Revise
ribeirao preto
31.12.2026 revise.com.br ANO 42 | n 54 EDIÇÃO ESPECIAL FIM DE MUNDO 1
POR CYNTHIA DINIZ
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NESTA EDIÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL FIM DE MUNDO
Revise 08
CAPA
A negligência e descaso de anos da prefeitura resulta no fim da cidade de Ribeirão Preto. Veja como a cidade, popularmente reconhecida pelas altas temperaturas, teve sua paisagem transformada pelo transformação climática.
06 CULTURA Nesta edição de fim de mundo, a Revise relembra as principais intervenções urbanas que tentaram nos alertar sobre as questões climáticas.
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ECONOMIA E TRETA
Ana Victoria Gonçalves, ativista ambiental, questiona a aliança entre Felipe Bittencourt e Duarte Fuleira e a decisão de avançar os empreendimentos imobiliários sobre área de recarga do Aquífero Guaraní. 3
EDITORIAL
PEGANDO FOGO 5 min sem perder meu emprego GABRIELA PEREIRA, jornalista na Revise
Sou jornalista há 7 anos, formada pela UNIP, e paguei minha
faculdade com o recém extinto programa de financiamento “FIES” do Governo Federal. Sempre batalhei muito para conseguir uma estabilidade financeira, e quitar minhas dívidas. Mas nunca me conformei com os absurdos ambientais da cidade, e a ceguez das pessoas diante disso. Ao longo dos 7 anos, poucas edições da Revise deram destaque a esse temas, e as poucas que o fizeram, comumente traziam páginas de propaganda imombiliária e insustentabilidade de forma frequente. Não esperava menos, afinal a diretoria dessa revista toda têm seus interesses colocados em jogo quando o assunto é “insustentabilidade e negligência ambiental”, porque toda a elite da cidade está, de uma maneira ou de outra, ligada a algum setor necessariamente insustentavel, seja o setor agrário, o setor imobiliário ou o setor comercial... Mas como disse, sempre batalhei muito para independencia e segurança financeira, e por isso nunca questionei essas decisões. Ana Elisa Comerdono, editoria-chefe Segundo dados de todos os Institutos e Organizações Ambientais, a cidade de Ribeirão Preto sempre esteve em contexto de alerta do ponto de vista climático, com temperaturas acima das médias do Estado. Culturalmente, isso fez parte do cotidiano dos nossos habitantes, e por vezes foi visto com certo humor, apelidando a cidade como “Hellbeirão Preto” ou “Cidade do Agronegócio, Secas e Queimadas”. Nesse sentido, durante anos os governantes da cidade não colocaram as questões climáticas como pautas ambientais urgentes. Pelo contrário, grandes alianças entre governantes e construtoras foram realizadas, e empreedidas em áreas ambientalmente estratégias. Nessa edição, nós trazemos um panorâma histórico dos principais momentos que acarretaram no colapso ambiental da cidade. - Boa leitura, e até nunca mais! 4
Revise O nome Revise vem de uma paródia da revista Revide de Ribeirão Preto. Esse é um trabalho desenvolvido dentro da Disciplina IAU0742 - Linguagens da Arquitetura e da Cidade do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos. O tema escohido é Meio Ambiente e Transformações Climáticas. Objetivo: O objetivo desse trabalho é abordar, por meio do sarcásmo, ironia e paródia, as questões climáticas e o futuro colapso ambiental na cidade de Ribeirão Preto, por meio da revista como veículo de comunicação mais democrático. Público: Indistinto. O público é o maior possível, incluindo todas as faixas etárias, etnias, religiões e ocupações. Mas, especialmente, os mais leigos. Diretora: Ana Victoria Silva Gonçalves Diretora Comercial: Ana Victoria Silva Gonçalves Editora Chefe: Ana Victoria Silva Gonçalves Reportagem: Ana Victoria Silva Gonçalves Projeto Gráfico/Arte: Ana Victoria Silva Gonçalves Fotografia: Ana Victoria Silva Gonçalves Comercial: Cynthia Diniz Contato: anavictoria.sg@usp.br
Lugar de mulher, é onde ela quiser. Uma luta por equidade de gênero.
A SEMANA
ÚLTIMA UNIDADES DE ÁGUA POTÁVEL Na área comercial da Avenida Fiusa, comerciantes vendem últimas unidades de água potável à preços exorbitantes. Para retirar, é obrigatório o uso de máscara e EPI (Equipamentos de Proteção Individual). Além disso, a ACRP (Associação de Comerciantes de Ribeirão Preto) está aceitando alimentos em troca de água, e disse que apenas alguns comerciantes ainda aceitam cartão. Saiba mais indo até o local, e torça para conseguir se hidratar.
