Jornal Ágora 2011 - Edição 02

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my precious

COLECIONADOR DE PAIXÕES P. 10

Guarapuava - mai/2011 - Ed. 02 - Ano 01.

Ágora


Quatro folhas

my precious

Guarapuava - mai/2011 - Ed. 02 - Ano 01.

editorial Gente como a gente

COLECIONADOR DE PAIXÕES P. 10

Imagem: Carolina Teles

Expediente

O Jornal Ágora 2011 traz assuntos do cotidiano do cidadão de Guarapuava pensados a partir de uma frase. Nesta edição, as matérias têm por inspiração frases famosas da TV e do cinema.

Reitor Prof. Vitor Hugo Zanette Vice-Reitor Prof. Aldo Nelson Bona Diretor do Campus Santa Cruz Prof. Osmar Ambrósio de Souza Vice-direção de Campus Prof. Darlan Faccin Weide Diretor do Sehla (Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes) Prof. Carlos Eduardo Schipanski Vice-diretora do Sehla Prof(a). Maria Ap. Crissi Knüppel Dpto. de Comunicação Social Coord. Prof. Edgard Melech

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A luz se apaga, fica o frio na barriga e a expectativa de saber o que vai acontecer em mais uma trama que se inicia. Com essa sensação de cinema, começamos a segunda edição do novo Ágora. A produção de um jornal laboratório nos permite experimentar formas diferentes de produção e nos dá experiência com um produto real que circulará pela cidade de Guarapuava. Nesta edição, continuamos a buscar inspiração para nossas pautas em frases do cinema e da TV. Essas frases, famosas ou nem tanto, nos orientaram nas reportagens. São frases que vão de Matrix a Jogos Mortais, de Harry Potter a Star Wars, tudo isso transformado em conteúdo diversificado e multicultural voltado para você guarapuavano. “Meu precioso” é o tema da matéria de capa desta edição. A frase é dita diversas vezes pelo personagem Gollum (Sméagol), na trilogia O Senhor dos Anéis, para retratar a fixação que o personagem tem pelo anel. Transformamos

essa frase em uma matéria sobre pessoas que colecionam os mais diversos objetos e os tratam como suas preciosidades. Também há frases em que saímos do contexto original, como “Eu vejo gente morta”, dita pelo menino Cole Sea no filme O Sexto Sentido. No filme, Cole vê espíritos de pessoas que já morreram. O personagem de nossa reportagem não vê espíritos, mas convive com a morte diariamente. Ainda nesta edição, histórias de crianças que crescem sem a presença do pai, de pessoas que sofrem de Alzheimer, e de detentos que buscam a ressocialização. Além disso, histórias inusitadas daqueles que creditam sua sorte e azar a amuletos, o vício em jogos ilegais, pessoas que buscam experiências de vida no exterior, inadimplência e a importância da colher (sim, da colher). É a vida cotidiana do cidadão guarapuavanos retratada nas páginas de mais uma edição do Ágora. Pegue a pipoca, sente na poltrona e boa leitura.

Professor Responsável e Chefe de Redação Prof. Anderson Costa

Tiragem: 750 exemplares Impressão: Gráfica Unicentro

Editora-Chefe da Edição 02 Carolina Teles Assistente de Redação e Revisora Catiana Calixto Direção de Arte e Diagramação Anderson Costa Redação: Adriano Vizentin, Aline Bortoluzzi, Andréa Alves, Anita Hoffmann, Camila Souza, Camila Syperreck, Carolina Teles, Catiana Calixto, Eliane Pazuch, Evane Cecilio, Jeferson Luis dos Santos, Júlio Stanczyk, Keissy Carvelli, Leandro Povinelli, Luiz Carlos Knüppel Jr., Marcos Przygocki, Mariana Rudek, Monique Paludo, Morgana Nunes, Patricia Tagliaferro.

Contato (42) 3621-1325 e (42) 3621-1088 E-mail: agoraunicentro@gmail.com Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro. O Jornal Laboratório Ágora é desenvolvido pelos acadêmicos do 4º ano de Jornalismo da Unicentro.

Ágora2011

Quando a sorte

Ágora

Ágora

Foto: Júlio Stanczyk

Guarapuava mai/2011 Edição 02 Ano 01

não está ao seu lado Confira histórias de sucessos e fracassos épicos em que a ferradura e o trevo de quatro folhas não são coadjuvantes.

Matéria: Júlio Stanczyk Ferradura, pés de coelho, trevo de quatro folhas ou figa. Quando falamos em amuletos quase todas às vezes a imagem de algum destes objetos é a primeira coisa que nos vem a cabeça. No entanto, a verdade é que existem muitos outros objetos usados no dia-a-dia como amuletos, seja uma moeda guardada na carteira ou uma medalhinha. Histórias sobre o assunto são encontradas em todas as famílias, grupos de amigos, etc. Mas a verdade é que algumas das histórias sobre esses objetos místicos não fazem jus exata-

mente a sua fama e, assim como não faltam histórias de sucesso atribuídas aos amuletos, sobram momentos em que eles são vistos como vilões. Nessa reportagem, a equipe do Ágora reuniu algumas dessas histórias sobre sucessos e fracassos épicos dos nossos queridos amuletos. O caso da ferradura Não é exatamente como aquelas marcas de ferradura que ficam impressas no corpo dos personagens de desenhos animado, mas Luis Fernando Algaci já teve sua dose de má sorte com esse objeto místico. “Es-

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DNA

mãe, quem é meu pai?

“O engraçado é que o cavalo me atingiu com a única pata que já estava com a ferradura, se isso não é falta de sorte, eu não sei o que é”

tava ajudando meu pai a ferrar os cavalos quando isso aconteceu”, comentou. Luis Fernando, que tinha 12 anos na época, foi atingido de raspão por um coice na coxa esquerda, nada grave, mas desde então teve a certeza de que não deveria confiar em ferraduras. “O engraçado é que o cavalo me atingiu com a única pata que estava com a ferradura, se isso não é falta de sorte, eu não sei o que é”.

ido tão bem”. A moeda ficou o tempo todo sobre as suas fichas, mas logo após o torneio, Antonio Carlos derrubou a moeda embaixo do banco do próprio carro. “Só tirando o banco para conseguir tirar de lá. Preferi deixar quieto, talvez isso fizesse parte da sorte também. A verdade é que depois daquilo nunca mais bati o carro”. Os amigos confirmam, ele nunca foi um grande motorista.

O caso do pôquer

O caso do trevo de quatro folhas

Não faltam histórias de amuletos entre jogadores de cartas. Embora os jogos mais populares, como pôquer ou truco, sejam uma mescla de sorte e habilidade, é consenso entre os jogadores que os amuletos são sempre bem vindos nesse meio. “Conheço gente que deixa uma ficha do cassino Caesar Pallace, de Las Vegas, sobre as fichas de jogo. Um dia ainda vou ter uma dessa”, conta Antônio Carlos Neto, jogador amador de pôquer, e que também já teve seu próprio amuleto: uma moeda argentina de 1 peso trazida de terras platinas por um amigo. “Usei este amuleto em apenas um torneio que eu disputei. Jogamos três mesas naquele dia, eu ganhei duas e fiquei em segundo na última, nunca tinha

