Bebop 03 2014

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jogo do jazz por JEAN PATRIK

INSTRUÇÕES A partir de oito anos De dois a seis jogadores Necessário - Um dado - De duas a seis pequenas peças que representem os jogadores (podem ser tampinhas de garrafa) O jogo vai começar Cada jogador roda a roleta. O jogador que tirar o número mais alto começa, sendo ele seguido pelo jogador à sua esquerda. Ganha o jogo Ganha o jogador que somar mais pontos no final. O objetivo aqui não é chegar em primeiro e nem ganhar mais dinheiro, mas sim se realizar como músico.

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Por isso, a soma final não será do dinheiro conquistado e, sim, das realizações musicais atingidas. Em algumas casas existem pontos que estão entre parênteses, se tiver o sinal de menos (-) o valor deve ser subtraído, se tiver o sinal de mais (+) o valor deve ser adicionado. Profissão: músico Para definir quais serão as carreiras e salários (pontos) cada jogador joga o dado uma vez. Os pontos correspondem a salários pagos a cada músico e devem ser somados na cartela ao passar pela Golden House. Não é preciso parar nessa casa, apenas passar por ela. Se cair: 1 – Baterista (10 pts) 2 – Contrabaixista (10 pts) 3 – Pianista (10 pts) 4 – Saxofonista (20 pts) 5 – Trompetista (20 pts) 6 – Vocalista (30 pts)

Golden House Toda vez que passar ou parar no GOLDEN HOUSE você deve receber seu salário. Mas não se esqueça de anotar seu dinheiro na cartela. Quem vence o jogo Acompanha o jogo uma cartela para a soma dos pontos. Na primeira coluna você coloca os pontos a serem somados e na segunda os pontos a serem subtraídos. Ao final do jogo é feita a conta e quem tiver a maior pontuação é o vencedor.


A HISTÓRIA Jazz é mais do que um estilo musical, é uma manifestação artístico-cultural, que, tal como a conhecemos popularmente, tem origem nos Estados Unidos do início do século XX. Surgiu na região da cidade de New Orleans, tendo como ponto de partida as comunidades negras. É uma mistura de várias tradições musicais, principalmente afrodescendentes. O jazz passou por uma extraordinária sucessão de transformações notáveis no século XX. Em meados dos anos 30 surge o primeiro estilo maciçamente popular do jazz, o swing, dançante e palatável. Em 1945 surge um estilo muito mais radical, o bebop, que seria revisto, radicalizado e ampliado nos anos 50 com o hard bop. Em resposta à agressividade do bebop e do hard bop, aparece nos anos 50 o cool jazz.

O cool e o bop dominam a década de 50, até a chegada do free jazz, dando voz às perplexidades e incertezas dos anos 60. No final dos

anos 60, acontece a inevitável fusão do jazz com o rock. O personagem aqui criado, intitulado John, é fictício, e representa o

próprio jazz, por isso fugimos tanto da cronologia como da geografia. Os eventos acontecem simultaneamente tanto no tempo como no espaço, ou seja, nosso personagem ainda vive, e assim como o jazz não morreu, e nem morrerá, mas está suscetível as influências do tempo. John nasceu no início do século XX, na cidade de New Orleans. É um jovem apaixonado por jazz e pretende se tornar um trompetista de sucesso. Tem acompanhado de perto o nascimento de uma nova geração do jazz, entre seus amigos está Miles Davis, considerado um dos músicos mais influentes do século XX. Para se tornar um grande músico, apreciado pela crítica e ganhador do Grammy Award, o maior e mais prestigioso prêmio da indústria musical internacional, considerado o Oscar da música, ele precisa passar por vários obstáculos.

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quem experimentou Professor orientador: Anderson A. Costa Editora da edição: Jasmine Horst Narradores: Elis de Oliveira Jean Patrik Jasmine Horst Kamila Dussanoski Karin Milla Detlinger

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O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma B do 4º ano do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A finalidade deste material é informativa, educacional e cultural, sendo expressamente proibida a comercialização. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). Contato: jornalbebop@gmail.com Tiragem: 500 exemplares


A volta do passado e o despertar da rede de sentimentos Tenho percebido, de uns tempos pra cá, maior valorização das coisas que remetem ao passado. não que isso aconteça mesmo de uns tempos pra cá, mas digo porque passei a notar melhor, e me interessar também. O fato é que aquilo que é retrô, vintage, ou qualquer coisa do tipo, tem ganhado espaço no mundo contemporâneo. Objetos de decoração, estabelecimentos comerciais, roupas, relançamento de comidas, bebidas, brinquedos e jogos que marcaram uma geração e voltaram com tudo, fazendo ainda mais sucesso do que da primeira vez e atraindo um público que sequer vivenciou muitas dessas fases. Ao contrário do que muitos pensam, não acredito que isso signifique que estamos sentindo falta do passado, que gostaríamos de ter nascido em determinada época (talvez sim, em raros casos), acredito que tudo faz parte da busca por uma identidade, de relembrar algumas coisas que contribuíram com a sua formação: um cheiro, um jogo, uma comida, que te lembre o passado e desperte uma rede de sentimentos. Esse ‘relembrar o passado’ ajuda na construção da memória, e é a memória que assegura a nossa identidade pessoal. Se a perdêssemos deixaríamos de ser aquilo que somos, que fomos e o que seremos. É este patrimônio individual que nos torna únicos e nos assegura a identidade pessoal. Existe uma seletividade das experiências vividas, nosso cérebro só registra aquilo que, de alguma forma, nos marcou e contribuiu para a formação de nossa identidade. Dessa forma, a partir do momento em que entramos em contato com aquilo que marcou de algum jeito o nosso passado, nosso cérebro logo reconhecerá, e uma rede de sentimentos será despertada, acredito que surja daí esse gosto por coisas antigas e não da vontade de ter pertencido a determinado lugar em determinada época.

Tudo parte da busca por uma identidade, de relembrar algumas coisas que contribuíram com a sua formação: um cheiro, um jogo, uma comida, que te lembre o passado e desperte uma rede de sentimentos.

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GUARAPUAVA HISTÓRICA Quem narra: Jasmine Horst

Toda cidade possui histórias que passam de geração em geração. Em Guarapuava isso não é diferente, vivemos em uma cidade com mais de 200 anos, que, apesar do crescimento preserva traços de comunidades pequenas e mantém viva na memoria de seu povo os fatos que marcaram a história local.

