Revista Overdrive

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ESTILO

Blackwork Conheça o novo estilo que está dominando o mundo da tatuagem

A instropecção como limbo

Valdi Valdi

A trajetória e pesquisa poética dos trabalhos em aquarela de Távia Jucksch Overdrive

manezinho que é destaque mundial

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ESTILO Overdrive

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A OVERDRIVE As revistas de tatuagem costumam trazer junto à suas matérias uma visão um tanto quanto estereotipada do estilo das pessoas que se tatuam. A Revista OVDV traz para você a tatuagem representada por um novo ângulo: mostramos as histórias, o estilo e arte por trás dos desenhos sob a pele. Queremos trazer a ideia de desconstrução de estereótipos, proposta pelo estúdio, que circundam a palavra “tatuagem” e também auxiliar o público alvo com as informações e auxílio que desejam

ver na revista. Para isso vamos trazer matérias que engajem o público, como a história da tatuagem, workclass e blackwork, informações sobre cuidados antes, durante e depois da confecção do desenho e a história por trás de cada pintura na pele. Nesta edição trouxemos um pouco sobre as origens da tatuagem, o estilo que gira entorno dela, desde design, moda, e até mesmo música. Além disso, a revista também traz uma série de dicas bacanas sobre tatuagem e técnicas utilizadas nos desenhos.

EQUIPE

Ana Steffen

Dayane Peppler

Gabriela Rigo

Edição 01 - Junho/2017 Direção Diretor de Planejamento Editorial e tipográfico Patrick Martinelli Veiga Diretora de Produção Gráfica Mayara Atherino Macedo Capa Ilustrador Theodoro Raych

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SUMÁRIO

A primeira edição da Overdrive conta com matérias sobre tatuagem, arte, cultura, estilo e todo conteúdo voltado para você.

Minimalismo 10 na sua pele Blackwork 12 TINTA NA PELE

12 18 Tattoos: onde tudo começou 24 A Introspeção Como Limbo 31 Buenos Aires: A arte que inspira

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CULTURA


35 Prepare-se para a era do veludo 38 Da fábrica para sua casa 45 Hip Hop é cultura, arte e atitude

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ESTILO

Entrevista com 51 o grafiteiro Valdi Valdi PAPO CABEÇA

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NOVIDADES

TENDÊNCIAS

AS TATUAGENS MAIS ENCONTRADAS EM 2017

FRASES

BLACKWORK 8


DEDOS

DOTWORK

FINELINE

GEOMÉTRICA Imagens: Mo Ganji Tattoo e múltiplas fontes da internet

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TINTA NA PELE

O MINIMALISMO NA SUA PELE Fineline: A linha tênue entre a tatuagem e a obra de arte

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xistem muitos fatores que influenciam na hora de fazermos uma tatuagem. Fatores esses que determinam e dão personalidade ao desenho escolhido, o deixando mais simples, elaborado, colorido, leve, pesado, grande ou minimalista. Já sabemos que é muito importante a escolha do artista que irá interpretar sua vontade, sentimento e colocar a mão na massa, opa, na pele. Imagina que você queira um desenho todo minimalista e caia em um tatuador que só trabalhe em Tradicional! Não né? Em tradução livre, nada mais, nada menos do que “linha fina”. É uma técnica de traço muito fino, pontual e simétrico. Esse tipo de técnica soma ao desenho um aspecto de leveza, simplicidade e melhor acabamento, sem deixar de lado o poder e a expressividade. Basicamente, o lema do Fineline seria “menos é mais”. Este tipo de técnica tem ficado cada vez mais popular, é uma boa pedida para quem ainda é inseguro para

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se aventurar em grandes obras de artes — no caso, a tatuagem mesmo — ou para quem procura algo simples e discreto. Normalmente, as tatuagens são pequenas, e apenas contornadas em cor preta. Quando pintadas, não se faz o uso de sombreamento. Muitas nem pintadas são. As tatuagens minimalistas podem ser delicadas, são modernas, dão personalidade ao visual sem chamar atenção e muitas vezes são tão suaves que mal parecem reais. O conceito minimalista pode ser usado em várias áreas, inclusive na arte: Minimalismo surgiu, ainda, no século XX e seus artistas usavam em seus trabalhos uma quantidade limitada de processos, materiais e temas. A tatuagem minimalista segue o mesmo conceito de simplicidade, embora seja um sucesso para os tatuadores contemporâneos.


Pra quem tem medo de agulhas, ou é mais discreto por natureza, as tatuagens em fineline são um prato cheio. Inspirações é o que não faltam pra quem busca desenhos mais simples e delicado que não chame muito atenção.

Texto: Fernanda Morais Imagens: Mr. K

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TINTA NA PELE


BLACKWORK

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tatuagem (que vem da palavra tatu em Tahitian, que significa “marcar algo”) existe desde 12.000 anos a.C., mas seu propósito sempre teve uma variação de cultura para cultura. No antigo Egito, por exemplo, a tatuagem era considerada um sinal de nobreza e fertilidade, já na época romana era a marca de escravos e criminosos. Mas apesar dos diversos significados e propósitos, a tatuagem sempre possuiu uma inicial característica singular, o pigmento preto. Nos primórdios, não haviam pigmentos em abundância, por conta disso, utilizavase qualquer pigmento que tingisse melhor a pele. A preferência era por cores escuras que melhor se fixasse e permanecesse na pele.Hoje, apesar do pigmento estar presente em maior parte das tatuagens, existem muitos estilos que ainda usufruem da singularidade da tatuagem em preto, como o Blackwork. “Blackwork” (Trad: “trabalhos em preto”), é um estilo contemporâneo recente que utiliza apenas da pigmentação preta. Por possuir uma diversidade de técnicas e uma pegada ilustrativa, o estilo vem ganhando muita popularidade no mundo da tatuagem. Dentre as técnicas utilizadas são o Fineline, Wips Shade, Hachura, Pontilhismo, Blackpiece, entre outros. Os primeiros trabalhos nomeados como Blackwork surgiram em 2015, e desde então o estilo encontra-se em formação através de milhares de tatuadores que seguem fielmente o estilo.

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Pra quem curto tons mais escuros ou é mais discreto por natureza, as tatuagens em blackwork são um prato cheio. Inspirações é o que não faltam pra quem busca desenhos mais trabalhados.

