e-Book Contribuições da Semiótica da Cultura para o mundo pós-covid-19 - Mackenzie Jornalismo 2020

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Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras Curso de Jornalismo Orientador Prof. Dr. Anderson Gurgel Campos Integrantes Fernando Claure Guilherme Porrino Júlia Siqueira Lucy Matos Pedro Braga CCL - R. Piauí, 143 - Higienópolis, São Paulo - SP 01302-000 - Campus Higienópolis facebook.com/JornalismoMackenzie Imagem da capa e contracapa: Reprodução/Canva Projeto acadêmico sem fins lucrativos Outubro de 2020


Contribuições da Semiótica da Cultura para entender o mundo pós-Covid-19


Aos profissionais de saúde e comunicação que estão na luta contra a Covid-19.


Sumário Introdução………………………………….................................................……………….…. 6 Afetos e aversões na balança da pandemia……...........…………….... 9 Contaminação por desinformação……………………………...................... 13 Auxílio emergencial ou vale-presente?............................................ 17 Como vamos viver em um novo mundo?...................................... 22 Quarentena ioiô…………………………………..........................................…………… 26 A ressignificação da morte na pandemia………………..............…….. 31 As ruas são perigosas, mas o silêncio é um risco…….......………. 36 O novo mundo para as futuras gerações…………………..............…... 41


INTRODUÇÃO


A Semiótica da Cultura, disciplina do quarto semestre do curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, propõe uma reflexão a cerca dos processos culturais enquanto fenômenos comunicativos, a partir da produção de sentidos dos textos da cultura, entendendo seus desdobramentos práticos na sociedade e as diversas formas de interpretação das realidades - tangíveis e intangíveis - propostas como objeto de estudo. Ao longo do semestre, os alunos da turma 04U de 2020, sob supervisão do Prof. Dr. Anderson Gurgel, produziram textos que relacionam temas do cotidiano com notícias e reportagens que expressam as dificuldades impostas frente ao desafio causado tanto para a sociedade quanto para os estudantes com a pandemia. Devido à pandemia, o mundo todo precisou se adaptar a um novo modo de vida. Trabalho e lazer agora ocupam um mesmo espaço. Relações, tanto para aqueles que compartilham uma residência quanto para os distantes, se intensificaram. Tudo isso sem previsão para o desenvolvimento e distribuição de uma vacina. Porém, não é à toa que somos uma espécie em evolução. Desde os primeiros casos de Covid-19 e início da quarentena no Brasil, novas ideias e jeitos de sobreviver nesta situação começaram a florescer. Conferências, tours, shows, cursos e outras atividades presenciais foram transferidas para a internet de maneiras criativas e inusitadas, prevenindo o bloqueio ao entretenimento e educação. Assim, o objetivo deste livro virtual é reunir temáticas pertinentes a este assunto e levar o debate para a sociedade a fim de contribuir com informação, reflexão e debate.


AMOR X ÓDIO


Amor x Ódio

Afetos e aversões na balança da pandemia Luisa H. Cury, Pablo Próspero, Rafaela Waishaupt Durante o período de pandemia o regime de quarentena foi instaurado. Os sentimentos, sejam eles amor, ódio, ou qualquer outro, são intensificados. Em decorrência desse fator muitas manifestações populares ocorreram. É o que podemos ver na matéria “Aplausos na Janela”: cidades registram homenagem a profissionais de saúde, segundo ela duas manifestações opostas aconteceram na mesma noite. As redes sociais foram o palco inicial para ambas, os manifestantes divulgaram vídeos, discutiram as devidas pautas e combinaram horários para as manifestações.

Chamada de matéria sobre coronavírus no portal UOL. Foto: Reprodução

O primeiro ato foi em homenagem aos profissionais da saúde que atuam na linha de frente no combate a pandemia de Covid-19. A saudação foi prestada por meio de um "aplaudaço". Na noite de quarta-feira, dia 19 de março, várias cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis, registraram o momento em que cada morador em sua casa aplaudiu os médicos, expressando sua gratidão. Neste caso, o destaque é para o "amor". Substantivo masculino, que representa um sentimento, que faz com que uma pessoa queira o bem de outra. Esse sentimento está relacionado a afeição vivida através do afeto. Com essa definição de amor, é possível estabelecer uma relação direta com a homenagem aos profissionais da saúde. Ela tem início através desse sentimento, que torna tangível a afeição para com os médicos.


