Lembra o encerramento das

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Marques (video 10:47m) O entrevistado, natural de Murça, recorda o passado e o presente desta vila. Refere que antes não havia as condições que há hoje, mas havia mais amizade entre as pessoas e que, agora, há mais individualismo e egoísmo. Conta que o pai era jornaleiro e que faleceu cedo e que viveram tempos muito difíceis. Ele era o mais novo dos irmãos e nem sequer chegou a trabalhar no campo. Mal acabou a escola primária, foi aprender a arte de alfaiate, porque os estudos eram para as famílias mais poderosas. Aos 19 anos, foi mobilizado para o serviço militar e, na guerra colonial, em Moçambique, esteve em transmissões. Regressou a Murça em 1975, concorreu a uma vaga de leitor/ cobrador da água e electricidade daCâmara Municipal e apanhou o lugar. Conta o impacto da luz e da água na vida das pessoas e que, devido ao fraco poder de compra, pouca gente tinha acesso a esses serviços. Não esquece de referir as dificuldades de transportes da época, e de afirmar que, no exercício da sua actividade, corria o concelho, suportando as condições climatéricas, e tendo de comprar uma motorizada para se deslocar. Só mais tarde passou a dispor de uma viatura da Câmara. Referiu que os cães atacavam o cobrador, quando batia à porta dos donos, e que as leituras eram feitas na altura em que faziam as cobranças e traziam a leitura para ser lançada para o mês seguinte. Em 1979, apareceu uma empresa de Midões, já informatizada, que tratava dos recibos. Naquela altura,

02 Artur Silva e Marta Carqueija / Maria Virgínia (video 17:32m) A entrevistada, professora em Jou, durante 40 anos, recorda as memórias, sobre os alunos que ensinou no 1.º ciclo e sobre a escola primária: os alunos dóceis e humildes e o meio, em si mesmo, tornavam simples manter a ordem na sala de aula e no recreio. Considera que eram tempos diferentes dos de hoje e recorda algumas estratégias que seguiu para ensinar e para lidar com os alunos. Caracteriza a Escola de Jou com pré-primária e 1.º ciclo e afirma que motivou muitos alunos para tentarem continuar os estudos. Fala sobre a telescola, sobre as brincadeiras e sobre o desporto que pouco ou nada se fazia na altura. Recorda histórias de alunos com um comportamento instável, rebelde e difícil e que, aos poucos, acalmavam um pouco, mudando de comportamento e de atitudes. Relembra um aluno brasileiro que foi para o Seminário e que, depois de regressar ao seu país, a informou que casou e que tirou o curso de engenharia.

03 Sofia Ribeiro e Michel Aires / José António 126


Memória oral e história local

quem suportava as reclamações dos consumidores era o cobrador/leitor, quando lhes batia à porta.

lhe comprar uma peça para isso.

05 João Calado e Michel Aires / Olinda Batista Calado (video 26:14m) A entrevistada conta que começou a trabalhar muito cedo na Terra Fria, na agricultura (batata, milho) e em várias actividades (plantar, semear, sachar, regar, carregar o cântaro da água para preparar o DDT para sulfatar e combater o escravelho da batata, arrancar, apanhar, ceifar,…), até ao momento em que se encheu da agricultura e partiu para Lisboa. Aqui, esteve empregada na Associação de Deficientes Motores, quando esta instituição abriu. De Lisboa, foi para Angola, onde trabalhou num bar e dava refeições aos camionistas que passavam na estrada. Acabou por casar, por ter três filhos e por estar lá quase 17 anos, acabando por viver de perto a guerra entre a UNITA e o MPLA e de ter de ir de Sanza Pombo para o Lobito e daqui para Luanda. Esperou uma semana pelo marido e regressaram a Portugal, tendo ido ficar à Praia das Maçãs, onde tinha uma irmã. O marido vinha desnorteado, porque tinham perdido tudo em Angola (casa, armazém, fazenda de café, criações de ovelhas, cabras, porcos, 3 carros), e quis voltar à aldeia. Em 1976, voltaram a trabalhar na agricultura, juntaram dinheiro e compraram uma camioneta em segun-