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ESTILO A tatuagem (que vem da palavra tatu em Tahitian, que significa “marcar algo”) existe desde 12.000 anos a.C., mas seu propósito sempre teve uma variação de cultura para cultura. No antigo Egito, por exemplo, a tatuagem era considerada um sinal de nobreza e fertilidade, já na época romana era a marca de escravos e criminosos. Mas apesar dos diversos significados e propósitos, a tatuagem sempre possuiu uma inicial característica singular, o pigmento preto. Nos primórdios, não haviam pigmentos em abundância, por conta disso, utilizava-se qualquer pigmento que tingisse melhor a pele. A preferência era por cores escuras que melhor se fixasse e permanecesse na pele.Hoje, apesar do pigmento estar presente em maior parte das tatuagens, existem muitos estilos que ainda usufruem da singularidade da tatuagem em preto, como o Blackwork. “Blackwork” (Trad: “trabalhos em preto”), é um estilo contemporâneo recente que utiliza apenas da pigmentação preta. Por possuir uma diversidade de técnicas e uma pegada ilustrativa, o estilo vem ganhando muita popularidade no mundo da tatuagem. Dentre as técnicas utilizadas são o Fineline, Wips Shade, Hachura, Pontilhismo, Blackpiece, entre outros. Os primeiros trabalhos nomeados como Blackwork surgiram em 2015, e desde então o estilo encontra-se em formação através de milhares de tatuadores que seguem fielmente o estilo. Texto: Dayane Peppler Imagens: Overdrive Skin Art

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useliverpool.com.br


CULTURA

TATTOOS ONDE TUDO COMEÇOU

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egundo o dicionário tatuagem é o “Processo de registrar sobre a pele, através de materiais com algum tipo de tintura, figuras, desenhos etc”, hoje as pessoas tatuam suas histórias, crenças, opiniões, gostos para deixá-los marcados em sua pele. Mas será que sempre foi assim? Você sabe como ou quando a tatuagem surgiu? A tatuagem é provavelmente uma das formas de modificação do corpo mais conhecidas e cultivadas no mundo. Um dos primeiros casos em que encontramos desenhos sob a pele na história é no homem de Ötzi, com cerca de mais de 5300 anos, em seu corpo foram encontradas mais de cinqüenta tatuagens que tinham significações religiosas. As linhas azuis em seu corpo podem ser o mais antigo vestígio de tatuagem já encontrado – ou, então, cicatrizes de algum tratamento medicinal adotado pelos povos da Idade da Pedra.

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Tatuagens dos povos indígenas brasileiros

Estudos mostram também que os desenhos sob a pele eram comuns entre tribos e clãs, há pelo menos 3500 anos atrás, com o objetivo de distinguir os diferentes grupos existentes. Mais tarde também tornou-se útil para marcar algumas fases da vida, como nascimento, maturidade sexual, tornar-se guerreiro, sacerdote, casar-se. No Brasil, diversas tribos indígenas traziam tatuagens pelo corpo, os waujás e os kadiwéus são algumas das que utilizavam da pintura definitiva para expressarem rituais de passagem e reverência a alguns elementos da natureza. No entanto, os indígenas não eram os únicos a usufruir dessas marcações, diversos documentos históricos demonstram que as tatuagens já eram usadas no antigo Egito, entre 4000 e 2000 a.C., bem como no na China e no Japão há cerca de 7000 anos atrás. No Egito foram encontradas múmias do sexo feminino, que teriam vivido entre 2160 e 1994 a.C. e apresentam traços e pontos inscritos na região abdominal – indício de que a tatuagem, no Egito Antigo, poderia ter relação com cultos à fertilidade. Uma dessas múmias encontradas era de uma sacerdotisa de 2000 a.C, apresenta linhas horizontais e paralelas à altura do estômago, muito provavelmente como uma forma de protecção contra gravidez ou doenças. Estas civilizações (Egipto, China e Japão) foram pólos de descobrimento e de comércio, contribuindo assim

para a disseminação das tatuagens o que decerto justificará o facto de bem mais tarde, por volta de 1100 d.C. terem sido encontradas por toda a Ásia, Polinésia e Nova Zelândia. Existem igualmente registros de que os celtas, os pictos, os vikings, os dinamarqueses, os normandos e os saxões também se tatuavam. Já no continente americano só em 1846 é que um tatuador se estabeleceu em Boston, embora os nativos do continente já usassem uma forma de tatuagem muito antes dessa data Durante a Idade Média, o uso de tatuagens foi proibido na Europa. Elas eram consideradas práticas demoníacas por vandalizarem o corpo que devia ser imagem e semelhança de Deus. Porém mais tarde o capitão inglês James Cook tentou entrar em contato com os nativos do Taiti e escreveu em seu diário a palavra “tattow”, também conhecida como “tatau”, que era como os nativos chamavam o ato de pintarem definitivamente a pele, por conta do barulho produzido pelos instrumentos utilizados na confecção de suas tatuagens.

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“Tatau�, tatuagens dos nativos do Taiti

Homem de Otzi

Knud Harald Lucky Gegersen 20

Maud Wagner, 1907


Com a circulação dos marinheiros ingleses, a tatuagem e a palavra “tattoo” entraram em contato com diversas outras civilizações do mundo. Era comum entre eles a reprodução de feras do mar, caveiras e embarcações que demonstravam as aventuras desses homens que se lançavam pelo mar. Sendo os mesmos sujeitos de pouca condição financeira ou influência social, fizeram da tatuagem algo popular entre os guetos, prostíbulos e tavernas freqüentadas pela “escória”, ou seja, desocupados, lutadores de rua, criminosos e prostitutas. Além disso, em 1879, o Governo da Inglaterra adotou a tatuagem como uma forma de identificação de criminosos e, a partir daí, a tatuagem ganhou uma conotação do “fora da lei” também no Ocidente. Foi por conta disso que, por um longo tempo tatuados foram marginalizados. As tatuagens modernas foram iniciadas pelo dinamarquês Knud Harald Lucky Gegersen mais conhecido por Lucky ou Mr. Tattoo, que era desenhador e pintor. A sua perícia e qualidade técnica deu origem a que se comentasse que uma tatuagem sua era sempre boa só pelo simples facto de ter sido feita por ele. Em 1975 foi considerado o único profissional de tatuagens da América do Sul. A sua morte em 1983 veio permitir que outros, seguindo a sua técnica, continuassem o seu trabalho. Tatuagens em pele feminina entre o século XIX e XX era algo extremamente dificil de se encontrar e algumas mulheres ficaram conhecidas por causa da atitude corajosa e inovadora, pois cederam o corpo à arte da tattoo, antes de ela ser encarada com normalidade. Dentre elas estão Emma deBurgh, que percorreu a América com seu marido, Frank, mostrando as tatuagens da autoria de Samuel O’Reilly, Betty Broadbent, outro fenômeno do show biz, ou Maud Wagner, a primeira tatuadora reconhecida nos Estados Unidos, são algumas das figuras presentes. Hoje em dia o uso da tatuagem está cada vez mais na moda por questões puramente estéticas. Elas são aplicadas usando uma enorme variedade de motivos e tamanhos sendo até geralmente feitas com uso de várias cores. Os mais fanáticos têm-nas muitas vezes no corpo todo. Texto: Mundo das Tatuagens, História do Mundo, Mundo Estranho Imagens: Pinterest e múltiplas fontes da internet