NOVO VÍRUS IDENTIFICADO NA ÁREA NORTE TEM POTENCIAL PARA NOVA PANDEMIA, E É FATAL Segundo médicos e pesquisadores, um novo vírus identificado em um morador da área norte da cidade é altamente transmissível por fluídos humanos, e ataca as vias respiratórias e cardiovasculares. Segundo os pesquisadores, ainda não é possível identificar a origem do vírus, mas o que se acredita até o momento é que seja oriundo de material orgânico em decomposição. Fique em alerta, e use os EPIs.
INCÊNDIOS NA ÁREA OESTE Uma área de 15 ha na área oeste da cidade, próximo ao campus da USP, está em incêndio há 3 dias. Acredita-se que o fogo tenha se inciado de forma natural diante das secas, e da pobreza do solo. A Guarda Civil Municipal está atuando para retirar com segurança o resto dos moradores da área, e realocálos nos Pontos de Convivência Emergenciais da cidade.
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CULTURA
NÓS DERRETEMOS O PLANETA, E ELE NOS QUEIMOU A edição fim de mundo relembra os principais momentos da história da cidade em que as questões ambientais foram discutidas, e por vezes ignoradas. Relembre abaixo a intervenção artística urbana “Derretemos e queimamos, em breve”.
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m 2020, a artista plástica Zéle Azevedo realizou uma intervenção urbana na praça da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, entre as ruas General Osório e Cerqueira Cézar. Segundo a artista, a ideia partiu de uma inquietação acerca das alterações climáticas que estavam transformando e alterando o ciclo hidrológico do Planeta. Além disso, os processos de desmatamento e desertificação também preocupava a ativista.
A INTERVENÇÃO Com o objetivo de atentar a população acerca dessas questões, Zéle implantou uma esfera metálica de raio de 30cm, distante 1,2m do chão. O objeto foi implantado às 7h da manhã de 26 de outubro, e nicialmente coberta por uma camada grossa de gelo. Com o passar do dia, e a elevação da temperatura, a grossa camada de gelo derreteu-se, e então foi possível perceber que na esfera metálica estava gravado o contorno dos 5 continentes do Planeta Terra. Próximo do 12h, no pico da indicência solar, a esfera refletia os raios solares de modo a incomodar a passagem de pessoas próximo ao local, tornando a praça um local hostil no exato momento de maior fluxo de pessoas.Segundo a artista, ela queria uma intervenção que não se deslocasse, mas que sofresse transformações conforme o clima e num curto período de tempo. Zéle optou por inserir o objeto naquela praça, e de forma central, como uma forma de protesto especialmente aos governantes da Prefeitura Municipal da cidade. 6
Em uma entrevista, a ativista explicou: “Eu queria uma intervenção diferente, em que as pessoas fossem completamente passivas, e não pudessem mudar a situação. Então à medida que o gelo ia derretendo, aquilo causou um estranhamento e chamou atenção das pessoas, e naquele instante, quase ninguem percebeu o que aquele derretimento representava, porque no início, quando a gravidade não nos atinge diretamente, geralmente não problematizamos. Mas depois do gelo derretido, e dos raios solares serem refletidos pelo material metálico, o objeto passou a incomodar, e a prejudicar as pessoas naquela área. É assim que funciona no nosso planeta, há anos estamos prejudicando e poluindo, mas enquanto não nos incomodar pessoalmente, e de forma clara, seguiremos ser ver o aquecimento global com a verdadeira gravidade dele.” O objeto ficou exposto das 7h às 18h, e faz parte de um plano regional da artista, que pretende levar a intervenção para outras cidades do Estado com conforto urbano tão ruim quanto a de Ribeirão Preto. O prefeito da cidade, Duarte Fuleira, e o secretário do meio ambiente, não emitiram qualquer opinião sobre essa intervenção artistica.
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CAPA
HELLBEIRÃO PRETO PÓS CO L A P S O A M B I E N TA L A última reportagem da Revise mostra a paisagem urbana de Ribeirão Preto, capital do agronegócio, pós colapso ambiental.
