Revista Ágora Especial 2010

Page 1

Guarapuava, novembro de 2010 - 8ª edição - ano 6


Expediente Editora-chefe Camila Tsubauchi Coordenador Carla Abe Vicente Diagramadora Camila Coelho Revisor Samilo Takara Repórteres Aline Fop; Camila Tsubauchi; Carla Abe Vicente; Débora Fuzimoto; Douglas Belan; Giarin Bif; Jéssica de Souza; Marcos Przygocki; Morgani Guzzo; Rogério Camargo e Samilo Takara. Capa (foto) Professor Anderson Costa Planejamento Visual e Finalização Professor Anderson Costa Tiragem: 500 exemplares Impressão: Gráfica Unicentro Edição Especial vinculada ao projeto de Extensão Resolução 092/2009-CONSET/SEHLA/G/ UNICENTRO.

Nosso contato Entre em contato com a redação: (42) 3621-13252 Ou mande e-mail para: jornal_agora@hotmail.com www.

acompanheoagora. blogspot.com

Àgora em revista O Jornal Laboratório Àgora é desenvolvido pelos estudantes do 4º ano de Jornalismo da Universidade Estadual do Centro-Oeste, sob a supervisão do professor Francismar Formentão. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro.

Ao leitor À margem. De que? Quando o mundo era plano, depois dos oceanos, além do que os olhos podiam ver, havia um abismo enorme. Então, a Europa era o centro do mundo. Tudo que estava fora dos domínios dos grandes, dos sábios e dos imperadores, era a margem. Assim, estar à margem era nascer em uma das terras desconhecidas, que seriam “descobertas” por algum bravo navegador. Só ele. Sem tripulação ou pessoas na cozinha, porque a pompa de uma descoberta é dada ao normal, ao que está na forma. Com o passar do tempo, estar à margem era ser de outra cor, ter outra etnia, falar outro idioma, ser de outro grupo, precisar de ferramentas e equipamentos diferentes, escrever com a mão esquerda, amar sem se importar com orientação sexual ou mesmo ser mulher. A sociedade, que foi delimitada por uma convenção do que é normal, do que está na norma, não pretendeu durante muito tempo olhar para o que está em todos os lugares. O diferente. E essa singularidade causa medo nas pessoas que precisam de horários, de tipos, de cores comuns, de regras e normas para acreditar que são mais iguais que as outras. “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”, disse Bertold Brecht. E os Movimentos sociais vêm disso. Vem da luta por respeito aos Direitos Humanos, pautada na necessidade de libertar-se das amarras do comum, do convencional. Ou talvez, um luta mais que por direitos, por uma liberdade de ação. Uma ação transformadora que modifica a norma, que altera a hegemonia, dá voz aos oprimidos, aos marginalizados. Mas ainda há muito para conceituar sobre o que é ser norma e o que é ser oprimido. Somos humanos a ponto de transformar nossas vivências. E de sermos mais que normas e mais que transgressões. A busca por liberdade de ação e de expressão, talvez seja a única maneira de não haver uma dicotomia entre duas pessoas. Afinal, já acabaramse os tempos dos contos de fadas e entre vilões e mocinhos, não sobraram princesas em suntuosos castelos e príncipes encantados em cavalos brancos. Apenas a necessidade vazia de ser igual já não cria padrões e não é o bastante. O movimento é a busca por mudanças. Movimentar-se é sair do estático ato de admitir uma sociedade que presencia os fenômenos de olhos fechados.

Samilo Takara


Índice Diversidade de ideias 04

SÓ POR HOJE

07

VÍTIMAS DO BULLYING

13

A VIDA À MARGEM

19

FORA DO ALFABETO

23

QUEM CONTA UM CONTO...

26

QUEBRANDO MUROS

28

SUPERANDO OBSTÁCULOS

30

PARANÁ MANTÉM APAES

31

ENTIDADES: A VOZ DOS EXCLUÍDOS

33

BASTA APENAS INCLUIR?

36

MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA FERRAMENTA DE INCLUSÃO?

38

DEFICIENTES TAMBÉM QUEREM E PODEM TRABALHAR

41

PRECONCEITO É A SENTENÇA DE EX-DETENTOS


Só por hoje

Repórter: Rogério Camargo Edição: Jéssica de Souza Revisão: Samilo Takara

A batalha diária dos dependentes do álcool contra a bebida e contra si mesmos

E

ntrar pela porta da pequena sala de reuniões onde se lê em grafia feita à mão “Seja bem vindo”, mais do que um ato de coragem, é um grito, às vezes mudo, de socorro. Ali, por um tempo que dura em média duas horas, uma vez por semana, homens e mulheres compartilham fraquezas, angústias, desesperos. Mas acima de tudo compartilham o desejo comum de serem livres. Sua prisão não tem forma, apenas gosto e cheiro, tão agradável quanto dure a ilusão da fuga. Que logo passa, deixando na boca o gosto de uma amarga realidade a qual, puro engano, não foi embora. As grades são outras, invisíveis, porém opressoras o suficiente para não permitir que se ergam os olhos e encare o outro de frente.


Eu vou parar, você vai ver. Com a ajuda de Deus e de nosso senhor Jesus Cristo. Eu vou parar.

M e u nome é João, sou alcoólico em recuperação, mas também poderia ser Pedro, José, Maria, Tereza... outras vezes um apelido é quanto basta; e hoje eu evitei o primeiro gole. Essa pequena profissão de fé é o testemunho daqueles que há mais tempo se mantém sóbrios, mas cientes de que nunca mais é um tempo longe demais para se fazer previsões. “O primeiro passo tem que ser dado todos os dias”, profere em tom de sentença o músico que trabalha consertando gaitas, José da Silva*, um dos membros mais antigos do grupo, já há 18 anos sem beber e que com seu testemunho abre o diálogo do encontro e incentiva os companheiros. Se em outro tempo o álcool era a muleta que sustentava sua caminhada, hoje a força está nos amigos que cumprimentam uns aos outros, um a um, desejandose muitas vinte e

quatro horas de tranquila e saudável serenidade. “Aqui está a ajuda para viver o amanhã. Dizer que eu nunca mais vou beber é uma distância muito grande e o copo está à distância de um braço. O meu braço”, diz José da Silva, estampando no rosto os traços cansados e graves que a vida lhe deixou em troca da experiência e sabedoria adquirida, preço tantas vezes alto demais pelos 20 anos de vício ininterrupto. Semblante diferente do jovem e alegre Alceu Lima*, que com olhos de imenso azul saúda um companheiro dizendo “Que bom que você está aqui. Quero que você saiba, diante de todos, que você é importante para mim, como cada um desses irmãos que aqui estão hoje”. Foram tantos internatos, abstinência forçada do mundo, que

o fizeram entender que tempo é quantidade, mas não necessariamente qualidade. Por isso o esforço de cada passo, um de cada vez, ainda que no íntimo esteja o desejo de recuperar um tempo que, é sabido, não volta mais. Em A.A., Alcoólicos Anônimos, tantas vezes para o mundo que os enxerga com o estigma da condenação infamante, não se conta o tempo, mas valoriza-se o quanto dele já se passou livre das garras do vício. Como Alceu, Antônio dos Santos* também vai vivendo, sob trégua com esse gigante que a seus próprios filhos devora. “Tudo tem seu tempo. Não adianta querer apressar as coisas. Nessas cadeiras aí que você vê vazias, está sempre um compa-

05


Como

posso saber se sou realmente alcoólatra?

Somente você poderá decidir. Muitos daqueles que agora estão no A.A. foram previamente julgados por médicos, pela família, pelos amigos, parentes e conselheiros espirituais como não alcoólatras. Estas mesmas pessoas acabaram procurando o A.A. porque sentiram, no íntimo, que o álcool os havia vencido e estavam dispostas a tentar qualquer coisa que as libertasse da compulsão de beber. Costuma-se dizer no A.A. que ninguém é um pouco alcoólatra. Ou se é ou não se é. E somente o próprio indivíduo poderá dizer se para ele o álcool se tornou um problema. Fonte: 7º Comitê de Distrito Alcoólicos Anônimos.

nheiro por chegar”. A urgência está em vencer as tentações de cada dia. Batalha que Wilson Moreira*, momentaneamente, vem perdendo. Entretanto, fica a esperança. “Eu vou parar, você vai ver. Com a ajuda de Deus e nosso senhor Jesus Cristo. Eu vou parar”. Diferente dos colegas, Wilson Moreira não pode evitar o primeiro gole. Já frequentou o A.A., chegou a ficar sóbrio por seis anos, mas acabou sucumbindo. Cinquenta anos de vida, trinta e cinco deles entre porres que muitas vezes o deixaram inconsciente. Internações, várias, mas a batalha é cruel e muitas vezes se perde. Hoje, meio copo de cachaça é suficiente para que a embriaguez tire-lhe as forças das pernas. O corpo sofreu muito, e ainda sofre. Mas o que mais dói, o que mais fere, o que mais mata, são os olhares, a condenação silenciosa de um abanar de cabeça de quem diz não tem jeito mesmo. Tantas vezes chamado de vagabundo, sem vergonha, ordinário, inclusive por seus próprios parentes e amigos, poucas vezes reconheceram nele o que a própria ciência que ele é. “Sou uma pessoa doente. E sei que comigo todo mundo sofre, minha família principalmente, mas eu saio dessa”. Nos momentos de sobriedade, Wilson Moreira faz da profissão de jardineiro o seu refúgio florido contra o vício. Talvez nelas, símbolo da fragilidade e do que é efêmero, veja o reflexo da sua própria condição. Mesmo assim, pelo tempo que duram, existem para serem belas e gostariam de ser lembradas por isso. “Nós temos um monstro dentro de nós. E ele

está adormecido. Se você bebe, ele desperta e se mantém acordado enquanto você está bebendo”. Movido por essa consciência, é que Antônio de Lima Alves, o Tonho da Gaita, não desiste dos companheiros que, caídos pelo caminho, precisam de ajuda para se levantar. E se doando inteiramente, vê nas palavras de incentivo e coragem a cantiga que fará o monstro novamente dormir. Tonho não se importa em quebrar seu anonimato. “O que eu não posso é quebrar o anonimato do outros, mas o meu, eu posso. Isso pra mostrar que, se eu consegui, meus colegas também podem”. Aos quinze anos, em um danceteria, o primeiro porre, seguido de coma alcoólico e vinte e sete dias de internação. Dos motivos que o levaram a começar beber, há uma vaga lembrança. Via na TV, achava bonito, parecia tão gostoso. Na pequena tela de um mundo irreal as pessoas eram sempre tão felizes, estavam sempre sorrindo. Aquilo não podia ser ruim. Daí em diante, começando em pequenas doses, foram quinze anos de ruína. Depois de três anos, a primeira tomada de consciência de que havia chegado ao fundo do poço. Em momentos de delírios e alucinações, começou a ver o pai falecido, dizendo-lhe para parar. Em uma realidade de sonhos amortecidos pelo álcool, o pai lhe dizia que não queria ver o filho tão amado sofrendo tanto quanto ele, também alcoólatra, sofrera. Conselho que levou doze anos para ser enfim ser seguido. Nesse

Se eu consegui, meus colegas também podem

meio tempo, vieram as prisões. Não por brigas, mas por dar calote em botecos, “Eu bebia, mas não tinha dinheiro para pagar. Então chamavam a polícia e me levavam.” No dia seguinte a fisgada na cabeça, a ressaca, o filme passando, a sensação amarga do arrependimento, o esforço quase desesperado por preencher lacunas. “Na ressaca você fica pensando nas coisas que você fez. Será que eu agravei fulano, magoei beltrano. Não que eu fosse um bêbado violento. Ao menos não de querer bater e quebrar coisas. Mas eu era violento nas palavras, ofendia os outros. E às vezes uma palavra machuca mais do que uma facada ou um tiro”. Enquanto isso, eles aguardam, pacientemente aguardam, na esperança de que no próximo encontro o companheiro que está no bar, sentará em outro banco. É possível que as histórias sejam as mesmas, pequenas a grandes tragédias, sonhos destruídos e que não cessam de se recompor todos os dias, fazendo de cada um deles sempre um milagre. Só por hoje.


s a

m i ít

V

o d

y l l

u b

m:

Re

po

ge rta

g n i

nte

b

aA

rl Ca

ice eV

Quando nada parece ajudar, eu vou e olho o cortador de pedras martelando sua rocha talvez cem vezes sem que uma só rachadura apareça. No entanto, na centésima primeira martelada a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi aquela que conseguiu, mas todas as que vieram antes. Jacob Riis (jornalista dinamarquês)


O termo bullying, que surgiu entre falantes de língua inglesa, é frequentemente usado para descrever uma forma de assédio exercido por alguém que está, de certa forma, em condições de maior poder sobre outra pessoa ou um grupo mais fraco. No Brasil, o termo aplicado ao comportamento foi recentemente difundido e pode ser identificado entre todas faixas etárias e ambientes. Na escola, no trabalho, na infância, na adolescência ou vida adulta, o bullying ocorre quando uma pessoa quer demonstrar quem manda ou quem é mais forte. Divide-se em duas categorias: o bullying direto, que é a forma mais comum entre os agressores (bullies) masculinos. E a agressão social ou bullying indireto, que é a