04 Alexandra Oliveira e Alexandro Pousado / Maria Inácia Canha (video 10:22m) A entrevistada foi criada com uma madrasta e foi com ela que começou a aprender a arte da costura. Mais tarde, foi para Vila Nova, para casa da tia e madrinha, a aprender a costurar e a abordar: a fazer vestidos, camisas, calças, ceroulas, cortinas, toalhas, lençóis, colchas, isto é, trabalhos que lhes pediam para ela fazer. Fazia a obra para as pessoas da sua aldeia, os Vales, e levava-lha a cada 8 ou a cada 15 dias. Umas vezes ia na égua, outras vezes numa burrinha. A deslocação levava-lhe quase todo o dia. Refere que, antes, era preciso fazer toda a roupa, mas que agora se compra já tudo feito. A costura era mais trabalhada e fazia bordados. Recorda que a alimentação era à base de sopa de legumes, de batata, de abóbora, de cebola, de um pouco de alho. Cozia-se uma panela de batatas com alguma coisa que se arranjava: uma chouriça, uma alheira, um pouco de carne. Só costurava de dia para aproveitar a luz do dia. Costurou inicialmente numa máquina Singer, mas, depois, arranjou uma Oliva, porque amarra os dentes e borda e a outra tinha de se 127


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da mão. Começaram a comprar fruta, a plantar vinha e árvores de fruta para fazer negócio. E compraram um prédio, onde meteram uma máquina a surribar e plantaram uma vinha.

apareceram depois, na região: a Cabanelas e a Rodonorte; a importância dos transportes rodoviários no transporte de mercadorias e de passageiros; as viagens entre Murça, Vila Real, Porto e Lisboa; as más condições das estradas que criavam grandes dificuldades à circulação deste tipo de transportes. MIRANDELA ESPROARTE ESCOLA PROFISSIONAL DE ARTE DE MIRANDELA

06 João Calado, Hélder Rodriges e Cristiano Santos / Armando da Silva Correia (video 5:05m) O entrevistado foi carpinteiro e andou muitos dias à pesca e recorda: as espécies pescadas, os aparelhos que utilizava para pescar; como passavam os dias; dormiam ao pé do rio, o convívio; algumas histórias trágicas: um acidente de moto; roubaram-lhe uma rede de pesca. Fala sobre os meios de transporte.

10º ANO

01 Ana Sofia Caldeiras e Ana Catarina Pereira / Maria Alves (video 5:00m) A entrevistada trabalhou em Lisboa numa confeitaria, mas nasceu em Tourém. Por motivos económicos, foi para Lisboa trabalhar e utilizava o comboio, quando visitava os familiares no norte do país: Santa Apolónia a Campanhã e daqui até Mirandela. Vinha, sobretudo, nas férias. Refere como eram essas viagens: as anedotas; saber a vida de cada um; as cantigas antigas; as brincadeiras; o bom ambiente; o convívio; os bancos de madeira e desconfortáveis; as paragens nas estações e apeadeiros. Tem sau-

07 Michel Aires, Alexandro Pousada e João Calado / José Carlos Rodrigues (video 3:17m) O entrevistado fala sobre a Empresa de camionagem de Murça, a Boais & Rodrigues, uma empresa da sua família (pai e tio) e de outro sócio, e os problemas que a levaram ao seu encerramento. Recorda: as empresas de camionagem que

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Memória oral e história local

dades desse tempo, de ver as paisagens, de viajar…

cumpriu o serviço militar obrigatório. Recorda os arraiais e as romarias da região. Falou sobre: a importância da criação da Orquestra Nova Geração como forma de valorizar e dignificar o ensino da música na região; as romarias de antigamente e as atuais e a atuação das bandas de música; a diferença verificada na qualidade musical, com o aparecimento de polos de desenvolvimento cultural e artístico que permitem aos jovens estudar; a qualidade artística dos músicos de hoje que promove a composição e dá azo a outra interpretação das obras; o nível de formação das bandas está a aumentar, o que obriga a que o programa seja mais exigente.

02 José Moreno e Filipe Santos / João Paulo Batista (video 5:18m) O entrevistado nasceu em Moçambique, mas veio, depois, para Mirandela. Recordou os arraiais e as festas da cidade de Mirandela e das aldeias em redor. Falou sobre a via, a viagem vagarosa, a bela paisagem, a música na viagem e a animação dos militares; os acidentes na via; pagava ¼ de bilhete, quando utilizava o comboio, durante o cumprimento do serviço militar. Tocou em bandas de música (banda de Mirandela e de Moncorvo).