Amor x Ódio Cultura, segundo Bystrina, é um complexo sistema comunicativo, que gera uma conexão do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Dela fazem parte os hábitos, gestos, ritos e linguagem, processos comunicativos que são construídos, armazenados e transmitidos por um determinado grupo. Grupos esses que podem ser denominados tribos, que tem suas interpretações individuais. Esse conceito é intrinsecamente relacionado com o objeto de estudo, pois cada indivíduo e grupo social têm seu entendimento do amor e como representá-lo. O rito é um símbolo social, que tem uma significação estabelecida pela sociedade, no caso da matéria o rito é o “aplaudaço”. Esse tema está presente na cultura das pessoas que participaram do ato. A língua é um sistema modelizante primário, tudo que deriva dela são códigos secundários. Esse sistema serve para transmitir mensagens por meio de signos, que serão interpretados por grupos sociais e sua cultura. A partir da língua surge a linguagem, que é o sistema que gera, orienta e organiza a interpretação. Com esses conceitos já definidos, é possível estabelecer uma relação direta com a manifestação que homenageou os profissionais da saúde, pois o aplauso na cultura é um signo de congratulação, além de se tornar uma linguagem, permitindo diversas interpretações. Por sua vez, o "panelaço" e gritos de "fora, Bolsonaro" registrado na mesma noite das homenagens, expressam uma insatisfação do povo diante à gestão do atual presidente nesse momento de pandemia. O posicionamento de Jair Bolsonaro é contra o isolamento social e não é condizente ao cenário atual, com discursos que intensificam os sentimentos de descaso e ódio. O "ódio", substantivo masculino, significa alguém ter ódio ou raiva por; detestar, abominar; sentir aversão ou repulsa ; desprezar e aborrecer profundamente. Quando Bystrina descreve código terciário, ele estava falando sobre uma comunicação corporal, gestual, sonora e verbal. Nessa nova realidade, o homem rompe suas fronteiras de organização social. Dessa maneira, as dificuldades passam a ser interpretadas não mais por signos, mas por símbolos. Os códigos terciários ou culturais, nos aproximam da realidade e fazem com que manifestações façam parte de nossa cultura. Como rituais ou espetáculos, os aplausos e barulhos de panela, já se incorporaram à nossa rotina. São elementos do "novo normal".


Amor x Ódio Neste caso, tanto o panelaço quanto os aplausos são símbolos semelhantes, mas com intenções opostas. Se por um lado temos a empatia e solidariedade, por outro temos a falta de compreensão e desprezo. Sentimentos ganham proporções distintas de acordo com o momento atual que vivemos. Esses dois lados nos permitem se relacionar com temas que precisam de destaque hoje. A matéria do Uol, destaca dois lados em um mesmo contexto. Fazendo o leitor ponderar qual dessas emoções, amor e ódio, se torna relevante. Além disso, a matéria ainda tem uma relação clara com fronteiras, textos que compreendem a criação de novos por meio da intersecção de áreas, em que nos mostram como a política e a realidade caminham, mesmo que em sentidos opostos, nessa pandemia.

Referências Bibliográficas BAITELLO JUNIOR, Norval. O Animal que Parou os Relógios. Annablume, 1999. BYSTRINA, Ivan. Tópicos de Semiótica da Cultura. 1995 UOL. 'Aplausos na Janela': cidades registram homenagem a profissionais de saúde. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimasnoticias/redacao/2020/03/20/aplausos-na-janela-cidades-registram-homenagem-aprofissionais-de-saude.htm>. Acesso em 07/07/2020.


VERDADE FACTUAL X FAKE NEWS


Verdade Factual x Fake News

Contaminação por desinformação Leonardo Rinaldi, Caique Diniz e Fernando Claure Uma das consequências do conflito entre a Verdade e as Fake News é a trilha de confusão para a população por onde passa. No cenário da pandemia da Covid-19, as fakes news possuem dois alvos principais: a vacina e o tratamento do vírus. Pessoas mal informadas acabam agindo de maneiras desesperadas e totalmente irresponsáveis. O Estadão publicou uma matéria, no dia 18 de junho, a respeito de uma notícia falsa que viralizou no Facebook. As duas situações foram debatidas e publicadas dentro da mídia terciária, ou seja, por meio do advento da tecnologia e da internet ocorreu um debate e um confronto entre fato e fake, ao mesmo tempo por duas pessoas ou veículos diferentes, mas que não ocupavam o mesmo espaço.

Chamada de matéria sobre coronavírus no caderno de política do Estadão. Foto: Reprodução

A postagem implica que as substâncias azitromicina, nitazoxanida e ivermectina, são capazes de curar o Covid-19 se forem consumidas antes do contágio. A afirmação é desprovida de comprovação científica. O grande perigo


Verdade Factual x Fake News nesta postagem é que ela incentiva o leitor a tomar esses medicamentos. Um usuário sem muito conhecimento sobre o assunto, quando lê um conteúdo como este, acaba confiando e, consequentemente, arriscando sua vida e a daqueles ao seu redor.