O bullying entre meninos e meninas ocorre de maneiras diferentes, como explica o psicólogo Albert Friesen: “Entre meninos o bullying quer afirmar a questão da força física; entre meninas a questão é de representação social. As meninas competem muito mais entre si por quem é a mais bonita, quem é a melhor, a mais desejada. Homens usam mais da força bruta, são mais matutos nesse sentido. E o bullying acontece muito mais por meio de brigas físicas do que por meio da difamação, como falar mal de alguém. Entre jovens o bullying acontece normalmente por puro prazer, algo sádico, as meninas ainda permanecem mais na questão social, a busca por ser a mais bonita e a melhor, para não ficarem para titias;

rem reconhecidas. Mesmo pessoas bem reconhecidas na sala de aula ou no trabalho podem desenvolver, mesmo sem motivo aparente, raiva contra alguém e passam a querer “destruir” essa pessoa. Pesquisas apontam que crianças que praticam ou sofrem o bullying tendem a delinqüência ou a uma conduta que a confronte, enquanto vítima, com as leis. Poderíamos dizer que primeiro elas foram vítimas e depois podem se tornar as pessoas que abusam. Por exemplo: 98% dos homens que espancam mulheres são alcoólatras e 85 % deles foram espancados quando crianças. Crianças mais sensíveis, mais fracas, que não se defendem ou que não estão integradas ao meio social são possíveis vítimas do bullying. Um

forma mais comum em bullies do sexo feminino e crianças pequenas, e é caracterizada pela indução da vítima ao isolamento social. Qualquer que seja a situação, a estrutura de poder é tipicamente evidente entre o agressor (bully) e a vítima. A vítima geralmente tem motivos para temer o agressor, devido às ameaças, violência física/sexual, ou perda dos meios de subsistência. De forma geral, o bullying pode acontecer em qualquer contexto no qual seres humanos interajam. As motivações para o bullying são diferentes. Se falarmos de crianças, pode ocorrer de aquela que não tenha recebido, por exemplo, afeto, reconhecimento, aceitação ou que não se saia bem na escola, escolher um colega ou uma colega para conseguir o reconhecimento social da turma ou até mesmo reconhecimento negativo da liderança da escola, a partir do bullying.

esse jogo está por trás das mentes das meninas na adolescência e na juventude”. De modo geral, o homem, a partir da segunda etapa de sexualização, que é a adolescência, interage com outro homem por meio de jogos, atividades como o futebol; a mulher pode ser mais amiga falando de si. O ato do bullying é identificado a partir do momento em que alguém é mais forte que o outro, o ator é mais forte do que a vítima e assim se considera não só a força física, mas a força verbal, a capacidade de argumentação, de persuasão. A força pode ser social como, a visibilidade na sala de aula, entre vizinhos, quando um vizinho, por exemplo, alicia um outro. Se considera a posição subjetiva de poder como limite entre o que é bom e o que não é. O conceito de poder relacional é o que diferencia o bullying do não bullying. Pessoas mais isoladas podem buscar o bullying de alguém para se-

menino que use óculos de “fundo de garrafa” é o esteriótipo da vitima. Da mesma forma que os chamados nerds ou aqueles que tenham vindo de cidades pequenas ou de uma família pobre ou que tem o nariz grande demais ou se veste de forma diferente ou possui alguma deficiência ou mesmo não é receptivo a críticas, e nesse sentido alimenta o bullyng. Qualquer coisa o que o torne “diferente” pode incitar o bullying. E os bullies usam principalmente uma combinação de intimidação e humilhação para atormentar os outros.

08

Tipos de bullying Dentro e fora das escolas, o bullying geralmente ocorre em locais com mínima ou inexistente supervisão adulta. Um caso extremo de bullying em pátio de escola foi o caso do aluno Curtis Taylor, de uma escola secundária em Iowa, Estados


Foto: Carla Abe Vicente

Unidos. Ele foi vítima de bullying por três anos, que incluía alcunhas jocosas, agressão nos vestigários, ter a camiseta suja com leite achocolatado e os pertences vandalizados. Tudo isso acabou por o levar ao suicídio em 21 de Março de 1993. Alguns especialistas em bullies denominaram essa reação extrema de bullycídio. Os que sofrem o bullying podem desenvolver problemas psíquicos irreversíveis, indutores de atitudes radicais como a de Jeremy Wade Delle. Jeremy, então com 15 anos, se matou em 8 de janeiro de 1991 em uma escola na cidade de Dallas, Texas, dentro da sala de aula e em frente de 30 colegas e da professora de inglês, como forma de protesto pelos atos de perseguição que sofria constantemente. Nos anos 1990, os Estados Unidos sofreu com uma série de tiroteios em escolas, dos quais o mais notório foi o massacre em Columbine. Muitas das crianças por trás destes tiroteios afirmavam serem vítimas de bullies e que somente haviam recorrido à violência depois que a administração da escola havia falhado repetidamente em intervir. Em muitos destes casos, as vítimas dos atiradores processaram tanto as famílias dos atiradores quanto as escolas. Como resultado destas tendências, escolas em muitos países passaram a desencorajar fortemente a prática do bullying, com programas projetados para promover a cooperação entre os estudantes, bem como o treinamento de alunos como moderadores para intervir em disputas, configurando uma forma de suporte por parte dos pares. Com a Internet, o bullying ganhou outras formas. O chamado bullying virtual ou ciberbullying ocorre com mais frequencia entre alunos de quinta a sétima série, onde serviços como Redes Sociais e Messengers são utilizados como instrumentos para caluniar pes-

soas. Como os jovens se comunicam muito virtualmente, eles desenvolvem uma identidade virtual que não necessariamente representa o que é o individuo, mas quem ele gostaria de ser. Por vezes, essa identidade pode ser assumida como verdadeira e no processo de afirmação dela é comum ocorrer o bullying. O bullying nas escolas não é diferente, exceto por suas peculiaridades (faixa etária, meninos e meninas...). Nesse sentido escola não é diferente do trabalho, trabalho não é diferente de política e de outros ambientes. Mas acontece algumas coisas nas escolas que contribuem para que o bullying continue. Em todo lugar pode haver bullying, mas na escola é preciso considerar isso de um modo especial, porque ainda são seres em formação e que não podem se defender, não conseguem abstrair de si mesmo o suficiente para poder acalmar-se e evitar as conseqüências. A primeira razão de haver bullying com vítimas graves na escola é que as discussões sobre este assunto no Brasil ainda são muito recentes, enquanto que em outros países já se passaram em torno de 25 anos de informação e estudos. Além disso, no Brasil, os professores ainda não sabem lidar com o assunto, faltam condições e informações aos professores e às lideranças escolares, para que tenham consciência das consequencias para a vida inteira da criança. Os pais também teriam que ser orientados, bem como as autoridades policiais, para que consigam identificar situações acarretadas

pelo bullying. É fundamental saber perceber o comportamento dos filhos, quando estão abatidos, tristes, é importante escutá-los para saber como ajudá-los. No Brasil, uma pesquisa realizada este ano com 5.168 alunos de 25 escolas públicas e particulares revelou que as humilhações típicas do bullying são comuns em alunos da 5ª e 6ª séries. Entre todos os entrevistados, pelo menos 17% estão envolvidos com o problema - seja intimidando alguém, sendo intimidados ou os dois. A forma mais comum é a cibernética, a partir do envio de e-mails ofensivos e difamação em sites de relacionamento como o Orkut. Em 2009, uma pesquisa do IBGE apontou Brasília e Belo Horizonte como as capitais brasileiras com maiores índices de bullying, com 35,6% e 35,3%, respectivamente. Na Grande São Paulo, uma menina apanhou de outros alunos até desmaiar e em Porto Alegre um jovem foi morto com arma de fogo durante um longo processo de bullying. Em Guarapuava, a Escola Municipal Enoche Tavares, entende que a responsabilidade da escola é deixar bem claro para os professores, para a equipe pedagógica, para o corpo docente e para os pais o que é o bullying para que se possa encontrar formas de combatê-lo. Além disso, deve-se desenvolver projetos contínuos de observação e conscientização. A orientadora Silmara Aparecida Campos de Paula falou sobre um livro de pedagogia em que o autor explica que onde há amizade não existe bullying, ou seja, a violência não

09


10

tem espaço próprio, ela só ocupa os espaços onde a amizade e o respeito não estão. A partir dessa leitura, ela entendeu a importância de prevenir o problema na escola. Assim, desenvolveu um projeto de combate ao bullying, colocado em prática em várias etapas. A primeira era a mais básica, entender o que é o bullying a partir de pesquisas em livros e sites. Em seguida, foram realizadas palestras com professores e funcionários da escola para conseguir o apoio de todos. A professora Roseli Bittencourt Topolniak percebeu a importância do

palavras, cruzadinhas e o acompanhamento do livro de valores. Fizemos um livro para trabalhar com eles durante uma semana. Eles pintaram, debateram em sala de aula e levaram o livro para casa para que os familiares também tomem conhecimento sobre os tipos de bullying. Um exemplo é a história da menina bonita do laço de fita: afro descendente para o respeito as diferenças.” Segundo a professora os resultados já são perceptíveis nas próprias atitudes dos alunos, os quais passam a tomar cuidados, ajudam a cuidar dos

realizadas orientações particulares. A próxima instância é o encaminhamento do aluno para o o Centro Educacional de Atendimento. Por meio da observação, a orientadora Silmara e a professora Roseli, notaram que: “Geralmente, os alunos de terceira a oitava série estão envolvidos com situações de bullying, porém há algumas incidências na segunda série, não são tão graves. Os bullies de terceira e quarta série, que estão mais próximos da adolescência, são mais agressivos, mais maliciosos, querem partir para a violência. O em-

trabalho de Silmara, que trabalhou no sentido de prevenir o próprio professor de praticar o bullying com as crianças. Ela que faz parte do projeto ministrando as aulas de valores, que ocorre toda semana, explica como funciona: “Nossas aulas de valores são direcionadas com o que está precisando-se naquele momento, se surge uma situação escolhemos um tema e disso partimos para a aula. Contamos uma história, fazemos um debate e todos participam. Logo após tem a interiorização, os alunos abaixam a cabeça e pensam como tem se comportado, que atitudes tem tomado... Tem criança que chora, se arrepende. Depois tem a socialização e a parte de atividades: desenho, caça-

menores, a seguir as regras da escola, eles mesmos se policiam e policiam os colegas. Os pais também notam a diferença de comportamento dos filhos. A direção tem a preocupação de dar apoio a vítima e ao agressor. O caso mais grave de bullying, conforme contou a orientadora Silmara, foi de um aluno da quarta série, que foi extremamente mal educado com a professora, tanto que tiveram de chamar o Conselho Tutelar e a Patrulha Escolar, isso porque o menino fugiu da escola. O evento foi registrado em ATA e um relatório foi enviado ao Conselho Tutelar. Em outros casos, o professor tenta resolver o problema na própria sala de aula. Se não bastar, são

purrar, o passar o pé, e mesmo os apelidos já são consideramos formas de bullying, então começamos a trabalhar o tema desde os pequenos”. O projeto já trouxe resultados, e deve trazer outros mais a médio e a longo prazo. Para isso, algumas medidas foram tomadas: (1) o professor sempre está presente na sala de aula; (2) o recreio é sempre supervisionado por um ou dois professores; (3) os professores acompanham as crianças até o portão de saída. Essas medidas já reduziram a quantidade de brigas no intervalo, os empurrões nas filas e os apelidos pejorativos. Normalmente, um apelido é dado a alguém por um amigo, devido a uma característica única dele. Em


alguns casos, a concessão é feita por uma característica que a vítima não quer que seja reparada, como uma orelha grande. O psicólogo Albert explica como se dá o processo: “O apelido pode ser algo carinhoso, mas, em muitos casos, se torna uma difamação e uma forma de bullying. Por exemplo, todos conhecem alguém por Kaka e ele gosta de ser chamado de Kaka, o nome dele não é este, mas tem carinho envolvido. Quando é algo negativo e a pessoa acaba sentindo este negativo em relação a si, um apelido pode ser extremamente destrutivo”.

Gemmaz

A orientadora Silmara, que entrou o ano passado na escola, diz ter encontrado vários casos de bullying já em estado grave. O problema só está sendo resolvido tendo por foco a prevenção: “A formação começa em casa. Se o pai não coloca limites, só a escola não vai conseguir combater o bullying. Tem de haver uma união entre a escola, a família e a comunidade. Recebemos crianças completamente sem limites, crianças que chegam no primeiro ano e tomam decisões que seriam dos pais. E isso favorece o bullying”. Recentemente, muitas vítimas

têm movido ações judiciais contra os agressores por “imposição intencional de sofrimento emocional”, e contras as escolas, sob o princípio da responsabilidade conjunta.

Conseqüências e Prevenção O bullying não envolve necessariamente criminalidade ou violência. Por exemplo, o bullying frequentemente funciona através de abuso psicológico ou verbal. Quem é vitima do bullying acaba desfazendo a autoestima, se sente excluída e aos poucos

O efeito psicológico mais danoso é a desconstrução desse três autos: auto estima, auto imagem e auto conceito

11


Foto: Carla Abe Vicente

A violência não tem um espaço próprio, ela só ocupa onde a amizade e o respeito não estão

12

perde a vontade de viver, como diz o psicólogo Albert Friesen: “Pela autoestima, para que eu seja eu, tenho que me enxergar de certa forma e esta forma tem que estar adequada a um nível de valor social para garantir minha subsistência. Se me acho feio em relação ao outro, a conseqüência disso é pensar que terei menos chances; se eu entendo que sou mais burro do que outros, eu terei menos chances de ter um bom trabalho na sociedade; se as pessoas falam mal de mim eu vou ser excluído e não terei chances de sobreviver; então, de um modo geral, o efeito psicológico mais danoso é a desconstrução desse três autos: auto estima, auto imagem e auto conceito”. A famosa frase: “Ah, não se importe, porque quando não nos importamos, perde a graça” é equivocada quando se trata de bullying”, segundo a psicologia, não há como não se importar. Além do mais, essa carga negativa se torna uma característica simbólica de nós, de modo negativo. E esse aspecto simbólico não é tratável via raciocínio. Essas são pesquisas novas que o psicólogo Albert Friesen teve acesso no doutorado: “Há questões que não conseguiremos mudar nas pessoas nunca, por exemplo, o apelido. A criança, o jovem, ou mesmo o adulto que não gosta de determinada característica que possui, mas é lembrada por ela, o indivíduo não vai conseguir não se importar por que não manda nas próprias reações, são sempre reações a estímulos do meio. Por isso, não adianta dizer a uma criança para não se importar. Quem está ferido pelo bullying não consegue sair sozinho, mas ele alimenta”. O próprio Friesen conta que quando criança sofreu bullying por muitos anos na vida escolar. “Quando eu tinha em torno de onze anos e ia para a escola sobre a carroceria de um caminhão onde tinha umas trinta crianças nos banquinhos. Lá ficávamos de manhã quarenta minutos e na volta mais quarenta. Fui alvo de bullying por causa disso por dois ou três anos. Em uma ocasião vim para casa, não consegui almoçar e minha mãe estranhou, mas ela tinha mais outros cinco filhos e não ligou muito. Fui para a gaveta da pia, tirei uma faca e fui para fora

da casa com a ideia de querer morrer; na verdade, de aliviar a dor. Pus a faca no meu pulso e estava doendo demais, tinha uma pedra perto da minha casa e eu comecei a afiar essa faca e nisto minha irmã Mônica saiu perguntando o que eu está fazendo ali. E eu disse. Ela ficou apavorada, correu para dentro e chamou a mãe, que veio para fora e questionou o que eu estava fazendo com a faca e não tive coragem de dizer as mesmas coisas”, contou Albert. A mãe, que não tinha informações sobre o bullying, aconselhou não se importar. Albert teve que trabalhar sério com isso mais tarde e parte buscou na psicologia em torno dessa experiência de vida. Mas na adolescência se tornou muito tímido, não falava com os colegas de igual para igual ou não falava. Porém, nem todos os que podem estar passando por situações semelhantes vão conseguir superar sozinhos. Entre as conseqüências do bullying, segundo o Albert, estão: “Depressão, comportamento ansioso e transtornos de personalidade, especialmente na infância. Nessa fase, a pessoa está formando a sua personalidade, a qual, sob essas circunstâncias, pode se tornar em uma personalidade esquizotípica ou esquizóide, um modo suave de esquizofrenia. Pode se tornar ainda uma pessoa antisocial ou paranóide, características delinqüentes”. A prevenção é por meio da informação, em especial, adquirida pelos pais. Albert observa: “A maioria dos pais não aprenderam a falar de sentimentos, o que é considerá-los nas relações dos filhos; falam de tudo, mas não de sentimentos. E pais que não levam a sério o que os filhos sentem, não os ajudam a lidar com eles. Isso dificulta a prevenção, a identificação e o combate do bullying”. As intervenções sociais são também umas das importantes formas de prevenção. Se alguém já sofreu bullying as medidas devem ser práticas, como transferência de escola ou terapia de família, conforme recomenda o psicólogo. “Quando o bullying acontece no trabalho, é necessário reunir as pessoas para discutir isso. Conversar pode interromper o processo e até previnar outros casos”.