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A consultora de empresas Sandra Beatriz, sabe bem o que é ter uma experiência diferente com algum amuleto. “A lenda diz que se alguém acha apenas um trevo de quatro folhas terá sorte eterna”, diz ela. A verdade é que, ao menos para o jardim dela a história é um pouco diferente. “Comprei uma revista de decoração de casas e junto com ela estava encartado um pacotinho com sementes de trevo”. Assim que abriu a revista, Sandra não pensou duas vezes e, conforme as instruções, colocou as sementes no canto do jardim próximo ao muro. “No começo não

foi muito interessante, demorou uns dez dias para nascer alguma coisa. Quando eu já havia esquecido, cresceu um trevo de quatro folhas bem grande, do tamanho de uma rosa, diferente daqueles trevinhos mais comuns”. Sandra cuidou dele rigorosamente nos primeiros dias, como indicada na embalagem das sementes, pois achou que não durariam muito, mas para a surpresa dela outros trevos parecidos com o primeiro começaram a surgir ao redor e, aos poucos, tomaram um espaço cada vez maior do jardim. “A grama ainda não estava muito bonita, também não fazia muito tempo que eu a havia plantado, mas onde os trevos estavam a grama ficava cada vez mais a m a rela e

feia, isso me deixou bastante irritada”. Sandra arrancou imediatamente os trevos do jardim, mas era tarde demais, os trevos já haviam virado uma praga e continuavam crescendo, arruinando o jardim durante mais alguns dias. “Tive que passar veneno para me livrar deles. Ao menos para o jardim aquilo não me pareceu muita sorte”. O caso do meião No futebol, entre jogadores e torcedores é fácil encontrar quem tenha algum tipo de amuleto. Michel Pimpão, que já jogou profissionalmente, diz ter conhecido um amigo que sempre jogava com o mesmo meião e que não podia ser lavado em hipótese alguma. “É verdade que incomodava um pouco os colegas de time, mas se servia para dar sorte para ele, valia também. Acho que fé é a palavra mais certa, se uma pessoa crê que aquele objeto traz sorte e faz bem pra ela é o que vale”. Ou seja, místicos ou não, talvez o maior poder dos amuletos seja fazer você responder positivamente a pergunta: Eu me sinto com sorte?

Crianças que crescem sem a presença do pai são cada vez mais freqüentes no Brasil Matéria: Camila Souza

A pergunta, tão temida por algumas mães, vem se tornando cada vez mais comum ao redor do globo. Mulheres solteiras criam seus filhos sem pai, crianças crescem sem ter a figura paterna ou, em casos mais extremos, sem ter uma figura masculina em suas vidas. De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2002 e 2003, cerca de um milhão de mulheres entre 16 e 24 anos deram à luz a seus filhos com pais desconhecidos. Essas famílias já são usuais em tempos modernos. Mas até que ponto os filhos precisam da figura masculina em seu crescimento? De acordo com a doutora Monica Barbosa, do departamento de Psicologia da Faculdade Guairacá, o papel do pai é fundamental. “Temos que considerar a fase em que a presença da figura masculina é importante, assim como a feminina”. Entretanto, é possível que a própria mãe forneça sozinha todos os elementos necessários à educação da criança. O grande problema, de acordo com a psicóloga, é quando a criança não sabe toda a verdade. “Tudo depende do que foi dito à criança e também do que foi omitido dela. O importante é que a criança saiba sobre a sua história e isso garantirá que ela possa construir um lugar subjetivo para essa figura ausente”. O professor Marcos*, de 24 anos, cresceu sem ter contato com o pai. Sua mãe o registrou, mas

ele foi adotado pelos avós maternos. Segundo ele, saber a verdade desde pequeno foi muito importante. “Desde sempre tudo foi feito muito às claras, meus avós nunca esconderam nada de mim. Penso que isso ajudou muito na maneira como eu lido com as coisas hoje”. Mas “lidar com as coisas”, como se referiu Marcos, não é uma tarefa simples. É um processo longo, ainda mais quando falamos de uma criança. A psicóloga Monica afirma que faz parte do instinto natural do ser humano ter o desejo de conhecer suas próprias origens. Marcos lembra que na infância teve interesse em conhecer o pai. “Até tentamos, com minha mãe, mas quando vimos que não ia dar certo eu pensei - se esse cara não quer saber de mim, por que é que eu deveria ter que saber dele?”. Marcos conta que, mesmo sabendo de tudo, não conseguia escapar dos velhos clichês. “O dia dos pais na escola era meio barra. Não que eu não tivesse a quem fazer os presentinhos para entregar, porque tinha meu avô, a quem sempre considerei como meu pai, mas acontecia de eu ficar me perguntando por que comigo as coisas tinham que ser diferentes”. A psicóloga Monica explica que esse sofrimento é normal. “Sofrer não é doença, chorar não é doença e nem causa conseqüências”. Ela insiste em mostrar que o grande problema são os não ditos. “Esses

sim causam problemas”. De acordo com Monica, alguns autores da psicologia chamam essa omissão de “sequestro da história”. “Como nos sentiríamos se alguém soubesse algo a nosso respeito, que fossemos os únicos a ignorar? Isso causa angústia, incerteza e, é claro, a sensação de estar desamparado”.

DNA Compatível Muitas mães ainda resolvem buscar a presença do pai para ter apoio financeiro. Para isso, têm que recorrer à Justiça e ao famoso teste de DNA. O farmacêutico bioquímico Rui Xavier, responsável pela coleta de material para análise genética em uma das clínicas de Guarapuava, conta que o número de exames vem crescendo nos últimos anos. “Até quem não tem condições pode apelar na Justiça e receber o teste gratuitamente”. Rui explica que na maioria dos casos, cerca de 90%, os exames são realizados por ordem judicial e apenas uma pequena minoria são testes feitos por espontânea vontade dos pais. “Os pais só procuram o exame quando desconfiam da paternidade e querem tirar o seu nome do registro da criança”, conta Rui, dizendo ainda que em cerca de 70% dos casos a mãe não se engana ao afirmar quem é o pai. *O nome foi alterado para preservar a identidade das fonte.

“Do I fell lucky?” “Me sinto com sorte?”

“Luke, I am your father” “Luke, eu sou seu pai”

Dita por Harry Callahan (Clint Eastwood), em Perseguidor Implacável (Dirty Harry), de 1971.

Frase dita pelo personagem Darth Vader (David Prowse) para Luke Skywalker (Mark Hamill) no filme Star Wars - Episódio V O Império Contra-Ataca, de 1980.

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Foto: Marcos Przygocki

Passaporte e bagagem

“Faria de

Danielli em visita a Nova York

novo, mas em outro

país. O

mundo

é muito

Foto: Arquivo pessoal

Hasta la vista, baby! Matéria: Catiana Calixto

É 23h20, horário de Brasília. 19h20 em Los Angeles, Estados Unidos, onde se encontra Jeniffer Rickli, estudante brasileira que está fazendo intercâmbio. Essa é, ou será, a realidade de muitos jovens ao redor do planeta. Viver por um tempo em um país estrangeiro não é mais algo tão distante e impossível nos dias de hoje. Com a economia mundial relativamente estável e com a vasta lista de pacotes e programas de intercâmbio cultural disponíveis no Brasil e no mundo é possível transformar esse sonho em realidade.

