Bebop 04 2014 interactive final

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quem experimentou Professor orientador: Anderson A. Costa Editora [Ed. 04/2014] Kamila Dussanoski Narradores: Elis de Oliveira Jasmine Horst Jean Patrik Kamila Dussanoski Karin Milla Detlinger

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O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma B do 4º ano do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A finalidade deste material é informativa, educacional e cultural, sendo expressamente proibida a comercialização. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). Contato: jornalbebop@gmail.com Tiragem: 500 exemplares


CARO LEITOR

POR KAMILA DUSSANOSKI

PORQUE NÃO COBRAMOS NOSSOS POLÍTICOS COMO COBRAMOS OS JOGADORES DE FUTEBOL DO NOSSO TIME?

Futebol é, sem dúvida, uma das maiores paixões do brasileiro. Mas e a política fica em que grau de importância para nós? Políticos que receberam o nosso voto devem ser cobrados. E será que na terra do futebol eles são cobrados tanto quanto um jogador que perde um pênalti ou que faz uma partida ruim que influencia diretamente no resultado do jogo? Não é preciso aprofundar-se muito para citarmos casos conhecidos de cobrança em cima de um único jogador. Um time de futebol é formado por 11 atletas, mas um deles sempre é cobrado mais do que outros. Neymar, Cristiano Ronaldo, Messi... Se um desses nomes não brilhar em uma partida pela sua seleção: PIPOCOU! Mas e o seu deputado federal, aquele para o qual você votou na última eleição, se ele não fez absolutamente nada em prol dos seus eleitores durante os quatro anos de mandato, você o cobra? A verdade é que sabemos e en-

tendemos mais de futebol do que dos nossos direitos de cidadão em questionar e cobrar nossos representantes políticos. Durante este ano de 2014 o foco e o assunto será Copa do Mundo, o maior evento esportivo do país, mas foi em 2013, durante a Copa das Confederações, que surgiu um estímulo a mais para que as pessoas fossem às ruas. Os problemas brasileiros são muitos, mas, para mim, não são culpa do futebol. Garantir à população sistemas de saúde e educação eficazes e combater a corrupção com punições exemplares são tarefas de todo governo, independentemente de qualquer Copa. O país melhorou, ainda que lentamente, em alguns setores básicos, mas ainda falta muito. Já não está na hora de gostarmos mais de política? De nos interessarmos, cobramos e acompanharmos os resultados dos políticos com a mesma preocupação com que acompanha-

mos os resultados dos jogos de quarta à noite ou domingo à tarde? É engano pensar que futebol e política não se misturam ou não se parecem. É claro que sabemos a diferença em torcer e protestar, em ir ao estádio e a uma reunião na Câmera de Vereadores da cidade. Mas é preciso mais, é preciso reivindicar, assim como reivindicamos contra o arbitro naquela falta marcada erradamente contra nosso time. É necessário que saibamos qual é a origem do dinheiro público e que consigamos entender até mesmo os meandros da própria CBF. Ver o seu time levantar a taça com uma vitória incontestável sobre o adversário é um momento único, mas poder sair e voltar pra sua casa com total segurança deixaria todos muito mais tranquilos. É orgulhoso ver o craque do seu time brilhar numa partida decisiva, mas é “para ontem” fazer valer os impostos que pagamos. O gigante não pode adormecer nunca.

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MULHER + FUTEBOL = OK

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Nasci ouvindo – e, lamentavelmente, muitas vezes, absorvendo – inúmeras mentiras sobre o futebol. Ou melhor: sobre a mulher e o futebol. Quase me fizeram acreditar que mulher não entende de futebol. Que alívio pensar que hoje isso mudou um pouco, mas que mistura de raiva e tristeza saber que ainda existem aqueles que pensam assim.

Disseram-me que futebol e cerveja era uma brilhante e saborosa combinação, mas, obviamente, ambas eram coisas de homem. Coisa de mulher mesmo é ver novela. Já ouvi homens dizerem que mulher tem que gostar de receber flores, mas nunca preferir ganhar uma camisa do seu time de futebol. Chega a ser estranho como os homens falam com tanta propriedade sobre esses “nossos gostos”.

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Ouvi dizer que se eu quisesse praticar algum esporte eu teria que jogar vôlei, esse sim seria um esporte feminino. Porque futebol, ah, futebol é coisa de homem, e muito macho ainda. Por isso achei estranho quando comecei a preferir controlar a bola com os pés e não com as mãos. Achei mais estranho ainda quando meu primeiro amor foi um time de futebol. Um amor que eu conservo até hoje, com bons e maus momentos, mas com a mesma intensidade da primeira vez em que o vi jogar. Com a mesma ansiedade de vê-lo mais uma vez e mais uma e outra...