Publicação no Facebook com indicações de medicamentos sem comprovação de eficácia para tratamento da Covid-19. Foto: Reprodução / Aos Fatos

O conceito de raízes da cultura, segundo Bystrina, é a base para a construção de cultura, a partir da saída de uma certa "normalidade", que pode acontecer através da psicose e das experiências pré-predicativas. O estado de psicose baseia-se nos estados de excitação da alma, sendo estes estáveis ou aumentados. Isso pode resultar tanto em humores excessivos, como desespero e ansiedade ou felicidade e tristeza. Tudo isso depende da força motivadora da mentalidade do indivíduo. Já de acordo com as Experiências Pré-Predicativas, sendo estas a Binariedade, Polaridade e Assimetria, os grandes debates da humanidade são discutidos de maneira direta e objetiva (Vida x Morte, Paz x Guerra). A partir do momento que o debate é estabelecido, o homem escolhe o seu lado e qual prevalecerá. Da mesma maneira, ao optar pela verdade, em detrimento de notícias falsas, o indivíduo soluciona o debate em questão. O jornal, ao publicar uma informação verdadeira para rebater a notícia falsa, faz prevalecer a verdade e o bom jornalismo.


Verdade Factual x Fake News No debate entre Verdades Factuais x Fake News, a maioria dos indivíduos são a favor da verdade, mas as Fake News prevalecem. Isso acontece devido a cidadãos que acreditam somente na sua vontade, que enxergam somente a própria polaridade. Assim, a pessoa que começa a se automedicar antes mesmo de obter um diagnóstico pode acabar se prejudicando ainda mais. No contexto da semiótica, as Fake News podem apresentar diversas interpretações de acordo com diferentes teorias. O debate em si pode ser visto de diferentes maneiras, mas diante de um assunto como a Covid-19, uma pandemia que causou o que pode ser considerado como a pior devastação de vidas do século 21 (até agora), a população precisa estar mais atenta do que nunca. Há aqueles que procuram as Fake News porque não aceitam a realidade em que vivemos. Esses indivíduos podem estar mais perto de nós do que imaginamos, então cabe também aos próprios cidadãos, além de analisar e contribuir para o prevalecimento da verdade factual no debate contra as informações falsas, policiar aqueles que diretamente (ou indiretamente) contribuem para a desinformação.

Referências Bibliográficas GURGEL, Anderson. semiotica da cultura_1sem20. Acesso em: 19 jun. 2020. PACHECO, Priscila. Ivermectina, azitromicina e acetilcisteína não têm eficácia comprovada contra a Covid-19. 2020. Disponível em: <https://www.aosfatos.org/noticias/ivermectina-azitromicina-e-acetilcisteina-nao-temeficacia-comprovada-contra-covid-19/>. Acesso em: 09 jul. 2020 VERIFICA, Estadão. Trio de remédios indicado em redes sociais não tem eficácia comprovada contra coronavírus: Postagem que incentiva automedicação contra covid-19 não tem embasamento científico. 2020. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/trio-de-remedios-indicado-emredes-sociais-nao-tem-eficacia-comprovada-contra-coronavirus/>. Acesso em: 18 jun. 2020.


ECONOMIA TRADICIONAL X ECONOMIA SOLIDÁRIA


Economia Tradicional x Economia Solidária

Auxílio emergencial ou vale-presente? Camila da Silva, Laura Donini Rosas e Elisa Maria A. F. dos Santos O auxílio emergencial é um programa criado durante a pandemia para desempregados e trabalhadores informais com renda familiar de até três salários mínimos, que ficaram sem a fonte de renda com as medidas de distanciamento social. Este benefício foi apelidado de “coronavoucher”, primeiro por membros do governo, e logo após economistas e veículos de imprensa fizeram o mesmo.

Matérias de diferentes veículos que abordam o coronavoucher. Foto: Reprodução / Google

A expressão pode remeter a ideia de que o auxílio, criado em uma situação de crise sanitária, é feito, na verdade, para que as pessoas não trabalhem e fiquem em casa. Essa interpretação é reforçada no entendimento do auxílio como “vale” - que permite a quem o possui conseguir um desconto numa compra ou trocá-lo por bens e serviços, como se o auxílio emergencial fosse um “vale presente” dado pelo governo à população. Mas é dever do governo e direito do cidadão usar o dinheiro para cobrir parte dos gastos essenciais de sobrevivência, ao mesmo tempo que cumpre o isolamento social, evitando a disseminação do novo coronavírus.


Economia Tradicional x Economia Solidária Os programas assistencialistas no Brasil, como o Bolsa Família, existem há anos e, desde sempre, foram alvos de críticas, na visão daqueles que veem o auxílio como caridade e proveito de políticos, e elogios, na opinião de quem vê como uma política de diminuição da desigualdade social. Há outra questão a ser discutida, talvez mais importante do que o termo usado. A quantia oferecida pelo governo não é suficiente para sustentar as famílias que passam por dificuldades por conta da sua renda. Com o fechamento dos comércios, muitas pessoas perderam seus empregos ou estão sem trabalhar, então elas se inscrevem para receber o auxílio. Além de ser insuficiente, há também a espera de ser aceito, que demora mais tempo do que deveria, e fraudes por pessoas que não precisam do auxílio.