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CULTURA


A INTROSPECÇÃO COMO LIMBO A PAISAGEM, O CORPO, O TEMPO E O ESPAÇO Uma fenda no tempo onde vive a paisagem

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o ano de 2012, pouco antes de ingressar na EMBAP, vivi um interesse passageiro por pinturas hiper-realistas. Apesar de não ter mantido esse interesse, algumas das características da corrente serviram de forte referência para o processo do meu trabalho. Essa contaminação pode ser notada em duas pinturas realizadas por mim naquele mesmo ano. Uma delas reúne um conjunto de imagens de olhos, e a outra de bocas. Existiu um cuidado para o detalhamento das pinturas. Pintei as mínimas imperfeições da pele, como pelos e poros. Mas não me mantive fiel as cores das fotografias usadas como referência, como normalmente ocorre no hiper-realismo. Aquarelas costumam ser feitas de finas camadas de tinta bastante diluídas em água. E era dessa forma que eu a utilizava, até que nesse trabalho sobrepus mais camadas, com a tinta mais densa, até atingir uma imagem bastante escura. De certa forma até negando o branco do papel – importante para a técnica de aquarela – utilizei caneta branca em espaços de luz, por vezes diluindo com o pincel úmido. Paralelamente comecei a produzir muitos estudos e algumas pinturas de plantas inspiradas em ilustrações botânicas. Tive como forte referência as ilustrações - e a personalidade - de Margaret Mee. Esse conhecimento se tornou referência para a minha pesquisa, que equilibra muitas vezes elementos da flora na composição.

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Sem título - Aquarela sobre papel - Tavia Jucksch

“A PARTIR DO MOMENTO EM QUE A NATUREZA A NOSSA VOLTA FOI ENQUADRADA EM UMA PINTURA, ESSE ENQUADRAMENTO FOI CHAMADO DE PAISAGEM”

No livro A invenção da Paisagem, Anne Cauquelin mostra que é incerto em que momento surgiu o termo paisagem. Mas é certo que ele surgiu a partir da pintura. Os gregos não tinham uma palavra para descrever as belezas naturais a sua volta. Era natureza. A partir do momento em que a natureza a nossa volta foi enquadrada em uma pintura, esse enquadramento foi chamado de paisagem - por volta de 1415. Então a paisagem sempre é Natureza, e sempre está interligada à pintura ou outra coisa que promove um enquadramento. Cauquelin atravessa o livro lembrando e relembrando de um sonho que sua mãe teve de um jardim. Ela o descreveu com tantos detalhes que a autora sentia que tinha visto o mesmo jardim. E esse jardim se apresentava como paisagem, pois ele fora pintado no sonho como em uma pintura. Em certo momento do livro, ela categoriza jardim como um desdobramento diferente de paisagem. Existe dessa forma, a natureza, o jardim e a paisagem. Cauquelin descorre cobre a relação de objeto e paisagem em uma mesma pintura. Se um corpo está inserido na natureza, pintada, a paisagem incluí esse corpo, ao contrário ela seria considerada apenas fundo, isolando assim o corpo da discussão da pintura. Ela chama essa exclusão de paisagem não humana. As minhas pinturas são organizadas de forma que há enquadramento sempre de um corpo imerso de alguma forma na natureza. A paisagem se constitui dessa união, assim como se esse corpo fosse outro objeto. Afinal os dois tem uma relação: No caso do meu trabalho essa relação é muitas vezes o próprio tema da pintura.

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Agonia/Conforto - Aquarela sobre papel - Tavia Jucksch


ESTILO De encontro com a minha poética

Foi um desafio enfrentar a dificuldade de encontrar ou entender a própria poética, e pintar exatamente esse obstáculo. Várias escolhas se tornaram características que continuei a carregar na minha pintura e que constituem a minha poética. Por exemplo, além da tinta carregada e densa - que já usava mas acentuei alcancei cores com tons rebaixados que estabeleceram a palheta que se seguiu na minha pesquisa. É notável no detalhamento de minhas pinturas o meu resgate com a ilustração botânica. A partir daí a minha pesquisa se seguiu focada no desenvolvimento da poética recém identificada. Em relação ao uso de uma palheta rebaixada e suja, o detalhamento, a figura humana e a imagem escura e com tinta densa.

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Ocupar o espaço e ser influenciado por ele

Explorei a partir do autorretrato a minha relação com a música. Nela senti o equilíbrio acontecer, o que me remeteu a um corpo em flutuação. Deixei meu corpo sentir as minhas intenções ao invés de representá-las. Foi então que meu trabalho tornou-se sobre pertencer ao lugar, ocupar o espaço e ser influenciado por ele. Cheguei à conclusão que, esse corpo constante que flutua está nesse estado porque não interessa, para mim, mostrar a passagem do tempo. O corpo não está fazendo nada, como um afazer. Ele está em um estado quase de meditação, como uma pausa no tempo.