04 Nelson Cruzeiro, João Pires e António Santos / Alcino Lopes (video 31:59m) O senhor Alcino foi assentador na CP e trabalha no Metro de Superfície de Mirandela. A primeira experiência que teve foi com a neve, em 1956. Recorda: a entrada para a CP; esteve no Pocinho e em Mirandela; história de vida; as oficinas de reparação da CP em Mirandela; trabalhou em Sortes, Mirandela, Ovar, Salselas, Pocinho; emigrou em 1975 para a Alemanha; viveu no Tua; o encerramento da linha Bragança-Miran-

03 José Moreno e Filipe Santos / Francisco Clemente Sousa (video 10:41m) O entrevistado é professor de Educação Musical e Maestro da Banda Municipal de Valpaços. Reproduz memórias sobre a linha, as viagens e a paisagem dos tempos em que

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dela, em 1991; nessa altura, foi a Lisboa escolher vaga e veio para Mirandela; em 1992, trabalhou na renovação da via, do Tua à Brunheda: fiscalizava 90 homens; regressou a Mirandela; a vida na linha; tratou da pré-reforma; veio para o Metro, onde está há 20 anos. Fala sobre: os acidentes da Linha e por que razão a linha está mal feita; a vida na linha: comia-se mal; a preparação das refeições; a linha antiga e a moderna; as carruagens em madeira; o comboio a carvão; a limpeza da via; a duração das viagens para o Porto; como passavam o tempo; o comboio era importante para muitas aldeias.

tadoras; as pessoas conversavam e cantavam; os horários; as carruagens. Fala sobre as feiras e as tascas. Fez parte dos grupos folclóricos de Murça e de Martim e organizou um grupo de bombos.

06 Tiago Rodrigues / Carla Neves (video 4:53m) A entrevistada, técnica da Consultua, cresceu no Cachão e recorda: os arraiais e as festividades das aldeias; viajou na Linha do Tua para o Porto: duração da viagem; o ambiente: diversão, conversas, canções; os horários dos comboios; bancos de madeira; recordações desse tempo, especialmente das pessoas com quem convivia.

05 Nicola Scalise e Gonçalo Cardoso / Fernando Pereira (video 20:08m) O entrevistado, natural de Martim (Murça), recorda que a música sempre esteve presente nos arraiais, nos bailaricos e nos trabalhos agrícolas. Utilizou a linha do Tua, a partir de 1965, embarcando na Brunheda, quando ia para as ceifas, quando trabalhou nas minas da Panasqueira, quando cumpriu a recruta e partiu para a Guerra Colonial em Moçambique, onde ficou na vida civil até 1977. Guarda recordações dessas viagens de comboio: demoradas; bonitas e divertidas; muito importantes para se chegar a qualquer ponto do país; paisagens encan-

07 Tiago Rodrigues / Maria Fernanda Azevedo (video 7:46m) A entrevistada foi comerciante e recorda: os arraiais e as festas religiosas; as viagens para o Porto, quando era pequena, para fazer tratamentos à bronquite; viagens demoradas; o ambiente das viagens; a ocupação do tempo. Conta um dia passado no Tua (almoço no Calça Curta). Canta a canção de Mirandela e fala so-

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Memória oral e história local

bre: as carruagens de madeira; a falta do comboio para algumas populações: Ribeirinha, Cachão…; as compras nas feiras; as saudades desse tempo: a amizade, os bailaricos, o namoro, o cinema…

12º ANO

11º ANO 09 Maurício Moreiras / Manuela Sampaio (video 20:57m) A entrevistada nasceu no Castedo e foi estudar para o Porto onde concluiu o Curso. Recorda: a contratação de uma banda de música para a festa de Castedo; as recordações de festas religiosas e das vindimas (as concertinas e os ferrinhos; as lagaradas; a canção “Fui ao Douro à Vindima”). Guarda recordações da pisa das uvas, das vindimas, de ir buscar água ao rio Tua, em grupo, porque a água era mais límpida. Fala sobre a Linha do Tua: as viagens para o Porto e para as termas de S. Lourenço; a duração da viagem; a ocupação do tempo nas viagens; assuntos de conversa; os bailes de S. Lourenço; o preço dos bilhetes; o aproveitamento turístico da linha. Falou, sobre: as feiras mais próximas da localidade; a festa anual da aldeia; a festa de encerramento das vindimas e a saudação aos donos das vinhas. Falou sobre o grupo folclórico de Castedo (número de elementos; actuações e repertório).