Charge sobre o auxílio emergencial. Crédito: Erasmo Spadotto

Um exemplo da visão deturpada do auxílio para a mídia, está na conta no Twitter da blogueira de educação financeira, Nath Finanças. Ela foi chamada para uma entrevista que perguntava “como fazer o dinheiro render e investir o auxílio emergencial?”. O programa tem como função atender, na circunstância da pandemia, ao menos parte das despesas básicas das pessoas sem trabalho e de baixa renda, na condição do decreto de estado de calamidade pública, e não uma política para ascensão social dos mais pobres.


Economia Tradicional x Economia Solidária Analisando semioticamente o termo “coronavoucher” como texto da cultura, segundo Bystrina, é uma unidade de sentido, um conjunto de signos, que reforçam erroneamente a ideia da Economia Solidária na implementação do auxílio emergencial. A cultura (segunda realidade) desse ponto de vista está ligada ao simbolismo pelo qual parte da sociedade mais meritocrática observa essas políticas públicas, e dessa forma, o termo se insere como código terciário, fazendo a ideia perdurar e, consequentemente, influenciar a semiosfera. O texto se constrói na interação do processo de comunicação e na dimensão dos seus signos conforme o contexto histórico pelo qual está incluso. Sob a perspectiva de Lotman, “coronavoucher” estabelece-se como texto da cultura por se tratar de um conjunto de informações que os grupos sociais acumulam e transmitem. Advém de um sistema modelizante secundário, informacional, classificando como “voucher” um direito essencial. Portanto, a ideia da Economia Solidária é diferente do contexto de distribuição de renda, mas é utilizada como signo, por meio dos códigos, para originar o termo. Esse texto remete ao centro do sistema que reproduz os entendimentos mais antigos, sem levar em consideração a situação atual. A economia, assim, é um sistema modelizante secundário. A tomada dessa política econômica durante a pandemia se baseia somente no dever do Estado em garantir os direitos dos cidadãos, previstos nas Constituição Federal de 1988 e na Declaração Internacional dos Direitos Humanos. O auxílio emergencial foi comparado à proposta de Renda Básica Universal, defendida pelo vereador Eduardo Suplicy, um benefício para qualquer brasileiro, independente de condição social.

Charge referente ao coronavoucher. Crédito: Fred


Economia Tradicional x Economia Solidária Quando repetimos uma palavra, uma ideia, ela pode ser base para outros. Sendo, portanto, um molde e um exemplo, fazendo parte de um sistema modelizante que cria referências para a sociedade, a responsabilidade é ainda maior. Nesse caso, o uso do termo “voucher” pode remeter à ideia de que o auxílio não é um direito, mesmo sendo usado para prevenção de situações de extrema miséria dos trabalhadores informais e micro empresas. População esta, que representa 41,1% da força de trabalho ocupada no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O cuidado com as palavras vai além do que é dito, mas como é dito. O jornalismo fazendo parte na produção de conhecimento da sociedade, é agente da reprodução ou ponto de reflexão acerca de preconceitos. Em um contexto de mídia terciária, na web, onde é muito fácil copiar e colar, a reprodução de ideias pode sequer passar pela reflexão de quem está consumindo ou reproduzindo o conteúdo. Com essa falta de reflexão a linha de fronteira se torna, não mais uma chance de desconstrução e diálogo, mas sim de medo e apreensão.

Referências Bibliográficas BAITELLO JÚNIOR, Norval. O animal que parou os relógios: Ensaios sobre comunicação, cultura e mídia. 2. ed. São Paulo: Annablume, 1999. RODRIGUES, Nathalia. Fui chamada para uma entrevista na dm do Insta e o tema era... Twitter Web App, 17 de jun. de 2020. Twitter: @nathfinancas. Disponível em: https://twitter.com/nathfinancas/status/1273128306288865281. Acesso em: 24 de jun. 2020. SILVERA, Daniel; ALVARENGA, Darlan. Trabalho informal avança para 41,3% da população ocupada e atinge nível recorde, diz IBGE. G1, 30 de jun.2019. Economia. Disponível em:<https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/30/trabalho-informalavanca-para-413percent-da-populacao-ocupada-e-atinge-nivel-recorde-dizibge.ghtml>. Acesso em: 20 de jun. 2020. VELHO, Ana Paula Machado. A semiótica da cultura: apontamentos para uma metodologia de análise da comunicação. Revista de Estudos da Comunicação, Curitiba, v. 10, n. 23, p.249-257, set./dez. 2009. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/comunicacao?dd99=pdf&dd1=3633>. Acesso em: 20 de jun. 2020.