Isto não é um auto retrato- Aquarela sobre papel - Tavia Jucksch

As pinturas são representações de um momento de introspecção, onde o corpo nada faz, apenas sente. Este “lugar” pausado no tempo em que o corpo se encontra pode ser entendido como limbo. Limbo é margem, fronteira. No sentido figurado é uma espécie de lugar onde se encontram coisas esquecidas. No mundo fictício – literatura, cinema e games – o limbo é retratado como um lugar difícil de entrar e sair, onde o tempo acontece em uma dinâmica diferente da nossa realidade. Na minha interpretação o limbo parece um lugar que não é acessível fisicamente, mas sim mentalmente, é um estado na margem entre o vazio da mente – sem passagem de tempo – e a nossa realidade. Daí – a introspecção: “Análise observativa e descritiva acerca dos conteúdos contidos na própria mente.

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O corpo em flutuação ocupa, um espaço grande, centralizado e em primeiro plano com uma paisagem no fundo. Existe uma interação subjetiva entre o corpo e a paisagem. A paisagem está ali para ambientar este acontecimento, quase como uma representação do que seria o limbo, narrando a introspecção. A pintura é a representação de um corpo em pausa no tempo, isolada no limbo, e a paisagem é o interior desse corpo. Ao mesmo tempo o corpo está dentro dessa paisagem, ou seja, dele mesmo. A paisagem então se configura como a própria introspecção. O corpo, autorretrato ou não, sempre é retratado nu. Roupas e acessórios levantam diferentes falas sobre temporalidade, cultura e expressão pessoal. A atenção deve ficar no meu corpo, juntamente com as impressões posteriormente feitas nele, tatuagens e alargadores corporais. Existem inúmeras formas de modificações corporais na nossa sociedade. Na minha pintura eu trato desses detalhes impressos na pele e carne. Falando diretamente sobre o corpo, o meu engloba muitas modificações corporais. Alargadores de orelhas, tatuagens na pele, cirurgias plásticas, cortes e tinturas de cabelo imprimem no meu corpo reflexos da sociedade em que vivo e da minha personalidade. O meu interesse na representação do corpo vem dessas características impressas nele, na pele. Texto: Távia Jucksch Imagens: Távia Jucksch


CULTURA

BUENOS AIRES A ARTE QUE INSPIRA

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berço do tango é, como a própria dança, cativante, sedutor e repleto de agito e energia. Os bairros antigos são repletos de restaurantes românticos e vida noturna vibrante, e a herança europeia de Buenos Aires é evidente em sua arquitetura, nas avenidas e nos parques. A cidade respira arte! Entre uma estação e outra de metrô é possível encontrarmos pessoas cantando, ou recitando poemas, bem como, nas casas, quadros e peças de artesanato feitos pelos próprios donos. A cidade tem uma cultura artística próspera, com “um enorme inventário de museus, que vão desde obscuros a mundiais.” Os bairros de Palermo e Recoleta são os bastiões tradicionais da cidade na difusão da arte.

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Buenos Aires é um destino muito próximo do Brasil e, por ser uma viagem muito acessível, costuma ser o primeiro destino internacional dos brasileiros, no entanto sua atmosfera encantadora e envolvente traz muitas pessoas de volta à cidade. A cidade tem a indústria de teatro ao vivo mais movimentada na América Latina, com dezenas de produções (a cada final de semana, existem cerca de 300 teatros ativos com peças). Lá está o Teatro Colón, uma casa de ópera nominal internacional, além de várias orquestras sinfônicas e sociedades corais. E ainda conta com numerosos museus relacionados com a história, artes plásticas, artes modernas, artes decorativas, artes populares, arte sacra, artes e ofícios, teatro e música popular, bem como as casas preservadas de colecionadores de arte, escritores, compositores e artistas. Alguns dos museus de renome em Buenos Aires são o Museu de Arte Latinoamericana – MALBA e o Museu Nacional de Belas Artes. O primeiro abre suas portas para exibir quadros de artistas como Tarsila do Amaral e Frida Kahlo. O local é interessante pois reúne obras de artistas de diversos países e possui algumas obras interativas, deixando o passeio mais leve. Enquanto o segundo conta a história da Argentina e alguns dos períodos mais importantes de sua história através de obras de artistas locais. O lugar tem quadros muito bonitos e além das obras nacionais há obras de artistas como Monet, Pissarro e El Greco. Fazer a visita guiada é indicado para conhecer com mais propriedade e história das obras. 32

Dentre os pontos turísticos principais está o Caminito, um dos locais mais tradicionais a se conhecer! As janelas e paredes coloridas fazem parte do cenário de lá, uma rua-museu a céu aberto extremamente turística, que abriga restaurantes, lojas de lembranças e ateliês. O nome se deve a um tango, cujas letras estão gravadas em algumas paredes do lugar. Essa ligação com a arte também traz uma certa inclinação à literatura, a cidade é o lar de centenas de livrarias, bibliotecas públicas e associações culturais (às vezes é chamado de “a cidade dos livros”). Outra manifestação cultural própria do portenho é o fileteado, arte decorativa e popular, nascida nas primeiras décadas do século XX. Apenas apresenta-se em contextos empareados com o tango, o desenho e a publicidade. Flores, volutas, folhas de acanto, cintas argentinas, se combinam com personagens populares mediante a cores e muito vivos e através do contraste se da ideia do volume. Os textos também formam parte da composição do fileteado, com frases acunhadas pela sabedoria popular. No ano 2006 a legislatura portenha declarou o fileteado como Patrimônio Cultural da Cidade de Buenos Aires a partir da sanção da lei de 1941. No entanto, além dessa ligação intensa com a arte, lá também existe um zoológico mundialmente famoso e um jardim botânico, um grande número de parques paisagísticos e praças, bem como igrejas e locais de culto de muitas denominações, muitos dos quais são arquitetonicamente notáveis.