D

ona Neusa Virgínia Amaral é mãe de dez filhos, todos em idade escolar. Cada membro dessa família, que vive no Bairro Jardim das Américas, em Guarapuava, sofre com algum tipo de privação relacionada à vida em sociedade. Um dos filhos de Neusa está com problemas de pele e tem dificuldade em conseguir auxílio médico. Além deste, outros quatro filhos já passaram da 5ª série e por isso precisam ir até outro bairro para estudar, sem transporte público gratuito. Dona Neusa, enquanto isso, precisa tratar da própria saúde e sente dificuldades para conseguir trabalhar no recolhimento de material reciclável por causa da falta de estrutura e pavimentação do bairro. E ela ainda busca uma solução para a falta de saneamento básico na rua, que faz com que o esgoto das casas vizinhas passe pela lateral da casa dela.

Esse retrato familiar se repete em todo o país. Famílias vivendo em condições precárias, sem acesso aos direitos básicos de sobrevivência, constituem uma parcela significativa da população que vive no nível considerado de “pobreza”. A formação e o crescimento dessa fatia - que se sente e é vista como margem -, é resultado de um processo de construção de uma sociedade desigual e excludente. Segundo estudo realizado pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, para que um um indivíduo seja considerado pobre ou indigente, é realizada uma análise

por insuficiência no consumo de calorias por dia – em Curitiba, este índice ficou em 2217,$6 Kcal/dia. Sendo assim, são considerados pobres os paranaenses que possuem renda de até R$ 119,86 (dados de 2001). Para ser considerado indigente, ou estar no nível de extrema pobreza, esta renda deve ser de, no máximo, metade da renda do individuo pobre, o que corresponde a R$ 59,93. Segundo dados da pesquisa, em 2003, 13,7% da população brasileira viviam em situação de indigência, enquanto 35% eram considerados pobres. Este parâmetro do Brasil, refletido em diversas cida-

Reportagem: Morgani Guzzo Edição: Luiz Rogério Camargo Revisão: Glarin Bif

A desigualdade sócio-econômica é o principal fator que leva à negação do sentimento de pertencimento à sociedade

margem

a vida à


des, é resultado de múltiplos fatores. Isso quer dizer que a pobreza não é relacionada apenas à falta de recursos do país, mas engloba diversos elementos como a desigualdade na distribuição de renda, a vulnerabilidade, a exclusão social, a violência, a discriminação, a ausência de dignidade, etc. Um estudo divulgado em 2008 pelo IPEA revelou que nos últimos cinco anos houve redução dos índices de indigência (6,6%) e pobreza (24,1%) no Brasil. No entanto, estas estatísticas parecem distantes da realidade vivida em vários bairros de cidades como Guarapuava. A pobreza vista em alguns bairros forma outra sociedade, considerada excluída socialmente. O termo exclusão social, que teve origem na França, foi definido pelo sociólogo francês Robert Castel como o “ponto máximo no decurso da marginalização”, em que o sujeito afasta-se cada vez mais do convívio social por meio de rupturas com a sociedade. Outra definição de exclusão que representa melhor essa sociedade marginalizada é uma situação de falta de acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade aos seus membros. Esta falta de acesso às oportunidades caracteriza um indivíduo

que vive privado dos direitos de cidadão. Estes direitos são fundamentados pela Constituição Federal de 1988, que teve uma preocupação especial com relação aos direitos sociais do brasileiro, estabelecendo uma série de dispositivos que assegurassem ao cidadão todo o básico necessário para a uma existência digna e para que tenha condições de trabalho e emprego ideais. Na privação desses direitos ocorre a exclusão social.

À margem: a situação de alguns bairros de Guarapuava Ruas de chão batido que alagam com dez minutos de chuva. Esgoto de banheiro e cozinha correndo ao lado de casa. Crianças brincando na rua de terra, pisando na vala de esgoto aberta quando a bola feita com restos de pano cai. Meninos de dez anos que não sabem escrever o próprio nome. Famílias que aguardam ansiosas a “sopa comunitária” preparada aos sábados pela associação dos moradores do bairro. Crianças descalças sonhando com um par de chinelos. Casas de dois cômodos com mais de dez moradores. O sono de cinco crianças e a mãe em uma única cama de casal.

Este cenário pode ser de muitos lugares, mas poucos imaginam que seja o retrato de alguns dos bairros de Guarapuava. A cidade possui vinte e cinco bairros e cinco distritos. Destes, os bairros Paz e Bem, Jardim das Américas, Xarquinho e Adão Kaminski são apontados como os mais problemáticos. Nestes locais, falta estrutura básica para se viver dignamente. “Nós não temos praticamente nada. Não temos um ginásio de esportes, não temos uma área de lazer, não temos escola de segundo grau, não temos creche. Não temos nada!”, desabafa Luiz Pedro, morador do bairro Jardim das Américas, que tem em torno de 600 domicílios. A frase “Bem vindo ao Rio Cascavelzinho” pintada na ponte de entrada do bairro Jardim das Américas até poderia soar convidativa, no entanto, a estrada de chão não permite ao visitante uma sensação de alegria ao entrar no bairro. “Essa rua, por exemplo, alaga sempre quando chove. Fica muito difícil para os ônibus passarem. Carro é impossível. Todas as professoras que trabalham na escola vêm do centro, pois isso até o nosso horário escolar é diferenciado do restante da cidade, nós começamos às 8h por causa desse problema”, revela a professora da única escola

Os problemas do Jardim das Américas começam na entrada do bairro. A estrada de chão alaga quando chove.

14


Com a falta de saneamento básico, a água que iria para a rede de esgoto fica no próprio terreno dos moradores.

localizada no bairro, Sirlei Terezinha Schipanski dos Santos. As áreas onde as cheias do Rio Cascavelzinho alagam atingem grande parte do bairro Jardim das Américas. Segundo o presidente da Companhia de Urbanização de Guarapuava (Surg), Fernando Alberto dos Santos (o ex-vereador Fernando da Maçã), essas cheias são de conhecimento do município e é responsabilidade da Surg resolver este problema, juntamente à secretaria de Meio Ambiente. “Nós sabemos o que acontece lá, por isso já temos projetos para que sejam feitas galerias pluviais e a de revitalização do rio”. Mas enquanto os projetos não saem do papel, a população continua sofrendo. Dona Neusa Virgínia Amaral mora na Rua Itararé, no bairro Jardim das Américas. Composta principalmente por catadores de papel, a rua é o principal foco das enchentes. “Essa rua aqui é um sofrimento. Acho que o que a gente mais depende é dessa rua principal aqui pra termos mais dignidade nessa vida. Como cidadão a gente precisa dessa rua, como carroceiros, gaioteiros, precisamos dessa rua pra ir buscar o material reciclável”. As enchentes causadas pelo Rio Cascavelzinho desencadeiam outro tipo de problema de exclusão: sem conseguir sair de casa, as famí-

lias ficam sem poder trabalhar. Sem o dinheiro do material reciclável, não se paga as contas, não há alimento, não se consegue condições básicas para sobreviver. Segundo a agente comunitária de saúde Eunice Pires, os problemas dos moradores do bairro Jardim das Américas são básicos e grande parte deles dependem de programas como o Bolsa Família para sobreviver. “Essas famílias são muito carentes. Há casas com dois cômodos em que moram mais de 20 pessoas, a maioria crianças pequenas. Além disso, tem os animais que vivem junto. O problema de saneamento também é complicado, é muito comum ver crianças doentes por causa dessas condições de vida”. Tanto no Jardim das Américas quanto no bairro Paz e Bem, a situação dos moradores se repete: problemas de habitação, segurança, acesso à escola e até mesmo a fome são questões comuns. A maioria desses moradores são catadores de material reciclável, mas muitos pararam de trabalhar por causa de doenças ou por se sentirem satisfeitos por pertencerem às 11.200 famílias cadastradas e assistidas pelo Bolsa Família. “O problema dessas famílias é que não tem onde trabalhar, não tem indústrias na cidade pra empregar tanta gente. Alguns catadores só saem

para pegar o material quando não há realmente o que comer em casa. Muitas mães chegam pra mim e dizem que levam os filhos na escola “por causa da bolsa”. É triste, mas é a realidade”, desabafa a professora Sirlei.

A exclusão por falta de atendimento básico O processo de habitação das grandes cidades sempre passou pela formação de periferias, áreas afastadas do centro da cidade, com terrenos mais baratos para a população que sai da zona rural e se estabelece no perímetro urbano. Por falta de condições financeiras, a instalação de algumas famílias ocorre em locais impróprios, não estruturados para a construção de casas. Nos bairros Paz e Bem e Jardim das Américas, esses locais são habitados por dezenas de famílias, são os chamados locais de “invasão”. Além de não possuir saneamento básico, como no restante dos bairros, esses locais não têm energia elétrica, água encanada e são cons-tantemente alagados nos períodos chuvosos. Além disso, a água da chuva entra facilmente nas casas construídas de maneira improvisada. “Aqui sempre entra água, entram bichos. Meu filho já foi picado duas vezes por aranhas que entram por essas fres-

15


tas. Quando chove, a gente tem que levar esses colchões nos vizinhos, senão molha tudo”, relata Marilda Alves da Silva, moradora há seis anos no bairro Paz e Bem. No entanto, as condições precárias de vida desses moradores não passam somente pela questão da habitação. A falta de empregos e de escolas para essa população afastada do centro da cidade dificulta ainda mais sua inserção e o surgimento de uma sensação de pertencimento à sociedade.

violência que os filhos são obrigados a enfrentar para poderem ir até outro bairro estudar. “Não tem como uma pessoa que vive do material reciclável pagar para o filho pegar ônibus todos os dias para a escola. E como que eu vou mandar meu menino estudar em outro bairro para voltar à pé durante a noite? Não tem condições. Todo mundo sabe a realidade desses bairros, a falta de segurança, o perigo que é”, reclama a moradora do bairro Paz e Bem Eugênia Ribeiro Gonçalves.

coisa que a gente vê muito são as crianças que têm acesso às drogas, elas se fecham, fica difícil trabalhar com elas. Também tem a questão das atividades no período de férias. Aqui essas crianças não têm o que fazer, não tem parquinhos, não tem cursos pra elas, elas ficam na rua e na rua só tem o que não presta”. Uma alternativa para os jovens seria a recém construída Escola do Trabalho, no bairro Jardim das Américas. Com a promessa de

A falta de creches no bairro dificulta ainda mais a inserção das mães no mercado de trabalho.

“Um problema sério que a gente enfrenta aqui é que não tem creche. Quando surgem vagas de trabalho, não tem condições das mães irem trabalhar porque não tem onde deixar as crianças. Imagina essas mães tendo que mandar os filhos pra outros bairros para poder trabalhar, não tem condições”, relata o morador Luiz Pedro. A falta de creches e escolas de ensino fundamental e médio nos bairros não é o único fator que dificulta a permanência das crianças na escola. Muitas mães reclamam da

16

Além da dificuldade de transporte, a população também sofre restrições de vagas nas escolas que ficam mais próximas do bairro. Outra questão comum na educação é a quantidade de alunos que abandonam a escola por falta de acompanhamento e por problemas de drogas em casa. “Eu acho que não adianta a gente trabalhar com as crianças só na escola, tem que ter acompanhamento em casa, com os pais também”, opina a professora da Escola Municipal Prof. Dionísio Kloster Sampaio, Sirlei Schipanski dos Santos. “Outra

capa-citar os moradores interessados, a iniciativa oferece curso de manicure, culinária e informática. No entanto, o local da construção permanece fechado, sem expectativas de quando será inaugurado e começará a funcionar. “Essa escola já foi construída, mas não foi inaugurada. Está fechada ainda porque foram feitas diversas modificações e adaptações por causa das especificidades do bairro. A obra só foi entregue agora”, justifica o presidente da Surg (Companhia de Urbanização de Guarapuava).