ENTRETENIMENTO ANTES X ENTRETENIMENTO PÓS-PANDEMIA


Entretenimento antes x Entretenimento pós-pandemia

Como vamos viver em um novo mundo? Bruna Altenfelder, Carolina Duarte, Maria Luísa Domingues e Mariana Vasconcelos A pandemia do novo coronavírus mudou a maneira de encarar o mundo. Nada será como antes. E a pergunta é constante: Qual será o nosso futuro quando tudo isso passar? O entretenimento foi uma das áreas que mais ganhou protagonismo desde o início do isolamento. Com o fechamento de parques, cinemas, museus, shopping centers e teatros, o entretenimento online passou a ser uma forma de consumo de conteúdo, lazer e distração diante das incertezas. A grande novidade do momento, surpreendentemente já estava ao nosso alcance, mas era subutilizada anteriormente à pandemia. As transmissões ao vivo (lives) estabelecem conexões - à distância -, e repercutem nas redes sociais assuntos dos mais variados gêneros. Desde o início da pandemia, o consumo global de mídia aumentou 15%, de acordo com dados da Nielsen, com uma das maiores audiências dos últimos cinco anos. E as plataformas de vídeo e live streaming cresceram 66%.

Live Sandy e Junior. Foto: Reprodução / Youtube


Entretenimento antes x Entretenimento pós-pandemia A maneira de consumir entretenimento mudou, precisamos nos adaptar às novas mudanças. A chegada das lives, transmissões ao vivo, foi uma alternativa encontrada para levar entretenimento para as pessoas. Como o que foi feito pela dupla Sandy & Junior, no dia 21 de abril de 2020, uma forma de usar a música em prol de arrecadar doações para hospitais e ONGs nesse momento de pandemia. Um símbolo de solidariedade e união - mesmo que a distância. A semiótica da cultura torna possível a compreensão de novos textos e signos que transformam e impactam a forma como um grupo social se comunica. Engloba manifestações que vão além da linguagem. Uma dessas manifestações se traduz em outro tipo de comunicação: a da música. As raízes da cultura são separadas entre o jogo, o sonho, o inconsciente e os estados alterados. Quando falamos do conceito de jogo, podemos relacioná-lo com a live em questão, já que ela é uma decisão livre e não necessária, além de virar uma fuga sem consequências. No mesmo contexto, pode ser associada ao inconsciente, que nos permite sair de nossa própria realidade, da mesma forma que o "evento" de Sandy e Junior, nos desconecta da fria realidade do mundo em pandemia. Os códigos terciários são compostos por binariedade, polaridade e assimetria. A polaridade como a valorização de algum polo, a binariedade como a presença de dois lados opostos e por fim a assimetria que são polos superiores e mais fortes que outro. Assim, aplicamos esse conceito no objetivo por trás da live citada e o que ela representa no contexto atual, valorizando um polo positivo, de esperança e de solidariedade, diante de um cenário de incerteza e medo. A fronteira entre os sistemas que permitem a hibridização, o código, e a exploração de geração de novos textos. Quando áreas do conhecimento distintas se encontram no espaço de fronteira, nesse caso a arte (música) e o entretenimento (redes sociais), novos textos da cultura surgem como as lives de cantores. Esse novo produto, os shows, que aconteceriam de forma presencial, ocorrem nas plataformas digitais na forma de live. Os sistemas modelizantes como objeto das representações da linguagem relacionam o mundo conectado por redes sociais e compartilhamentos. Os efeitos do entretenimento perante a esse cenário retrata a linguagem com a cultura não falada e sim por meios remotos, via internet. O jornalista Gideon Lichfield e o historiador Yuval Noah Harrari têm a mesma pergunta: Como vamos viver em um novo mundo?


Entretenimento antes x Entretenimento pós-pandemia De uma forma ou de outra, naturalmente, vamos nos acostumar. Estamos de frente com novas mudanças que na teoria ultrapassam fronteiras do mundo inteiro atingidos pela pandemia. Assim, o entretenimento enfrenta mudanças em todos os âmbitos; as empresas que dependem de aglomerações de pessoas para sobreviverem conhecem de perto o que se chama a “economia fechada.” No contexto em que nos encontramos, vimos de perto a capacidade humana de usar a tecnologia ao seu favor para superar a natureza, já que a saída da normalidade, cria cultura. Uma coisa é clara: nada será como antes. Os novos signos estão transformando a maneira que a sociedade se comunica. O ser humano tem uma incrível capacidade de se adaptar a novas realidades, e usará da tecnologia para conseguir superar a pandemia.