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A estudante guarapuavana Danielli Pontarollo voltou recentemente dos EUA, ela estava participando do programa chamado Work Experience (Experiência de Trabalho), em que jovens universitários vão trabalhar por um tempo em outro país. Danielli estava há três meses na cidade de Great Barrington, no estado de Massachusetts, e trabalhou em uma estação de esqui. “Eu queria conhecer os EUA, participar da cultura americana, e claro, aprimorar meu inglês”. De Los Angeles, Jeniffer contou ao Ágora que trabalhou durante quase três meses em uma loja especializada em Port Aransas, uma ilha no sul do estado do Texas. Agora, depois de concluído o

Intercâmbio cultural é aprendizado, Trabalho, experiência, adaptação, turismo e saudade. quem Fez garante que cada minuto vale a pena.

período de trabalho, viaja pelo país com o dinheiro que economizou do salário que recebeu por lá. “Era a melhor opção para praticar a língua e ficar bastante tempo sem gastar tanto dinheiro. Escolhi os Estados Unidos porque era o único país que dava a opção de trabalhar e viajar depois”. Ela passou por Las Vegas e em alguns dias embarca para Nova York, antes de retornar ao Brasil. A experiência tem tudo para ser inesquecível, mas quem vai admite que além de compartilhar culturas (e aprender a conviver com diferenças), o intercâmbio é uma lição de vida. “Uma das maiores dificuldades foi conviver com 12 pessoas diferentes na mesma casa. E outra foi o trabalho, sem

dúvida! Os americanos são muito práticos”, admitiu Danielli. Para Jeniffer, a lição que se aprende em uma experiência como essa é sempre positiva, mesmo que as coisas não dêem tão certo. “A gente cresce muito fazendo esse tipo de coisa”. Embora admita que não vê a hora de voltar ao Brasil e rever a família e os amigos. Para Danielli, a volta foi boa por um lado, mas triste por outro. “Até hoje não achei uma palavra que descrevesse o que eu senti quando saí dos EUA. Estava feliz por rever meus amigos e família, mas triste por ter que deixar o país de primeiro mundo, onde tudo é novo e diferente pra você. Foi triste ter que voltar pra realidade e ainda reaprender a morar com os pais”.

Europa Sul-Americana A sensação que a Jeniffer e a Danielli sentiram em relação aos EUA é a mesma que a polonesa Magda Welcer sente em relação ao Brasil. Ela está no país desde agosto do ano passado e fica até julho deste ano e conta que percebeu muitas diferenças em relação a Polônia. “Os brasileiros são muito abertos, adoram conversar. No começo ninguém se importava se eu não entendia nada, todo mundo quis me contar sobre suas vidas. Aqui todos se beijam e se abraçam, isto é muito legal. Os europeus são mais fechados”. Magda chegou ao Brasil sem conhecer mais de dez palavras em língua portuguesa. Agora, com sete meses no país, conseguiu entender e responder as perguntas dessa entrevista em português, mas confessa que não foi fácil. “A língua, com certeza, foi minha maior dificuldade. Não deu para

fazer nada sozinha, sempre precisava de alguém que falasse inglês para me ajudar”. A expectativa em relação ao que se pode encontrar no país de destino pode surpreender, pois quase nunca é aquilo que imaginávamos antes de chegar. Magda acreditava que o Brasil se resumia a praias, sol, 40 graus, samba, pessoas bronzeadas... e foi só chegar aqui para se deparar com uma espécie de Europa Sul-Americana. “Cheguei em Guarapuava e não acreditei que isso é Brasil também”. Ela faz intercâmbio pelo Rotary e frequenta uma escola, quando retornar a Polônia vai cursar o último ano do colégio e fazer por lá algo equivalente ao nosso vestibular. “hasta la vista, baby” Mas enquanto há quem esteja dizendo “I will be back” (“Eu voltarei”), há quem dirá “Hasta la vista, baby” em breve. É o caso do futuro intercambiário Pierre Michel, que ficará aproximadamente três meses viajando pela Europa com um amigo e visitará no ano que vem países como Inglaterra, França, Alemanha e Suécia. “Já viajei algumas vezes, mas nunca para tão longe, nem por tanto tempo. Me preocupo um pouco. Meu maior medo era ir sozinho, mas agora um amigo irá junto, será mais tranquilo e daremos apoio um ao outro”.

grande

e quero

conhecê-lo

o quanto

puder”.

Jeniffer Rickli em Los angeles.

A viagem de Pierre tem o propósito de divulgar os projetos que o Rotaract, programa patrocinado pelo Rotary voltado para pessoas entre 18 e 30 anos, desenvolve no Brasil. “Será uma espécie de mochilão, na verdade. Serão outros rotaractianos que vão nos abrigar lá e que vão nos entrosar na parte cultural, levar para os passeios, conhecer as cidades, os costumes”. A variedade de opções de intercâmbio é imensa, é só uma questão de saber escolher o tipo de programa que mais se adapta a personalidade e ao objetivo de cada um. A experiência é válida para o desenvolvimento profissional, pessoal e cultural. Por isso, em um ponto, quem já foi, quem está e que ainda vai concordam: não há nada melhor para aprender do que ter o mundo em nossas mãos para ensinar.

“I will be back” e “Hasta la vista, baby” “Eu voltarei” e “Até logo, baby” Frases ditas pelo Exterminador (Arnold Schwarzenegger) no filme O Exterminador do Futuro (The Terminator), de 1984.

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Engenhoca

é quando chega meiodia, com o sol a pino e o estômago vazio, que outra colher faz ainda mais falta: a colher que não veio junto com a marmita

Matéria: Aline Bortoluzzi

Se a colher, de fato, não existisse, o que teríamos no lugar dela, utensílio tão simples e fundamental? Sem a colher, talvez o picolé nem existisse. Pois reza a lenda, foi graças a uma colher esquecida em um copo de suco numa noite de inverno que o picolé surgiu. Se não existisse, o que seriam das receitas culinárias? Adicione dois garfos de leite e uma faca rasa de açúcar. Complicado, não? E o que é que se meteria em briga de marido e mulher? A faca? Um tanto quanto violento.

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Quando a colher ~ nao existe O fato é que, não se trata somente de um simples utensílio doméstico, mas de um símbolo histórico da evolução do homem e sobretudo da civilização ocidental. Há colheres de madeira e de ossos encontradas em túmulos que datam o Período Paleolítico, mas a origem mais concreta, tal como a conhecemos hoje, provém da Antiga Roma, que ao que tudo indica, foi criada depois da faca e antes do garfo. Na Roma Antiga, as pessoas conheciam dois tipos de colheres, uma maior denominada lígula (uma espécie de pá oval), e uma menor chama-

da cochlea (uma pá redonda usada para comer ovos e moluscos), que também está na origem da palavra colher. Com a revolução industrial, o aço e o ferro recobertos de estanho estavam no auge, ou de ouro e de prata para os que pudessem pagar. A criação desses instrumentos se deu pelos mesmos motivos do desenvolvimento de outros talheres: proteger as mãos do fogo e pinçar os alimentos. A característica de ser um utensílio voltado a higiene e cortesia diante da mesa criou-se muito tempo depois. Voltando um pouco no tempo, é curioso observar que até

o século XI, mesmo a colher já existindo, quase todos comiam com as mãos. Ela não foi bem aceita de início, afinal, atos de cortesia não eram motivos de orgulho em épocas tão bárbaras. Os talheres, de uma forma geral, não eram bem afamados e demoraram até serem aderidos pela maioria. Até o período feudal, onde a igreja regia os costumes, o alimento era considerado um presente divino, uma dádiva que deveria ser comida diretamente com as mãos. O uso de uma colher, ou qualquer outro talher, poderia ser considerado heresia. Porém, pouco a pouco, membros da nobreza e do clero começaram a utilizar os talheres. O costume de que cada indivíduo deveria dispor de seu próprio jogo de colheres começou a se estabelecer somente no século XVI. A colher é um objeto fundamental em nosso dia-a-dia, mas passa despercebida aos nossos olhos. Só damos conta do quanto precisamos dela quando ela nos faz falta. Na área da construção, este utensílio tem sua presença carimbada e nome próprio: a colher de pedreiro, usada para mis-