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Fotos: Marcelo San

Desde a infância, minha matéria escolar favorita sempre foi história, achava o máximo aquelas aulas que me permitiam viajar no tempo, imaginar, mesmo que do meu jeito, as tantas coisas que ouvia meu professor falar. Quando o livro, ou apostila, trazia fotos sobre o assunto, às vezes eu deixava de prestar atenção na aula para me inserir no contexto da foto. E lá permanecia por muito tempo, até algo, ou alguém, me chamar de novo para a vida real. Cultivo esse prazer até hoje, adoro utilizar o pouco tempo livre que tenho para pesquisar fatos históricos em livros ou na internet. Não tenho preconceito com assuntos, se algo surge na minha cabeça, anoto onde for possível para pesquisar depois. Nascida e criada em Guarapuava, mais especificamente, no interior,

sempre me encantei com as histórias da cidade. Visitar lugares que tiveram importância durante esses 200 anos da cidade sempre foi um dos meus passatempos preferidos. Durante um dia desses em que a gente está de bobeira, mesmo tendo muita coisa para fazer, encontrei uma página no Facebook que me chamou atenção na hora, e me fez ficar por um tempão em frente à tela do computador: Guarapuava Histórica. Esse era o nome. Assim que comecei a ver as tantas imagens que a página possuía, percebi que não estou sozinha, que assim como eu, outros tantos também apreciam essa coisa de relembrar o passado, mesmo não tendo vivido boa parte daqueles momentos registrados nas fotos.

Assim que minha sugestão de pauta foi aprovada, comecei a correr atrás das fontes. Meu objetivo? Primeiramente descobrir quem era o criador dessa página e saber o porquê desse seu gosto pela história guarapuavana; depois, queria ouvir de outras pessoas de qual fato histórico da cidade mais se lembravam, e que mais marcou suas vidas. Entrei em contato com o criador através da própria página, então, não fazia a menor ideia de como ele era. Mas, foi receptivo ao pedido de entrevista, disse que já não era a primeira vez que falaria sobre a ‘Guarapuava Histórica’, então, peguei seu ende-

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reço e me surpreendi ao descobrir que conhecia o lugar fazia bastante tempo, mas nunca havia imaginado que ali poderia encontrar alguém que também gostava, tanto quanto eu, de coisas ligadas à história do município. Ao chegar ao local, uma loja de motos, perguntei pelo dono do lugar, já que havia esquecido de perguntar seu nome no primeiro contato via Facebook [algo imperdoável no jornalismo, eu sei]. Assim, conheci o empresário Roni Sandrin, que se diz apaixonado por história, e teve a ideia de criar a página durante um passeio com a filha: “A ideia surgiu em uma visita que fiz ao museu municipal com a minha filha. Enquanto a gente circulava pelo lugar, achei alguns livros que comecei a folhar, ali vi algumas fotos antigas de Guarapuava que atiçaram a minha curiosidade, sai do museu e comecei a pesquisar fotos antigas e histórias da cidade, pesquisei na internet, livros, arquivos pessoais de amigos, recortes de jornais, etc. E tudo que conseguia eu arquivava. Quando tive um arquivo bastante numeroso resolvi criar a página pra democratizar as imagens com várias pessoas”. Quando perguntado sobre a recepção da página pelos guarapuavanos, Roni fez questão de ressaltar que recebe muitas contribuições para as postagens que realiza todos os dias, e até mesmo aqueles que não sabem utilizar a tecnologia para enviar as fotos o procuram pessoalmente: “Tem pessoas mais velhas que não sabem enviar pelo computador, que trazem as fotos até a mi-

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“A memória de um povo é uma das coisas mais importantes que existe, nossas raízes e tradições, isso tem que sempre ser lembrado”.


Foto: Marcelo San

Foto: Márcio Lange Foto: Osni Hilgemberg

nha casa pra que eu possa escanear e postar”, explicou. Comentei com ele o fato de que quando converso com pessoas mais ‘antigas’, elas sempre citam dois acontecimentos históricos de Guarapuava: o acidente aéreo e a neve. Eis que ele completou: “a festa da maçã, o acidente aéreo do final da década de 50, a neve, figuras folclóricas da cidade também são muito lembradas por aqueles que contribuem com as postagens”. Quando perguntado sobre a sua lembrança particular, sem titubear, ele disse: “eu me lembro do dia da morte do Airton Senna, em 1994, a esquadrilha da fumaça se apresentava em Guarapuava, e aqui eles fizeram um S de Senna no céu e repetiram esse S no seu enterro. Foi muito noticiado na época, e o engraçado é que muitos não lembram e eu não consegui nenhum registro até agora”. Já estava na hora de ir, perguntei a ele por que considerava que essa página tinha tanta importância para a preservação da história de Guarapuava. Roni pensou por alguns instantes antes de responder, com bastante convicção: “a memória de um povo é uma das coisas mais importantes que existe, nossas raízes e tradições, isso tem que sempre ser lembrado. Guarapuava viveu ciclos importantes, como da madeira, da maçã, da batata, hoje da cevada e do milho, e isso os mais novos devem saber. Foi terra de índios e coronéis, de contos e lendas. A rede social é um caminho rápido, fácil e atrativo para os mais jovens adquirirem esses conhecimentos sobre

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Guarapuava”. Achei que era a resposta ideal para terminar a entrevista, porém, antes de ir embora, perguntei a ele se poderia revelar seu nome, ou se preferia ficar no anonimato e ser chamado apenas de ‘o criador da página’, ele me olhou e disse que poderia citar seu nome, mas caso quisesse, também poderia usar um ‘codinome’, que, aliás, revelaria muito de sua personalidade: O nostálgico guarapuavano que está por trás da página Guarapuava Histórica... Depois de conversar com o responsável pela minha ideia de pauta, resolvi procurar pessoas, nascidas ou não em Guarapuava, que pudessem falar sobre a cidade, sobre o que con-

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sideram um fato histórico do município. O caminhoneiro José Ênio Marçal, 70 anos, é natural de Guarapuava e diz que uma das lembranças mais antigas que possui da cidade é referente ao acidente aéreo que ocorreu na década de 1950 e é lembrado por muitos guarapuavanos até hoje: “ Eu lembro desse acidente, que aconteceu perto da catedral, em que o piloto morreu, foi muito noticiado. Mas a neve que caiu a algumas décadas atrás, eu também lembro bem, íamos fazer boneco em frente ao quartel”, disse, esforçando-se para lembrar as datas exatas, porém, sem sucesso. Já a professora aposentada Isabel Raimundo, depois de contar algumas

“Me lembro bem do dia que eu caí na lagoa, estava passeando escondida lá, havia guardado dinheiro a semana toda para andar de pedalinho, mas no momento em que fui entrar nele, pisei em falso e caí na lagoa, e nem nadar eu sabia”


Foto: Marcelo San Foto: Márcio Lange

Foto: Márcio Lange

histórias sobre sua juventude, disse que uma das coisas que mais marcou a sua trajetória em Guarapuava, ocorreu em um dos principais pontos turísticos da cidade, a lagoa das Lágrimas: “Me lembro bem do dia que eu caí na lagoa, estava passeando escondida lá, havia guardado dinheiro a semana toda para andar de pedalinho, que naquele tempo nem era pedalinho, mas no momento em que fui entrar nele, pisei em falso e caí na lagoa, e nem nadar eu sabia”, contou a senhora que agora se diverte com a história. Sempre acreditei que fatos importantes acontecem sempre, e que não é necessário ter ocorrido a anos atrás. Partilhando da mesma ideia, encontrei o universitário André Xavier, que mesmo não tendo nascido em Guarapuava, já está na cidade a mais de dez anos e acredita que o período que estamos vivenciando é de extrema importância para o município: “Nasci em Itajubá, Minas Gerais, e vim para Guarapuava no ano 2001, quando tinha seis anos de idade. Então pude acompanhar o progresso que a cidade teve nos últimos dez anos, não só em fatores sociais, econômicos, mas educacionais também. Acredito que o surgimento da UTFPR Campus Guarapuava, trouxe uma oportunidade de desenvolvimento, além de estimular os estudantes a se especializarem e aumentar o nível educacional da região, algo que sem dúvida entrou para a lista de fatos importantes da cidade”, concluiu,enquanto eu, instintivamente movia a cabeça em sinal afirmativo , concordando com ele.