Essa política neoliberal fez com que a responsabilidade que antes era do Estado passasse para a sociedade civil

vil. Por isso surgiram organizações não governamentais e empresas do terceiro setor. O que acontece é que quando a responsabilidade é de todos, ela não é de ninguém”, avalia. A exclusão dos moradores dos bairros mais afastados do centro da cidade é o resultado de uma infinidade de privações vividas por esta população. A privação econômica é o principal fator excludente desta sociedade. “Esses moradores estão distantes do centro. Enquanto eles

estiverem longe dos olhos do público consumidor, o pensamento será ‘deixem eles lá, assim não incomodam’. Além disso, esse nicho de pobreza é importante para os políticos: enquanto eles não estiverem pensando, o trabalho dos políticos fica mais fácil”, analisam os assistentes sociais. A ausência de voz, de representatividade para esta população, não permite que as mudanças ocorram. A distância desses bairros do centro, faz com que a maior parte dos moradores da cidade não saibam a realidade a poucos quilômetros de suas casas. Se a população não vê o que acontece, ela não cobra. Se aqueles que vivem essa situação não têm representatividade dentro da sociedade, ninguém os escuta. “É preciso mobilização popular para implantação de políticas públicas. Dinheiro tem. Mas essa mobilização vem da conscientização, e essa conscientização, por sua vez, vem da e-ducação. Sem uma educação de qualidade, não há cobrança. É um círculo vicioso. A educação é fundamental”, finaliza o assistente social Marcelo Zadra.

Associações dos Moradores: o elo de esperança na restauração

Nos locais chamados de “invasão” os moradores não têm acesso nem à água encanada. A solução é abrir o “olho d’água” no terreno Foto: Morgani Guzzo

Todas essas situações enfrentadas pelos moradores de alguns dos bairros de Guarapuava são consequências de questões históricas com relação à formação das cidades. No entanto, para a assistente social e professora do Departamento de Serviço Social da Unicentro, Sueli Godoi, não é possível somente pensar nas raí-zes, mas na solução para esses problemas. “É o próprio sistema capitalista que exclui o indivíduo. Essa é uma questão histórica. Mas para que seja feita alguma mudança, o primeiro passo é fazer com que a sociedade participe na definição de políticas públicas, reclame por seus direitos”. Segundo Marcelo Zadra, assistente social e também professor do Departamento de Serviço Social da Unicentro, a estrutura política do Estado faz com que não haja um responsável específico para cobrar. “Essa política neoliberal fez com que a responsabilidade que antes era do Estado passasse para a sociedade ci-

Gilberto Ferreira é vigia noturno. Trabalhando à noite, ele dorme durante as manhãs para recuperar o sono. Enquanto isso, seus fi-lhos estudam na escola do bairro, que ainda consegue atendê-los por não terem passado da 4ª série. Enquanto as crianças estão na escola, a mãe, Scheila Cardena, estuda pedagogia na Unicentro. Analisando deste ângulo, a família de Gilberto leva uma vida com os afazeres e responsabilidades de qualquer outra. Mas a realidade é um pouco diferente. Gilberto é presidente interino da Associação de Moradores do bairro Jardim das Américas. A atual formação da Associação foi definida no começo deste ano e tinha mais de dez participantes. Agora, nem um ano depois, a associação conta somente com três ou quatro voluntários. Apesar do pequeno número de colaboradores, o trabalho realizado pela Associação do Jardim das Américas tem o objetivo de dar um

17


O trabalho das associações é muito importante para que o bairro tenha as melhorias que precisa

18

pouco mais de condições para o desenvolvimento do bairro. Além das cobranças junto à Prefeitura Municipal, Gilberto e a esposa organizam ações dentro da própria comunidade. “Todos os sábados, a partir das 9h, tem a escolinha, com as crianças pequenas. Aqui eles lêem histórias, trazem as tarefas escolares para eu ajudar, nós temos algumas palestras com estagiários da Unicentro, entre outras coisas. Essa etapa vai até ao meio-dia. Depois disso tem a sopa, que nós fizemos para eles comerem e levarem para casa”, relata Scheila. Segundo ela, em torno de 64 crianças são beneficiadas com essa atividade. A procura é grande, principalmente por causa da sopa, feita com alimentos doados. “Na realidade, eles vêm mais por causa da sopa. Para a maioria deles, essa é a única refeição decente que têm durante a semana. Às vezes é até complicado, quando não tem outra voluntária para cozinhar, porque eu preciso me dividir entre eles e o fogão, aí eles ficam aqui em cima comigo. Quando começam a sentir o cheiro da comida, fica impossível continuar as atividades”, conta Scheila. Além da escolinha e da sopa, que são as principais atividades que a Associação consegue desenvolver no momento, Gilberto também tem a tarefa quase diária de buscar solução para os problemas reclamados pelos moradores. “A gente sempre está buscando uma solução na prefeitura, com o Alceu, que é presidente da UGAM, com os vereadores, mas não é fácil. Primeiro porque para que seja feito alguma coisa no bairro, nós precisamos ir lá cobrar, e nós não temos tempo para ir sempre lá, ficar em cima, então tem que esperar”, comenta o presidente. Segundo o presidente da União Guarapuavana de Associações de Moradores (UGAM), Alceu Nascimento, o trabalho das associações é muito importante para que o bairro tenha as melhorias que precisa, e um dos papéis da UGAM é auxiliar as associações nas reivindicações junto à Prefeitura. “Nós damos apoio às reivindicações das associações, ajudamos no que é possível para que se apresente soluções para os pro-

blemas dos bairros, mas é muito importante a participação dos próprios moradores nessa cobrança. Quando não há participação da população, é muito mais difícil para o bairro ser atendido”, avalia Alceu. No entanto, a falta de participação dos moradores, sentida em diversos locais, é justificada até pelos presidentes das associações. Gilberto reclama da falta de voluntários, mas tenta compreender. “Eu estou fazendo este trabalho por que eu acredito que possa ajudar a comunidade, mas eu compreendo que as pessoas têm outros compromissos. Seria muito mais fácil fazer o que a gente propôs se os moradores ajudassem, mas se eles não podem, fazer o quê”, comenta. Já Alceu

Este é um trabalho voluntário, mas se as pessoas soubessem a força que a Associação tem, eles iriam ajudar

levanta outro agravante: o horário das reuniões. “Geralmente as reuniões são marcadas à noite, porque a maioria trabalha durante o dia. Mas esse horário também afasta a população, por causa da violência desses bairros”, avalia. Apesar das diversas situações que fazem com que o morador não se interesse ou não possa participar da associação do bairro, é preciso conscientizar a população. “Este é um trabalho voluntário, mas se as pessoas soubessem a força que a Associação tem, eles iriam ajudar. Da mesma forma, os prefeitos apóiam mais o bairro que tem maior representatividade, mais moradores envolvidos”, declara Alceu.


Reportagem: Samilo Takara Edição: Morgani Guzzo Revisão: Jéssica de Souza

Fora do Alfabeto Orientação sexual e identidade de gênero são representadas pelas letras LGBT. Em luta, o Movimento ainda é excluído pelo preconceito.

M

arcus*, 21 anos, é homossexual assumido desde 2008, depois de ser violentado por um homem, dentro do apartamento onde morava. Ele estava conversando com alguns amigos e bebendo. Depois de algum tempo, o agressor demonstrou interesse por ele e Marcus foi para seu quarto, foi ameaçado de morte e quase asfixiado. Então, uma história que sua mãe contava voltou à tona: um homossexual foi morto a facadas por um parceiro, na casa da esquina do quarteirão que ele morava, em 1992. Por isso, sua mãe pedia que ele não se assumisse em nem lutasse pelo Movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Marcus tinha três anos, entretanto sua vida e sua homossexualidade ficaram escondidas por muito tempo por medo de ter o mesmo fim.


No mundo, segundo pesquisa do Ilga – uma federação mundial pelos direitos dos LGBTs – sete países têm pena de morte para quem se assume ser homossexual ou transexual. Além destes, 82 territórios e localidades têm pena de prisão de, no mínimo, um mês até perpétua, caso um cidadão tenha relações homossexuais. É pouco pensar então que 33 localidades e territórios têm leis de proteção e garantia de direitos como a União Civil para homossexuais. Esses dados são de 2008, mas pouca coisa mudou desde que a pesquisa foi realizada, no mesmo ano em que Marcus foi violentado. Se em vários lugares no mundo há preconceito e discriminação dos próprios governos e entidades, o Brasil não está tão distante desta realidade. Segundo dados do Relatório anual do GGB (Grupo Gay da Bahia), só no ano passado, 198 homossexuais foram mortos por homofobia ou o chamado crime de ódio. Ainda há poucas medidas que defendam os homossexuais. Se essa ação violenta, sofrida por um universitário tivesse acontecido no Estado de São Paulo, o agredido poderia ter recorrido a Lei Estadual 10.948/01, que pune com prisão qualquer ação atentatória, vexatória ou discriminatória, além de agressões físicas. Para lutar pelos Direitos Humanos e pela cidadania de LGBTs, grupos organizados formaram ONGs (Organizações Não Governamentais). Uma das primeiras ONGs que começaram a fomentar as discussões sobre homossexualidade, enquanto a sociedade ainda chamava (e chama) de homossexualismo, que no CID (Catálogo Internacional de Doenças) significava um desvio psicológico em que pessoas sentiam atração por outras do mesmo sexo, o GGB começou a fomentar as dis-

20

cussões para busca de uma cidadania e de respeito. Entre os nomes do movimento baiano está Luiz Mott. Na década de 1980, o grupo se instaurou como ONG e tem como objetivos: defender os interesses da comunidade homossexual da Bahia e do Brasil; denunciar todas as expressões de homofobia; divulgar informações corretas sobre a orientação homossexual; trabalhar

Acho que toda criança LGBT sofre com isso. Sim, a militância me deu carcaça, me deixou um pouco mais guerreiro. O movimento me fez ver o sofrimento de dezenas, centenas de LGBT

na prevenção do HIV e AIDS; conscientizar o maior número de homossexuais da necessidade urgente de lutar por seus plenos direitos de cidadania e fazer cumprir a Constituição Federal que garante tratamento igualitário a todos. Por volta de 1990, surge no Paraná a primeira ONG para discutir os direitos e promover a cidadania LGBT. O Grupo Dignidade foi fundado em 1992 e tem como missão

“atuar na defesa e promoção da livre orientação sexual e dos direitos humanos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais”. Outros grupos e ONGs foram organizados em diversos períodos do movimento e em outras partes do país, entretanto, o preconceito ainda é muito comum na vida de homossexuais e transexuais. Entre os militantes que começaram e que fazem parte da luta paranaense está o atual presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais), Toni Reis. Mesmo sem leis e ações governamentais que protejam os homossexuais, esses grupos organizados, que fazem parte deste Movimento Social buscam garantir a cidadania e o direito de LGBTs em suas cidades, seus Estados e no Brasil. E o Marcus? Teve visibilidade sua história? Como muitas outras, a história de Marcus para muitos e será para tantos outros. O que muda são as ações políticas que ele tenta desenvolver hoje. Conversas, ações, orientações que ele tenta passar para diminuir as estatísticas do preconceito. Segundo a FPA (Fundação Perseu Abramo), 99% da sociedade brasileira tem algum tipo de discriminação contra homossexuais. Mudar isso está nas mãos de Marcus e de muitos outros que lutam por respeito, por Direitos Humanos e por justiça.

Em Guarapuava Em abril de 2009, a Unicentro admitiu o protocolo e intitulou um grupo de jovens orientados por um professor da universidade como Projeto de Extensão. Mas, desde antes, o Gadih (Grupo Acadêmico de Discussões Interdisciplinares Homoculturais) já era discutido e discussão entre homossexuais que


frequentavam os bancos dessa Instituição de Ensino. Idealizado por Rafael Ferrareze, acadêmico de Serviço Social, o grupo começou com cerca de 10 pessoas, para discutir o conceito homocultura e tratar de questões e da homofobia. Englobando acadêmicos das áreas de Arte-Educação, Comunicação Social, Letras e Serviço Social, além de importantes contribuições de acadêmicos da Biologia, da Educação Física e de outras instituições, o Gadih começou a preparar formadores de opinião para discutir como a cultura reproduz o homossexual e o transexual e como eles se representam e produzem cultura. “Começamos a discutir porque sentíamos tanto preconceito dentro de uma universidade, estadual, em um campus que a maioria dos cursos de graduação é em Ciências Humanas, Letras e Artes e porque a homofobia acontecia pelos corredores dessa instituição”, explica Rafael. O grupo já viajou para Curitiba para fazer parte de reuniões da Aliança Paranaense pela Cidadania LGBT, que é composta por diversas ONGs e pessoas que lutam pelo respeito à cidadania e aos Direitos Humanos. Além de representar hoje uma parte do movimento social LGBT na cidade de Guarapuava. “Conhecemos muitas histórias de violência aqui em Guarapuava e em outras regiões do Estado. Em nossa viagem a Curitiba, vimos um grupo de travestis e transexuais q u e foram

para a rua fazer protesto porque o governo municipal e estadual não tomava atitude perante a mortes. Cerca de treze travestis foram mortas em quase três meses. O preconceito está ainda muito forte em nossa sociedade, e a luta e discussão por políticas públicas e sociais a favor dos Direitos Humanos é muito importante”, afirma Rafael. A assistente social do grupo, Débora Magalhães, explica que o Serviço Social e o movimento LGBT tem uma ligação forte. “Lutamos pela efetivação dos Direitos Humanos. O Serviço Social faz o uso d e seu

Código de Ética, de sua lei de regulamentação profissional, da Constituição Federal, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além de programas e projetos para a efetivação dos direitos dos homossexuais”, explicou Débora, que é heterossexual e afirma a importância que ela dá a essa luta. “Eu me sinto muito orgulhosa, pois essa luta vem ao encontro do que minha profissão faz, que é lutar pela efetivação de direitos”, finaliza.