A colher é um objeto fundamental em nosso dia-adia, mas passa despercebida aos nossos olhos. Só damos conta do quanto precisamos dela quando ela nos faz falta. turar o cimento e colocá-lo entre uma lajota e outra. Mas é quando chega meio-dia, com o sol a pino e o estômago vazio, que outra colher faz ainda mais falta: a colher que não veio junto com a marmita. Isso é mais comum do que se imagina. Na pressa de ir para o trabalho ou mesmo por simples descuido, fazem a marmita, mas esquecem de levar os talheres. O jeito é pedir colheres de plástico nos rest aurante ou improvisar, é o que conta o pedreiro Carlos Nonato, que há seis anos trabalha na área da construção civil. “Eu sou prevenido, às vezes trago minha colher e garfo de casa, fome eu não passo”, garante ele. “Mas quando não tem colher é um problema, a gente empresta do companheiro, se vira como pode”, afirma Silvio da Cunha, entre uma colherada de cimento e outra de arroz e feijão. Uma solução comum é fazer uma colher com a tampa da marmita. Dobra aqui, ali e pronto. Quando a colher não existe vale tudo, só não vale ficar sem comer. Estranho mesmo é dizer que sapato tem parceria com colher. Sim, estamos falando

da colher de sapato, mais conhecida como colher de sapateiro, que leva o nome original Schuhlöffel, de origem alemã e que significa calçadeira. Seu uso é justamente esse, ajudar a calçar um sapato. Qual seria a relação entre um objeto que usamos para levar alimentos à boca e outro que levamos aos pés? É o que explica o sapateiro Seu Antônio, que trabalha em uma das mais antigas sapatarias de Guarapuava. “Uma colher de sapato a gente usa para ajudar o cliente na hora de calçar, às vezes está meio difícil de entrar, quando o sapato é novo”. Seu Antônio conta ainda que as pessoas não tem mais o costume de mandar fazer calçados, buscam a sapataria apenas para ajustes e reformas, mas antigamente a colher de sapato era muito usada e somente as sapatarias mais requintadas a possuíam. Hoje já foi inventada a colher elétrica, que indica o

peso exato em miligramas do que quer que esteja nela. Também podemos encontrar a colher de silicone, usada principalmente na alimentação de bebês e crianças, para que não se machuquem. Com a vantagem de não derreter, não manchar e não riscar os recipientes. Nessa escala evolutiva, podemos incluir a colher de pau, uma invenção que exige talento artesanal e é considerada por muitos como a mais adequada para usar na cozinha, pois não risca o recipiente, nem mistura os resíduos de metal da panela com os alimentos. É fato, se a colher não existisse, teríamos dificuldades em várias atividades diárias. Talvez não estivéssemos bem alimentados, o cimento das construções não estaria bem assentado e os sapatos mais apertados não entrariam nos pés. Quem sabe?

“There is no spoon” “A colher não existe” Frase dita por um menino à Neo (Keanu Reeves), no primeiro filme da trilogia Matrix, de 1999.

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Foto: Carolina Teles

Tesouros

Quando penso na minha infância, lembro que adorava colecionar objetos. Tinha álbuns cheios de figurinhas, colecionava cartinhas de salgadinhos, empilhava um monte de gibis no armário. Quantos chocolates comprei apenas por querer pegar os brinquedos que vinham dentro deles! Confesso que, na maioria das vezes, nem chegava a comer os chocolates, mas a coleção que eu tanto queria, completei. O tempo passou e fui perdendo minhas coleções, comecei a me interessar por outras coisas e as deixei de lado. Mas não é assim com todo mundo. Para alguns, esse hábito que muitas vezes surge na infância, é levado para o resto da vida. Quem acha que ser colecionador é apenas ‘acumular bugigangas’ e investir dinheiro em algo inútil muito se engana. O colecionismo, nome dado à arte de colecionar, além de hobby, é uma forma de preservação da cultura, da história e da memória. Do mesmo jeito que dizem que existe gosto para tudo neste mundo, existem colecionadores

Pense em

Coleciona ndo Pa ixões Matéria: Anita Hoffmann

[

“Guardei o dinheiro do meu lanche para comprar meu primeiro mangá, a edição 35 de Cavaleiros do Zodíaco”.

qualquer objeto inusitado e, provavelmente, deve existir

para tudo também. O publicitário Mateus Rigoni, 23 anos, é um exemplo disso. Enquanto alguns colecionam selos, carros antigos ou latinhas de cerveja, ele coleciona fotos 3 por 4. Tudo começou por acaso, quando Mateus encontrou alguns currículos velhos que iriam ser jogados no lixo e decidiu analisar as fotos ali coladas. Algumas eram muito engraçadas e chamaram a sua atenção. Pronto, aquele foi o pontapé inicial para que decidisse colecioná-las. Bastou os amigos ficarem sabendo sobre isso para acharem divertido e começarem a colaborar. Se alguma amiga terminava o namoro, entregava as fotos do ex-namorado para a coleção do Mateus. Alguns colegas que trabalhavam em estúdios fotográficos também doavam as fotos que as pessoas tiravam e não iam buscar. De 2004, época em que iniciou sua coleção, até hoje, o publicitário acumulou cerca de 120 fotos. “Eu tenho vontade de conhecer todas as pessoas das fotos. Às vezes olho para elas e fico pensando sobre o que fazem da vida, o que sentem.

Acredito que a maioria nem sabe que tenho fotos delas”. Ao chegar à casa do estudante e desenhista Wyllds Carraro Viana, 20 anos, uma coisa chama bastante a atenção. Sua estante é repleta de mangás, as famosas histórias em quadrinho japonesas lidas de trás para frente e da direita para a esquerda. Ao entrar no seu quarto, percebe-se sua paixão pela cultura pop japonesa em todos os lugares. Desde os doze anos Wyllds tornou-se um colecionador e atualmente possui mais de 200 mangás em casa, alguns com as coleções completas, outros com edições ainda a completar. “Guardei o dinheiro do meu lanche para comprar meu primeiro mangá, a edição 35 de Cavaleiros do Zodíaco. Considero-o meu precioso, porque foi o pontapé inicial para que eu investisse na minha paixão”. Ele comenta que não é o único na cidade que tem grande paixão pelos quadrinhos japoneses; sabe de mais uns cinco amigos que cole-

cionam também. “Nós compramos os mangás e guardarmos como relíquias, não trocamos ou vendemos. Sei que tem gente que lê e depois vende, mas essa nunca foi minha intenção. Por exemplo, se tenho a coleção de mangás do Death Note e meus amigos não têm, empresto para eles lerem, em contrapartida, eles me emprestam algum que não tenho. Tudo vai da relação de companheirismo e amizade”. Apesar de algumas pessoas acharem que colecionar é jogar dinheiro fora, a mãe de Wyllds, Solange Aparecida Carraro, dá o maior apoio para ele investir nisso. Por ver o grande interesse do filho pelos mangás, ela decidiu ler também e acabou gostando. Questionado sobre a possibilidade de algum dia vender sua coleção, Wyllds é enfático ao dizer não. “Meus mangás são uma grande bagagem cultural, conheço muito da literatura japonesa através deles. Passei tantos anos comprando e hoje eles têm um grande valor sentimental para mim, eu não os venderia”.