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Forcei minha memória com o intuito de lembrar quando conheci o Super Nintendo. Creio que foi nos meus sete ou talvez oito anos. Meu primo William havia adquirido o console, era como se ele fosse o detentor de um dos maiores tesouros que se podia ter na infância. Todos os primos se reuniram na sala e ficaram atentos enquanto ele instalava o game. Foi lá, colocou o console no chão, ligou os fios na tomada. Puxou dois controles pequenos, fininhos, com botões roxos. Plugou. Ligou então a TV. Em seguida, colocou uma fita cinza, com um adesivo de papel no qual constava uma imagem colorida e o nome do jogo: Super Mario World. Fiquei pensando: o que será isso? Quem é Mario? Aguardei um momento. Uma pequena logo branca foi sendo desenhada na tela, Nintendo, era o que dizia. A partir daí disputamos quem ia jogar primeiro, e pela ordem dos fatores (sempre dos mais velhos para os mais novos) começamos o jogo. Iniciava ali, um dos maiores marcos da minha geração, anos 90.

“Ei menino, desliga esse

Quem narra e fotografa: Jéssica Lange

videogame

senão vai estragar a

- Mãe

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Plin! Esse era o som emitido, quando ligado, pelo responsável de uma das maiores diversões da minha infância, o videogame Super Nintendo, lançado no Brasil em 1993. Bastava colocar a fita no console, aguardar uns instantes para que um mundo inteiro se abrisse na tela da TV. Ao pensar nisso, rapidamente me lembro de cada detalhe dos games, as cores fortes e vívidas, o plano em duas dimensões, os pixels que quase podiam ser contados nos dedos, os toques e sons polifônicos que muitas vezes caracterizavam os personagens e as fases dos jogos. Tudo isso era incrivelmente arquitetado, uma tecnologia supimpa para a época. Com a certeza de que esse videogame se tornou um ícone e marcou toda uma geração, saí em busca de pessoas que quisessem compartilhar suas lembranças, aqueles que cresceram jogando o japonês Super Nintendo. Encontrei Juan Carlos Souza, um apaixonado por games, do tipo que adora falar sobre isso e têm diversos consoles antigos, inclusive, raridades como o Atari. Ele conta que aos oito anos teve seu primeiro videogame, “era um Sega Saturno que meu pai tinha me levado na

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Rua 25 de março em São Paulo para me dar”. Depois de passar por muitos consoles e experimentar cada um deles, Juan teve seu primeiro contato com o Nintendo. “Conheci um amigo, meu vizinho de esquina, que tinha um Super Nintendo. Senti-me honrado ao ser convidado por ele a jogar em sua casa. Era um videogame meio diferente do meu, cinza com detalhes em roxo e um botão massa que apertava para baixo e saia a fita, um pouco diferente do Sega Saturno”.

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Aos poucos esse gosto de Juan pelo Super Nintendo aumentou: “depois de várias derrotas no Mortal Kombat e no Donkey Kong, comecei a pegar o jeito dos jogos. Passava horas e horas jogando com meus amigos”. Então, surge um estopim para concretizar a sua vontade de ter o game. “Quando comecei a jogar Mario, não me aguentei e fui pedir para meus pais comprarem um Super Nintendo com fitas do Mario, Donkey Kong e Street Fighter e então comecei administrar dois videogames”. Já Yorran Barone, conta que via o videogame como mais um lazer. “O jogar envolvia bastante gente. Tínhamos uma turma grande, umas dez pessoas, da rua mesmo, de diferentes idades, eu sempre era o mais novo. Nós nos reuníamos pelo menos uma vez na semana pra jogar, isso era a nossa diversão”. Depois de alguns sorrisos, daqueles que a gente dá quando se lembra de algo bom, Yorran complementou: “nesse tempo era raro quem comprava fita, o comum era locar. O terror começava quando você ia à locadora, tinha uma pilha enorme de fitas, mas aquela que você queria já havia sido locada. Ai o recurso era pegar outras, que dessem para se divertir”.

Quando perguntei a Yorran quais eram seus jogos preferidos, ele fez questão de deixar claro: “sem dúvida é o jogo que mais revolucionou no aspecto de gráficos, o Chrono Trigger. Pra quem gosta de RPG como Final Fantasy, isso é um clássico, precisa conhecer. A forma de jogar, a interação entre os personagens, era o melhor que tinha”. Dei uma pequena pausa e percebi que nunca havia jogado Chrono Trigger ou algo parecido. Fiquei com vontade.

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Juan contou-me que selecionava o jogo de acordo com a companhia, “quando estava sozinho jogava Sonic, Daytona USA e Mario. Quando estava com meu pai ou amigos, sempre rolava um Street Fighter ou Mortal Kombat e quem soubesse dar um fatality com o Scorpion ou um hadouken era admirável. Para mim, todos eram preferidos”. Quando Juan mencionou o Mortal Kombat me lembrei das disputas incansáveis que fazia com meus primos. Eu sempre era a Kitana, a dos leques de metal, ou a Syndel, que tinha um cabelo estranho. Mesmo que eu não ganhasse e que muito menos soubesse a sequência de botões para dar um fatality era divertido poder manipular um personagem na tela da TV.

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Nesse clima de luta, Yorran logo defendeu o seu tipo de jogo preferido. “Em primeiro lugar, os jogos beat ‘em up. Neles você anda pela fase com o personagem e vai dando ‘porrada’ em todo mundo. O Final Fight é uma das maiores franquias, fora o Tartarugas Ninjas, no qual você escolhia uma delas e saia batendo em quem aparecesse na frente”. Além disso, ele acrescentou que a diversão era maior porque esse tipo de jogo geralmente permitia dois jogadores ao mesmo tempo. “Tinha muita interação, pô! Era divertido pra caramba, tanto que esses eu jogo até hoje, eu tenho em casa o console, ligo e vou jogando. Apesar de conhecer o jogo completo, todos os detalhes, cada vez que você joga é diferente. É como o seriado Chaves, você sabe a cena de cor, mas mesmo assim ri”.

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videogame me ajudou muito nos estudos, inglês e algumas coisas mais”.