21


Na política. Na sociedade. O coordenador-geral de promoção dos direitos LGBTs da SDH (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), Igo Martini explica que há diferença a partir do momento em que se assume a homossexualidade e luta por direitos. “Assumir a identidade LGBT é assumir uma identidade política, afinal quando você resolve vivenciar sua orientação sexual ou identidade de gênero você “opta” em viver situações de enfretamento cotidianamente”, explica o coordenador. Igo ainda explica que esse número de homossexuais mortos mostra uma atenção do Estado, em busca de promoção de direitos e valorização do cidadão, mesmo que ainda sejam números elevados. “Os números de assassinatos parecem que aumentaram, mas, infelizmente, esses assassinatos sempre ocorreram, só que eram sub-notificados, não eram vistos. A SDH desde 2005 vem financiando Centros de Referência em combate a homofobia. Esses centros receberam e apuram muitas denúncias”, afirma. Sobre a realidade brasileira para o indivíduo LGBT, Igo aponta que “O Brasil é vanguarda em Direitos Humanos. Temos um avançado PNDH3 (Programa Nacional de Direitos Humanos 3) e neles constam 22 propostas LGBT. São propostas interministeriais, aliás, os Direitos Humanos não são res-

22

ponsabilidade só da secretaria e sim de todo o Estado. Por isso no papel principal é o da articulação com todos os Ministérios. O que posso dizer é que o Brasil avançou muito. E deverá continuar avançando. O governo federal já tem na sua estrutura uma coordenação

Assumir a identidade LGBT é assumir uma identidade política, afinal quando você resolve vivenciar sua orientação sexual ou identidade de gênero você “opta” em viver situações de enfretamento cotidianamente

geral e um conselho LGBT isso fará com a agenda LGBT sempre esteja em evidencia”, explica Igo. Ao ser questionado sobre que conselho daria a um militante de Direitos Humanos, Igo é didático. “Converse sempre com a comunida-

de, fique sempre atento nos espaços de controle social como GTs (Grupos de trabalho), Conselhos etc. Busque aliados heterossexuais e LGBTs no seu município e Estado”. E ainda dá força para os LGBTs ao dizer que esses indivíduos devem viver suas vidas. “Vivam plenamente, tenham orgulho de ser LGBT. Assumir a orientação sexual o livrará de muitos problemas como chantagem, vulnerabilidade diante da violência e DST/AIDS”. E Igo dá esses conselhos com conhecimento de causa. Na infância, ele conta que sofreu muito com a homofobia. “Principalmente na escola, eu era totalmente estrábico do olho esquerdo, então eu era chamado de mariquinha vesga ou caolha, todos os dias eu voltava chorando pra casa. Nunca tive coragem de dizer pros meus pais”, explicou dizendo ainda que se sentia muito só. “Acho que toda criança LGBT sofre com isso. Sim, a militância me deu carcaça, me deixou um pouco mais guerreiro. O movimento me fez ver o sofrimento de dezenas, centenas de LGBT”, conta. Ainda é visível que o Brasil tem situações pontuais a serem desenvolvidas em busca de uma cidadania LGBT plena. Entretanto histórias de enfrentamento e coragem como as de Marcus e Igo mostram que é possível fazer a diferença e tentar acreditar em uma melhora, não de estatísticas e nem de números, mas uma melhora real entre as relações dos seres humanos.


D

a casa de um dos integrantes do grupo, todos saem rumo à escola. Pelo caminho, o olhar espantado dos passantes, que veem nas caras pintadas dentro do carro algo que foge à visão do cotidiano. O que tem nesse baú? pergunta uma das crianças na entrada do colégio. Ah, isso você vai descobrir já, já, responde um dos personagens ainda sem nome, saído do mundo do era uma vez...

Quem conta um conto Arte como instrumento de incentivo à leitura e enriquecimento da formação de alunos e professores

Diante das dezenas de crianças sentadas no saguão da escola, a pequena fada é liberta das garras da malvada bruxa com a ajuda de seus amigos, Alice, que veio do País das Maravilhas para socorrer sua companheira, e Chapeuzinho Vermelho, ainda livre das garras do feroz Lobo Mau. Com os olhinhos brilhando, as crianças, todas com idade entre cinco e sete anos, aguardam ansiosamente pelo início da história que os fantoches vão re-

Reportagem: Rogério Camargo Edição: Jéssica de Souza Revisão: Samilo Takara

viver. É o começo da Hora do Conto, um projeto desenvolvido pelo Programa de Educação Tutorial – PET Letras, da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), que em 2010 se realiza pela segunda vez. O projeto que envolve acadêmicos de Letras outros curso da área das ciências humanas, tem por objetivo estimular nos alunos a leitura e o gosto pela arte. Além de proporcionar a interação dos graduandos dos cursos de licenciatura

com os professores já atuantes e com as crianças. “Especificamente no nosso caso, é um exercício de profissão. É um contato direto com uma realidade que muitas vezes a universidade, por meio de aulas teóricas não demonstra”, conta a professora Níncia Borges Teixeira, professora do departamento de Letras da Unicentro e também tutora do grupo. Segundo a professora, um projeto como este colabora para a aproximação dos alunos com a lit

23


O aprendizado não é só dentro da sala de aula.

eratura por meio do encantamento que a contação de histórias proporciona. E mais do que isso, funciona como um meio de inclusão das crianças no mundo da leitura. “Por meio da ludicidade, os alunos conseguem se identificar com as personagens, muitas vezes conseguindo até resolver certos problemas até de relacionamento, seja com os pais, com os colegas”, explica. Para os acadêmicos, a sensação não é muito diferente. Bryan Dall Pozzo, que está cursando o primeiro ano de Letras – Inglês, vê nessa interação uma excelente oportunidade de aprender a ensinar de uma forma diferente e divertida da que está habituado nos bancos universitários. “Uma atividade como esta não é algo que a gente faz todo dia, então com certeza é algo que vai enriquecer nossa formação acadêmica. Vermos o sorriso das crianças, a felicidade com que elas nos recebem, a forma como elas sentem quando você faz certa “macaquice” é incrível. Com certeza é um incentivo para a formação de professor e como futuro profissional”, diz.

24

A ideia do projeto surgiu no grupo a partir da constatação de que nem sempre a realidade encontrada por crianças e adolescentes em escolas periféricas contribui para o seu desenvolvimento e for-

Eu acho que é muito importante para o aprendizado deles. É uma experiência para a vida

mação humana. A estratégia é utilizar a arte e em especial o mundo literário como uma forma humanizadora e fazer com que a universidade adentre as portas das escolas. “Cada vez mais a universidade tem criado estratégias para estar mais perto do campo do trabalho. Isso porque, muitas vezes, a teoria por

si só não dá conta da realidade do ensino, dessa realidade que quando os acadêmicos forem efetivamente para o mercado de trabalho eles vão encontrar”, ressalta a professora Níncia. Nos dias em que a contação de histórias acontece, os preparativos começam cedo. Isso sem falar nos ensaios prévios que acontecem semanas antes dos encontros, levando em consideração tanto a parte estrutural, musical, e leitura dramatizada das histórias. Tudo pensado nos mínimos detalhes para proporcionar às crianças a magia e o encanto próprio da narrativa literária. Para Camila Rodrigues, que interpretou a Fada Madrinha, um dos personagens mais bem recebidos pelas crianças durante as apresentações, uma das coisas mais gratificantes desse tipo de iniciativa é o carinho e o envolvimento das crianças. “O mais importante para mim foi a gente passar a história para eles e eles virem recontar. Eu estava sentada vendo as outras apresentações e uma menina sentou do meu lado e falou. Ah, eu


“ vi que você estava presa dentro do baú, e veio a chapeuzinho e salvou você. Então esse recontar a história é o mais importante. Passar o reconhecimento e ele ser retribuído”, relembra. Para a professora Regina de Fátima Souza Camargo, diretora da Escola Municipal Hypólita Nunes de Oliveira, onde o grupo se apresentou pela primeira vez este ano, no que depender da escola, esse tipo de atividade vai se repetir muitas e muitas vezes. “Nosso objetivo, não somente durante uma semana, mas durante o ano inteiro, é justamente fazer essas parcerias e despertar nas nossas crianças o gosto pela leitura, pelo teatro, pelas atividades culturais. Foi muito bonito ver nossas crianças diante do teatro de

Foi muito bonito ver nossas crianças diante do teatro de fantoches com os olhinhos brilhando

Contação de histórias quebra a rotina escolar e propicia uma forma diferente de aprendizado às crianças

fantoches com os olhinhos brilhando. Para eles é sempre uma novidade e é muito importante mesmo. Nós adoramos e queremos repetir a dose”, ressalta. Segundo a professora Ana Marin, que trabalha com as séries iniciais, o contar histórias é uma atividade que faz uma enorme diferença no cotidiano das crianças, uma vez que prende a atenção dos alunos mais do que as atividades convencionais. “Eu acho que é muito importante para o aprendizado deles. É uma experiência para a vida toda. E eles ainda comentam muito tempo depois. Quando a gente fala que vai ter um teatro, ou algo assim, eles ficam muito contentes. O aprendizado não é só dentro da sala de aula.”

25


Os Movimentos Sociais vêm revigorar a sociedade e repensar conceitos que foram impostos durante anos

Entre muitas versões que se tem de um fato, mesmo não mudando o sentido e nem o que ocorreu, a busca por direitos ainda é o foco de muitos grupos. O doutor em História e Movimentos Sociais, Ariel José Pires explica que muitos conceitos podem ser dados. “Na verdade são inúmeros conceitos pra movimento social e nós temos vários teóricos que trabalham em relação a isso, mas quem tem melhor desenvolvido esses conceitos é a professora Maria da Glória Gohn. Sintetizando, movimento social é todo agrupamento de pessoas que, de forma organizada ou não, se reúnem, estipulam metas, têm interesses em comum e surgem, precisamente, porque o sistema hegemônico apresenta muitas contradições, daí o entendimento do porque surgem os movimentos sociais”. Sobre o surgimento desses movimentos, o estudioso afirma que

M

Quebrando muros

eles surgem em busca de soluções para alguns problemas de ordem social. “Eles surgem porque há algum problema na ordem social. Eles precisam reivindicar alguns direitos e precisam fazer parte da pauta do próprio governo”, explicou Ariel. Um exemplo é desse grupo quilombola, representado pelo Paiol de Telha, que busca efetivar seu direito sobre a terra que lhe foi dada e pelo respeito a sua cultura rica que é parte do espectro de elementos que originou o brasileiro. Isabela Cruz é acadêmica de História, quilombola, negra e tantos outros adjetivos que podem ser dados a um indivíduo social, transformador da sua realidade e membro de um movimento em busca da efetivação de direitos. Ela conta que o termo quilombola não era usado há 10 anos, entretanto isso nunca mudou o que significa ser um. “Sou descendente de negros que foram

Reportagem: Samilo Takara Edição: Morgani Guzzo Revisão: Jéssica de Souza

escravizados, que tem sua cultura e sua comunidade e faz parte desse movimento social. Buscamos direitos e talvez essa seja a rede que liga todos os movimentos sociais. Não são mais as minorias, são tantas pessoas que foram excluídas e que lutam pelos seus direitos: a terra, a dignidade”, explica Isabela. Membros de uma comunidade tradicional, parte dos movimentos rurais (também chamados de movimentos de terra, movimentos sociais e urbanos), os quilombolas do Paiol de Telha lutam pelo direito a um pedaço de terra que lhes foi tirado no começo do século XX. A acadêmica explicou que por volta de 1860 a dona das terras, Balbina, doou a posse dela para seus escravos, cerca de 11 pessoas. “Houve grilagem e apoio governamental para a retirada dos negros daquela região para que se instalassem os suábios, que significava progresso para a região. Em

ovimento é não estar parado. Mudar, transformar, renovar. Social vem de sociedade. Movimento social poderia ser aquilo que muda a sociedade. Mas não é tão simples. Os movimentos sociais são grupos, organizados ou não, que pretendem efetivar os Direitos Humanos e garantir o que é previsto pela Constituição Federal, de 1988. Ou mais que isso, lutar pelo direito a liberdade de ação e expressão.

26


Se perde não só as terras, mas perdem-se as memórias, os parentes que lembram desse tempo. Sem a terra como vínculo, o que eu vou ter?

1999, os descendentes dos donos das terras voltam e se organizam para lutar pelos direitos de propriedade daquela terra”, contou. “Eles expulsaram os habitantes daquele lugar que tentaram e ainda tentam reconstruir as suas vidas nas cidades. Uma população rural jogada na cidade e que teve que se adaptar”, explicou Isabela, contando que houveram diversos tipos de taxações sobre os descendentes daquelas terras, que perderam mais do que a propriedade sobre elas, perderam muito da identidade, pois o vínculo com aquele local guarda muitas histórias e memórias de seus antepassados. “Se perde não só as terras, mas perdem-se as memórias, os parentes que lembram desse tempo. Sem a terra como vínculo, o que eu vou ter?” indagou. Isabela ainda comenta que a importância do Movimento social é a união que a sociedade ci-

vil tem. “São pessoas que não tem nada, mas que se mobilizaram para ter direitos garantidos. São pessoas que lutam, que dizem. Eles estão lá pelo que é nosso”, afirmou. Entre os pontos que Isabela destacou sobre a desvalorização dos grupos que lutam em busca da efetivação de direitos, ela salientou a questão cultural africana. “Foi necessário implementar uma lei para que os professores se dessem conta da necessidade de estudar a cultura africana, sair desse eurocentrismo e conhecer mais sobre uma das culturas que construiu a identidade brasileira”, completa. “Que os Direitos Humanos sejam reconhecidos. O movimento hip hop, é um movimento interessante, por exemplo, surge como um grito em busca de um reconhecimento. Ele pretende garantir que seus direitos sejam respeitados e sejam garantidos. No fundo, eles

querem autonomia. Eles têm uma característica comum, pois sempre buscam participar do que o governo pretende fazer”, explica o estudioso. E sobre a importância desses movimentos, Ariel dá uma aula. “Pessoalmente, eu acho que os movimentos sociais são mais importantes que os partidos políticos. Eu tenho defendido essa tese, porque os movimentos sociais interferem nas agendas de governo. O MST é um dos melhores exemplos. Ele têm conseguido muitas conquistas, não só em assentamentos para trabalhadores rurais, mas outras conquistas. O MST conseguiu três universidades federais na sua reivindicação. A última que eles conseguiram fica bem pertinho daqui, a UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul). Ele interferiu na agenda, ele conseguiu uma universidade e isso não é pouco”, finalizou.

27


D

evido ao profissionalismo, o skate hoje é um esporte que vem ganhando respeito e atenção. Depois do futebol, a pratica sobre rodinhas é o segundo maior no país, levando em conta o numero de atletas que praticam o esporte apenas como lazer ou que se enquadram em uma das categorias do nível iniciante, amador 1, amador 2 ou profissional. Mas nem sempre foi assim.