Wyllds exibe com

alguém no

orgulho sua coleção

mundo que o

de mangás, que hoje

colecione

exemplares

conta com mais de 200 Foto: Carolina Teles

Foto: Carolina Teles

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Jogo

Os cartôes telefônicos sobre

Foto: Anita Hoffmann

Ayrton Senna são os que mais chamam a atenção na coleção de Cristian Diferentemente de Mateus e Wyllds, que colecionam por hobby ou diversão, para o vendedor Paulo Roberto Gonsalves e para o músico Cristian Krinski, o colecionismo é levado bastante a sério. Há cerca de quinze anos, Paulo, 51 anos, encontrou algumas moedas antigas deixadas pela família e decidiu virar um numismata, ou seja, um colecionador de moedas e cédulas. Mas colecionar não é sua única intenção. Para ser numismata é necessário pesquisar e conhecer a fundo a história da moeda. Basta ter uma conversa com Paulo para perceber seu enorme interesse pelo assunto; os olhos dele brilham ao falar sobre sua coleção. Paulo coleciona moedas e cédulas dos períodos Brasil colônia, império e república, de ouro, prata, bronze, alumínio e inox. Possui também uma grande quantidade de dinheiro estrangeiro dos mais variados países. “Depois que iniciei minha coleção, descobri que aqui em Guarapuava existem outras pessoas que também se interes-

sam por isso. Dizem que a cidade tem muitas panelas de moedas enterradas, porque foi rota dos tropeiros. Como antigamente não existiam bancos, as pessoas costumavam enterrar seu dinheiro. Tem muitas histórias de fantasmas sobre isso”. Sobre o tamanho da coleção, o vendedor diz que até já perdeu as contas de quantas moedas e cédulas tem exatamente. Toda sua coleção é muito bem cuidada; as cédulas ficam organizadas em pastas de acordo com a época e país, e as moedas embaladas em plástico transparente. “Quando me interessei pela numismática, comecei a comprar catálogos para entender mais sobre isso.

Tem algumas moedas e cédulas muito difíceis de comprar, que custam mais de quinze mil reais, são caras demais”. Assim como Paulo, Cristian Krinski, 56 anos, também é numismata. Mas esta não é a sua única e nem a maior coleção. Ele é também telecartofilista, denominação dada aos colecionadores de cartões telefônicos. Sua coleção conta com aproximadamente 25 mil diferentes tipos de cartões e mais de cem mil para troca. Antes a coleção era ainda maior, mas quando sofreu um acidente de carro necessitou vender algumas peças raras de suas coleções de cartões e moedas para pagar a cirurgia e os medicamentos. “Quando vendia ou trocava meus cartões, negociava geralmente com pessoas de fora e não daqui da cidade. Aliás, foi por causa dessas pessoas que comecei a colecioná-los. No começo eu só colecionava moedas, mas as pessoas ficavam pedindo cartões e daí me interessei por isso”.

Quando começou a colecionar cartões telefônicos, há cerca de dez anos, quem muito se encantava com tudo aquilo era sua filha, na época criança. Os cartões chamavam a atenção dela pelas fotos e desenhos. “A coleção de cartões sempre foi um orgulho pra minha filha; ela foi um dos motivos principais para eu colecionar. Quando chegavam os compradores e vendedores aqui em casa, ela sempre escolhia os cartões que achava mais bonitos. Tive um enorme incentivo dela para prosseguir com a coleção”. Não importa do que seja a coleção e muito menos o tamanho dela, em todas as pessoas que entrevistei encontrei um sentimento comum, a paixão. Em um país onde não existe investimento em museus, os colecionadores desempenham um importante papel, pois preservam a cultura e mantêm vivos aspectos da nossa história. Pode parecer maluquice, mas a realização de um desejo compensa qualquer sacrifício e empenho.

“My Precious” “Meu Precioso” Frase dita por Sméagol (Gollum) na trilogia O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings), de 2001, 2002 e 2003, respectivamente.

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”Usamos parte do dinheiro para pagar dívidas, e ainda tinha festa e churrasco todo dia”

Eu quero jogar um jogo... o jogo do bicho

Matéria: Jeferson dos Santos Jogar é uma das ações mais comuns do ser humano. As práticas são variadas e vão desde brincadeiras de criança a jogos de azar, mas muitas vezes vem da tentativa de enriquecer e mudar de vida. Um dos jogos de azar mais adorados pelos brasileiros é o clandestino jogo do bicho. Dentre os milhares de apostadores está o casal Oswaldo* e Lucimara*, de 54 e 52 anos de idade respectivamente. Eles apostam juntos no jogo do bicho há 24 anos, quando se conheceram em Curitiba. Nas primeiras apostas eles não ganharam nada, mas se na época deu azar no jogo... Bem, eles permanecem juntos há mais de duas décadas, são pais de dois filhos e é claro, continuam apostando. Atualmente, Oswaldo e Lucimara moram em Guarapuava, onde, apesar de proibido, ainda é fácil apostar no jogo do bicho, como em boa parte do Brasil. Existem bancas que recebem os jogos e nos bairros são inúmeros

os bares, bodegas e mercearias que participam da jogatina, recebendo as apostas ou encaminhando motoboys que fazem o recolhimento dos jogos nas casas ou no trabalho dos apostadores. Ele joga três ou quatro vezes por semana. Ela arrisca pouco, mas joga ao menos uma vez na semana. Juntos eles investem na diversão um valor que gira em torno de R$ 30 por semana e contam, com sorriso no rosto, que já chegaram a ganhar no total um valor que facilmente ultrapassa 20 mil reais em prêmios, sendo que aproximadamente 15 mil reais eles ganharam somente no período entre fevereiro e abril de 2009. Questionados sobre o que fizeram com o montanate naquele período, Oswaldo responde com orgulho: “Usamos parte do dinheiro que ganhamos para pagar dívidas, investimos uma quantia em produtos do Paraguai para revendê-los e ainda tinha festa e churrasco todo dia”.

Sem se considerarem viciados nas apostas, ambos garantem que jogam por diversão, já que não gastam com apostas em outros tipos de jogos, como rifas, loterias ou bingos. O jogo do bicho na vida de Oswaldo e Lucimara é a prova de que com o tempo a combinação sorte no jogo e no amor é possível.

O Jogo O jogo do bicho foi criado no longínquo ano de 1892, quando João Batista Viana Drummond, o Barão de Drummond, que passava por dificuldades financeiras para manter seu zoológico em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, teve a ideia de criar um jogo utilizando cada um dos 25 bichos de seu zoológico. No início, cada visitante recebia no ingresso a imagem de um dos bichos. A figura e o nome do bicho sorteado ficavam escon-

didos em um quadro na entrada do parque durante o dia e a revelação do resultado ocorria no final da tarde, diante dos apostadores que se reuniam ansiosos pelo resultado. O sortudo levava para a casa a quantia de 20 mil réis. Em pouco tempo o zoológico virou um local de jogatina e o Barão conseguiu aumentar a arrecadação, mas logo o jogo foi proibido pelas autoridades. Proibido no zoológico do Barão, o jogo do bicho ganhou as ruas do Rio de Janeiro e permanece até hoje tomando o dinheiro de uns, pagando prêmios para outros, enriquecendo os donos de zoológico... digo bicheiros, mas fazendo parte do folclore ‘vivo’ do país. Se isso vai durar muito ainda, parece ser uma questão de sorte. *Os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes.

“I want to play a game” “Eu quero jogar um jogo” Frase dita por John Kramer (Tobin Bell) na série de filmes Jogos Mortais (Saw), de 2004.

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Rotina

Eu vejo gente morta. Com que Frequencia? O tempo todo. ^

O dia-a-dia de um profissional que trabalha com a

morte

‘‘

Cada dia é uma aventura. Sempre tem uma coisa que vai te surpreender.