Após muitas conversas com amigos que também são da geração Nintendo, me veio à tona lembranças de quando minha mãe reclamava do tempo que eu passava jogando. Deixava muitas vezes de fazer as ‘tarefas’ do colégio, para pegar o controle e avançar mais algumas fases do Mario. “Às vezes você passava a tarde toda jogando, ou o dia, quando dava. Por exemplo, o Chrono Trigger, sentava eu, meu irmão e meu primo, pra jogar, como era RPG, um jogo longo, então você tinha que ir jogando e jogando e jogando e só parava mesmo quando a mãe chegava e dizia: ‘ah vai desligar isso aí, vai estragar a TV’” comentou sorrindo, Yorran. Para Juan isso era um pouco diferente: “só jogava quando tinha terminado tudo o que meus pais pediam, logicamente. Quando era bom nos estudos podia jogar. Se tirava uma média ruim, não podia nem pensar. Então você pode imaginar meu esforço por tirar notas boas, creio que o

Só quan jogava termi do tinha nad o que o tudo meus pais p e d i logic amenam, te”.

Como me disse Juan “jogar era o momento de diversão, de esquecer o mundo e colocar a imaginação pra funcionar”. Colocar pra funcionar, como assim? Eu explico: com a interface simples e resolução extremamente limitada, isso era fácil, você se obrigava a imaginar o que ia acontecer na frente, no desenvolver do jogo. Afinal, os games tinham apenas metade (ou até menos do que isso) dos pixels existentes atualmente, nada informatizado, dado de bandeja para o jogador. Continuando a entrevista, Juan recordou-se de detalhes interessantes. Disse-me que os modestos pixels e efeitos sonoros do Super Mario World mexiam com sua imaginação (e com

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a minha também). “A gente enxergava o Mario e o Luigi, como grandes heróis que, quando pulavam nas tartarugas e pegavam seu casco, era como uma espada que derrubava outras tartarugas ou um escudo mega forte e esperávamos ansiosamente quando batíamos na caixa para ver o que iria sair. Se fosse a estrela... Nossa! Éramos, juntos com estes heróis, um trio com super poderes”. Com isso me veio um trauma: passar milhares de fases, desligar o game e quando voltar, perceber que tinha zerado tudo. Deu empty. Após o momento de tristeza, vamos voltar ao assunto.

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E aquele velho costume de assoprar a fita quando não funcionava? Era uma técnica quase infalível, apesar de constar atrás da própria fita um aviso: ‘não assopre ou toque os conectores com os dedos’. “Ou você assoprava a fita embaixo ou abria a tampinha do game e soprava lá”, conta Yorran, gesticulando, de uma forma como se estivesse fazendo isso. Assim, cada fita tinha um segredo na hora de colocar: umas funcionavam mais frouxas, outras precisavam apertar e tinha aquelas que só funcionavam quando estavam meio tortas no console. “Você ia endireitando, mexendo até dar. Às vezes a fita era velha, daí você colocava, dava uma erguidinha de um lado, dai erguia do outro, e dava certo”, relembra Yorran. Já Juan, contou-me rindo que tinha outra artimanha para isso: “em últimos casos, quando não dava mais de assoprar, eu pegava o secador de cabelo da minha mãe e pas-

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sava no console ou na fita”. Fiquei um pouco surpresa, mas lembrei de que já passei algodão com álcool no chip da fita para funcionar, então tudo bem. Afinal, lembrar-se de tudo isso, é, de certa forma, sentir saudade. Não digo nostalgia, pois o termo é forte demais para ser usado neste caso. É uma saudade boa, uma vontade de pegar o console e jogar de novo. “Hoje em dia eu gosto ainda mais do Nintendo, parece que quando você cresce em uma realidade é muito difícil desapegar. Você acaba se acostumando e tendo que aprender a mexer com novas tecnologias, mas aquilo com o que você cresceu, fica dentro de você. Pô, hoje em dia prefiro mil vezes jogar um 2D do que um 3D cheio de efeitos, interativo. Tanto que não tenho preocupação alguma em comprar um Playstation 3 ou 4”, disse-me Yorran. Chego à conclusão que o Super Nintendo foi um dos maiores consoles da época, sendo adorado por muitos, mesmo após 20 anos terem se passado. Ele foi a grande pedra no sapato para a Mega Drive, principalmente por inovar no número de bits (seus invejáveis 16 bits) e nos gráficos 3D. Tenho plena convicção de que eu e todo o resto da geração anos 90 jamais nos esqueceremos da sensação de ir à locadora e ver aquele universo de fitas cinza.

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vamos aos jogos! O Bebop preparou um top 5 de jogos do Super Nintendo pra você relembrar

Super Mario World

Quem não se lembra do baixinho bigodudo, que sempre estava acompanhado do seu fiel companheiro de aventuras, um dinossauro chamado Yoshi? Sim, Super Mario World, aquele que entrava em canos, matava os Koopa Troopa e os Goombas para salvar a princesa Peach Toadstool do malvado Bowser. O jogo que marcou a infância de muitas pessoas foi lançado em 1991 e vendeu mais de 20 milhões de cópias!

Donkey Kong Country

Lançado em 1994, o game logo chamou a atenção pelo aspecto diferenciado dos gráficos. O objetivo do jogo era passar pelas 40 fases recuperando as bananas dos Kongs, que foram roubadas pelos Kremlings. Entre cipós, bananas e moedas, o jogo vendeu mais de 7 milhões de cópias, ocupando o lugar de segundo jogo mais vendido da Nintendo.

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Street Fighter

Populamente conhecido como SF, o Street Fighter também se tornou um clássico. Na série de lutas, o jogador controlava o personagem, que poderia ser de qualquer parte do mundo, cada um com seus golpes específicos. Criado em 1987 para máquinas arcade, foi lançado somente em 1992 para a Nintendo, onde ganhou popularidade.

Top Gear

O primeiro jogo da geração Top Gear foi lançado em 1992. O game de corrida de carros consistia em tornar o piloto o mais rápido do mundo, correndo em pistas de diversos países. Um dos grandes diferenciais do jogo era a possibilidade de escolher o carro, a cor, os acessórios, etc., a medida que fosse evoluindo, poderia “comprar ” mais peças para tornar o carro mais veloz.

Mortal Kombat

A franquia de jogos Mortal Kombat foi lançada em 1992, e devido ao sucesso se expandiu gerando filmes, quadrinhos e séries de TV. No game o jogador poderia escolher seu personagem, dar chutes, socos, rasteiras e até mesmo truques de magia, como bolas de fogo e gelo. Nada melhor do que aprender uma sequencia para finalização e derrotar o oponente com um fatality.