Ouvi dizer que as mulheres começaram a se interessar por futebol, mas na verdade elas só estão interessadas pelas pernas dos jogadores; que elas nem sabem a diferença entre o goleiro e o atacante. Enquanto que o homem, ah, ele sabe tudo e não erra nunca!


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Fui percebendo que, aos poucos, muitas mulheres acabam sendo moldadas a partir de um estereótipo e são as próprias que pensam não entender de futebol e sim da novela das nove. Lamento informar que, depois da Copa do Mundo de 2002, o futebol tem mais espaço em minha vida que qualquer novela.

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Eu ganhei o bolão da final quando joguei em 2 a 0 para o Brasil em cima da Alemanha. E foi o que deu. Eu vibrei com os dois gols do Ronaldo. Confesso que, até então, eu pouco sabia sobre o esporte, mas a partir daquele ano decidi entender o que era ele.

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Eu tinha só dez anos de idade, e daquele ano a minha memória não guardou nada além daquela Copa. Mas, 11 anos depois, eu consigo, perfeitamente, me lembrar que acordava no meio da madrugada para ver os jogos com o meu irmão. Aquele clima me empolgava, competição sempre me chamou a atenção.

Eu perguntava, procurava, assistia, aprendia. Aprendi. Aprendi todas as regras. Gostei do que aprendi. Não sei só o que é gol, sei o que é impedimento. Não sei só a função do goleiro, sei do primeiro e do segundo volante. Me apaixonei pelo esporte. Passei a viver futebol. Continuei sendo mulher. E vejam só: isso não depende da opinião dos outros.

Quem narra e diagrama a crônica: Kamila Dussanoski bebop

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Fotos de Jean Colemonts

Ano de 2002, doze anos atrás. Lembro-me como se fosse hoje, como todos os fins de tarde, começo de noite. Lá estava eu, na casa da minha vó, brincando, no auge dos meus oito anos de idade. Assim que ela nos chamava para o jantar, ligava a TV e comíamos assistindo o jornal, que nos informava sobre o que acontecia em Guarapuava e região. Talvez já tivesse uma pré-disposição ao jornalismo, uma vez que prestava atenção em tudo, e ainda me lembro dos traços do repórter que fazia a sua passagem em meio a uma cidade cenográfica, constituída por um castelo como ponto central. Ele chamava atenção para o fato de que, naquela noite, o ator Marcos Pasquim estar na cidade, dando vida a um príncipe, dentro do espetáculo das Cavalhadas, que fazia muito sucesso na época. Depois do jantar, a brincadeira continuava. Me lembro que comecei a brincar de ser a princesa do espetáculo. Cortinas velhas se tornavam meu vestido, e mesmo sem conhecer em nada o roteiro, minha mente fértil tratava de criar um enredo criativo, em que a vassoura se tornava um belo cavalo branco, onde um príncipe montava e me salvava do castelo, localizado estrategicamente em cima da cama da minha vó.

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As pessoas que são de fora de Guarapuava podem não compreender a magnitude do evento, que era considerado um dos maiores do sul do país. Infelizmente, por conta de dívidas e de adversidades políticas, ele deixou de ser realizado, acabando com a possibilidade da cidade entrar definitivamente na rota dos eventos culturais mais importantes do Brasil. No enredo verdadeiro, as Cavalhadas representam a luta entre Cristãos (cavaleiros vestidos de azul) e Mouros (cavaleiros vermelhos), armados de lanças ou espadas, eles disputam o território onde hoje se encontra a Península Ibérica. Foram os portugueses que trouxeram a tradição das Cavalhadas para o Brasil, durante a colonização. Em outras cidades brasileiras, o espetáculo também existe, entretanto,

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em Guarapuava, onde ocorreu pela primeira vez em 1855, de acordo com livros de história da cidade, havia uma maior dramaticidade, ao contrário de outros lugares, em que as Cavalhadas são uma competição de verdade. No evento realizado em Guarapuava, o ponto alto envolve o sequestro da princesa cristã pelos mouros, e as batalhas para salvá-la. Foi por amigos em comum que cheguei até a estudante de Enfermagem Mônica Lehm, de 25 anos, hoje casada e mãe de dois filhos. Ela lem-

bra, com o olhar distante, da época em que participava das Cavalhadas: “Tudo naquele tempo era festa, estava no auge da juventude, adorava participar. A interação com todos os figurantes era incrível. Apesar de ser figurante, todos nós éramos tratados da mesma forma, todos com o mesmo respeito e a mesma importância dentro do espetáculo”, conta ela, com o entusiasmo de quem viveu grandes experiências, e chegava a se atrapalhar com as palavras, tamanha a vontade de falar. Ao conversar com o estudante de Ciências Sociais e professor de Sociologia, Eduardo Bischof, percebi logo de cara, talvez pelas lembranças ou pelas palavras escolhidas, não sei direito, o quanto as Cavalhadas possuem um lugar de destaque entre suas memórias. Ele me contou que participou efetiva-

Assisti minhas primeiras cavalhadas no Parque do CTG em 1999 e desde então me apaixonei por essa história, e mais ainda por ser uma tradição mantida em Guarapuava.