08 José Alexandre Bragança / Fernando Barros (video 21:18m) Recorda os arraiais, as festas, os bailaricos e os cantares ao desafio que se organizavam na sua aldeia, Santa Comba da Vilariça. Guarda muitas memórias da Linha do Tua, de quando foi estudar (no Porto; em Bragança e em Coimbra) e de quando cumpriu o serviço militar: Frisou a importância da linha do Tua, apesar do estrangulamento, provocado pela diferença de bitola, entre esta linha e a do Douro. Este processo sempre foi um obstáculo para a transferência de mercadorias e de pessoas. A Linha do Tua nunca se impôs como uma alternativa, nem ao turismo da região, nem como alternativa à circulação das pessoas.

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10 Maurício Moreiras / António Pinto (video 15:25m) Nasceu em Castedo do Douro e trabalhou como cantoneiro municipal, na Câmara Municipal de Alijó. Recorda que o comboio faz muita falta, apesar de agora toda a gente querer andar de autocarro, o que tira o valor ao comboio. Fala sobre as festas de antigamente e de agora e das canções cantadas no trabalho. Utilizou muitas vezes a linha do Tua, quando fez a tropa, e recorda as brincadeiras dos colegas; jogavam às cartas; era um ambiente alegre. Recorda os trabalhos dos lagares, o transporte das uvas e do vinho e a cantiga as feiticeiras. Fez parte do rancho folclórico de Castedo do Douro e chegou a ser seu presidente. Lembra-se de algumas canções e tem saudades do tempo de antigamente.

1969, após a tropa, reativou-o; fez uma paragem em Mirandela e ativou o grupo no Cachão; em 1979, o rancho voltou para Mirandela, onde ainda hoje está em funcionamento. O senhor Augusto tem sido o seu impulsionador e a mola principal, ao longo de 50 anos: diretor, tocador e ensaiador. Criou também o grupo de bombos e gigantones, cavaquinhos e escola de samba. Fala sobre o repertório, baseado em músicas cantadas nas atividades agrícolas, e como a chegada do comboio do Tua, cheio de grupos de ceifeiros do Douro, para fazer as ceifas na região de Mirandela, despertou nele a vontade de se dedicar ao folclore e de tocar. Na sede do grupo folclórico, guardam imensas recordações e lembranças de representarem Mirandela no país e no estrangeiro (Alemanha, França, Bélgica, República Checa, e outros países). Conta como nasceu a tradição da Noite dos Bombos, nas festas de N.ª S.ª do Amparo.

11 Andreia Alves, Andreia Gouveia e Lara Veloso / Augusto Carvalho (Rancho Folclórico de Santiago, Mirandela) (video 1:20:18h) O rancho folclórico: fundação (26/2/1963), como coletividade de solidariedade social; dirigiu-o, até 1966; em

12 Andreia Alves, Andreia Gouveia e Lara Veloso / António Vieira e Joaquim Rente (Banda 1º de Maio, Mirandela) (video 9:34m) O senhor António Vieira recordou o aparecimento dos elementos da banda 1.º de Maio; a Associação de Socorros Mútuos

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dos Artistas Mirandelenses, antes do incêndio; os bailes que se organizaram na sua sede e as orquestras que ali atuaram. Após o incêndio, esses bailes acabaram. O senhor Joaquim dava apoio e ia buscar a casa os que tocavam na banda. Recordou que, no baile de Carnaval, as pessoas iam para onde estivesse mais gente: ou para o baile da Associação ou para o baile do Cine Teatro Mirandelense.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: APRENDIZAGEM COLABORATIVA Otília Lage investigadora do CITCEM, Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura,Espaço e Memória”

A

reflexão que se faz sobre esta experiência de aprendizagem colaborativa na comunidade escolar do Vale do Tua (sete instituições públicas de ensino em cinco concelhos) que decorreu no ano letivo 2014/2015 no âmbito da implementação do projeto MemTua 2 Escolas supõe que se distinga entre aprendizagem colaborativa e cooperativa e se diferencie a aprendizagem colaborativa da aprendizagem tradicional. • Aprendizagem colaborativa versus aprendizagem cooperativa? Se os termos colaborar e cooperar podem ser considerados sinónimos, quando aplicados à área da educação, é importante fazer a ponte entre ambos, sem esquecer que neste âmbito nunca poderão ser usados com o mesmo significado, já que a sua extensão é de natureza diversa, apresentando a palavra colaborar uma amplitude maior do que a palavra cooperar. Assim, aplicadas ao ensino -aprendizagem, a aprendizagem cooperativa surge-nos como um subtipo da aprendizagem colaborativa (Cuseo, 2000). A aplicação dos termos depende muito do contexto em que são empregues, já que ambos têm origens distintas e por vezes divergentes. A aprendizagem cooperativa, com raízes americanas nos textos filosóficos de John Dewey, dá relevo à natureza social da aprendizagem e ao trabalho em dinâmicas de gru135