Referências Bibliográficas CAMPOS, Eliza, A. Rennan, BULDRINI, Rodrigo. Coronavírus: o futuro da indústria do entretenimento após a pandemia: Dustin Pozzetti, sócio-líder de tecnologia, mídia e telecomunicações da KPMG, discute o impacto da crise na cultura. Globo.com, 22 maio 2020. Disponível em: Globo.com. Acesso em: 22 jun. 2020. JUNIOR, Norval Baitello. O animal que parou os relógios. 18. ed. rev. [S. l.]: ANNABLUME editora, 1997. 128 p. v. 2 LICHFIELD, Gideon. We’re not going back to normal: Social distancing is here to stay for much more than a few weeks. It will upend our way of life, in some ways forever.. To stop coronavirus, MIT Technology Review, p. 1-3, 17 mar. 2020. Disponível em: technology review.com. Acesso em: 13 abr. 2020. MACHADO VELHO, Ana Paula. A SEMIÓTICA DA CULTURA: apontamentos para uma metodologia de análise da comunicação. Comunicação. Semiótica da cultura. Linguagem. Escola de Tártu-Moscou., Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 10, n. 23, p. 249257, 2009. MARCONDES, Pyr. Jamais seremos os mesmos novamente: Nós, cidadãos, vamos mudar. O Estado vai mudar. As empresas vão mudar. Parte de tudo voltará ao normal. Parte, jamais será a mesma coisa. Pandemia COVID-19, proxxima, p. 1-4, 23 mar. 2020. Disponível em: proxxima.com.br. Acesso em: 13 abr. 2020. TEIXEIRA ALVES, Danilo. Especialista cita 15 tendências do entretenimento no pós pandemia. Portal Panrotas, 21 maio 2020. Disponível em: Portal Panrotas. Acesso em: 23 jun. 2020. REDAÇÃO, Globo. Lives solidárias arrecadam doações para artistas em situação de vulnerabilidade durante pandemia do coronavírus no AM: Público pode contribuir com depósito bancário, cestas básicas e produtos de limpeza e higiene. Globo.com, 8 abr. 2020. Disponível em: Globo.com. Acesso em: 23 jun. 2020.


CIÊNCIA X NEGACIONISMO


Ciência x Negacionismo

Quarentena ioiô Alvaro Guilhermino, Sofia Kioko, Layane Queiroz e Igor Lima Entre os dias 22 e 23 de abril, 19 cidades paulistas reabriram parte de seus comércios. De acordo com reportagem do jornal Folha de S.P., isso causou um aumento de 496,51% nos casos de Covid-19 nessas localidades. No mesmo período, estudos científicos analisaram que ainda não haviam chegado ao pico da contaminação e que só após a diminuição dos casos identificados, o país poderia dar início à reabertura gradual dos serviços não essenciais. Na matéria do El País, é apresentada a ideia de "quarentena ioiô", termo referente às políticas tomadas pelo governo no período de pandemia, em que o "abre-e-fecha" do comércio gera instabilidade. A decisão de liberar o retorno das atividades comerciais tomada pelo governo, mesmo com os alertas científicos que ainda defendem o isolamento social como forma de diminuir a transmissão do vírus, descredibiliza as recomendações feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Chamada de matéria sobre retorno do comércio em São Paulo durante a pendemia de coronavírus no El País. Foto: Reprodução

As políticas de reabertura do comércio se opõem ao conhecimento científico. São um símbolo negacionista e interferem diretamente no bem estar da sociedade, aumentando o número de mortes. Essas políticas se conectam diretamente ao obscurantismo, que restringe o acesso à informação e privilegia a ignorância.


Ciência x Negacionismo O homem cria assim sua própria realidade. A partir do nível primário (biológico), do ponto de vista de Bystrina, uma segunda realidade se desenvolve. O negacionismo apresenta-se como uma forma do homem lidar com a natureza. Uma fuga simbólica criada pelo medo da morte, intensificado pelo novo coronavírus, criando um cenário onde a doença não é um problema iminente. Em contraponto, às políticas de salvamentos de vidas são criadas por meio de ações e informações preventivas, como forma de manter a vida e a saúde do maior número de pessoas possível. São estruturadas na ciência, que se baseiam em experimentos, análises racionais e formulação de hipóteses que visem explicar um fato. É possível associar essa temática aos códigos terciários falados por Bystrina. Esses códigos, chamados também de culturais ou hiperlinguais, são responsáveis por transformar os fenômenos da natureza em explicações de nossas realidades. Ou seja, deixam de ser um signo e passam a ser um símbolo. Assim, a ciência (símbolo), passa a explicar os fenômenos naturais, dessa maneira criamos múltiplos entendimentos do tema e suas diferentes visões, que se tornam parte de nossa cultura. Em contraponto, às políticas de salvamentos de vidas são criadas por meio de ações e informações preventivas, como forma de manter a vida e a saúde do maior número de pessoas possível. São estruturadas na ciência, que se baseiam em experimentos, análises racionais e formulação de hipóteses que visem explicar um fato. É possível associar essa temática aos códigos terciários falados por Bystrina. Esses códigos, chamados também de culturais ou hiperlinguais, são responsáveis por transformar os fenômenos da natureza em explicações de nossas realidades. Ou seja, deixam de ser um signo e passam a ser um símbolo. Assim, a ciência (símbolo), passa a explicar os fenômenos naturais, dessa maneira criamos múltiplos entendimentos do tema e suas diferentes visões, que se tornam parte de nossa cultura. Tendo essas múltiplas opiniões sobre a ciência em nossa sociedade, a estrutura da binariedade e da polaridade se tornam assimétricas, pois o polo negativo (morte) é sentido mais forte que o positivo (vida). Essa visão impulsiona o avanço das pesquisas científicas em prol de um prolongamento da vida humana.