Fotos de Jean Colemonts

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mente do evento de 2004 até 2006, mas que o interesse surgiu cinco anos antes: “Assisti minhas primeiras cavalhadas no Parque do CTG em 1999 e desde então me apaixonei por essa história, e mais ainda por ser uma tradição mantida em Guarapuava. Minha paixão por cavalos também facilitou o fascínio infantil que senti. Eu montava desde pequeno. Depois assisti o espetáculo de novo em 2002, e mais uma vez me apaixonei, mas dessa vez reparei mais na parte artística e me convenci de que na próxima estaria na arena dançando. E foi assim que aconteceu”. A empolgação que movia a cidade nos dias em que ocorriam o evento era notável. Carros e mais carros adesivados, trazendo a meia lua e a cruz, que simbolizavam, respectivamente, os

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mouros e os cristãos. TVs, rádios, jornais, todos os meios de comunicação davam destaque àqueles grandiosos dias. Quem vinha de fora logo percebia o clima diferente que se instaurava no município. A ex-diretora geral do espetáculo, Rita Felchak, diz que a maior gratificação do evento era ver a felicidade do público e também dos atores que participavam: “Ver o orgulho nas pessoas que faziam parte do espetáculo, como atores, organizadores e diretores e também a animação e respeito

da grande plateia era, sem dúvidas, a maior gratificação”. O estudante André Justus fez parte de uma geração das Cavalhadas, que mesmo puxando pela memória, não consegui lembrar, mas que ocorreu no ano de 2006, quando os ensaios foram realizados em Guarapuava, mas a apresentação ocorreu em Curitiba, como parte de outro grande evento. Ele era um dos “loucos da vila” naquele ano, mas contou que o encantamento com as Cavalhadas surgiu ainda na infância, e que a participação em 2006 foi a realização desse sonho infantil. Entretanto, para ele, além da apresentação “pra valer”, o que marcou foram os ensaios: “Eu amava participar do espetáculo, cada ensaio (e foram muitos) era uma experiência diferente.


Foto de Jean Colemonts

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Fiz muitos amigos na época, éramos uma família. Toda semana tínhamos que nos reunir no Lacerda Werneck para ensaiar, fazer as oficinas e trabalhar o nosso personagem, aquilo virou rotina e acabou fazendo parte da nossa vida”. Para Eduardo, a reação que o público, que muitas vezes passou das sete mil pessoas, tinha, ficará para sempre em sua memória: “A maior gratificação era ver o público da arquibancada, da arena, se emocionando, vibrando, entrando num universo criado por muita gente, de figurantes a cavaleiros. O espetáculo envolvia cavaleiros, arqueiros, malabares, pernas-de-pau, era pura arte. Além da riqueza de falas, cenários, músicas, tudo pensado para envolver o público e nos remeter à história da Península Ibérica e das definições étnicas que foram firmadas lá e que vieram a influenciar nossa cultura paranaense. Para mim, fazer parte das Cavalhadas era como me inserir em nossa história, e fazer história em Guarapuava”. Quando o espetáculo deixou de ser realizado, lembro que foi muito comentado, que as dívidas e a falta de patrocinadores causaram a extinção do evento. Entretanto, o assunto ainda causa suspiros nos guarapuavanos que lembram das Cavalhadas com bastante nostalgia. Percebi, enquanto buscava fontes e informações sobre as Cavalhadas, que boa parte dos guarapuavanos sente falta daquele tempo, de toda mobilização que acontecia na cidade. Já surgiram boatos, diversas vezes, de que o espetáculo poderia voltar, mas, até o momento, o que resta é a saudade. Ah, e para quem não presenciou essa época, não poderia perder a oportunidade de dar um spoiler aqui: o final do espetáculo era a parte que deixava o público mais apreensivo, mas a paz vencia! Os mouros se convertiam ao cristianismo e a princesa, a quem tantas vezes dei vida nos espetáculos encenados em meio às brincadeiras, ganhava a liberdade novamente.