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pos de Kurt Lewin, enquanto que a aprendizagem colaborativa se baseia em experiências e estudos de professores ingleses que exploram os modos de ajudar os alunos a dar resposta às tarefas da escola, assumindo um papel mais ativo na sua própria aprendizagem (Panitz,1999). Podemos explicitar essa diferença com o seguinte exemplo: quando numa turma dividida em dois grupos se distribui ao grupo A a tarefa de redigir um texto e ao grupo B a tarefa de pesquisar imagens para ilustrar o texto, resultando o produto final da “colagem” do trabalho de cada grupo, considera-se que houve aprendizagem cooperativa mas não chegou a ser colaborativa, porque a estrutura das interações entre os alunos foi apenas “desenhada” com o fim de facilitar o cumprimento de um objetivo final. Para se poder considerar que houve aprendizagem colaborativa deveria ter havido uma interação pessoal menos estruturada que facilitasse um papel mais ativo de cada indivíduo em todo o processo (Bruffee, 1995, cit in Panitz, 1999). Todavia, sempre que se fala de aprendizagem colaborativa, é importante lembrar que nesse processo sempre está implícita uma dimensão cooperativa01 • A aprendizagem colaborativa é uma metodologia de ensino, que ao contrário da aprendizagem tradicional, mais solitária e centrada no papel dos docentes, se baseia na interação, colaboração e participação ativa dos alunos e privilegia a permuta de experiências, promovendo o envolvimento, empenhamento e motivação dos participantes. Podendo ser aplicada em diversos contextos - workshops, palestras, cursos, etc. - , foi sempre agida no projeto MemTua 2 Escolas, em todas as fases, desde a sua preparação e implementação no contexto alargado das escolas e no quadro mais restrito das turmas do ensino secundário e profissional até à sua execução. Esta modalidade de aprendizagem implicou e possibilitou simultaneamente um ambiente educacional centrado nos alunos, desempenhando os professores uma função de orientação; uma aprendizagem em equipa fortemente proativa, vocacionada para a investigação aplicada e marcada por um sentido de transformação. Para além destas características que reverteram noutras tantas vantagens, pôde detetar-se no decurso dessa aprendizagem prática um conjun01

Ver também Rethinking Collaborative Learning, obra publicada em Londres em 2000 que refere a aprendizagem cooperativa atribuída a Slavin (1992), mas omite os investigadores norte-americanos com trabalho de relevo nesta área.

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to de benefícios acrescidos, nomeadamente, o desenvolvimento múltiplo: de novas competências comportamentais e intelectuais, do sentido crítico, lógico e analítico, das habilidades de compreender e saber lidar com pontos de vista diferentes e do sentido do trabalho em parceria. Também a auto-estima e a capacidade de comunicação saíram reforçadas bem como os relacionamentos interpessoais e o amadurecimento e evolução pessoal, social e escolar. Considera-se, por fim, que todos os aspetos referidos se encontram presentes na experiência de aprendizagem colaborativa que envolveu também práticas cooperativas, protagonizada pelo universo escolar empenhado na implementação do projeto MemTua 2 escolas, em todas as suas fases, quer em ambiente de sala de aula e trabalho em grupo, quer, especialmente, na investigação de campo e situação de entrevista. Envolveu, para além de centena e meia de entrevistados, adultos e idosos representativos da população do Vale do Tua, outros tantos jovens alunos entrevistadores orientados por docentes, numa estimulante experiência de investigação aplicada tendo ainda proporcionado uma interação dinâmica e pró-ativa Escola-Comunidade local e regional.

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ANEXO • ANÁLISE DO PROJETO PELAS ESCOLAS

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• AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ALIJÓ



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窶「 AGRUPAMENTO DE ESCOLAS CARRAZEDA DE ANSIテウS



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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MIRANDELA



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• AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE VILA FLOR



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窶「 ESCOLA PROFISSIONAL DE CARRAZEDA DE ANSIテウS

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