Matéria:Carolina Teles

No mundo ocidental, a morte é um dos grandes tabus. Entre as muitas criaturas da Terra, os seres humanos parecem ser os únicos que tem consciência de que um dia a vida acabará. Mesmo assim, a simples ideia da morte gera diversos sentimentos e reflexões. Passar por uma experiência de morte na família ou no grupo de amigos é considerada por muitos o pior momento na vida. Mas o que é tão difícil para muitos, é só mais um dia de trabalho na vida de alguns profissionais. A morte é companheira diária de Valdir*, ele é agente funerário, trabalha 24 horas e descansa nas outras 24. No dia da entrevista, ele havia entrado às nove da manhã e só sairia às nove do dia seguinte. Segundo Valdir, funciona assim: tudo começa com a família do falecido

Foto: Anita Hoffmann

indo até a Central de Triagem na Capela Mortuária Municipal, que é o órgão da prefeitura que distribui o serviço funerário entre as três funerárias de Guarapuava. Em seguida, a família se encaminha a uma dessas funerárias. Se a escolhida for onde trabalha Valdir, lá será atendida por ele ou pelo outro plantonista. O papel deles é vender o caixão e os adereços e deixar o corpo em condições de velório. Higienização, tamponamento (o tamponamento de orifícios do corpo humano, serve para que o corpo possa ser conduzido à sepultura sem que os líquidos humorais entrem em contato com o ambiente, ou com alguma pessoa) e a vestimenta são procedimentos realizados em quase todos os casos. “Isso, quando o ‘corpinho é light’, né? Às vezes você pega um acidentado e tem que montar o corpo. E quando pega o corpo em estado de decomposição? Não tem o que fazer, o negócio é encaixotar, la-

crar e levar para o cemitério”. Valdir desempenha essa função há 14 anos e afirma que gosta muito do que faz. “Eu não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Acho que essa é a minha vocação. Eu fui seminarista, fui militar, fui viajante, e acabei parando aqui. Para mim é uma profissão normal”. É preciso mesmo ter vocação para desempenhar o trabalho. Pois além de sangue frio, é necessário tato para lidar com a família enlutada. Enquanto os familiares passam por um momento de desespero, Valdir tenta apenas vender. Antes de tudo a funerária é um comércio. “Vem família que quer comprar do bom e do melhor, mesmo não tendo condições, daí você tem que esclarecer para família que é um comércio e tem que pagar, não é amanhã ou depois que acerta, tem que acertar na hora”. Nesses 14 anos de profissão, Valdir afirma que nenhuma vez sequer sentiu medo. O que choca

o agente funerário é o real. Para ele, o pior da profissão é atender a óbitos de crianças. “Tem um caso que lembro até hoje, foi um que eu atendi, um acidente com três crianças. Eu fiz o possível para deixar os corpos bem arrumados para o velório. Mas na época meus filhos eram pequenos também. Então você vai fazendo aquilo ali e pensando nos filhos. Atender criança é terrível”. Conviver diariamente com a morte não é tarefa fácil. A incomum profissão precisa ser desempenhada com respeito, responsabilidade e sangue frio. E é assim que Valdir continua fazendo seu trabalho, sempre enfrentando os desafios com naturalidade “Eu gosto muito do que faço. Aqui, cada dia é uma aventura. Sempre tem uma coisa que vai te surpreender. Nunca é igual, sabe? Nunca é igual”. *Os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes.

“I see dead people” “Eu vejo gente morta” Frase dita por Cole Sea (Haley Joel Osment) à Dr. Malcolm Crowe (Bruce Willis) no filme O Sexto Sentido (The Sixth Sense), de 1999.

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Foto: Mariana Rudek

MEMÓRIA

“É importante manter a pessoa ativa, fazer o paciente se sentir útil” Doutor Reinaldo Rocha Martins, neurologista

Foto: Catiana Calixto

MINHA MENTE

NÃO ME AJUDA MAIS Você já teve a sensação de esquecer algo importante? Quando dá aquele ‘branco’ e não conseguimos lembrar de maneira alguma algo que aconteceu há pouco tempo? Se isso lhe incomoda de vez em quando, imagina para quem enfrenta isso diariamente. Além disso, para as pessoas com Alzheimer, esse é um problema que não afeta somente a elas, mas também amigos e familiares. Por ocorrerem seguidos esquecimentos, os cuidados com o paciente de Alzheimer devem ser redobrados. Também é fundamental observar a evolução da doença para agir corretamente em cada situação. O senhor Aurélio Bona, de 75 anos, foi diagnosticado como portador da doença de Alzheimer e há dez anos convive com os esquecimentos. Casado com Noêmia Schwarzer Bona, o Vô Lelo, apelidado carinhosamente pelos filhos e netos, muitas vezes é motivo de preocupação da família. “Certa vez estava caminhando na rua e avistei o Vô Lelo. Parei para conversar com ele. Comprimentei-o, ele respondeu e disse em seguida: ‘Sabe, eu sofri um acidente, às vezes não lembro das pessoas” conta a neta Camila Eliana Bona Josefi.

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“Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos Matéria: Mariana Rudek

De fato, o Seu Aurélio sofreu um acidente de carro há onze anos e, em virtude de um traumatismo craniano grave, ficou em coma. Quando retomou a fala, a família logo percebeu os sintomas: a doença de Alzheimer se manifestou. No estágio inicial, é comum não reconhecer as pessoas, no entanto, Seu Aurélio sempre justifica: “minha mente não me ajuda mais”. Para o paciente, a doença é silenciosa, portanto cabe a família reconhecer os primeiros sintomas, como não lembrar de atividades recentes ou de familiares. Dona Noêmia conta que recentemente Seu Aurélio se perdeu quando ia visitar o filho Arno. Para ir até a casa do filho, desviou a rua habitual por causa do barro e ao mudar de caminho, ele se perdeu. Reconhecendo que estava perdido, pediu ajuda a um motorista que era de outra cidade. Apenas conseguiu retornar para casa porque sempre carrega consigo um bilhete com nome completo, endereço e números de telefone para o caso de emergência. Para a Irmã Izaura da Silva, coordenadora do asilo para idosos SOS (Serviço de Obras Sociais) Airton Haenish, de Guarapuava, um dos primeiros sintomas que

são observados é que o paciente não consegue lembrar os lugares da casa e repete de forma não intencional histórias em intervalos curtos de tempo. “Agora você conversa com ele e ele te responde, mas daqui a 15 minutos ele dificilmente irá lembrar de você”. Para quem convive com o paciente de Alzheimer, a rotina pode ser estressante, pois as repetições de histórias e perguntas, e o esquecimento tornam-se exaustivos. É preciso estimular o paciente a novas atividades e ainda fazer um exercício de paciência e compreensão. Procuramos dois profissionais de Guarapuava para falar sobre o assunto: a doutora Vera Lúcia Dias, geriatra que atende os idosos do SOS Airton Haenish, e o neurologista Reinaldo Rocha Martins; ambos são médicos do Seu Aurélio e acompanham o desenvolvimento da doença.

res, aquelas pessoas que têm um convívio com o paciente. A pessoa lembra de fatos que aconteceram há 40 anos, e a memória recente vai se perdendo.

Ágora: Como a doença de Alzheimer se manifesta? Como detectar os primeiros sintomas?

Ágora: De que forma a família pode agir para melhorar a qualidade de vida desse paciente?