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Eu amava participar do espetáculo, cada ensaio (e foram muitos) era uma experiência diferente. Fiz muitos amigos na época, éramos uma família.


Fotos de Jean Colemonts

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Imagem: Daniele Rosa

Nos embalos do santo Quem narra e diagrama: Jean Patrik

Dançar não é somente entretenimento ou um exercício físico, pode ser também uma forma de rezar. 14 bebop


Imagem: Daniele Rosa

“A romaria faz milagre, ela cura, quem mandou a primeira romaria foi São Gonçalo, foi ele que começou. Na sua época não tinha diversão nenhuma, aÍ pra dar diversão para o povo ele inventou essa dança” (Aparício).

Duas filas, uma de homens outra de mulheres, ao som do violão, dançam em frente às imagens dos santos, Nossa Senhora Aparecida e de São Gonçalo. Os violeiros vão à frente das filas, todos se embalam ao ritmo da cantoria, dois passos pra lá, dois passos pra cá. Chegam diante da imagem, fazem uma reverência, mandam beijo para o santo e trocam de lado, novamente a reverência, o beijo, e voltam ao final da fila, mas sem dar as costas ao santo. As vortiadas (como é chamada a dança) se estendem por mais de 40 minutos e, depois de um intervalo, repetese por mais duas vezes. Começa as duas horas e vai até às cinco da tarde. Visitantes, curiosos e devotos acompanham atentamente cada gesto da liturgia coreografada. E assim ocorre a típica dança de São Gonçalo na comunidade rural de Barreiros, localizada há 50 km da área urbana de Pinhão, Paraná. Umas das devotas do santo é Zenóbia Litka dos Santos, 62 anos, ela realiza a dança há 20 anos juntamente com seu esposo, Antônio Pereira dos Santos. Eles começaram a organizar a oração após alcançarem uma bebop

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graça, atribuída por eles ao santo, Antônio sofria de com várias doenças e com a promessa foi curado. Como desde a primeira vez a participação foi boa, e muitas pessoas testemunharam milagres, o casal resolveu promover todos os anos. “A promessa do meu marido era para apenas um ano, mas como o pessoal foi pedindo e pedindo, e vinha gente de toda parte, até de Guarapuava, nós continuamos fazendo. Se Deus quiser, para esse ano faremos novamente”. Outro dos devotos é Aparício Imagem: Daniele Rosa

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Ferreira do Nascimento, de 73 anos, que já repetiu esse ritual tantas vezes que até já perdeu as contas. “Faço isso desde os 20, houve anos que fiz até três vezes, sempre sou convidado para organizar as danças em vários lugares”. Todo orgulhoso, ele conta que já foi até outras cidades para ensinar as músicas e a dança. Aparício é natural dessa mesma comunidade, entretanto está há três anos na cidade, mas não se esqueceu das cantorias, devoções e danças que promovia no interior.


Ele é um dos mais antigos romeiros de Pinhão, explica que o romeiro é aquele que puxa as cantorias e toca violão, auxiliado por um segundo violeiro, chamado de ajudante. A primeira vez que participou, quando ainda era jovem, foi pego de surpresa, porque faltou um dos cantores. O romeiro o pressionou para que cantasse algumas palavras e todos gostaram, por fim acabou se obrigando a terminar o verso. Desde então, não parou mais de prestar a homenagem ao santo.

“A romaria faz milagre, ela cura. Quem mandou a primeira romaria foi São Gonçalo, foi ele que começou. Na sua época não tinha diversão nenhuma, aí pra dar diversão para o povo ele inventou essa dança”. Zenóbia conta que aprendeu que Gonçalo era um padre e que para tirar as mulheres da prostituição ele dançava a noite toda com elas, no outro dia estavam cansadas e não se prostituíam, nessas danças algumas até achavam marido e casavam.

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“Os devotos geralmente dançam para pagar promessas, ninguém dança de varde” (Zenóbia) 18 bebop

Zenóbia recorda que desde criança acompanhava os adultos na oração, que naquela época eram feitas durante a noite. “Eles passavam a noite toda dançando, até terminar as sete vortiadas”. Atualmente, a dança é feita durante a tarde, após um almoço promovido pela comunidade. “Os devotos geralmente dançam para pagar promessas, ninguém dança de varde, inclusive as pessoas tem muito respeito, sempre enche a igreja e todos acompanham em silêncio”. Emília Conceição Ferreira do Nascimento, 68 anos, conta que as pessoas fazem promessas ao santo para se curarem de dor na perna ou no braço, “se tiver muita fé a pessoa alcança a graça”. Ela ainda complementa que antigamente essas devoções eram mais comuns porque os padres não iam a todas as comunidades, e o povo mesmo coordenava e organizava a oração. “O primeiro padre que eu vi na minha vida eu já era jovem, nunca tinha visto antes”, declara a esposa de Aparício. O dia oficial do santo violeiro é 10 de janeiro, mas no Barreiro é celebrada em novembro,