Décadas atrás, o Skate era visto como um esporte praticado por vândalos, maconheiros, desocupados. Isso ocorre em partes pelo fato de andarem em grupos e também pelas vestimentas utilizadas por quem pratica o skate, que para o melhor desenvolvimento das manobras as calças devem ser bem largas, para que assim as pernas fiquem livres, proporcionando assim uma maior flexibilidade ao atleta. Estigmatizados por esse estereótipo, os atletas sofrem todo tipo de preconceito, o que é uma barreira para aqueles que pretendem fazer desse esporte uma maneira de ganhar a vida. O profissionalismo, assim como no futebol, não é um caminho muito fácil. Exige que o atleta vença varias barreiras como falta de incentivo; falta de estrutura e por se tratar de um esporte de ação, as lesões são uma realidade e acabam por afastar ou acabar de vez com sonhos de qualquer atleta. Para conseguir alcançar o profissionalismo, os treinos devem ser diários e bastante intensos. Depois, para manterse em evidencia na cena profissional o atleta deve obter destaque ganhando campeonatos em primeiro lugar em

pelo menos metade das competições que disputar. Nomes como Bob Burnquist, Tony Hawk e Sandro Dias (mineirinho) são exemplos de profissionais que alcançaram muito mais que estabilidade financeira e contribuem muito para que o esporte vença o preconceito e passe a ter o status de meio de ganhar a vida. Mario Kreb Noronha Junior, ou Juninho como é conhecido, começou a andar de Skate aos 11 anos de idade por incentivo de seu cunhado. Ele que já foi atleta patrocinado, ganhava salário e uma cota de algo em torno de 10 mil reais em roupas e peças de Skate por mês ganhou vários campeonatos, alguns de importância nacional, contou que no inicio a principal dificuldade era a falta de lojas especia-

Superando obstáculos Reportagem: Marcos Przgocki Edição: Samilo Takara Revisão: Luiz Rogério

28

Skatistas são descriminados pela maneira de vestir


“ lizadas e falta de incentivo financeiro, além do preconceito. “Quando eu comecei a minha mãe não gostava que eu andasse, depois que eu comecei a ganhar os campeonatos ela acabou aceitando”. Devido ao fato de o atleta hoje poder gerar renda através desse esporte e a cobertura das mídias nessa pauta, faz com que o Skate não seja tão discriminado. “Preconceito sempre rola. Tem uma galera que não curte, acha que é um esporte de drogados” afirmou. Juninho hoje anda apenas como lazer, depois que o surgimento de duas hérnias interrompeu a carreira do atleta. “Ando hoje para incrementar o dia. As amizades que conquistei com

Há dez anos era quase impossível pensar entrar nesse ramo, hoje as pessoas aceitam melhor esse estilo descolado

Preconceito sempre rola. Tem uma galera que não curte, acha que é um esporte de drogados

o Skate também me motivam a continuar andando” desabafou. As roupas largas, tênis furados, tatuagens e o skate em baixo do braço causam impacto visual na mente dos mais conservadores. Seguindo no ramo de Skate Shop, o empresário Hassan Reda, relata que a aceitação por parte do publico que não anda de skate é boa. “Quando as mães vêm junto comprar na loja ficam um pouco receosas, mas acabam cedendo”. O preconceito contra a moda underground ainda é forte, mas graças a marcas renomadas aderirem ao estilo e os atletas de renome mundial isso esta mudando. “Há dez anos era quase impossível pensar entrar nesse ramo aqui na cidade, hoje as pessoas estão aceitando melhor esse estilo descolado”. Os skatistas ainda são vistos com maus olhos pela sociedade, mas é notório que aceitação desse estilo de vida ‘largadão’ esta ganhando espaço nas ruas, no comercio e na sociedade de um modo geral. Antes de tudo, o Skate é uma pratica esportiva que promove saúde e bem estar. A cada dia essa tribo vence vários obstáculos, mas o preconceito que exclui ainda é a maior barreira que esses atletas enfrentam.

Juninho já teve patrocínio para seu esporte e recebia salário


Paraná mantém

APAES Secretaria da Educação não segue decisão nacional de fechamento das Escolas de Educação Especial Reportagem: Camila Tsubauchi

A APAE Guarapuava oferece também Educação Profissionalizante para Jovens e Adultos. O curso de marcenaria é realizado na sede rural, junto com o cultivo de flores e ervas medicinais. No curso de panificação os alunos aprendem a fazer pães, bolos e doces que são vendidos na comunidade

30

A

decisão do MEC buscava evitar a segregação da sociedade incluindo os portadores de deficiências, sejam físicas ou mentais, no ensino regular. Por esse motivo o parecer nº113/2009 do Conselho Nacional de Educação tirava de atuação as Escolas de Educação Especial como única fonte de ensino, tornando obrigatória a matrícula em escolas convencionais. Desde o começo do ano as APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de todo o Brasil não são consideradas escolas, e sim, centros de apoio ao desenvolvimento de alunos portadores de deficiências múltiplas. Agora, eles só podem frequentar a instituição como complemento a educação escolar, para ter acesso a fisioterapeutas, fonoaudiólogos e a atividades psicopedagógicas. No Paraná a situação é diferente. A Secretaria Estadual da Educação entendeu que as APAEs não pretendem excluir crianças deficientes do convívio em sociedade, mas prepará-las para que elas consigam acompanhar o desenvolvimento dos outros alunos. A iniciativa partiu da Federação das APAEs do Estado do Paraná, em parceria com o senador Flávio Arns (PSDB-PR), e conseguiu garantir a legalidade das escolas no estado. Elas passaram a ser classificadas como Escolas de Educação Básica, na modalidade de Educação Especial, ofertando ensino infantil, as séries iniciais do fundamental e qualificação profissional. A manutenção das APAEs no estado deixou muitas famílias mais tranquilas. Como o caso de Vicimara Proença do Prado, mãe de Emanuelly

de um ano e nove meses. “Eu descobri que ela tinha Síndrome de Down aos três meses de idade e desde então eu trago ela aqui na escola. Ela tem tudo que ela precisa, até hidroginástica”, defende. Vicimara conta que no começo é complicado entender a síndrome e que na APAE ela aprendeu muito convivendo com os professores e também com outros pais. É o que diz a diretora da instituição, Raquel Benvenutti Marcondes. “Nós não prestamos assistência só ao aluno, mas também a família que precisa aprender a lidar com a situação. Com a alteração da lei poderemos ajudar muito mais”. A mudança crucial está na certificação dos estudantes. Segundo a coordenadora de educação especial do Núcleo Regional de Educação em Guarapuava, Gianna Frutuoso, os alunos sairão da APAE com um certificado comprovando seu nível de escolaridade e se estão aptos ou não a continuar seus estudos em escolas regulares. “O processo de adaptação é bastante burocrático, mas a partir de janeiro de 2011 todos os estudantes sairão da APAE com uma comprovação de que estão qualificados”, diz ela. Para que as mudanças saíssem do papel foi preciso revisar o Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar deixando-os de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional. Para a diretora Raquel, as adaptações foram necessárias e trarão benefícios para os 420 alunos atendidos pela instituição. “2009 tem sido um ano de mudanças, de adequações. A partir do ano que vem nosso trabalho passa a ser mais completo”.


Entidades a voz dos excluídos

Reportagem: Jéssica de Souza

As associações de moradores existem há muitos anos e só em Guarapuava existem 40 delas, segundo a União Guarapuavana de Associações de Moradores – UGAM. Nelas os problemas de um determinado bairro são centralizados e por meio de um representante, eleito pelos moradores, são cobradas soluções junto à Prefeitura. “As associações são muito importantes, por meio delas fica muito mais fácil resolver os problemas de um bairro, quando as pessoas se unem as coisas começam a funcionar” comenta o Presidente da UGAM, Alceu Valdomiro Nascimento. E Luis Antônio sabe bem disso, ele conta que a associação existe desde 1991 no Xarquinho e já trouxe muitas melhorias para o bairro. “Foi a nossa associação que iniciou, por exemplo, a Cooperativa das Costureiras do bairro, hoje essas mulheres produzem para escolas e lojas” conta o presidente. Mas, o trabalho não é fácil. Geralmente, quem participa das associações de moradores possui um outro trabalho e tem que aliar isso com os trabalhos desenvolvidos junto à comunidade. Luis Antônio possui um mercado no bairro e Alceu Nasci-

L

uis Antônio Ribeiro é Presidente da Associação de Moradores do bairro guarapuavano Xarquinho. Há um ano e meio é ele quem acompanha de perto os problemas enfrentados pela população de lá, discute e reivindica melhorias para o local onde mora. No Xarquinho, vivem mais de 12 mil pessoas, um total de 3,5 mil famílias.

mento é funcionário público. “É um trabalho voluntário, por isso tem que gostar. Nós trabalhamos nos finais de semana, nos feriados e durante a noite, ou seja, quando temos tempo para descansar do outro emprego, por isso se não tiver amor não vai pra frente” afirma o Presidente da UGAM, Alceu Nascimento. “Muitas vezes não conseguimos apoio e isso desanima, tem que ser perseverante” é o que aconselha Luis Antônio. Além disso, um outro problema enfrentado é a falta de comprometimento dos próprios moradores, no caso do Xarquinho, bairro distante do centro de Guarapauava, as pessoas saem cedo para trabalhar e só voltam à noite, o que acaba dificultando a ida as reuniões. Em Guarapuava existem 25 bairros e todos com realidades muito diferentes umas das outras, no bairro em que Luis Antônio é presidente, por exemplo, muitas famílias não possuem saneamento básico ou energia elétrica, por isso a atuação forte e presente de uma associação de moradores é muito importante, é por meio delas que as pessoas podem reivindicar uma vida melhor. As associações de moradores fazem parte do Terceiro Setor. Nossa sociedade é dividida em três setores: no primeiro está o governo, que é responsável pelas questões sociais, o segundo

31


É um trabalho voluntário, por isso tem que gostar. Nós trabalhamos nos finais de semana, nos feriados e durante a noite, ou seja, quando temos tempo para descansar do outro emprego, por isso se não tiver amor não vai pra frente Alceu Nascimento, presidente da UGAM

é o setor privado e com a dificuldade do governo em resolver as questões sociais, nasceu o terceiro setor, que é composto por organizações sem fins lucrativos e não governamentais. Os principais personagens que compõem o terceiro setor são as fundações, entidades beneficentes, entidades sem fins lucrativos, organizações não governamentais e associações. Ou seja, é a iniciativa privada que trabalha para fins públicos, que tem o objetivo de combater problemas como a pobreza, violência, poluição, analfabetismo e preconceito. O principal motivo do nascimento das entidades integrantes do terceiro setor foi a pouca representatividade dos órgãos governamentais em solucionar essas questões. Assim, essas instituições dão voz àqueles que estão à margem da sociedade, como é o caso de muitos moradores de bairros pobres, muitas vezes as associações são o único canal com os órgãos públicos.

32

E os sindicatos? Os sindicatos também são associações e reúnem pessoas de um mesmo segmento econômico ou trabalhista e tem como objetivo a defesa dos interesses daqueles que compõem o sindicato. Mas, diferente das associações de moradores, os sindicatos recebem uma mensalidade dos sindicalizados e aqueles que trabalham lá também recebem por isso. Eloi Myszka é o presidente do Sindicato dos Bancários de Guarapuava. Ele é bancário desde 1987 e desde 1992 está no sindicato e continua recebendo o salário do banco. Eloi conta que o sindicato é muito importante para a classe, já que é ele que defende os associados, no caso os bancários de Guarapuava. “Atualmente 98% dos bancários da cidade e da região são sindicalizados e nós representamos essas pessoas, negociamos acordos coletivos, fazemos visitas aos bancos e organizamos reuniões” fala.

Os sindicatos também possuem mais estrutura do que as associações, como sede própria, uma das principais dificuldades das associações de moradores, que por não receberem uma mensalidade, sobrevivem, em geral, dos eventos que organizam para arrecadação de fundos. O Sindicato dos Bancários possui informativos e procura sempre acompanhar o trabalho diretamente nos bancos, para ver se as regras de trabalho estão sendo seguidas. Mas, a principal função, segundo conta Eloi, é a reivindicação de melhores salários. “Nós que decidimos sobre as greves para os aumentos de salários e também acompanhamos o dia a dia dos funcionários”. Mas, associações e sindicatos possuem o mesmo objetivo: representar e ajudar uma classe. Ambas sempre buscam o melhor para o seu associado, seja reivindicar aumento de salário ou pedir pela melhoria da qualidade de vida.


Basta apenas incluir? Atitude do MEC aumenta discuss達o sobre a inclus達o dos deficientes nas escolas regulares Reportagem: Aline Fop


S

egundo o artigo 5º Constituição Federal, todas as pessoas, independente de raça, cor, credo, ou deficiência são iguais perante a lei e tem os mesmos direitos, entre eles o direito a educação. Para os alunos com deficiência as APAES sempre cumpriram esse papel, mas nos últimos anos os programas de inclusão do governo vêm mudando esse cenário, é o que podemos notar quando conversamos com um professor do ensino regular e/ou observamos os decretos do governo. No Brasil, a inclusão começou a ganhar força em 1990 quando o país assumiu perante a comunidade internacional o compromisso de erradicar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental no país, criando para isso instrumentos legais para apoiar a construção de sistemas educacionais inclusivos. Na cidade de Guarapuava a coordenadora da educação especial do núcleo regional, Gianna Cordeiro Frutuoso explica que existem duas situações “Tem os alunos que freqüentam apenas as APAEs, e os alunos inclusos no ensino regular que no contra turno vão a lugares de apoio, como a Apadevi para os deficientes visuais”.