Ciência x Negacionismo O ponto de tensão criado com políticas que se opõem em seus principais aspectos, desde suas bases até as ações práticas, geram conflito social. Ao permitir a reabertura de serviços não essenciais, os governantes passam a mensagem de uma melhoria que a ciência prova não ser real, enquanto a população tem que decidir em quais instruções confiar. Esse desacordo faz com que nenhuma ação seja de fato efetiva e exista a possibilidade dessa reabertura chamada de “ioiô”, quando os governantes liberam o comércio e a ciência apresenta dados que fazem com que a decisão tenha que ser anulada. A referência ao brinquedo ioiô, é uma figura de linguagem para retratar a quarentena, estabelecendo uma relação com a forma que esse período é encarado. O termo "quarentena ioiô" remete a uma falta de seriedade e responsabilidade, passando a ideia de que as ações tomadas pelo governo são brincadeiras infantis com a população. Esses aspectos constroem e fazem parte da cultura, o complexo sistema comunicativo que lida com a forma como o homem se relaciona com o mundo ao seu redor. No contexto da pandemia, aspectos culturais sofrem mudanças, novos textos surgem e com eles a necessidade de se readaptar. Com a drástica mudança que foi necessária ser feita por conta da pandemia, novas regras sociais e culturais foram criadas.

Reprodução: Eduardo Knapp/Folhapress


Ciência x Negacionismo A situação atual em que a sociedade se encontra e as atitudes tomadas a partir do contexto Covid-19 não surgem espontaneamente, mas tomam base nas culturas que foram criadas através das gerações. Contudo, numa pandemia os instintos como o medo e a ansiedade se afloram e os padrões de comportamentos são adaptados. Essas ações têm o intuito de superar o risco iminente da morte, porém podem favorecer a criação de culturas nocivas, como as baseadas no obscurantismo e na negação da realidade.

Referências Bibliográficas BARDON, Adrian. Por que negamos fatos que contrariam as nossas crenças. Jornal Nexo, 07 de fev de 2020, Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/externo/2020/02/07/Por-que-negamos-fatos-quecontrariam-as-nossas-cren%C3%A7as> Acesso em: 20 de junho de 2020. GURGEL, Anderson. Slides semiótica da cultura. 2020. MENDONÇA, Heloisa. Retorno do comércio em São Paulo provoca aglomerações. Especialista critica ‘quarentena ioiô’. El Pais, São Paulo, 10 jun. 2020, Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-11/retorno-do-comercio-em-sao-pauloprovoca-aglomeracoes-especialista-critica-quarentena-ioio.html> Acesso em: 20 de junho de 2020. TOLEDO, Marcelo. Casos de Covid-19 e mortes crescem mais onde comércio foi reaberto em SP. Folha de São Paulo, 22 de maio de 2020, Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/casos-de-covid-19-e-mortescrescem-mais-onde-comercio-foi-reaberto-em-sp.shtml> Acesso em: 20 de junho de 2020. KNAPP, Eduardo. Reabertura de shopping em São Paulo. Folha de São Paulo, 11.jun.2020, Disponível em:


VIDA VIDA X X MORTE MORTE SAÚDE SAÚDE X X DOENÇA DOENÇA


Vida x Morte / Saúde x Doença

A ressignificação da morte na pandemia Guilherme Alves, Gustavo Coutinho, Pedro Braga, Rafael Hideki e Tito Campos O ser humano é um animal contador de histórias. Somos a única espécie que pensa em narrativas concretas e complexas para sua própria existência - e sobrevivência. A vida humana é colocada sob um universo de mitos. Isto é, formas comunicativas de conservar e de significar valores por meio de símbolos ou meta símbolos, que expressam, ampliam, antecipam, fixam, esclarecem, ocultam ou exaltam um valor significado. Tudo aquilo que a natureza impõe é a primeira realidade. Ou seja, o que não advém de uma criação humana. E a cultura é a segunda realidade, que vem da necessidade de trazer significados às realidades. Isto é, por meio de um mecanismo supra-individual formamos uma memória não genética que funciona como uma inteligência coletiva da sociedade. Com ela, sistemas são expostos a infinitos movimentos de organização, que têm como função processar as informações, as demandas que surgem de fora do ambiente e de outros sistemas com que o homem se relaciona com o mundo. Desta forma, a cultura é uma acumulação histórica de sistemas semióticos que variam, mudam e se transformam ao longo da história. Diante de um fato tão marcante na história humana, a pandemia do coronavírus, e as mudanças radicais que o isolamento social impõe nos hábitos cotidianos, a vida humana é recriada a partir de uma outra realidade. Ou seja, uma “nova cultura" - a segunda realidade - construída sobre o ambiente natural a partir de uma necessidade de perdurar no tempo. Assim, a cultura muda a natureza, que por sua vez, interfere na cultura, em um sistema intercomunicante. Para aprofundar o conceito de “nova cultura”, o trabalho do artista visual identificado como Black Death é um exemplo de como é possível criar esta segunda realidade, que, de acordo com Bystrina, é o próprio comportamento humano diante das imposições naturais da vida. Por meio de uma conta no Instagram, @plaguehistory - nome utilizado na rede social - recria obras de arte clássicas colocando máscaras nos rostos dos personagens retratados.