CULTURA Texto: WikipĂŠdia, Trip Advisor, Melhores Destinos Imagens: aquimequedo.com.br, molihuacultural.com.br

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PREPARE-SE PARA A ERA DO VELUDO

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lowers for spring?”, questionava a lendária Miranda Priestly, personagem vivida por Meryl Streep, ao questionar a obviedade de uma ideia em O Diabo Veste Prada (2006). E se, apesar de assertivas, as flores são temáticas óbvias para a primavera justamente por serem escolhas clássicas, no inverno os tradicionais tricôs parecem ter dado lugar a uma nova textura: o veludo. Sinônimo de luxo e extravagância, o veludo voltou com tudo nas últimas temporadas e apareceu em quase todas as passarelas internacionais. Antes restrito ao inverno e às roupas de festa, ressurge agora em versões para todas as estações e ocasiões. Um pouco por sua história com apelo aristocrático e um tanto por seu aspecto sofisticado, o veludo é vintage por natureza. Das grifes mais influentes do planeta, como Valentino, Gucci e Givenchy, até os mais populares fast fashion, o tecido apareceu em vestidos curtos para o dia, conjuntos estilo pijama e longos para a noite, assim como em sapatos e bolsas. Comercializado desde o século 14, o veludo vestiu a nobreza europeia e sempre foi relacionado a aristocracia. Ao longo do tempo foi muito utilizado para produzir roupas e acessórios luxuosos, como vestidos e casacos. No século 20, tornou-se sinônimo de tecido para produzir trajes de festa. No final dos anos 1960 e 1970, o veludo ressurgiu com força na moda e passou a ser visto tanto nos looks glamourosos e extravagantes da época, quanto em calças, saias e casacos para o dia a dia.

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O veludo surgiu na Índia, feito em teares manuais a partir da fibra da seda. Depois, passou também a ser produzido na Itália, onde as fábricas de Veneza, Florença, Gênova e Milão ganharam fama mundial. A origem do nome vem do latim “vellus”, que significa “pelo” ou “pelo em tufos”. É um tecido de trama densa com textura macia e suave. Além das fibras naturais, como seda, linho e algodão, pode ser feito também de fibras sintéticas ou de uma mistura de fibras. Mesmo podendo ser feito a partir de qualquer fibra, o veludo é atualmente muito produzido com o acetato de raiom, o que baixou muito seu custo. Até recentemente era um tecido relativamente caro, sendo considerado um artigo de luxo para os mais pobres, assim como a seda. O gorgorão (mais amplamente conhecido pela palavra inglesa corduroy) e velúcia eram considerados “veludo de pobre” quando foram inicialmente produzidos. Texto: Youtopia Blog Imagens: Alberta Ferretti e múltiplas fontes da internet

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DA FÁBRICA

PARA SUA CASA

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decoração industrial é inspirada em galpões e antigas fábricas dos Estados Unidos que foram transformados em residências durante as décadas de 50 a 70. São os populares lofts de hoje em dia. O estilo Industrial é o tipo de solução indicada para quem busca um ambiente mais amplo e otimizado, refletindo modernidade, personalidade e praticidade. O que marca o estilo é o ar de construção inacabada, como tijolos aparentes, tubulações expostas, cimento queimado, acabamentos enferrujados, madeira reaproveitada, e muitos outros elementos que podem compor uma decoração urbana e diferente. Outras características do estilo são por exemplo, reduzir as paredes e eliminar a divisão de ambientes, o que promove a integração de cômodos e não isola as pessoas, criando um espaço bacana para receber familiares e amigos. Já em ambientes comerciais, proporciona uma experiência mais próxima e receptiva com os clientes. Reunimos outros elementos do estilo na página seguinte, e os colocamos em 7 dicas para quem deseja apostar em um ambiente com a decoração Industrial, que além de ser muito popular e marcante, pode proporcionar cômodos muito aconchegantes.

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1. Concreto e Tijolo A inspiração no design industrial tem muito a ver com as características primárias das construções, que ficam expostas sem acabamento em paredes e pisos de tijolo e cimento. O acabamento fica a cargo da suavidade na decoração que equilibra a rigidez das estruturas e traz aconchego aos ambientes. Escolha materiais naturais como a madeira, tecidos macios como o algodão e a lã, ou ainda aposte na pelagem sintética.

2. Espaços Amplos Semelhante a estrutura dos galpões industriais, os ambientes que seguem este estilo são amplos e funcionais, planejados para integrar os espaços de convivência com muito charme e praticidade. O que proporciona a integração de cômodos e não isola as pessoas, resultando em um espaço bacana para receber familiares e amigos, e em ambientes comerciais cria uma experiência mais próxima e receptiva com os clientes.

3. Encanamentos e vigas aparentes Os encanamentos e vigas aparentes também fazem parte da estrutura crua presente no estilo industrial. Quando colocados em evidência instantaneamente criam uma atmosfera urbana e moderna na decoração. O truque é equilibrar o peso dos metais expostos dando vida aos ambientes através de acessórios descontraídos e cores vibrantes. 40


ESTILO 4. Portas e janelas largas Fazem parte das estruturas industriais as portas de estilo rústico e janelas largas de vidro e ferro. As portas dão versatilidade aos ambientes, permitindo ampliar espaços ou dar privacidade. As janelas exploram a iluminação natural.

5. O “Dois em Um” O estilo industrial é também sobre a otimização dos espaços. Os ambientes não apenas se fundem, mas acumulam funções. Uma sala pode se transformar em quarto quando cai a noite, por exemplo. Ou sua cozinha e sala de jantar passam a ocupar um só ambiente. Tudo é possível quando trabalhamos os espaços com criatividade.

6. Acessórios Uma maneira de incorporar o estilo industrial na decoração, sem alterar a estrutura do ambiente, é fazendo uma rápida mudança nos acessórios. Invista em lâmpadas e bancos de metal, um acabamento em materiais rudimentares e uma combinação descolada de cores neutras pontuada com tons mais vibrantes. Você também pode aplicar papel de parede ou pintura para criar um efeito de tijolos ou concreto exposto. Texto: Ana Steffen, westwing.com.br Tokyo Loft, pinterest e múltiplas fontes da internet

OverdriveImagens:

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HIP HOP É CULTURA, ARTE E ATITUDE

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ip Hop é uma cultura de rua, uma forma de arte e de atitude que conquistou o mundo. É um estilo de vida, de se afirmar como sujeito social, de demarcar um território, valorizar uma identidade cultural e ocupar espaços públicos. O movimento que faz arte como forma de protesto social, mistura o novo e antigo, o popular e o erudito, a poesia e a paródia, e inventou o Rap (Rithm and Poetry).