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Quem narra: Kamila Dussanoski Imagens: Kamila Dussanoski e arquivo pessoal Ilustraテァテ」o: Joテ」o Ovitzke

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estar na miParece fazer parte de mim, for, mas o atranha essência, ou seja lá o que questão é que, so é o meu companheiro. A pegar ônibus de com isso, seria impossível chegar à rodoviárua, por exemplo, para pode a ver meus pais. ria toda vez que vou pra cas versitária que sou, Ou então, como uma boa uni um compromisso sem carro, como iria para alg a? Ou até mesmo que seja longe da minha cas ca: vou de táxi. para a balada? A opção é úni pequenas, onde Mesmo em cidades muito a opção muito utili“tudo é perto”, o táxi é um a taxista Maria Elizada. Quem comprova isso é hecida na cidade zete Bovo, a “Zete”, muito con proprietária de um de Imbituva – PR, por ser a exnha rosa. Taxista há chamativo e cobiçado fusqui

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eçou apenas para pouco mais de três anos, com no fim do mês, já conseguir uma renda extra três filhas. que é mãe, e cuida sozinha de reformou e Na época tinha um fusca que a e ros e com os deixou à sua cara, totalment chamava atenção estofados em branco, o carro bava ajudando até por onde passava e isso aca s, aliás, as clientes, mesmo para atrair os cliente tade de andar no essas que “tinham muita von era a oportunidade carro e quando virou um táxi ”. daquelas não próximas a mim consequenteCom o aumento de clientes e, cisou de um carro mente, de corridas, Zete pre na parte mecâque fosse, além de bonito, bom


nica, e o velho fusquinha já não ajudava. Com isso precisou se desfazer do “xo dó de todos, não havia mais condições de rod ar aquela quantidade e também não dava pra manter dois carros, aí o fusca rosa precisou ir em bora”, lembra Zete. Zete trocou o carro, mas não trocou o jeito de ser com seus clientes, que é ma rcado pela alegria em atendê-los, pela “maneira de tratar a todos, sempre com um sorriso no ros to, sempre conversando e disposta atender qua lquer pessoa e me divertindo com elas, a qualqu er horário”, conta. A taxista sempre foi uma mu lher decidida e determinada, mesmo com alg umas críticas que sofreu no início, não desistiu do seu trabalho e

hoje consegue ser requisitad a sem seu fusca rosa. As mulheres ainda são a maioria na clientela de Zete, mas não são exclusivas. “Alguns homens ainda vivem da ideia de que mulher tem que estar na coz inha e não tendo o poder de levá-los para alg um lugar, estar dirigindo e eles no banco do passageiro, mas eu tenho a sorte de ter cliente s com a mente aberta e que não veem o me nor problema em me chamar quando precisam”. Mesmo sendo em cidade pequena, Zete possui muitas histórias, “meus clientes são pessoas simples, acabam vendo em mim uma amiga para desabafar, contam história s da família, problemas pessoais, histórias div ertidas do passado, é muito gratificante saber que sou confiável”.

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Seu Luis? Depois de um bom tempo repetindo a mesma frase, já não preciso me apresentar toda vez que ligo chamando o táxi. Seu Luis já tem o meu número salvo e sabe que ‘de vez em sempre’ vai receber uma chamada para me buscar em algum lugar. Só que essa ligação foi diferente. Era uma tarde comum de sexta-feira, Seu Luis chegou e perguntou: “pra rodoviária?”. Em clima descontraído, respondi: “não, hoje vamos fazer um trajeto diferente, vamos ao passado, você vai me contar tudo o que lembra desses anos como taxista”. Como de costume, ele sorriu e disse que assim a conversa não teria fim: “é muita história para contar”. Há oito anos trabalhando como taxista, o

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guarapuavano Lois Carlos Rocha - que só então me contou esse verdadeiro nome -, conhecido como Seu Luis, é um taxista simpático, amigo e até conselheiro de seus clientes. Aliás, clientes fiés que agendam corrida até uma semana antes, isso pra não correr o risco de ter que procurar por outro. Entre fiés e novos clientes que ele atende todos os dias, os preferidos são “os que conversam, tratam bem. Não gosto daquela pessoa que acha que por estar pagando tem o direito de ser mal educada. Já passei por isso, já me trataram mal, mas eu corto, se não tá bom, sai. Já pedi para pessoas saírem do meu taxi, parei o carro e pedi para se retirar, não sou obrigado a aturar grosseria”.


Entretanto, os principais passageiros criam confiança e simpatia pelo Seu Luis. Entre um destino e outro, uma conversa e outra, muitos acabam revelando segredos quase que ‘irreveláveis’. “Já ouvi revelações sérias de pessoas que ninguém imagina. Pessoas que revelaram ser homossexuais ou que fazem programa por dinheiro, e são pessoas já conhecidas, que já atendi outras vezes e nem passava pela minha cabeça”. Se carro falasse, além do taxista, esse táxi contaria a variedade de lugares que já teve que passar. Seu Luís lembra de alguns como “terreiro de macumba, encruzilhada, e as pessoas levam as coisas junto, dentro do taxi. Além de levar muito para motel, isso eu já considero comum, totalmente normal

e muito solicitado. As vezes deixo lá e ainda volto buscar”. Além da simpatia e alegria, esse taxista é conhecido por ser amigo e camarada dos seus clientes. Nessa quase uma década rodando em seu táxi, Seu Luís opta por caprichar no desconto na hora de pagar. Ele “poderia trabalhar normal, mas eu sempre fui pobre, eu sei dar valor as coisas. Eu acho um absurdo o preço que cobram por aí, então eu faço o desconto, porque sei que é difícil. Já levei muito prejuízo em ser assim, já deixei muitas corridas para ‘pagar depois’ e o depois não chegou, já emprestei dinheiro para irem viajar e nunca mais devolveram, mas nem por isso eu mudei ou vou mudar”, contou com um sorriso no rosto.

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O Camarada Lois Carlos Rocha (45 anos) Já tive que tirar meninas bêbadas e levar até o quarto, já teve pessoas alcoolizadas que fizeram necessidades dentro do carro e eu tive até que parar de trabalhar. Mas a minha história marcante aconteceu em 2011. O tradicional Jogos Jurídicos foi aqui em Guarapuava, estava fazendo muito frio e a festa foi em um lugar totalmente aberto. Levei algumas universitárias até lá, aquelas eu mal

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conhecia, eram clientes, mas não de sempre. Um tempo depois de tê-las deixado lá, recebi uma ligação, era uma delas pedindo para que eu voltasse. Voltei. Só que elas não queriam ir pra casa. Começaram a sentir muito frio, tentaram sair, mas o segurança falou que se saíssem do local, não poderiam voltar. Por isso elas me ligaram e, quando cheguei lá, me pediram para ir até o apartamento onde moravam e pegar roupas, levar para elas e então iam se trocar, lá no banheiro da festa.

Eu fui, mas sem saber nada, nunca tinha entrado naquele prédio, estava com a chave do apartamento e falando com uma delas no celular, ela ia me guiando, “suba ali, vire aqui”... Entrei no apartamento e ela continuava falando “abra essa porta, pega essa calça, essa blusa vermelha, a meia calça...”, foi difícil, mas, no fim, peguei tudo, voltei para o lugar em que estavam, entreguei as roupas e as chaves, elas me pagaram pela corrida e voltei a trabalhar. O detalhe é que ficou dois sapatos no meu carro, até hoje não me procuraram para pegar. Foi diferente e divertido ao mesmo tempo.