Imagem: Daniele Rosa

junto com a padroeira, Nossa Senhora das Graças. Zenóbia ainda conta que a participação é sempre muito grande. “A última vez que fizemos [2013], a frente da Igreja ficou tomada de carros. Devia ter umas mil pessoas, compramos 600 pratos descartáveis, e todos foram usados, além das pessoas que comeram sem prato”. Aparício lamenta que a fé já não seja a mesma de antes. “As coisas mudaram muito, os jovens já não respeitam, os homens quase não participam, mais são as mulheres, pode reparar nas missas, os homens não tão nem

aí”. Apesar disso, Zenóbia acredita que a tradição não vai terminar tão cedo, pois os jovens estão continuando a devoção, quase todos os seus filhos são violeiros. “Todos os meus piás tocam, o Elvino, Josdemar, só o Reginaldo que não, mas ele canta junto, o Ariel também toca”, conta a mãe alegremente. Questionada sobre a dança como forma para rezar ela argumenta fervorosamente: “Eu acho que não tem nada de mais, pois até a Bíblia diz: louvai a Deus com danças e cantos, inclusive, uma vez um padre participou e ficou emocionado com a dança”.

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A Maravilhosa teia de caçar sonhos Quem narra e fotográfa: Elis Oliveira Arte de Viviane Klüber Certa vez, ao andar pela Rua XV de Novembro, no centro de Guarapuava, deparei-me com um rapaz que tecia algo em um arco. Cuidadosamente, aquele emaranhado de linhas tornava-se uma enigmática teia, semelhante com aquela que a aranha constrói. Curiosa, perguntei o que ele estava fazendo e ele respondeu que era um filtro dos sonhos. Mesmo não sabendo muito bem o que era, fiquei encantada, mas na naquela ocasião acabei não indo além nas perguntas e não descobri o que significava. Passou um tempo, um amigo voltou de uma viagem pelo norte do país e me trouxe um presente. Ao me entregar ele disse: “trouxe isso porque um hippie disse que espantaria seus pesadelos”. Ao abrir, eu vi que era um lindo e colorido arco, com penas de coruja. Foi alí que meu interesse por filtros de sonhos ficou ainda maior. Muitas pessoas gostam desse artefato como simples objeto de decoração ou como um amuleto. No entanto, há aquelas pessoas que gostam tanto e que atribuem tantos significados pessoais para o filtro, que dedicam seu tempo para confeccionar o seu, ou ensinar outras pessoas a fazerem seu próprio apanhador.

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A noite vagueiam sonhos bons e ruins Cada pessoa atribui ao filtro dos sonhos algo que esta intimamente ligado ao seu ser. A jovem estudante Viviane Klüber é uma dessas pessoas que vê nos filtros, os quais ela mesma confecciona, não só um objeto de decoração, mas também um purificador de ambiente. A carismática jovem, numa manhã ensolarada, conversou comigo. Foi uma entrevista descontraída em que, além de trazer seus mais belos filtros, demostrou como ela os confecciona. É bastante perceptivel o amor e a grande admiração dela por essa arte: a de criar teias para caçar sonhos. Dentre tantos significados, pedi para ela me contar a lenda da Aranha, que deu origem ao filtro dos sonhos. “Os antigos nativos acreditavam que a grande aranha Iktomi teceu uma teia em cipós e entregou-a a um velho índio, explicando-lhe que a teia representa o ciclo da vida e que a noite vagueiam sonhos bons e ruins. Então, é preciso pendurar o filtro em cima da cama para que ele consiga capturar os sonhos enquanto ainda estão no ar. Os bons sonhos sabem o caminho e deslizam suavemente pelas penas até alcançar quem está dormindo. Já os ruins ficam presos no círculo até o nascer do sol, e se dissipam com as primeiras luzes do novo dia”, conta Viviane

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Viviane fez seu primeiro filtro quando tinha 15 anos, em 2007. Ela não conhecia muito bem a história desse objeto de poder e por isso deixou eles de lado por um tempo, até que em 2011, ao descobrir os significados, voltou a confeccioná-los. Perguntei a ela: qual a sua relação com filtros dos sonhos? “Minha relação com os filtros começou com hippies que me ensinaram a fazê-lo. Me ensinaram a respeitar a natureza e pedir licença para cada árvore de que pego o cipó. Foram eles que me contaram que a teia segura os sonhos ruins e deixa os bons. Acho bonita a sabedoria que eles passam para nós, pois algumas pessoas quando passam na rua e veem algum hippie já fazem um pré-julgamento, sem saber que fazem seu artesanato por opção, pra serem livres, como no filme Into the wild... Esse é o trabalho deles, o ganha-pão”.