No histórico processo de urbanização municipal, guiado segundo os interesses do setor agrário e imobiliário, a intenção convergia para a mesma paisagem: uma ribeirão moderna… mas para tanto, impermeável, canalizada, concretada. Na madrugada do dia 07 de março de 1927, a primeira grande enchente que assolou a região do córrego Ribeirão Preto, invadiu casas, comércios e o próprio Mercado Municipal da cidade. Contudo, nem mesmo o ocorrido diminuiu o ritmo das ações municipais e canalização de córregos, porque o importante era construir uma bela cidade, como escreveu o prefeito Joaquim Camillo de Matos, no Relatório Oficial de 15 de janeiro de 1930: “Ribeirão Preto, que é icontestavelmente, uma das mais bella e ricas cidades do Estado de São Paulo, não poude escapar aos effeitos da grande crise que perpassa por todos os paizes e principalmente pelos Estado em que maior é a actividade humana e mais elevada a riqueza particular.” - Prefeito Joaquim Camillo de Matos
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Contudo, sabe-se que os males ambientais não atingiu da mesma forma todos os habitantes da cidade, mas sim especialmente a camada mais pobre. Históricamente, Ribeirão Preto é marcada por segregação socioespecial desde sua fundação, e com o eixo sul da cidade sendo observada pela expansão e valorização imobiliária. O principal fruto visual dessa segregação é a Avenida Fiusa, uma cisão socioeconomica sem precedentes presente na cidade. Soma-se a isso a expansão, desde 1980, dos condominios fechados e da transformação de terras rurais em terras urbanas. A aliança entre o setor imobiliário e o governo municipal foi determinante para que o colapso ambiental chegasse tão precocemente. Segundo Débora Zamboni, “No final da década de 90 e início dos anos 2000, continua importante a atuação da empresa local GDU Ltda na realização de loteamentos em área urbana próxima ao Anel Viário que, assim como a atuação de seu sócio-proprietário majoritário, responsável não só pela implantação da avenida Professor João Fiusa, quanto de acessos que permitiram a ligação entre a área urbana e a Área de Expansão Urbana do Setor Sul de Ribeirão Preto.”
A transformação de terras rurais em urbanas foi uma imensa perda para o meio ambiente da cidade, porque a partir desse aumento da mancha urbana da cidade, a impermeabilização do solo, o aumento das ilhas de calor, a diminuição das áreas verdes e aumento das distâncias percorridas por automóveis motorizados foram determinantes em contribuir para o colapso ambiental. E essa é uma responsabilidade compartilhada: dos governantes, da população alienada e ignorante, e dos meios de comunicação que não deram a devida importância ambiental em detrimento da publização dos empreendimentos imobiliários de luxo da zona sul. E a Revi_e tem sua parcela de responsabilidade! Nos momentos ambientalmente mais críticos, a revista pouco se posicionou, e nunca deixou de divulgar os coquitéis, inaugurações e coffee breaks da elite ribeirão pretana.
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ECONOMIA E TRETA
AQUÍFERO EM DISPUTA A ativista Ana Victoria, formada em Arquitetura e Urbanismo pelo IAUUSP, questiona a última aliança entre Construtora Elite e Governo do Prefeito Duarte Fuleira.
É um absurdo a aliança realizada entre a construtora e o prefeito, e acredito que isso tenha sido determinante para o colapso ambiental da cidade. O Plano de Governo do prefeito sempre se mostrou ineficiente e pobre nas pautas ambientais, e Duarte se esquivou por anos quando questionado sobre isso. Na gestão de 2016-2020, o executivo pressionou a liberação de 30% de expansão urbana sobre a zona leste, justamente a área de recarga do aquífero guaraní. Um crime sem precedentes, e que claramente teve ligação com os contatos do Fuleira com as construtoras e latifundiários.
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Pelo contrário, o meu plano de governo trata das pautas ambientais sim. Inclusive, tenho uma proposta de criar um evento junto com as escolas municipais de cada aluno plantar uma árvore em algum lugar da cidade próximo a escola. Isso estimula logo no início da educação dos jovens o senso de amor e preocupação com a natureza. Mas esse ano, diante de toda a situação, a questão da saúde e da educação se mostra muito mais urgente, e com a atual folha de gastos da prefeitura, nós estamos priorizando a questão de saúde e educação.
Duarte não entende que a saúde está ligada com as questões ambientais, e que não deve ser colocada como menos prioridade. Melhorar a qualidade ambiental melhora também o espaço em que vivemos. A saúde está, necessariamente, ligada com as questões ambientais, a presença de vegetação é determinante para qualidade do ar, de vida e tantos outros aspectos da vida. O colapso ambiental da cidade nada mais é do que a prevalência do egoísmo da elite ribeirão pretana. Todos eles têm o rabo preso sobre as falésias ambientais da cidade, porque os setores que giraram a economia municipal por anos esteve atrelada às ações insustentáveis. Não me surpreende em nada Ribeirão ter sido a primeira a colapsar em todo o Estado de São Paulo, e isso é fruto de anos de uma política ambientalmente cega. Ribeirão cresceu, economicamente, sobre dois pilares: o setor agrário de larga escala que desmata, empobrece o solo, e queima bioma; e o empreendimento imobiliário que vendeu por anos o estilo de vida elitista que muitos acreditaram ter. 11
POR CYNTHIA DINIZ
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