34

Mas será que essa inclusão está sendo feita de maneira correta e eficaz, e seria ela a solução? Segundo o ministro da educação, Fernando Haddad, uma escola com estudantes deficientes cria um ambiente de melhor aprendizado para todos, mas há pensamentos controversos sobre isso. A professora Andréia Oliveira leciona no ensino fundamental das escolas regulares e já trabalhou com alunos inclusos, ela fala sobre as dificuldades que passou devido a falta de treinamento “o problema da inclusão é que os professores não são capacitados para isso, e por mais que tentem compreender as deficiências que o aluno tenha, cursos sobre educação especial fazem falta” afirma a professora. A inclusão nas escolas é um tema que divide também a opinião de pais. Ana Maria Silva é mãe de Cleyson Lopes da Silva, de 14 anos. Ele tem transtorno global de desenvolvimento, esquizofrenia, e sempre freqüentou as escolas de educação especial, APAES. Neste ano, ele foi para a escola regular e Ana Maria viu grandes diferenças no seu comportamento. “Ele desenvolveu melhor na escola regular. Antes (na APAE) ele fazia o que queria, não aprendia nada, agora ele tenta agir como os outros. O Cleyson melhorou até em casa” completa ela. Com um pensamento diferente, Sonia de Lima é mãe de Marcela Cristina de Lima, 9 anos, que tem síndrome de down, para ela a filha irá se desenvolver melhor freqüentando uma escola es-


pecial “na APAE ela, e nós familiares, temos todo apoio especializado para se desenvolver independente da sua deficiência, já em uma escola regular ela seria tratada como os outros, mas ela não é, ela é especial” Sonia sabe que seu pensamento pode ser considerado errado para muitos “Várias pessoas vêem isso como preconceito, falam que eu quero excluir a minha filha. Não é isso, conheço o ensino da APAE e sei que ela aprende muito melhor lá. Sua presença em uma sala regular iria atrapalhar ela, e os outros alunos” completa a mãe de Marcela. Outro problema enfrentado na inclusão é decorrente do tipo de deficiência que o aluno tem, pois elas são as mais diversas. A professora Andréia cita exemplos “Trabalhar com um aluno que tenha uma deficiência física não traz grandes mudanças no trabalho, mas um aluno com deficiência mental requer todo um ensino especializado, um método específico. E para o professor de escola regular, é praticamente impossível se especializar em todas as deficiências, o que já não acontece no ensino especial onde terá um responsável para cada caso” afirma Andréia. A pedagoga Elenita Rosa Seteruki trabalha com educação especial desde a década de 90, ela fala que pensamentos como o de Andréia são comuns, e isso se deve ao medo de arriscar, e para haver mudanças é preciso reformular a maneira de pensar “estamos acostumados a fazer sempre do mesmo jeito, ninguém quer se arriscar a fazer as coisas dife-

rentes, a pensar de forma diferente, isso da trabalho e é extremamente burocrático” completa a pedagoga. Um decreto federal só vêm a aumentar essa discussão. De facultativo a inclusão se tornou obrigatório, pois de acordo com o decreto nº 6.571/08 todos os alunos especiais serão devem ser matriculados no ensino regular e as APAEs serão apenas centros de apoios para a criança freqüentar no contra turno, para isso acontecer o Fundo de Educação Bási-

O problema da inclusão é que os professores não são capacitados para isso

ca (Fundeb) repassará mais dinheiro às escolas regulares que tenham alunos da educação especial matriculados – a matrícula do aluno especial será computada em dobro - para elas investirem na inclusão, isso deve acontecer até o ano de 2011. Porém, o estado do Paraná aderiu a uma política diferente da proposta pelo MEC. Segundo o parecer 108/2010, as escolas especiais no Paraná serão reconhecidas como Escolas de Educação Básica na modalidade de Educação Especial na área de Deficiência

Intelectual e Múltipla. Essas escolas ofertarão a Educação Escolar nas etapas de Educação Infantil nas séries iniciais do Ensino Fundamental e nos segmentos de Educação Profissional, qualificação para o trabalho e Educação de Jovens e Adultos – primeira fase, em conformidade com o Artigo 21 da LDB 9394/96. A coordenadora Gianna explica que agora os alunos que freqüentam as escolas especiais no Paraná poderão ser certificados, e aprova a nova proposta, pois nem todos os alunos estão prontos para ser inclusos. Na região de Guarapuava, que compreende oito cidades, são 833 alunos matriculados nas APAES, e nem todos estão aptos a irem ao ensino regular. Sonia de Lima achou um equívoco o governo “forçar” a inclusão dessa maneira, e ficou feliz em saber que no estado do Paraná terá as duas opções “claro que tem alunos especiais que podem e devem frequentar escolas regulares, mas isso deve ser algo natural e não imposto por ninguém” finaliza ela. O grande problema da inclusão é tentar pensar que todos são ou possam ser iguais, quando na realidade todos são diferentes e isso precisa ser respeitado. A inclusão feita de uma maneira equivocada só vem a aumentar essas barreiras. Afinal incluir um aluno especial não vai amenizar o preconceito dos outros, pois isso é algo que vem de casa. A inclusão é necessária, mas deve ser feita de forma gradativa e consciente, para que todos possam ter os benefícios sem sofrer exclusão ou preconceito.

35


Reportagem: Jéssica de Souza

Uma ferramenta de inclusão?

Ministério Público

S

aúde pública, meio ambiente, crianças, idosos, portadores de necessidades especiais, homossexuais, gestão pública. Tudo aquilo que faz parte da sociedade em que vivemos deve ser fiscalizado. Ou seja, alguém precisa verificar se as verbas destinadas à saúde estão realmente sendo aplicadas e se os direitos dos idosos estão sendo respeitados. No Brasil, o responsável por essa fiscalização é o Ministério Público. Ele tem o dever de defender os direitos do cidadão. Por isso, é autônomo e independente, ou seja, funciona como um quarto poder, pois é o responsável por fiscalizar os outros três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Para entendermos melhor o que é o Ministério Público e de que maneira ele defende e pode funcionar como uma ferramenta de inclusão, entrevistamos o Promotor de Justiça, Rodrigo Chemim Guimarães, assessor na área criminal da Procuradoria-Geral de Justiça.

Jéssica de Souza - Como o Ministério Público age nos estados e municípios? Qual é a sua orientação de trabalho? Rodrigo Chemim Guimarães - O Ministério Público Estadual possui pelo menos um Promotor de Justiça em cada Comarca do Estado. O Promotor de Justiça é responsável por inúmeras atividades. As Comarcas maiores costumam ter mais Promotores, proporcionalmente ao tamanho, à população e ao trabalho exigido. É o Promotor de Justiça, ele tem o dever de defender os direitos do cidadão. Por isso, já é autônomo e independente, ou seja, funciona, digamos, como um quarto poder, pois é o responsável por fiscalizar os outros três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Para entendermos melhor o que é o Ministério Público e de que maneira ele defende e pode funcionar como uma ferramenta de inclusão, entrevistamos o Promotor de Justiça, Rodrigo Chemim Guimarães, assessor na área criminal da Procuradoria-Geral de Justiça. JS - Como o Ministério Público age nos estados e municípios? Qual é a sua orientação de trabalho? Rodrigo C. Guimarães - O Ministério Público Estadual possui pelo menos um Promotor de Justiça em cada Comarca do Estado. O Promotor de Justiça é responsável por inúmeras atividades. As Comarcas maiores costumam ter

mais Promotores, proporcionalmente ao tamanho, à população e ao trabalho exigido. É o Promotor de Justiça quem acompanha todos os inquéritos policiais que investigam crimes e, ao final da investigação, decide se abrirá um processo contra o autor do delito. É o Promotor de Justiça, então, quem detém o poder de processar criminalmente alguém. O Promotor de Justiça, então, acompanha todos os processos criminais em tramitação na sua Comarca, participando diretamente da produção da prova e caso não concorde com a sentença ainda é ele quem elabora o recurso para o Tribunal de Justiça. O Promotor de Justiça, em alguns casos, também faz sua própria investigação (principalmente no que diz respeito à criminalidade organizada, crimes do colarinho branco e crimes da própria polícia). O Promotor de Justiça também atua em diversos outros setores, como, por exemplo: proteção do patrimônio público (corrupção, desvio de verbas, funcionários fantasmas, etc.), proteção da ordem tributária, proteção do meio ambiente, proteção do consumidor (ações de interesse coletivo), proteção da criança e do adolescente (fiscaliza os Conselhos Tutelares, por exemplo), proteção das comunidades indígenas, proteção dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, do idoso e da saúde pública. O Promotor de Justiça também acompanha e fiscaliza todo o processo eleitoral, desde o registro das candidaturas. Fiscaliza também


a questão da propaganda eleitoral, a regularidade do dia da eleição, a apuração dos votos, enfim tudo que diga respeito à eleição. Enfim, o Promotor de Justiça atua numa vasta gama de questões de interesse público e de proteção da sociedade, inclusive atuando, quando necessário, contra os Governos Municipal, Estadual e Federal. JS - Em que situações o cidadão deve recorrer ao Ministério Público e de que maneira deve proceder? Rodrigo C. Guimarães - Quando sentir que seus direitos individuais indisponíveis como cidadão estão sendo violados. Ou seja, para as questões acima elencadas. Nesses casos ele deve procurar o Promotor de Justiça de sua comarca. JS - O Ministério Público é conhecido por sua autonomia e independência dos demais órgãos do Estado. Como isso acontece e quais são as vantagens para o cidadão? Rodrigo C. Guimarães - Com a Constituição Federal de 1988 o Ministério Público passou a ter autonomia e independência administrativa, financeira e funcional. Isso significa que o Ministério Público tem, hoje, um orçamento próprio no bolo orçamentário do Estado, e tem a liberdade de decidir onde e como vai investir o dinheiro público. Assim, nos últimos vinte anos, foi possível vislumbrar um incremento da atividade do Ministério Público em todo o país, pois gerenciando o próprio dinheiro, o Ministério Público em todos os Estados da Federação pode eleger prioridades de atuação, criando Promotorias Especializadas nos diversos setores de atuação. Tudo isso, aliado à independência funcional (a mesma que os juízes sempre tiveram, ou seja, ninguém manda no Promotor ou no Juiz, a não ser a lei e sua consciência), permitiram que o Ministério Público passasse a atuar em setores historicamente esquecidos, notada-

mente, no combate mais efetivo aos desvios de comportamento no trato da coisa pública (crimes contra o patrimônio público e improbidade administrativa). Assim, hoje o Promotor de Justiça não deve obediência hierárquica a ninguém. Essa autonomia é uma garantia da sociedade que sabe que pode contar com o Ministério Público para responsabilizar os maus gestores da coisa pública, sabendo, de antemão, que não haverá qualquer tipo de ingerência política capaz de impedir o Promotor de Justiça de investigar e atuar. No entanto é preciso que a população fique atenta, pois aqueles polític os que não desejam ser fiscalizados e que não entenderam o papel do Ministério Público já se articulam para mudar a Constituição Federal e tirar poder do MP. Se isso acontecer criará a tão sonhada barreira de impunidade dos corruputos de plantão. JS - Pensando nas minorias sociais e nos excluídos, que são o tema da nossa Revista, quais são as ações do MP em casos de denúncias contra os direitos do idoso, dos homossexuais e crianças, por exemplo? Rodrigo C. Guimarães - O Ministério Público atua tanto de forma preventiva (fiscalizando estabelecimentos como casas de idosos e abrigos para crianças, por exemplo) quanto repressiva, ou seja, quando recebe a notícia de alguma irregularidade específica. Nestes casos ele instaura um procedimento investigatório próprio ou, dependendo do caso, requisita instauração de inquérito policial e, com o resultado, promove reuniões de ajustamento de condutas ou ingressa com ações civis e/ou penais para responsabilização de quem cometeu a ilicitude.

JS - Em relação à gestão pública, existem medidas de prevenção a fraudes? Rodrigo C. Guimarães - Sim, cito como exemplo uma Comissão interna formada pelo Ministério Público do Paraná para as questões da Copa do Mundo que irá se realizar no Brasil. Essa comissão está atuando num acompanhamento preventivo dos atos que estão sendo desencadeados para evitar quando possível- desvios ou aplicações irregulares de verbas públicas. Mas o forte mesmo é na atuação repressiva, a partir de notícias de ilícitos. JS - O Brasil é conhecido pelos inúmeros casos de corrupção na política e atualmente discute-se a lei da Ficha Limpa. Pensando que é função do legislativo fiscalizar o executivo, o MP possui medidas que fiscalizem o legislativo? Rodrigo C. Guimarães - A atuação se dá a partir de notícias de casos de desvios de comportamento, a exemplo de desvios de verbas, nepotismo e corrupção. Os casos mais comuns já identificados no âmbito dos parlamentos, envolvem contratação de “funcionários fantasmas” para cargos comissionados (que são cargos que não precisam de concurso público e o servidor é de confiança do parlamentar). O caso mais emblemático e recente é este da Assembleia Legislativa do Paraná, que a imprensa denominou como “Diários Secretos”.

37


Evelize utiliza um programa de computador especial que lê o que está escrito na tela. Sem esse programa seria difícil ter independência no trabalho.

Deficientes também querem e podem trabalhar Reportagem: Camila Tsubauchi

V

ivemos numa sociedade heterogênea, composta por pessoas com pensamentos e modos de agir diferentes. A habilidade na realização de tarefas ou suas limitações devem ser respeitadas, principalmente, em casos de deficiência física ou mental. Por isso existe uma lei específica que garante o direito a educação, saúde, trabalho e cidadania aos portadores de necessidades especiais.


Mas se a constituição brasileira garante a todos tratamento igualitário, por que existem leis que atendem somente uma parcela da população? Segundo a professora de direito Elizânia Faria, a lei não é exclusiva, pois se deve tratar os iguais de maneira igual, na medida em que se desigualam. “A interpretação que devemos ter é que é

Eu penso assim, se tiver um corte de funcionários numa empresa privada eles vão ficar com o mais versátil. Só que nem sempre o deficiente é visto como o mais versátil

preciso tratar a todos da mesma maneira, mas respeitar suas individualidades” argumenta. A lei nº 7853 de 1989 busca integrar à sociedade pessoas com deficiência, para que elas tenham garantia de sobrevivência financeira e participem ativamente do desenvolvimento do país. Pois um dos maiores desejos dos deficientes é conseguir seu próprio sustento ou poder ajudar nas despesas da família.