A Pantera Cor-de-Rosa Maria Elizete Bovo (35 anos) Já me contaram muitas histórias tristes, de traições no casamento, de brigaa com filhos, mas não gosto de pensar nessas, sou muito alto astral, gosto de histórias divertidas. Uma vez eu fui chamada para fazer uma corrida até a cidade de Irati, 30 km de Imbituva, era pra levar uma mulher no médico. Nós saímos a tarde, eu ficaria aguardando e então voltaria-

mos. Tudo bem até ai. Aconteceu que a consulta atrasou um pouco e até voltarmos acabou escurecendo, mas isso não seria um problema.

ponte a noite. Eu fiquei sem entender o porque, até que ela me falou que certa noite passou por lá e viu uma “visagem” vagando pela rua e se jogando naquele rio. Segundo ela foi o dia em que mais passou medo, eu ri, mas ela falava sério.

Não seria... estavamos voltando, fazendo mesmo caminho da ida, até que fomos chegando perto de uma ponte que liga as duas cidades, a mulher deu um grito, eu acabei me assustando e dei uma freada rapidamente. Perguntei o que tinha acontecido, ela me falou que eu não poderia continuar, que ela não ia passar por aquela

Pediu por favor para não continuar, para procurar algum outro caminho, pois ela não queria passar por ali ou ia ver a “visagem” novamente. Resumindo, ela preferiu pagar mais caro para que eu voltasse boa parte do caminho e fizesse outro trajeto, passando por outra cidade, foi muito mais longe, mas sem “visagem”.

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capa : elis Oliveira

Quando contar carneirinhos Elis Oliveira n達o resolve 30 bebop Quem narra:


Foto: Elis Oliveira/ Kamila Dussanoski

A noite é longa para quem precisa ficar acordado. Mas como é para aquelas pessoas que ainda esperam pelo sono?

Ela chega em casa exausta, depois de um dia de intenso trabalho e agitação. Toma um banho, coloca o pijama e deita-se. Vira de um lado, vira de outro na cama, tudo em repleto silêncio e nada do sono chegar. Levanta, toma outro banho, porque a avó de uma amiga disse que é bom, e se para os bebês resolve, por que para ela não resolveria?! E nada do danado sono, até parece que dessa vez ele foi embora mesmo. Um cochilo breve de 15 minutos antes de o despertador tocar, já são 7h da manhã, hora de levantar para mais um dia, faculdade, trabalho, academia...

Não é à toa que torturadores impedem que o acusado durma quando querem arrancar alguma confissão dele, pois não dormir para muitos é ter pesadelos com os olhos abertos Na outra noite, chega em casa e pensa: ‘Ah, hoje vou mudar um pouco minha rotina, vou tomar um chá de alface e deitar, pensar em coisas boas, vaí que resolve’. Porém, mais uma noite sem dormir. E assim vai, outra e outra. Se já está difícil, o temor de nunca mais poder dormir vai tomando conta da vida e dos pensamentos. Certa vez, ao desabafar com a vizinha que há dias eu não conseguia dormir, ela disse que poderia ser energias negativas e que iria ensinar uma simpatia para amenizar isso: pegue a cama e posicione a cabeceira voltada

para o norte e os pés para o sul. Com um copo de água e um punhadinho de sal grosso, espirre debaixo da cama. Depois pegue o copo com um pouco de água salgada e deixe nos pés da cama e vá dormir. Resolveu? Lhes digo que não! Foram tantas tentativas frustradas, leituras, caminhadas, banhos quentes, com ervas, sem ervas. Foram quase dez anos de uma espera nebulosa pelo sono. Hoje, ela com 30 anos, já não sofre mais de insônia, não toma medicamentos, mais ainda perambula pelas madrugadas atrás do sono, que vem quando menos se espera.

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ilustração produzida por Adriano Silva feita especialmente para o

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insônia

Para Nadir K. Campos, de 53 anos, o sofrimento de não poder colocar sua cabeça no travesseiro, deitar e dormir, se tornou de fato um pesadelo. O ano era 2008, seu pai estava acamado. Ela cuidava dele nas intermináveis noites e assim foi por vários meses, trabalhava de dia e cuidava de seu pai quando o sol dava lugar às estrelas. Até que um dia ele acabou falecendo. Desde então, Nadir começou a se sentir estranha. Chegava em casa, tomava banho, deitava no sofá para descansar e acabava cochilando por dez minutos. Ainda não era a hora de dormir, pois ainda tinha afazeres, porém o sono saiu dar uma volta e não voltou mais. Deitava em seu quarto, apagava as luzes e alí começava mais uma noite sem sono. Aquele aperto no coração, a angustia de não conseguir dormir tomava conta de Nadir. Seus olhos secos por não conseguir pregá-los a deixava mais nervosa ainda. Levantava fazer caminhadas ao ar livre, pois achava que deveria ser ansiedade, calor, algo assim. Todas as noites era essa tormenta. Os chás que ensinavam nada

resolviam, era de camomila, hortênsia, melissa, incontáveis sugestões. Seu maior medo: morrer! Até que um dia, tomou coragem e procurou um médico, que a diagnosticou com alteração de tireóide, colesterol alto e outras complicações, que poderiam ser a causa da sua insônia. Sua saga com a dificuldade de dormir estava longe do fim. Começou a tomar um medicamento, mas que ao invés de ajudá-la tirou ainda mais seu sono. Voltou ao especialista, que a medicou com outro, foi a partir daí que ela começou a ter uma vida mais normal, fechar os olhos e dormir tranquila. “Consigo ter um sono muito bom de uns seis meses para cá. Deito e logo o sono vem, sofri demais, não tem coisa melhor do que poder fechar os olhos e descansar o corpo e principalmente a alma, aquietar os pensamentos, coisas que por seis anos não soube o que era”, conta Nadir com um sorriso nos lábios e nos olhos, que por muitas vezes se fecharam com a angustia da espera de algo que não vinha.

Foto: Elis Oliveira

Não é só mais um caso isolado de

Se deito no horário de uma pessoa que tem o sono normal, apenas rolo na cama por mais de horas e não consigo pegar no sono. bebop

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Ter insônia é afundar-se num mar de escuridão, que parece que nunca terá saída, posso dizer que dormir é uma das melhores coisas da vida

Tão jovem, com apenas 18 anos, Luana Sabrini, também sofre de insônia, que apareceu do nada aos 16 anos, quando percebeu que isso gerava um grande incômodo e ansiedade. Ela tentava dormir e não conseguia. Mesmo estando com muito sono, seus pensamentos viraram uma compulsão, que, no caso dela, desencadeou outros problemas. “Eu, por exemplo, tenho TOC [Transtorno Obsessivo Compulsivo] e remédio natural, como chá, não adianta, preciso de um antidepressivo bem forte, que, se eu tomar, fico lesada o resto do dia, porém eu tomo desde quando começou a insônia”. Ela conta que tenta manter a calma. “Eu nunca fiz nada, quando começo a me desesperar, a única coisa que eu sei que tenho que fazer é esperar o dia chegar e tentar dormir na noite seguinte. Muitas vezes eu tenho sono ao longo do dia, mas também não consigo dormir, é algo bem irritante. Com o tempo acostumei, tomando remédio melhora”. No dia que ela me concedeu a entrevista, me relatou que estava sem dormir a mais de um dia.

Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

E a falta de sono não escolhe a idade, nem sexo, nem credo, nem nada, ela simplesmente surge e Eveline Gheller, 24 anos, sabe bem do que estamos falando. Desde criança sempre teve sono muito tarde, porém, de 2010 para cá percebeu que isso tem piorado. “Se tornou um incômodo na faculdade, pois mesmo tendo aulas o dia inteiro, não tinha sono para conseguir dormir cedo. Não tomo medicamentos, apenas chás” Seu maior desconforto por dormir muito tarde é que mesmo cansada, com o corpo exausto, não consegue de maneira alguma dormir cedo.


Não ter sono muitas vezes parece algo normal. Quantas vezes se ouve por ai: ‘deve ser por causa da idade!’, ‘Só pode ser ansiedade’, ‘Fecha os olhos que o sono vem’, ‘Toma um chazinho de erva cidreira’. Ou tantas outras coisas, porém, não dormir regularmente a noite, pode esconder algum problema bem sério, como é o caso da insônia, que vai além da incapacidade de conciliar o sono, podendo manifestar-se em seu período inicial, intermediário ou final. Quantas horas se dorme por noite depende de uma pessoa para outra, conheço pessoas que dormem cinco horas por noite e não sentem problemas nisso, levantam super dispostas, porém, há aquelas que se não dormirem oito horas parecem que levantam com uma tonelada nas costas.

Foto: Elis Oliveira/ Kamila Dussanoski

Conheça mais duas histórias, distintas, envolvendo o sono Arquivo pessoal

Elvis Roque, 21 anos, é um desses que, por opção, não dorme. Quer dizer, dorme, mas em doses homeopáticas:. Eis o depoimento dele: “Quando era pequeno, ficava acordado de madrugada para fazer companhia a um primo que morou com minha família para assistir a uma serie chamada O’Z [Obs.: série proibida para menores de 18 anos]. No começo eu ficava sonolento, mas com algumas semanas me acostumei e entrei na vida que levo até hoje, uma vida de muita produtividade e pouco sono. A falta de sono nunca foi um empecilho em minha vida. Pelo contrário. Em acampamentos eu era o último a ir dormir. Sempre pratiquei esportes e me destaquei, a criatividade nunca deixou de vir. Nunca tomei remédios, pois nunca se fizeram necessários. Tenho uma saúde perfeita. Acredito que ainda vou viver assim durante muitos anos”.

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Do outro lado, Thereza Cristina Stachechem, 28 anos, que sofre de insônia desde os dez anos, sendo diagnosticada somente aos 15 anos, conta que sofreu durante cinco anos achando que poderia ser qualquer coisa, menos insônia. Alguns médicos diziam que era normal e que era medo de dormir sozinha. No entanto, isso desencadeou sérios incômodos para ela e sua família. “Quando comecei a diminuir o rendimento escolar, a não dormir e a não deixar mais ninguém dormir, quando passei a dormir com outras pessoas pensando que era medo, vimos que eu precisava de ajuda. Além de que comecei a ficar ansiosa e a engordar desenfreadamente”. Na adolescência o uso de florais e acupuntura se fez presente na vida de Thereza, porém o efeito foi de curto prazo. Depois de alguns meses não resolveram mais nada, foi onde começou a tomar indutores do sono. “ Tomo remédio para dormir, um medicamento que possui em sua fórmula uma substância chamada Zolpidem, que age sobre os centros do sono, que estão localizados no cérebro. Por isso, o médico prescreve este medicamento para o tratamento da insônia, isto é, para aquelas pessoas que têm dificuldade em adormecer ou de permanecer adormecidas, começando a agir poucos minutos após sua administração”. Ela conta ainda que num ato desesperado para conseguir dormir, teve vezes que tomou relaxante muscular, ou ingeriu vários remédios anti-alérgicos, para ter sonolência. [Atenção: não tome remédios sem recomendação médica]. O ato de não dormir pode acarretar muitas coisas, o dia parece interminável e para Thereza, o dia fica todo bagunçado, sua cabeça não desliga e o corpo fica cansado, seu rendimento cai mais que 50%, chegando a ter crises de enxaqueca muitas vezes.

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Tomo remédio para dormir, um medicamento que possui em sua fórmula uma substância chamada zolpidem, que age sobre os centros do sono que estão localizados no cérebro.


Podemos uma ou outra vez ficar sem dormir, sair para a balada e ficar a noite toda sem pegar no sono, ou tirar a madrugada para estudar, fazer aquela monografia ou um trabalho da faculdade que tira o sono de qualquer pessoa, porém, a insônia crônica requer mais atenção. É indispensável descobrir o que a está causando, pois de acordo com especialistas a ausência do sono reparador pode prejudicar a saúde física e mental. Foto: Elis Oliveira

Foto: Elis Oliveira

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Ele ou ela, de pouca idade, de mais idade, não importa, as dificuldades do sono assolam as pessoas nas madrugadas escuras e solitárias, onde pensamentos parecem ter vida própria e desligar a mente é um pesadelo.

De fato o que tira o sono de muita gente é a tal da faculdade, os trabalhos difíceis, aquele professor que exige muito, aquele grupo que não rende. E foi com o ingresso num curso superior, aos 20 anos, que Telma Machado, hoje com 28, descobriu que tinha insônia. Ela não fez uso de medicamentos, mas sessões de auriculoterapia a ajudou bastante. Telma contava intermináveis rebanhos de carneiros e o sono não vinha. Chegou a fazer ioga de madrugada para poder amenizar a péssima sensação.

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Ressuscitados Quem narra: Karin Milla Detlinger

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- Avgas*, gasolina azul foi derramada em suas entranhas como uma última tentativa de ressuscitar aquele gigante. Um remédio milagroso talvez, diz Milla, o empolgado colecionador. -Girávamos o eixo lateral do velho Bulldog com entusiasmo na esperança de vê-lo ganhar vida. Todos que por semanas molharam suas mãos no óleo diesel, sujaram os dedos na graxa e forçaram seus músculos, para devolver vida a este grandalhão, estavam apreensivos. O velho Lanz Bulldog D8506, que por décadas estava apenas em meus sonhos, agora cuspia chamas. A emoção tomava conta de todos. Uma roda de curiosos se formou para testemunhar sua volta. O corpo enferrujado aos poucos reagia e começava a dar sinais de vida. Pequenas faíscas, ruídos estrondosos e nuvenzinhas de fumaça anunciavam seu retorno. Logo, explosões bem mais assustadoras, provocadas pela bebida exótica, provocavam convulsões exageradas. Chamas eram lançadas no ar, empurradas através do cano recuperado do escapamento. Nossos olhos admiravam espantados o espetáculo e nossas bocas mal se fechavam diante do que víamos. Enfim uma última tosse para encher o peito com o ar fresco da manhã e o velho trator definitivamente estava de volta. - Lembro-me que ficamos por horas preparando o acionamento do motor. Com um maçarico aquecemos o cabeçote para que tivéssemos faísca suficiente e colocar o guerreiro em ação.