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Para começar, podemos dizer que o movimento Hip Hop é uma cultura popular, uma forma de arte e de atitude. Um estilo de vida que influencia o mundo inteiro. Uma construção coletiva de valorização de identidades, de conquista de espaço público, social e político. O movimento expressa tudo isso através da arte: congrega música, discursos/poesia, dança e grafite. É uma manifestação cultural e artística híbrida, contemporânea, espelho dos nossos tempos. O Hip Hop, como movimento social, político e cultural aglutina sujeitos políticos contemporâneos que reivindicam o sentido de suas experiências em práticas específicas de atribuição de significado. Estes sujeitos estão dispostos a assumirem o seu próprio descentramento, os locais onde atuam, o caráter imediato de sua ação; a palavra, o corpo e a mente, para expressarem sua identidade, sua visão de mundo, suas diferenças e similitudes.

Cultura popular e erudita

Toda cultura é resultado de uma seleção e de uma combinação, sempre renovada, de suas fontes. Dito de outra forma: é produto de uma encenação, na qual se exclui e se adapta o que vai representando, de acordo com o que os receptores podem escutar, ver e compreender. As representações desde os relatos populares até os museus, nunca apresentam os fatos, nem cotidianos nem transcendentais; são sempre re-apresentações, teatro, simulacro. Os fenômenos culturais folclóricos ou tradicionais são hoje o produto multideterminado de agentes populares e hegemônicos, rurais e urbanos, locais, nacionais e transnacionais. Por extensão, é possível pensar que o popular é constítuido por processos híbridos e complexos, usando como signos de identificação elementos procedentes de diversas classes e nações. O Hip Hop é um representante deste produto cultural dito popular, mas que tem interseções com a cultura erudita, feito de elementos modernos e dinâmicos que se apropriam continuamente do passado e do presente.

“TODA CULTURA É RESULTADO DE UMA

SELEÇÃO E DE UMA COMBINAÇÃO, SEMPRE RENOVADA, DE SUAS FONTES. ”

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Rap é ritmo e poesia

Dentro do Hip Hop, o rap é a junção do MC, que canta de forma falada, e do DJ, que adiciona o ritmo entrecortado dos discos à música. Entende-se assim o porquê de se dizer que o Hip Hop se encontra sobre quatro bases. A arte do DJ e a do MC surgiram como dois elementos separados, que se complementam. A sua evolução aconteceu simultaneamente, mas em paralelo, cada um desenvolvendo os seus próprios recursos. Assim aparece um estilo que é a essência da música, o ritmo, junto da essência da alma, a poesia. Rhythm and Poetry (Ritmo e Poesia) é o rap. Embora o rap seja a música mais destacada do movimento, existem outros ritmos identificados com a cultura, como o soul e o funk. Em suas composições, os rappers fazem uso de expressões espirituosas, de sutilezas linguísticas, intertextualidades, do discurso indireto e da paródia, entre outros.Há uma variedade de estilos diferentes, formas mais comerciais, mais intelectualizadas ou mais politizadas. O rap tem uma tendência mais para a apropriação reciclada do que para uma criação original. Os artifícios de montagem, mixagem e arranhões dão ao rap uma variedade de formas de empréstimos tão imaginativas quanto às usadas pelas belas-artes. Além do orgulho de seu talento em apropriar-se de fontes diversas, misteriosas e escondidas, os Djs e MCs exaltam esse método. A estética do rap é misturar, experimentar e criar novos sons. Sugere, assim, a mensagem de John Dewey, segundo ao qual a arte é experiência, é mais um processo do que um produto acabado. A partir dessa visão, não há originais intocáveis, definitivos, mas apenas apropriações e simulacros de simulacros, permitindo que a energia criativa seja liberada.


ESTILO

A PERIFERIA GRITA Munidos de microfones, spray e vinil. Corpos se expressam como nunca se viu. Direto das periferias, guetos de Nova York. Para resolver as desavenças surgiu o Hip-Hop. A periferia grita: o rap é a voz do povo! O break é uma forma de protesto através do corpo. Grafiteiros se manifestam através da arte. E o DJ faz revolução com o vinil e a picape. Linguagem urbana das ruas ao coração. Hip hop é tudo isso forte expressão! Retrato da alma de um povo, identidade cultural. Revolução através das palavras, rap nacional. Jamaica. Faz parte da nossa história. Cultura negra, honras e glórias. Se procura informação, diversão, idéia forte... Então! Bem vindos ao Hip-Hop. Carlos Rodrigues de Souza (Tula. j - Grupo RAÇA DMCs)

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TODA BOA HISTÓRIA TEM SEU PERCURSO

1969 - 1972

1979 - 1986

O DJ Kool Herc, jamaicano criado no Bronx, introduz nos EUA as disco mobiles, equipamentos móveis de som populares na Jamaica. Esse é também o ano do surgimento das gangues de break, promotoras de batalhas de dança em lugar das brigas entre rivais

O grupo norte-americano Sugar Hill Gang lança o primeiro disco de rap, com o sucesso “Rapper’s Delight”. Um ano mais tarde, Miéle grava “Melô do Tagarela”, versão em português que entraria para a história como o primeiro registro de um rap no país

Kool Herc realiza a primeira block party, festa de rua que conjugaria os diferentes elementos do hip hop. No ano seguinte, Afrika Bambaataa funda a Universal Zulu Nation, base para a escolha do 20 de novembro de 1974 com dia oficial de nascimento do hip hop

Bambaataa se populariza como artista solo e o rap de cunho social se consagra com o álbum The Message, de Grandmaster Flash and the Furious Five. As gangues de break começam a se reunir periodicamente na rua 24 de Maio, no centro de São Paulo Michael Jackson lança o álbum Thriller, fonte musical para coreografias apoiadas no moonwalk, o passo arrastado que ajudaria a popularizar o break e daria origem a concursos de dança em programas de auditório da TV brasileira como o de Barros de Alencar

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1986 - 1992

1994- 1986

Public Enemy lança seu primeiro álbum, Yo! Bum Rush The Show, e se torna um dos grupos mais influentes do período. A dupla de rappers Run DMC lança o LP Raising Hell, que vende 2 milhões de cópias, um marco para a época.

Tupac leva cinco tiros à queima-roupa em Nova York, mas sobrevive. O atentado é atribuído aos rappers Notorious B.I.G. e Puff Daddy. A guerra entre rappers das costas leste e oeste dos EUA culmina com o assassinato de Tupac, em 1996, e Notorius B.I.G., em 1997

Inspirados no Public Enemy, entre outros, os Racionais MCs lançam o primeiro disco, Holocausto Urbano, e sacodem a periferia paulistana.