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Teias da paz

“Preciso ter grande concentração de energia para fazê-lo. é preciso estar em harmonia, corpo e mente. Isso Tanto para fazer um filtro como para observar cada detalhe dele. é quase uma meditação, uma introspecção detalhada em cada fio, tecido”. 24 bebop


Filtros dos sonhos para purificação de pesadelos e decoração de ambientes Sobre as cores que ela escolhe para seus trabalhos, disse que gosta muito quando pedem para fazer do jeito dela, ou seja, ela percebe o astral da pessoa e tenta fazer com o que lhe parece. “Também varia com meu estado de espírito. Quando estou contente saem mais coloridos, já quando estou mais introspectiva, faço com tons de terra, bege, preto... Se for pra presente, procuro fazer o mais bonito possível, demonstrando meu afeto nos detalhes”, comenta Viviane.

saiba mais sobre o trabalho da Viviane na fan page https://www.facebook. com/filtrosdavivi?fref=ts ou entre em contato pelo email vivianekluber@ hotmail.com

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Árvore dos

Sonhos

O contato com o Grande espírito Artesanato de Emanuelle Oliveira Emanuelle Oliveira há dois anos faz filtros dos sonhos. Para ela é um hobby, é um artesanato no qual gosta de investir seu tempo. Começou a fazer com cipó, que é o mais natural, que faz um círculo sozinho e não quebra. Percebi ao longo da conversa com ela que sua relação com os filtros vai muito além de um simples hobby. “Minha relação com os filtros dos sonhos está ligado ao fato de me sentir em contato comigo mesma. É como um processo de autoconhecimento, um momento em que eu esqueço do mundo lá fora e me conecto com algo maior também”.

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Emanuelle me contou que quando pesquisou sobre o filtro dos sonhos e percebeu que estava ligado com o povo indígena norte-americano, passou a gostar mais ainda e começou a fazê-los. “Eu me identifico com algumas crenças desse povo, como o contato com a natureza, com os animais, plantas, com o Grande Espírito, com suas músicas, o som do tambor...”. Para começar a escrever sobre a Emanuelle usei o título: Árvore dos Sonhos, por que quero contar nessa matéria algo bem interessante sobre ela e sobre os filtros que ela produz. Aliás, ela mesma nos contará: “Eu e meu namorado, Valde Foss, estávamos no lago sentados na grama conversando e fazendo filtros dos sonhos e foram surgindo ideias de fazermos os filtros e mostrar para as pessoas. Assim foi indo até que decidimos realizar uma oficina de produção de filtros gratuita e aproveitar para vender nossos artesanatos. No mesmo dia postamos a ideia no Facebook e várias pessoas vieram conversar com a gente interessadas. A partir dessa ideia tivemos outra, que é a Árvore dos Sonhos. Nós começamos a pendurar os filtros que estavam à venda numa árvore e ela começou a chamar muita atenção, fora o fato de que possue uma relação com a natureza”.

“Nosso objetivo com a oficina e com a árvore dos sonhos foi propiciar um espaço no qual as pessoas tivessem um lazer diferente do que estão acostumadas e, assim, também, conhecer novas pessoas, ‘oxigenar a cuca’ [risos], trocando e desenvolvendo novas ideias, novas formas de pensar sobre si mesmo e sosbre a vida”.

saiba mais sobre o artesanato de filtros de sonhos e como fazer o seu com a Emanuelle ou com o Valde. Eles estão nas redes sociais: https://www.facebook.com/emanuelle.mariaidaoliveira?fref=ts e https://www.facebook.com/valdevinofossfilho1?fref=ts

Bons sonhos!

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Por JĂŠssica Lange

capas de discos


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CLASSICS

SURPERVISED BY JORNAL BEBOP

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ventura los hermanos

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ROLLING STONES VOODOO LOUNGE

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PEARL JAM

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RITA LEE

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bebop Tรก nervoso?

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Jornal narrativo

Vai andar!