Reinaldo R. Martins: O Alzheimer é uma doença que aos poucos vai se instalando e quem percebe primeiro são os familia-

Vera Lúcia Dias: A família tem papel fundamental para a boa ou a má evolução do paciente. Cônjuges, filhos, genros, noras e netos,

Vera Lúcia Dias: Na fase inicial a pessoa pode parecer normal. As alterações de memória são dispersas, como se a pessoa estivesse mais ‘distraída’. O esquecimento é crescente, há dificuldade para aprender novas informações, há desorientação em ambientes não familiares. Atividades simples como preparar uma refeição podem parecer difíceis. Pode haver perda do interesse por atividades que antes a pessoa gostava ou tinha maior habilidade, como ler ou escrever. Há depressão, apatia e tendência ao isolamento nesta fase, porque geralmente o doente percebe que algo está se modificando e ele tenta esconder dos demais e fica retraído.

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No Bolso

“Estava caminhando na rua e avistei o Vô Lelo. Parei para conversar com ele e ele disse: ‘sabe, eu sofri um acidente, às vezes não lembro das pessoas” John Boyer (Estados Unidos) @Royalty Free

entre outros, mesmo que sejam crianças ou adolescentes, devem ser informados sobre a doença e suas manifestações, bem como sobre as atitudes que devem ter em relação ao doente. Todos devem se revezar nos cuidados básicos com o doente a fim de não sobrecarregar apenas um cuidador. Reinaldo R. Martins: é importante não repreender, mas sim fazer críticas muito sutis para que o paciente não se sinta reprimido. Procurar explicar as maneiras de se realizar uma atividade corretamente. Ter paciência porque ele pode repetir o erro, por esquecer o comando dado. Ágora: Quais atividades estimulam o paciente e podem contribuir para o desaceleramento da evolução do caso? Vera Lúcia Dias: Atividades que dão prazer ao doente e que não sejam perigosas ao bem estar,

como lidar com plantas e terra, leituras agradáveis e de fácil entendimento, jogar cartas, fazer tricô, carpintaria, caminhar. Evitar que ele desempenhe ações para as quais não tenha mais habilidade, como dirigir veículos, serviços de banco ou finanças, cozinhar.

de e alucinações, falta total de comunicação (desconhecimento total das palavras), dificuldade para caminhar e até para engolir, perda do controle da bexiga e intestinos, entre outros.

Reinaldo R. Martins: É importante manter a pessoa ativa, fazer o paciente se sentir útil. Praticar esportes, fazer fisioterapia, integrar no convívio familiar. Há ainda o tratamento medicamentoso com o qual se procura retardar ao máximo a evolução do quadro.

Vera Lúcia Dias: Como não se sabe ainda a causa da doença de Alzheimer não se pode prevenir propriamente, mas existem fatores indicativos de grande possibilidade de desenvolvimento da doença, assim sendo podemos intervir no sentido de retardar seu aparecimento, como por exemplo, o risco de se desenvolver a doença dobra a cada 5 anos após os 65 anos, parece ser mais comum em mulheres que não fizeram reposição hormonal na menopausa, pessoas que foram mais expostas a toxinas (drogas, exposição ao alumínio), pessoas com menor capacidade intelectual e com nutrição mais precária. A depressão também pode acele-

Ágora: Doutora, quais são os sintomas presentes em casos avançados da doença. Vera Lúcia Dias: Os sintomas na fase grave são muitos, como dependência total para atividades da vida diária (higiene, alimentação, etc), alterações acentuadas de comportamento como agressivida-

Ágora: Existe como prevenir?

rar o início da doença, bem como o uso rotineiro de corticóides. Outras doenças como diabetes, doença cardio-vascular, hipotireoidismo e epilepsia parecem ter relação com o desenvolvimento mais precoce da doença de Alzheimer, como também quem tem histórico de traumatismo grave de crânio. O fator genético é fortemente defendido por cientistas como o maior preditor da doença. Ágora: Pode ser considerada uma doença hereditária? Reinaldo R. Martins: Cada organismo responde de uma maneira diferente à doença. Não necessariamente quem tem Alzheimer passa a doença. Você pode ter o gene para desenvolver Alzheimer, mas não chegar a desenvolver. Na realidade, estatisticamente é provável que haja hereditariedade, mas uma propensão genética não necessariamente significa que se o pai tem, o filho e o neto terão.

“Blessed are the forgetful, for they get the better even of their blunders” “Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos” Frase de Nietzsche, dita por Mary (Kirsten Dunst) em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind), de 2004.

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Foto: Patrícia Tagliaferro

INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR APRESENTOU CRESCIMENTO DE 25,4% NO PRIMEIRO BIMESTRE DE 2011, SEGUNDO SERASA.

POe na conta do papa Matéria: Patrícia Tagliaferro Cheque para 100 dias, prestações que não chegam nunca e não acabam mais: essas são as facilidades que encontramos hoje nos comércios brasileiros. No entanto, é preciso que o comerciante trabalhe por uma boa venda e que o consumidor cuide bem de seu orçamento.

Vender muito nem sempre é sinônimo de boas vendas, principalmente quando o assunto é inadimplência. Apesar de muitos comerciantes investirem na venda à prazo, por acreditarem que essa é uma boa ferramenta para atrair consumidores, dizem os especialistas que ainda não se pode garantir a contrapartida do comprador. Ou seja, todo cuidado é pouco.

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Fotos: Patrícia Tagliaferro

$

o meio mais eficiente para evitar a indimplência.

FACILIDADE Cada vez mais cresce o crédito para o consumidor.

No Brasil, segundo o Indicador Serasa Experian de Inadimplência do Consumidor, o primeiro bimestre do ano de 2011 apresentou crescimento de 25,4% comparado com o mesmo período do ano passado. No entanto, a inadimplência do consumidor brasileiro registrou queda de 2,3% em fevereiro em relação a janeiro. Já em Guarapuava, segundo os dados da Acig (Associação Comercial e Empresarial de Guarapuava), o índice do município continua estável e fechou o mês de fevereiro com taxa de 2,9%. De acordo com o presidente da Acig, José Divonsil, a inadimplência pode ser vista como um fenômeno resultante da facilitação do crédito. “As empresas que tem mais inadimplência são dos setores que vendem com maior número de parcelas”. O crédito nunca esteve tão fácil. Percorrendo as ruas e observando o comércio local, notamos uma grande quantidade de lojas ofertando produtos a serem pagos em diversas parcelas a longo prazos. Essa é uma tendência, não só em Guarapuava, como em todo o país, e muitas empresas acreditam que vender parcelado é um grande negócio para conquistar o consumidor.

Para o proprietário de um comércio de roupas e acessórios, o comprador está mais exigente na hora de comprar. “Hoje o comércio não pode ter só preço, nem só qualidade, nem só variedade de produtos. Precisa ter também várias opções de pagamento”. Essa concessão de crédito incentiva a compra compulsiva e fácil, assim o consumidor só pensa que as parcelas, por serem baixas, não irão influenciar em seu orçamento e esquecem do distante comprometimento que ele terá com a loja. “Os comerciantes devem utilizar as ferramentas de informações que eles têm, porque hoje, a cada dez consultas feitas aqui em Guarapuava, três apresentam restrições”, ressalta Divonsil. Frente a esse cenário, conclui-se que o empresário deve estar atento aos mecanismos capazes de identificar o consumidor inadimplente, e o consumidor não deve iludir-se com a facilitação do crédito. É preciso que ambos, consumidor e empresário, encontrem o ponto ideal entre estímulos de vendas e a aquisição de bens materiais, de forma a viabilizar a satisfação do empresário em vender bem e do consumidor a comprar bem.

“Põe na conta do papa”

Frase dita pelo personagem Capitão Nascimento (Wagner Moura), no filme Tropa de Elite, de 2007.