Lançamento de Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MCs, recorde de vendas do rap no Brasil, com 500 mil cópias oficiais. O rap americano vende 81 milhões de discos, superando todos os demais gêneros nos EUA no ano

Snoop Doggy Dogg, gangsta-rapper californiano, estréia em The Chronic, de Dr. Dre. No ano seguinte, lança Doggstyle, um dos álbuns mais vendidos da história do rap. Gabriel, o Pensador estoura com “Tô Feliz, Matei o Presidente”, com referências a Fernando Collor de Mello

Lançamento do quinto disco dos Racionais MCs, Nada Como um Dia Após o Outro Dia. O rapper paulistano Xis participa do reality show “Casa dos Artistas”, no SBT. No ano seguinte, Sabotage, um dos grandes renovadores do rap nacional, é assassinado em São Paulo

Texto: Adriana Borges Imagens: obviousmag.org

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ENTREVISTA


BATE-PAPO COM

VALDI-VALDI

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ascido Thiago Rogério de Castro Furtado na cidade de Florianópolis, um jovem artista de rua, pintor e ilustrador conhecido como Valdi-Valdi. Seu trabalho é fotorrealista e em grande escala, o que torna suas obras impressionantes. Mas existem desafios: requerem tempo, planejamento cuidadoso, um nível alto de técnica e uma identidade visual forte. O mar é sua principal fonte de inspiração, e a figura feminina em seus trabalhos expressa a beleza e a admiração que o artista possui pelas forças incontroláveis dos oceanos. Os rostos são delicados e femininos, com traços e expressões marcantes. Linhas fluídas e vigorosas marcam o estilo visual desses personagens, que sempre interagem nos mais diferentes ambientes urbanos. Por este motivo, sua arte foi exposta em locais de renome na capital, como no hall de entrada do CIC ( Centro integrado de Cultura de Florianópolis 2011), no mural da ponte Colombo Salles, além de inúmeras pinturas na cidade e exposições em galerias de arte. Em 5 anos de trabalhos como graffiteiro, recebeu prêmios importantes, como no concurso estadual “Salão jovem Artista em 2009” e no evento nacional organizado pela empresa australiana de sprays IRONLAK em 2011. Sendo o artista escolhido pela marca, dentre 900 participantes, para representar Florianópolis em diversos eventos de graffiti pelo país.Mas o que torna seu trabalho ainda mais fascinante é a grandeza com que o artista retrata temas tão simples. Realmente uma visão apaixonada de sua própria realidade, culturas urbanas e costumes tradicionais apresentados de forma inesperada. Confira a entrevista nas próximas páginas e conheça o que está por trás do fascinante trabalho de Valdi.

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OVDV - Olá Valdi. De onde vem seu nome artístico?

VALDI - Olá! É uma história engraçada e tentarei ser breve. Valdi não é meu sobrenome, como muitos acreditam, mas sim um apelido de infância que acabou pegando. Certo dia, quando eu tinha 10 anos, tinha deixado meu cabelo crescer por alguns meses. A questão é que eu tinha um cabelo enrolado, então quando cresceu, ele não ficou pra baixo; meu cabelo venceu a gravidade e continuou crescendo pra cima. Então certo dia na escola um amigo gritou: “Thiago, você parece o Valderrama!”. Pra quem não conhece esse nome, Valderrama era um jogador de futebol colombiano muito famoso, o cara com o maior cabelo na história do futebol. Então, sendo má como uma criança pode ser, esse meu amigo criou um apelido horrível pra mim: “Thiago, o menino Valderrama”. Mas eu também era um “Bad Boy” na escola, então me senti maneiro com o apelido e não fiquei nem um pouco bravo com isso. Entretanto, uma menina da mesma escola disse uma vez na frente de todo mundo: “Gente, Valderrama é um nome feio, eu acho que Valdi-Valdi é mais fofo”. Pronto! À partir desse dia as pessoas me conhecem como Valdi-Valdi, mas a maioria delas não conhece a história. Depois disso tudo, eu descobri que a palavra “Valdi” é um nome na língua Nórdica Antiga, e que significa: poder, energia, O que guia, poderoso, eternidade e vitalidade. Esse novo significado pro meu apelido é algo que realmente me faz pensar sobre o quão longe quero ir com a arte e a vida. Me fez olhar para dentro de mim mesmo e alcançar essa energia, assumir o real potencial que posso ter. Eu penso que estava no meu destino.

OVDV - Como você define a si mesmo? Artista? Artista de Rua? Grafiteiro?

VALDI -Essa é uma boa pergunta. No começo eu me considerava como grafiteiro porque o graffiti era minha principal influência. Há um ano, com meu trabalho bem diferente do começo, eu entendi que eu sou um artista de rua. Porque o graffiti e a arte de rua são coisas diferentes para aqueles que conhecem as origens do graffiti. E hoje eu me defino como artista de rua muralista, porque eu gosto de pintar coisas grande nas ruas, simples assim.

OVDV - Como tudo começou?

VALDI - Eu sempre tive essa pré-disposição para arte. Meu pai era um grande designer apaixonado por arte que costumava me levar a galerias. Apesar disso, como eu era muito novo acabava querendo estar em outro lugar. Mas com o passar do tempo eu comecei a pedir pra ele quando iríamos de novo, quando veríamos mais arte. 52


como HQ’s, mangás e desenhos animados continuou crescendo e tomou toda minha atenção. Essa foi minha infância, desenhando e andando de skate nas ruas. Quando eu ingressei na universidade anos depois, eu conheci algumas pessoas que já pintavam nas ruas da cidade, fazendo graffiti. Rapidamente viramos amigos e eu comecei meu aprendizado no graffiti e arte de rua em meados de 2006. Meses depois eu conheci todo o cenário do graffiti da minha cidade e tive grandes mestres que me ensinaram as técnicas e os princípios de um verdadeiro artista urbano. Isso influenciou minha vida toda, porque eu aprendi que a coisa mais importante na cultura do graffiti é o respeito e superarse. Me tornei mais corajoso, com mais atitude nas coisas da minha vida pessoal. São coisas que me definem. Mas houve outro fator importante que pegou tudo o que eu era e me impulsionou pra frente num piscar de olhos. Eu tive uma experiência ruim e quase morri em 2007 por conta de um ataque cardíaco causado por pânico. É algo bem particular da minha vida e foram poucas vezes que contei para alguém sobre isso, mas é uma parte crucial da minha trajetória na arte, e que mudou tudo. Quando eu estava tendo aquele momento de agonia, eu realmente pensei que era o fim, foi um sentimento muito forte. E a última coisa que falei pra mim mesmo antes de apagar foi: “Eu quero muito ser um artista”. Essa simples frase foi o que senti de mais verdadeiro, mas estava escondido profundamente dentro de mim. Essa experiência ruim despertou em mim o poder de conhecer a mim mesmo com a idade de 18 anos. No dia seguinte eu acordei me sentindo totalmente diferente, eu via, ouvia, provava e sentia as coisas de outra maneira. Depois disso eu comecei minha caminhada como artista. E eu sempre me lembro daquele dia, daquela frase.