Quem narra: Karin Milla Detlinger

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Salto São Francisco

Ponto de chegada

Cemitério das crianças indígenas

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SanduÍches e bolo para repor as energias na estação 4

Artesanatos feitos pelos moradores Alongamento antes do início da jornada

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Ponte Arroio de Santa Cruz

Lageado das Pombas

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Arroio de Santa Cruz Início do circuito Igreja ucraniana de São Francisco

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2º Carimbo e pinhão para degustar 1ª parada: carimbo e chimarrão


Caminhar faz bem a saúde física, mental e espiritual. Pude comprovar isso no dia 22 de junho. Li uma chamada no Facebook sobre a 2ª caminhada na natureza de Guarapuava. Estava mesmo disposta a investir mais em minha saúde. Esta me parecia uma ótima oportunidade. Quando vi o mapa do trajeto pensei comigo; será que conseguirei completar os 14km? Mas as belezas naturais dos pequenos caminhos por entre a mata rumo ao Salto São Francisco e a companhia agradável me fizeram chegar lá. Antes de fazer minha inscrição para o evento, pesquisei na internet sobre os objetivos da caminhada. Descobri que se tratava de uma atividade internacional voltada aos esportes populares. Decidi então procurar a prefeitura, já que, ela estava envolvida na organização. Procurei o diretor do departamento de Turismo, Marcio de Sequeira, que prontamente se dispôs a me conceder entrevista a respeito. Descobri que a caminhada faz parte do programa internacional coordenado pela IVV - Internationaler Volksportverband - Federação Internacional de Esportes Populares. A IVV é uma entidade não-governamental que foi registrada em Munique em 1972 e integra em todo o mundo mais de 16 milhões de caminhantes. O objetivo não é competir e sim desfrutar das belezas naturais da

região por onde passa o percurso. No Brasil, o representante do projeto é o Anda Brasil, ONG criada em 2006 que reúne mais de 106 circuitos no país. Em Guarapuava, quem responde pelo projeto é a Emater - Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão rural. É ela quem credencia os trajetos e fiscaliza a sua implantação. A tradição dessas caminhadas remonta há quase 70 anos e começou na França. Durante a Segunda Guerra Mundial, uma das estratégias para enfraquecer o adversário era destruir a sua fonte de alimento. Campos, galpões, maquinários e estradas eram bombardeadas dificultando o fornecimento de provisões às grandes cidades. No intuito de reerguer esta economia básica, os franceses começaram a organizar caminhadas, incentivando as pessoas da zona urbana a conhecer e consumir

os produtos produzidos nas propriedades rurais. Desta forma, além de promover condicionamento físico, bem estar e lazer, as caminhadas incentivavam o consumo local e o turismo nas propriedades, gerando renda. “Ao mesmo tempo em que as pessoas passeavam, consumiam os produtos, direto do campo”, diz Marcio. Com este mesmo objetivo, um grupo de moradores, apoiados pela secretaria municipal da Agricultura, iniciou em 2008 a aprovação e implantação do primeiro circuito da região. A certificação demorou um pouco, mas, no dia 24 de novembro de 2013, a comunidade do Vale do Jordão inaugurou o primeiro circuito em Guarapuava iniciando as caminhadas na região.

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Foi um sucesso! Cerca de 1.100 pessoas de Guarapuava e de várias regiões do Brasil, e até mesmo do exterior, participaram. Os esportes populares organizados pela IVV estão espalhados em mais de 40 países. É possível acompanhar os locais de caminhada através de um calendário divulgado no site da instituição. Quem deve sugerir um novo circuito é a Associação dos Moradores e Produtores Rurais. Esta será apoiada pela prefeitura e incentivada pela Emater. Para que o trajeto seja implantado a associação precisa ter CNPJ próprio. Em seguida é feita a vistoria e avaliação da viabilidade. São analisados: facilidade de acesso, dificuldade de trajeto, belezas naturais, cultura, riscos, ruralidade, além de disponibilidade de produtos. A partir do momento da aprovação, o circuito é certificado pelo Anda Brasil, que por sua vez o encaminha para a associação IVV, que dará um número definitivo ao circuito. O trajeto do Salto São Francisco é o segundo implantado em Guarapuava e foi certificado com o número 1192. Cerca de 600 participantes inauguraram esta rota no dia 22 de junho. Saímos da igreja ucraniana São Francisco e percorremos uma distância de 14 km, em meio à natureza, até o Salto São Francisco. A partir das 7h da

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“O IVV promove esportes em mais de 40 países”