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Quando a bocuda se abre, outras portas se fecham

“Hoje o comércio não pode ter só preço, nem só qualidade, nem só variedade de produtos. Precisa ter também várias opções de pagamento”

Matéria: Monique Paludo

Fotos:Adriano Vizentin

CARTAO DE CREDITO

recomeço

“Nã ot ter em por preconcei que Precisa chance dar to. uma ”. - Fernando Cordeiro empres , ário .

A violência é crescente e a preocupação com a segurança aumenta proporcionalmente. Em sua defesa, a sociedade aplica penalidades àqueles envolvidos com a criminalidade. Trancafiar os criminosos em prisões tem sido a alternativa social para o problema. Teoricamente, depois de cumprir a pena que lhe foi atribuída, o indivíduo não tem mais dívidas com a sociedade e reconquista a plenitude de seus direitos de cidadão. Entretanto, não é essa a realidade que muitos egressos encontram quando deixam a vida atrás das grades e retornam para a sociedade. “Ninguém quer dar uma segunda chance”, conta Felipe*. Ele ficou preso por cinco anos e quando saiu estava com esperanças de uma vida diferente. Mas, não foi tão fácil como imaginava. Quando deixou a cadeia da Delegacia de Polícia de Guarapuava, Felipe percebeu o preconceito da sociedade e a falta de oportunidade. “Eu cometi um erro, queria uma vida diferente. Sai de lá

A defesa da sociedade é prendê-los, mas quando os egressos deixam a prisão estão à mercê do preconceito e da com a cabeça feita, nunca mais discriminação voltava. Mas é só pedir social. A um emprego que a gente pergunta ouve um ‘não’ atrás do outro”. A porta de saída da cadeia é que muitos conhecida como bocuda entre os fazem nesse presidiários e a grande expectatimomento é va é passar por ela, deixando a prisão. Porém, quando conseguem, “E agora, ainda existem outras portas na quem vai me caminhada de um ex-condenado. defender?”. O preconceito social contra condenados e ex-condenados não colabora para a reinserção dessas pessoas no convívio social. A reintegração do individuo na sociedade requer, além da própria vontade, a possibilidade social para isso. Para encontrar um emprego honesto e digno é necessário que o empregador lhe oferte essa oportunidade. A assistente social Viviane Silveira Batista, que há três anos trabalha no programa Pró Egresso, conta que o trabalho é fundamental para essa reinserção “Eles precisam de sustento, alguns têm família para alimentar, e não conseguem um emprego. Aí vêm as ‘facilidades’ do crime”.

Mais oportunidades podem surgir O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem um projeto chamado “Começar de Novo” para incentivar o emprego de ex-condenados. A partir de um convênio com o governo, o CNJ conseguiu garantir que uma parcela dos postos de trabalho nas obras para a Copa do Mundo de 2014 seja destinada aos egressos. No Paraná já existem 90 vagas de trabalho ofertadas pelo programa, mas ele ainda não é realidade para os egressos aqui em Guarapuava. “Eu vi propagando na TV, mas nem sei o que é isso mesmo. Aqui não tem não. É só o Pro Egresso pela gente mesmo”, conta Felipe*

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“Mas um é só pedir em a gen prego que ‘nã te ou ve o’ a um out trás do ro”

Em busca de um novo caminho Para ajudar o egresso a mudar de vida, o Pro Egresso faz reuniões semanais para os usuários de drogas ilícitas e para dependentes de álcool. “Esses problemas precisam ser tratados porque são, junto com a falta de trabalho, os motivos da maioria que volta a reincidir na criminalidade” conta Viviane. O Pro Egresso também tenta incentivar os participantes a voltar aos estudos. “A falta de profissionalização, reduz ainda mais as vagas de trabalho”, argumenta Viviane.

rta o p ão, à e ixou a pris s t e d o d ba n a u proposta nta que q

O crime

deslize nesses anos todos. Eu mudei muito. Depois que comecei a trabalhar, nunca mais pensei em voltar para aquela vida. Ouvi muitos conselhos, fiz vestibular e esse ano já vou me formar”, diz Ronaldo, feliz com a nova conquista. Apesar das vitórias que já coleciona, Ronaldo diz que ainda teme o preconceito. “Na minha turma da faculdade, ninguém sabe que eu já estive na cadeia. Não sei se vão mudar comigo, mas está tão bom assim que prefiro que ninguém mais saiba”. Ronaldo hoje presta serviços terceirizados e tem uma equipe que trabalha com ele. “Eu contrato egressos porque quero dar uma segunda chance a essas pessoas do mesmo jeito que eu recebi”. E dá um aviso para quem está saindo agora: “Não é fácil, mas vale muito à pena lutar”.

co am Ronaldo* smo dia, já chegar cara ficou e m “ lidade. O asa quase a ainda no in im r c c rà para volta u sai, chegou lá em trabalhar? e e e d u q m fi sabendo falou ‘tá a as a verdade é igo. E já m M o . c o ã to n n ju que prego io’. Falei rando em a c u n c a o r n p fi s u e E mes muito par is de três o, pensei ir e que depo h in d e Ronaldo. ndo d e precisa dizendo não”, conta continuar

porta bate à

quando chegam aqui não é essa a realidade que encontram”. Mas nem todas as cabeças têm a mesma sentença. Fernando Cordeiro é empresário da construção civil e contrata egressos. “Não tem porque ter preconceito. Precisa dar uma chance. E, comigo pelo menos sempre foi assim, o lugar onde eles estão trabalhando é onde não some nenhuma ferramenta, não tem um problema”. Felipe participa do Pro Egresso e ainda não conseguiu um emprego, mas Ronaldo* tem uma história diferente. Saiu da cadeia em 2003 e desde então mudou os rumos de sua história. Ele também participou do programa, conseguiu um emprego e conta que reconstruiu sua vida. “Não cometi nenhum

O crime

O Pró Egresso é realizado em Guarapuava por meio de um convênio entre a Secretaria de Estado Penitenciário e da Cidadania e a Universidade Estadual do Centro-Oeste. O objetivo do programa é acompanhar o cumprimento das penalidades e oferecer um suporte para que o egresso se reintegre satisfatoriamente ao convívio social, defendendo os seus direitos como cidadão. Para isso, segundo Viviane, é preciso ultrapassar muitas barreiras, como a falta de conhecimento da sociedade sobre esse processo de ressocialização. “Eles querem mudar, muitos deles querem. O problema é que quando eles saem de lá, esperam que a família, a sociedade estejam esperando de braços abertos. Mas

O sistema penitenciário dificulta a ressocializa cão

Cumprir a pena que foi atribuída é o certo, mas as condições sub-humanas das penitenciárias não colaboram para diminuir a criminalidade e facilitar a reinserção social dos egressos. A estrutura para a assistência dos recolhidos é, geralmente, precária. Felipe* conta que decidir mudar de vida, naquelas condições, não é fácil. “Você se revolta. É muita humilhação. Falta muita coisa para dizer que somos tradados como gente. Eu era preso, mas não deixei de ser gente. A maioria lá fica revoltada e volta querendo acabar com tudo”, diz Felipe. * Os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes.

“E agora quem poderá me defender”

Frase dita por Chapolin Colorado (Roberto Gómez Bolaños) na famosa série mexicana Chapolin Colorado (El Chapulín Colorado), de 1970.

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Foto: Marcos Przygocki

I Will Be Back A experiência com o intercâmbio faz com que muitos jovens queiram voltar aos países que visitaram. P. 06

Ágora

na contra capa


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