OVDV - Que tipo de música você gosta?

VALDI - Eu gosto de música e adoro ouvir coisas novas. Mas o que eu escuto principalmente é: rock clássico, blues, músicas instrumentais, eletrônica, bandas da minha região, MPB, Rap. Apesar disso, enquanto estou pintando eu não escuto nenhuma música, eu pinto com o som ambiente. Eu acredito que a razão para isso é porque quando se está pintando nas ruas usando fones de ouvido, você não está ciente do que acontece ao seu redor. Eu sempre escuto os sons da cidade porque você tem que saber quando algo está acontecendo, quando alguém está falando com você ou não. Outro fator é que o som ambiente influencia minha arte, o estado da minha mente, e eu gosto de experienciar isso. Se o ambiente é barulhento e tenso, a pintura expressa isso. Se o local é calmo com pássaros e sons do vento, minha pintura fica mais iluminada. É engraçado porque nem mesmo o som mais alto ou o ambiente mais caótico pode me fazer perder o foco e a concentração. Então, 10 anos pintando assim se tornaram um hábito. E no meu atelier eu pinto sem sons artificiais na maior parte do tempo.

OVDV - O que inspira você em suas obras?

VALDI - Eu sou apaixonado pelo oceano. Vivendo constantemente observando as águas, você começa a entender mais sobre elas. Distinguir suas diferentes cores, o humor das ondas, a temperatura. Às vezes o oceano faz você sentir medo, porque é denso, tempestuoso, escuro. Mas em outros dias te faz sentir livre e feliz, a água é turquesa, morna e calma. Da mesma maneira que as mulheres têm poder sobre nós (homens). A beleza, os olhos, o corpo, o perfume dos cabelos, a temperatura do toque. Florianópolis tem fama mundial pela beleza de suas mulheres, e já é um elemento cultural da cidade. Com o tempo, minha admiração pelo mar se tornou a mesma pelas mulheres.

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Com o tempo, minha admiração pelo mar se tornou a mesma pelas mulheres. Nós (homens) só podemos observar esse poder da natureza, pois o oceano e as mulheres nos fazem sentirmos pequenos. Nós amamos e tememos ambos, nós admiramos a beleza dos dois e não podemos viver sem eles. Então essa é a minha metáfora principal na arte. Eu crio retratos de mulheres lindas e fortes, com o olhar penetrante sobre nós, azuis como o oceano. Tenho a intenção com isso de criar o próprio retrato do oceano.

VALDI - Sim, mas eu não vejo como uma mensagem. Eu acredito que seja mais um sentimento, algo sem entendimento racional. Minha arte é para ser sentida. Eu gostaria que minha arte fosse assim como o momento que você troca olhares com quem você ama.

VALDI - Meu trabalho teve uma grande mudança alguns anos atrás quando eu decidi ir pra um estilo mais realista ao invés do cartoon. Eu criei uma técnica para obter proporções perfeitas, uma adaptação pessoal da antiga técnica de grades, e com meus 10 anos de experiência manuseando as latas de spray, eu descobri uma maneira melhor de fazer efeitos como brilhos e transparências. Com isso, meu estilo realista se tornou marcante, misturando arte de rua com técnicas tradicionais de pintura. Além dessas técnicas tradicionais de arte, eu também tenho essa inclinação para pintura expressionista. Os traços fortes e dinâmicos combinam com minha percepção da força do oceano, seus desejos e sentimentos. Então minha arte, no meu ponto de vista, mistura meus dois lados: o racional e o emocional.

OVDV -Você só pinta murais?

OVDV - Você admira um ou mais artistas?

OVDV - Você tem uma mensagem específica a passar com suas obras de arte?

VALDI - Nos últimos anos, com meu trabalho ganhando mais atenção, eu comecei a pintar telas também. Porém, antes disso eu só trabalhava como muralista. Mas é curioso que pra mim é estranho pintar em superfícies pequenas, então quando eu me dou conta, estou pintando em telas de 2.0 x 2.5 metros. Eu sou acostumado a pintar subindo em escadas.

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OVDV - Qual técnica específica você utiliza em suas pinturas?

VALDI - Eu admiro tantos artistas que fica difícil enumerar e citar nomes. Pra mim é mais simples pontuar movimentos artísticos como: Impressionismo, o início da arte contemporânea, arte de rua, antiga arte japonesa, caligrafia, retratos de mestres antigos.


ESTILO OVDV - Existe alguma cidade que inspira você? Ou um sonho de pintar em um lugar específico?

VALDI - Nova Iorque é um lugar que te faz ter vontade de voltar. Eu já estive lá algumas vezes e sempre tenho o sentimento que vou voltar com certeza. Eu não tenho um lugar específico, mas eu sei que estarei viajando muito mais. O sonho de conhecer o mundo sozinho é algo que me fascina.

OVDV - Tem outras paixões além da arte? VALDI - Tudo é sobre arte, família e amigos.

OVDV - Você tem projetos para os próximos meses?

VALDI - Eu estou pintando pela primeira vez uma série de telas. Estou muito empolgado com isso, mas ainda não sei dizer onde isso vai dar. Mas será maravilhoso!

OVDV - Qual sua obra de arte preferida? Sua ou de outro artista.

VALDI - Eu realmente acredito que minha melhor obra ainda não foi feita. Eu sinto que minha arte do mundo real está muito distante da arte que tenho dentro da minha mente. Ainda tenho um longo caminho a percorrer para responder essa pergunta.

Entrevista traduzida do original: StreetArt360, por Laurent Jacquet Imagens: valdivaldi.com.br

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