Tentamos de tudo e mais um pouco. Ele simplesmente não respondia, até que tivemos a idéia de colocar combustível de avião. A explosão seria inevitável. Mas, diante de sua carcaça robusta e compacta, arriscamos. Finalmente ele respondeu. Não há chave de ignição neste modelo, o próprio volante faz às vezes de chave e aciona o motor através de um sistema giratório na lateral do trator que faz o pistão funcionar. Arranjávamos força para botá-lo em movimento e a cada tentativa aumentava o número de curiosos apostando no nosso sucesso. Quando enfim o gigante rugiu, ficamos eufóricos. - Este foi com certeza o momento mais emocionante que tive durante os meus anos de colecionador. Tive a convicção de que amava desmontar e remontar estes velhotes para depois vê -los funcionar novamente. Alimentei o interesse por um Lanz Bulldog desde criança. Meu tio tinha uma oficina mecânica na qual havia tudo o que uma criança como eu gostaria de ter. Parafusos, brocas, chaves de fenda, peças e mais peças que ele ajustava aqui e ali transformado-as em máquinas potentes. Para mim aquilo tudo era o paraíso. Neste ambiente ouvia as mais incríveis histórias sobre os tratores que compunham o universo agrícola de Entre Rios. Mas era o Bulldog que mais ocupava minha imaginação. Meu tio dizia que este trator tinha vida própria, tinha personalidade. Eu sonhava em ter um algum dia, lembrava Milla.

Lanz Bulldog voltando a vida

* Avgas - Gasolina debebop Avião

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Durante as décadas de 1950 e 1960 a região de Entre Rios notou uma nova atividade econômica. O terceiro planalto do Paraná via surgir extensas áreas de trigais dourados. As atividades, madeireira e pecuária, aos poucos davam lugar a campos arados e a fisionomia de seus habitantes esboçava acentuados traços europeus. As quinhentas famílias vindas do outro lado do oceano haviam enfrentado guerras e miséria na Europa antes de encontrarem no Brasil um recomeço. No início dos anos 1950, lavravam a nova terra como quem cuida de um filho, cultivando trigo, arroz e milho. Os suábios do Danúbio, como são conhecidos, inicialmente desenvolviam suas atividade com poucos recursos e a tração animal era ferramenta básica. Pouquíssimas máquinas acompanhavam o projeto de colonização. Insuficientes para atender a demanda das mais de 2.400 pessoas. Mecanizar era a solução. Logo surgiam tratores de várias marcas e modelos, muitos deles importados. Hoje, seis décadas mais tarde, a febre em recuperar estes modelos está no coração de vários agricultores. Entre importadas e brasileiros como Lanz Bulldog, Famulus, Hanomag, Deutz, Valmet, M.A.N, Ursus, Mc. Cormik, Fordson, Zetor, Landini, Massey Ferguson, Zadrugar, Boliner-Munktell, Eicher, e CBT (Companhia Brasileira de Tratores) as inúmeras marcas fazem história. Crianças e adultos encantam-se ao vê-los desfilando.

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“ Fui infectado pelo vírus da ferrugem”

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- Foi em um evento na fazenda do amigo Walter que fui infectado pela febre da ferrugem. Estávamos reunidos para celebrar a compra do moderno pulverizador poli-propelido. Surgiu a idéia de compararmos ele ao antigo sistema. Eu não imaginava que aquele velho trator Hanomag 45, largado no canto direito da casa do caseiro, roubaria a cena. - Eles duvidavam de que funcionaria só porque estava desbotado. Todos correram pra lá, deram a partida e de cara ele respondeu. Engataram nele um velho pulverizador que eu tinha, ainda da época do meu pai, e começamos comparar com o novo poli-propelido”, diz Walter Becker o dono do Hanomag. A corrida pelos velhotes estava ini-

Década de 1950

Década de 2000 42 bebop

ciada. Aqueles homens começaram a procurar por tratores que outrora pertenceram à suas famílias ou então réplicas que ao menos pudessem representar suas histórias. Galpões, ferrovelhos, internet, vizinhos, todas as possibilidades passariam a ser exploradas para encontrar tesouros. Em um final de tarde no dia 16 de outubro de 2010, os primeiros entusiastas já reuniam cinco destas relíquias em frente ao clube que freqüentavam. Assim deram início ao T.A.E.R (Tratores Antigos de Entre Rios). O grupo cresceu e menos de um ano mais tarde já contavam com 23 tratores. Hoje são em torno de 75, entre eles 60 reformados. No dia 16 de outubro de 2011 os olhos nostálgicos dos pioneiros

observavam o desfile dos nobres personagens de suas próprias histórias em um novo encontro. As lembranças voltavam à memória de Theresia Jungert, ao ver o pequeno Fordson Dextra 1958, seu companheiro de tantas horas, rodar vagarosamente diante dela. Ela, na época uma jovem corajosa e destemida, guiava-o com confiança. - Lembro de como gostava deste pequeno, com ele aprendi a dirigir. Ele era ágil. Por muito tempo trabalhei neste trator ajudando meus pais a plantar arroz e trigo. Prestando atenção na conversa do grupo reunido no terceiro encontro percebe-se o quanto estas pessoas estão envolvidas com suas máquinas.

1º Encontro

“Viamos aquelas máquinas e as lembranças voltavam à nossa mente”

Lembranças


- Sabe porque o meu Massey Ferguson com 36 cavalos é chamado de cinqüentinha? Diz um deles. - Ele foi criado em 1961, mas ficou conhecido como cinqüentinha em 1965, quando a Massey fez uma festa em comemoração aos dez mil exemplares vendidos. Foi bem na época em que o presidente Juscelino Kubitschek lançou o slogan “cinqüenta anos em cinco”, assim recebeu este apelido. Meu avô Nikolaus o comprou na antiga Massey do Paraná em 1962. Foi uma festa. Seu volante era bem mais fácil de operar se comparado outros tratores importados. Como não lembrar deste vermelhinho. Este foi o primeiro modelo genuinamente brasileiro. O cinquentinha esta na família

Detlinger há quatro gerações. O filho Stefan havia arrendado terras em Laranjeiras do Sul a 100 km de Entre Rios na década de 1970 e o trator foi ferramenta essencial para lavrar aqueles campos. Apesar da pouca potência puxava um arado com três discos. Por muitos anos foi o único veículo da família para chegar até o trabalho. Felizmente tudo melhorou e as máquinas cresceram. Depois de décadas de lealdade finalmente foi aposentado. Por anos o desbravador ficou esquecido no galpão da família até

que em 2000 o neto Arnold o herdou. Levou-o para a fazenda, pois seus 35 cavalos de potência eram suficientes para pequenas atividades diárias. - Ele funcionava relativamente bem apesar de sua aparência assustadora. É claro que nossa febre de restauro falava alto. Logo, logo nos apossamos do cinquentinha e fizemos dele nossa cobaia. Desmontamos sua carcaça, destrinchamos suas entranhas, lixamos, lubrificamos, trocamos peças, pintamos e remontamos o brasileirinho. Reluzente, fizemo-lo desfilar para servir de atrativo para nossas moscas. E elas caíram. Hoje somos muitos, cada qual com contando sua “nova, velha” história.

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