“Caminhar ajuda na autoestima”

manhã os participantes receberam um crachá de identificação e em seguida, quem quis, pode tomar o café da manhã, servido com produtos regionais. Maria Eli, moradora da comunidade e uma das coordenadoras, disse estar satisfeita com o público. “Estou achando excelente, pretendemos repetir todos os anos”, comenta ela. Antes de iniciarem a caminhada, todos foram convidados a fazer alongamento. A prefeitura e a Emater costumam ajudar na primeira edição de cada circuito, orientando e apoiando os moradores na organização do evento. Antes de partirmos a professora de educação física da secretaria de Recreação e Esportes da prefeitura, Luiza Cezar, comentou que “a caminhada envolve vários fatores que em conjunto auxiliam na qualidade de vida, melhoram a autoestima, a circulação, o condicionamento físico e respiratório além de combater a depressão. Como esta é uma caminhada em grupo, a parte social é estimulada, já que você vai conversando e se integrando com outras pessoas”. Ao longo do percurso foram distribuídos cinco pontos de apoio que forneciam água e eventuais socorros aos participantes. Em alguns deles havia também possibilidade de fazer pequenos lanches, como provar os bolos regionais, comer

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pinhão cozido, degustar um chimarrão ou apreciar os artesanatos locais. “Na terceira parada provamos um delicioso bolo”, disse Rosangela Rietmann, uma das caminhantes de primeira viagem. “Assim conseguimos repor as energias e continuar”, completou ela sorrindo. Em cada estação um dos organizadores carimbava o crachá do participante. Cinco carimbos diferentes significam trajeto completado com êxito. Fiquei muito feliz ao ter todos eles em meu crachá. Isso me incentivou a querer participar de outros, pois a IVV envia, como forma de reconhecimento e incentivo, um broche para quem participa de dez caminhadas diferentes. Hilde Abt já está na oitava caminhada e conta que gosta de fazer sempre um circuito novo. “Não gosto de repetir”, diz Hilde. “Sempre tem alguma coisa interessante para ver. Al-

Marcio Sequeira satisfeito com o resultado da caminhada

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Mesmo a lama não atrapalhou a caminhada

guns trechos têm muita mata, outros cachoeiras. É sempre uma surpresa”, completou a veterana. A comunidade que têm seu trajeto certificado é responsável por toda a organização do evento, desde a sinalização e segurança, até as refeições dos participantes. Este circuito é repetido uma vez ao ano, sempre na mesma época. “De um ano para o outro pode haver pequenas alterações, como inclusão de uma propriedade ou pequeno desvio, porém, nada muito drástico”, comenta Marcio. Durante a caminhada há placas que indicam a direção. A cor das setas referencia o grau de dificuldade do trajeto. Quem participou do passeio foi surpreendido com textos espalhados ao longo do trecho, falando sobre a mata e seus habitantes, um cemitério de bebês indígenas, além de desfrutar da exuberância da floresta ombrófila mista que compõem o entorno do circuito.

O sargento Nilson Mauricio Ramos pratica várias atividades esportivas na natureza. Ele conta que além das caminhadas, faz trilhas de bicicleta e que também já fez de moto. “Estas atividades ajudam no meu condicionamento físico”, comenta ele.

Os Colombianos Mercedes Romero e Javier H. Leguizamon R.


Caminhar faz bem a saúde diz Ramos

Já no final do percurso, enquanto esperava para fotografar o nosso prêmio maior, o maravilhoso Salto São Francisco com 196m de queda livre, descobri dois caminhantes da Colômbia, Mercedes Romero e seu filho Javier H. Leguizamon Romero. Segundo eles, esta foi a primeira vez que participaram de uma caminhada no Brasil. Ela disse ter gostado de Maria Inez Kalizak fez inúmerAs guloseimas

tudo. “Belíssima! Una hermosa ciudad, con un clima muy agradable. La gente es muy hospitalaria”. Ao final da caminhada, os participantes tiveram a oportunidade de apreciar a feirinha montada pela comunidade local, nos arredores das tendas onde foi servido o almoço. Lá foi possível comprar os mais variados tipos de produtos produzidos pelos artesãos e produtores da região. Embutidos, queijos, geléias, doces, pães, biscoitos e artesanatos. Segundo Marcio, tudo dentro das normas de certificação. A aprovação do circuito também depende da qualidade dos produtos que a comunidade pretende vender. Por isso, uma das preocupações é justamente oferecer bons produtos aos visitantes. Patrícia Souza de Lima é uma das integrantes da comunidade do circuito Salto São Francisco. Ela me disse que acha interessante a caminhada “porque mostra que o meio rural também tem qualidade”. Maria Inez Kalizak produz biscoitos e doces variados. Ela disse estar feliz com o evento porque atrai os turistas. “Daqui para frente pretendemos ter um ponto fixo de venda”, comenta. Aliando esporte popular e turismo rural, Guarapuava já pensa em ampliar o número de rotas. Além de Vale do Jordão e Salto São Francisco, Marcio de Sequeira trabalha na ampliação e divulgação do projeto para várias comunidades. Gabiroba e Entre Rios são fortes candidatas para os próximos circuitos.

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