Instituições Públicas Nas instituições públicas a contratação de funcionários acontece por concurso. Nesse

caso a lei destina no mínimo 5% das vagas ofertadas à portadores de deficiência, desde que ela seja comprovada por laudo médico e as funções possam ser realizadas por eles. Mas existem casos em que a quantidade de vagas não atinge um número inteiro, destinando, por exemplo, meia vaga à deficientes. Segundo a professora Elizânia a lei indica que esse número deve ser arredondado, atingindo o próximo número inteiro. “Por exemplo, se os 5% é referente a meia vaga deve-se ofertar pelo menos uma” Evelize Vasco perdeu a visão há quatro anos por causa do diabetes. Ela é funcionária da Unicentro há seis meses, pois passou no último concurso público da instituição que ofertava uma vaga especial. “Esse é meu primeiro emprego depois que eu perdi a visão, então eu estou me adaptando ainda” diz. É importante que o esforço não seja só do deficiente, mas também de seus colegas de trabalho e das pessoas atendidas por ele. Segundo o Pró-Reitor de Recursos Humanos da universidade, Evelize é a primeira deficiente visual a compor o quadro de funcionários, por isso a instituição está acompanhando de perto e se adaptando aos poucos às necessidades dela. Para trabalhar ela precisa de um programa de computador que faça a leitura do que está escrito na tela. “A minha maior dificuldade é de concentração, porque o ambiente é bastante movimentado. Como eu preciso escutar o que está no computador, as vezes eu preciso esperar o barulho passar pra voltar ao trabalho”, completa. Outra garantia da lei diz respeito as condições de realização da prova do concurso. Evelize fez três concursos com ajuda de ledor, uma gravação da leitura das questões. Mas quando apareciam gráficos e figuras ela se sentia prejudicada em relação a outros candidatos portadores de deficiência. “Quando tinha

Carlos é deficiente auditivo e trabalha numa rede de supermercados de Guarapuava. O interesse em procurar um emprego partiu da própria família, incentivando o relacionamento dele com outras pessoas


uma charge, por exemplo, para ser interpretada as coisas ficavam mais difíceis. Mas existem dois lados, as vezes o ledor pode te entregar a questão ou ser superficial e prejudicar o entendimento”, diz. Na opinião da professora Elizânia, não deveria ser mais difícil para o deficiente visual a realização da prova, pois cabe aos responsáveis por ela a adaptação. “É importante que as empresas se preocupem com a montagem da prova em casos assim, e se a pessoa se sentir prejudicada deve recorrer”, completa. Mesmo com essas dificuldades Evelize optou pela realização de concursos, primeiro porque buscava estabilidade e também porque se sente mais segura sendo funcionária do governo. “Eu penso assim, se tiver um corte de funcionários numa empresa privada eles vão ficar com o mais versátil. Só que nem sempre o deficiente é visto como o mais versátil”, diz.

É claro, mesmo com as limitações de cada um, a força de vontade, o empenho deles na realização do trabalho, o que acaba contagiando os demais da equipe

importante não só para o deficiente, mas também para a empresa. “Primeiramente, a empresa tem o dever legal na contratação de pessoas com deficiência. Num segundo momento, percebemos nesses colaboradores, e na maioria dos

dedicados que receberam o prêmio de “Bons Exemplos” dentro de suas unidades de trabalho. Carlos Luis Pagnussato Filho é um desses exemplos. Ele é deficiente auditivo desde que nasceu e trabalha como repositor de mercadorias em uma das maiores lojas do Grupo. Segundo sua supervisora o relacionamento com os colegas de trabalho é normal, existe apenas a dificuldade de comunicação. Fernanda diz que algumas adaptações foram necessárias. “No inicio do processo em que a empresa incluiu na equipe pessoas com deficiência, houve necessidades de adaptação das equipes em relação a conduta da rotina, das atividades e principalmente no processo de treinamento e desenvolvimento dos mesmos”, completa. Principalmente em casos como o de Alexsandro Esquira, portador de Síndrome de Down e exaluno da APAE. Segundo Fernan-

Alexsandro tem Síndrome de Down e diz adorar seu trabalho. “É bom trabalhar e aqui a gente faz amigos”

Empresas Privadas A legislação também atende a empresas privadas. Aquelas que possuem mais de cem funcionários devem, obrigatoriamente, preencher de 2 a 5% de seu quadro com portadores de necessidades especiais. Como é o caso de uma rede de supermercados em Guarapuava. Segundo Fernanda Rudek, Encarregada de Captação, Cargos e Salários do Grupo, essa inclusão é

40

casos, uma alta qualidade de atendimento, o que é um dos principais objetivos da empresa”, argumenta. São 65 colaboradores trabalhando diariamente. As funções são variadas, desde auxiliar de cozinha até encarregados pelo estacionamento. “É clara, mesmo com as limitações de cada um, a força de vontade, o empenho deles na realização do seu trabalho, o que acaba contagiando os demais da equipe sendo isso, altamente positivo”, ela ainda diz que alguns são tão

da, “quando o aluno é admitido, a APAE, em situações de dificuldades de adaptação por parte do colaborador, auxilia a empresa no ao acompanhamento familiar e psicológico”. Esse trabalho integrado é importante para o desenvolvimento do funcionário dentro da empresa e com a família, que muitas vezes superprotege os filhos e prefere que eles não trabalhem. Essa é a principal dificuldade de inclusão dos portadores de necessidades no mercado de trabalho.


Em Guarapuava, o Crag (Centro de Regime Semiaberto de Guarapuava) e a Pig (Penitenciária Industrial de Guarapuava) trabalham com a ressocialização dos internos, em parceria com a prefeitura municipal e empresas da cidade. A Pig foi a primeira penitenciária industrial criada no Brasil, e incentivou a contração de várias outras Brasil afora. A demanda de ex-detentos, no entanto, tem se mostrado maior do que esses convênios conseguem suprir. A superlotação em presídios retrata a grande quantidade de ex-presidiários que voltam à sociedade buscando um novo emprego, muitas vezes, sem sucesso. Estudo divulgado no último dia 28 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aponta que o Brasil possui 494.598 detentos. O país tem o terceiro maior número de presos do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. No Paraná, são 11.110 presos, sendo que 1.750 cumprem o regime semiaberto. O Depen-PR (Departamento Penitenciário do Paraná) é consi-

derado exemplo em programas de reinserção dessas pessoas na comunidade, buscando oferecer trabalho e profissionalização aos apenados e, além disso, viabilizando o benefício da re-

destinados para a instituição, valor revertido em melhorias e cursos profissionalizantes. Os detentos que quiserem frequentar instituições de ensino, de nível Fundamental,

C

umprir pena no sistema penitenciário parece ser pagar definitivamente pelos seus atos. Ao retomar a vida em sociedade, no entanto, a maioria dos ex-detentos enfrenta dificuldade e preconceito no momento de procurar emprego. Para reinserir essasT pessoas no mercado de trabalho, alguns programas têm auxiliado milhares de ex-detentos no Brasil, com destaque ao Pró-egresso. Mas a falta de conscientização de empresários ainda é um empecilho, e o desemprego um fator que influencia no aumento da criminalidade.

Preconceito é

A SENTENÇA de ex-detentos Reportagem: Douglas Belan Edição: Débora Fuzimoto Revisão: Camila Tsubauchi dução da pena. Além de serviços internos, os presos do Crag e da Pig têm a oportunidade de trabalharem em empresas conveniadas, reduzindo, a cada três dias de trabalho, um dia de sua pena. Os apenados recebem um salário mínimo, do qual 25% são

Médio ou Superior, também são liberados nos dias de semana. Marcos*, um dos internos do Crag, cumpre regime semiaberto por tráfico de drogas e vê no centro uma oportunidade de continuar se aperfeiçoando, mesmo estando preso. Ele frequenta um curso

superior da Unicentro e pretende se formar em 2012, logo após entrar no regime aberto. Sua pena foi reduzida porque participou das atividades internas do Crag. “Se tudo correr bem, espero entrar no regime aberto no fim de 2011 e, depois disso, procurar um emprego”, disse. Marcos, no entanto, vê no preconceito o maior empecilho. “Poucas empresas têm coragem de contratar um ex-detento, e mesmo as que contratam os utilizam para trabalhos manuais, que exigem pouco do intelecto e pagam menos”, lamentou. A parceria com empresas de fora, entretanto, tem se tornado um alento aos apenados, sendo uma forma de adiquirir confiança no período em que cumprem a pena para que, posteriormente, possam continuar no emprego . É o caso de Celso*, operário da indústria ma deireira Guaratu há três anos e três meses. Quando cumpria o semiaberto, já desempenhava a função de operador de máquinas, e continuou após pagar a pena. “Eu entrei


Celso cumpriu regime semiaberto e continuou trabalhando na empresa

Se não fosse a empresa, talvez eu tivesse retornado à marginalidade

tem o maior benefício. “Só assim ele é novamente inserido no mercado de trabalho, volta a ter uma vida normal e faz parte da sociedade, sentindo-se útil e valorizado”. As empresas que utilizam esses profissionais são isentos dos encargos trabalhistas.

Pró-egresso

ganhando pouco, mas aprendi o serviço e hoje tenho um salário bom, que dá para sustentar a família”, relatou. Segundo ele, o trabalho o ajudou para que não voltasse a cometer crimes. “Se não fosse a empresa, talvez eu tivesse retornado à marginalidade”, comentou. O gerente de Recursos Humanos da Guaratu, Jean Horst, avalia a parceria como positiva para os dois lados, tanto que a indústria tem aumentado o uso desse tipo de mãode-obra, e atualmente conta com 14 profissionais vindos de penitenciárias. “O custo de mão-de-obra fica menor, e quando o detento ganha a liberdade ele tem a garantia do trabalho na empresa, recebendo o piso da categoria e todas as vantagens como os demais trabalhadores. Mas a principal vantagem para a empresa é que o trabalhador já está qualificado para a função e adaptado ao trabalho”, falou. Mas, para Horst, é o ex-detento quem

O programa Pró-egresso originou-se do antigo Programa Themis, criado em 23 de maio de 1977. O novo modelo foi implantado em Guarapuava em 17 de agosto de 1981, e auxilia as pessoas recém-saídas das cadeias públicas e também as que cumprem pena em meio aberto, com o objetivo de possibilitar a reintegração social por meio da educação, saúde, formação profissional, colocação empregatícia e também a assistência social, jurídica e psicológica, visando a diminuição da reincidência criminal. Para isso, conta com uma equipe formada por assistentes sociais, psicóloga, advogada, coordenadora e estagiários dessas áreas de conhecimento. O trabalho é prestado no Fórum do município. Atualmente, atende 415 egressos e 653 beneficiários, entre homens e mulheres. Em Guarapuava e região, o programa funciona numa parceria entre a Seju (Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania) e a Unicentro, e tem com apoio direto do Conselho da Comunidade, Vara de Execuções Penais, Varas Criminais e Juizado Especial

Criminal, Setp (Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social) e outras entidades assistenciais. Além disso, há o apoio do setor privado, com as empresas Repinho Reflorestadora, Flabel Construtora, Dalba Engenharia, Impacto e Bioter. Segunda uma das supervisoras de Serviço Social do Pró-egresso, Viviane Silveira Batista, o foco principal para este ano é o estreitamento de relações com empresas da região, e a meta é inserir os atendidos no mercado de trabalho. “Nosso objetivo é conquistar parcerias, no intuito de conseguir uma profissão aos ex-detentos e, assim, diminuir a reincidência”, contou Viviane. De acordo com a supervisora, o programa busca também a profissionalização e a instrução aos egressos. “A maioria não tem sequer o Ensino Fundamental, então, propomos a eles que estudem, até como forma pagar a pena, no caso dos beneficiários. Também oferecemos cursos profissionalizantes, de acordo com a necessidade das empresas que nos procuram”, disse. Hoje, os cursos oferecidos são de Informática e formação de pedreiros. Outras ações do programa são a fiscalização do cumprimento da pena e o encaminhamento para serviços de documentação e saúde. “Mas não podemos fazer o trabalho sozinhos. Tem de haver o comprometimento de empresários e, principalmente, do poder público, para que alcancemos nossos objetivos”, ressaltou Viviane.


Reincidência A falta de emprego ou renda é, sem dúvida, a maior causa de reincidência criminal no Brasil. Sendo assim, programas que facilitem a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho têm papel fundamental na diminuição da criminalidade. Em Guarapuava, o índice de reincidência é de aproximadamente 6%, bem menor se comparado aos números nacionais e estaduais, 30% e 27%, respectivamente. Segundo Viviane, o percentual se deve às iniciativas dos programas, ao trabalho de preparação para a convivência na sociedade e ao serviço de conscientização aos ex-detentos e suas famílias. Entretanto, o egresso tem de ter vontade de abandonar a vida criminosa, caso contrário, o sentimento é de frustração. “Temos casos em que as pessoas voltam a infringir a lei, e sentimos que todo o trabalho foi por água abaixo. Mas, no geral, temos conseguido recuperá-los”, relatou. Um fator que influencia na reincidência é a dependência de bebidas e drogas. O vício faz com que muitas pessoas apelem a furtos e roubos para conseguirem o dinheiro para o consumo. O tema começou a ser abordado este ano pelo Pró-egresso, com o auxílio de uma psicóloga. Nas empresas, nota-se um contentamento dos ex-presidiários que conseguiram seguir em uma profissão. Para Jean Horst, esses trabalhadores

Índice de Guarapuava é exemplo no Brasil

dão mais valor ao emprego do que os outros, e realizam as funções com mais prazer. “A maior parte dos empregados vindos de penitenciárias continuam por um bom tempo aqui e, quando saem, não temos notícias de que tenham cometido novos crimes”, falou. Na opinião de Horst, os que cumpriram pena por tráfico de drogas são os que mais voltam à rotina delinquente após cumprirem a pena, por se tratar de uma atividade com grandes lucros. “Eles têm muitos contatos e também têm uma ‘vida fácil’. É mais difícil mantê-los no trabalho”, comentou. Arrependido de ter cometido homicídio e agora sem dever nada a ninguém, o operador de máquinas Celso conta que quer seguir firme no emprego, sem jamais proporcionar à família o sofrimento que tiveram quando esteve no período de reclusão. “Agradeço à empresa pela oportunidade que me deu e quero continuar aqui, ajudando minha família e vivendo muito bem”, afirmou.

Jean Horst: parceria é positiva para os dois lados

*Nomes fictícios.

Código Penal Regras do regime semiaberto

§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. § 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

Regras do regime aberto

Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.

§ 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. § 2º - O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada. Trabalho do preso Art. 39 - O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.