Vida x Morte / Saúde x Doença Assim, o artista, ao adicionar o símbolo (máscara) que remete ao momento atual (pandemia), cria novos textos da cultura. Esses textos são um conjunto de signos, que formam uma narrativa. Entretanto cada signo e narrativa formada tem seu significado e entendimento, esses variam de acordo com a região e grupo social que tenham acesso a eles.

Retrato Dr. Heinrich Stadelmann, Otto Dix, 1922

Releitura da obra de Otto Dix, por Black Death (@plaguehistory)

A obra de Otto Dix, de 1922, retrata o Dr. Heinrich Stadelmann, médico e especialista em necropsias de corpos na Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. O semblante pálido e a pele sem cor simboliza o cansaço de alguém que trabalha na linha de frente da guerra. Os olhos, espantados e avermelhados, dão a sensação de exaustão, típica de quem se sente esgotado fisicamente, fazendo um tremendo esforço para não descansar as pálpebras. A gravata apertada sufoca o médico como a tarefa de lidar diretamente com a vida dos doentes, assim como sufoca os profissionais de saúde que trabalham na soleira entre a vida e a morte. O negacionismo da doença e o descaso em relação ao perigo da pandemia se explica pela falta da mídia primária na vida das pessoas. É apenas uma “gripezinha”, até que se experimente a dor na própria pele.


Vida x Morte / Saúde x Doença São três maneiras de preencher o vazio entre o eu e o outro. Com a mídia primária impossibilitada pelo distanciamento social, as mídias secundárias e terciárias também se transformaram por consequência e mudaram relações sociais. Uma das mudanças mais impactantes dessas relações sociais, são das cerimônias e relacionamentos pós morte. Tanto pelo cuidado contra a doença (evitar contato e aglomerações), quanto pelo volume de mortos, as cerimônias de sepultamento, intimistas e sensíveis, foram substituídas pelo enterro em massa em valas comuns, como na foto abaixo. A mensagem, a marcação da vida desta pessoa, agora enterrada sem lápide, se perde, assim como o significado da morte em si.

Foto: reprodução/ Picture Alliance

Assim como o significado da morte em si, a nova realidade vivenciada por nós provocou um enfraquecimento tanto da mídia primária, de relações diretas e multissensoriais, quanto da mídia secundária, onde a mensagem se desgarra do emissor e fixa-se em um suporte.


Vida x Morte / Saúde x Doença

Referências Bibliográficas BAITELLO JUNIOR, Norval. O animal que parou os relógios. São Paulo: Editora Annablume, 1999 TÁVOLA, Artur. Comunicação é mito. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1985 VELHO, Ana Paula Machado. A semiótica da cultura: apontamentos para uma metodologia de análise da comunicação. Curitiba, 2009 <https://www.pinterest.ca/pin/732609064366759661/> Acesso em 10/07/2020 <https://www.dw.com/pt-br/n%C3%A3o-%C3%A9-normal-dizem-coveiros-sobretrabalho-em-cemit%C3%A9rios-de-s%C3%A3o-paulo/a-53057182> Acesso em 10/07/2020


CASA CASA X X RUA RUA


Casa X Rua

As ruas são perigosas, mas o silêncio é um risco Andrezza Ferrigno, Camille Santos, Gabriel Belic, Isabella Scala e Nicolly Alves Em março, a OMS determinou que o isolamento social é uma medida de contenção. Aqueles que quebravam a quarentena, se não fosse por razões de extrema necessidade, eram taxados como egoístas. Com o passar do tempo, o mundo começou a se reunir para lutar contra uma enfermidade completamente diferente: o racismo. A partir da necessidade de posicionamentos anti-racistas frente às inúmeras formas de violência que pessoas pretas sofrem todos os dias, pelo racismo estrutural existente na sociedade, as manifestações fomentaram a ressignificação do isolamento. Nesse momento, passou a ser “aceitável” sair de casa, desde que levassem todos cuidados necessários, para protestar. Porém, para entender melhor essas ressignificações, precisamos discutir alguns conceitos semióticos.

Charge sobre o isolamento social em relação aos protestos. Crédito: Cazo


Casa X Rua A cultura é um conjunto de textos, sendo que neles existe o universo do código, um sistema de regras e vinculações com outros signos, preenchendo uma função comunicativa, estética, emotiva e expressiva. Os códigos funcionam, assim, como organizadores do texto. Todas as atividades têm seus códigos primários – aqueles que regulam toda a informação presente no organismo –, responsáveis apenas pela transmissão de informação. Já os códigos secundários, que ainda não fazem parte da cultura, são formados pelos processos de interação social e suas linguagens, essenciais para a comunicação social. Os sistemas modelizantes são divididos em primários e secundários. Os primeiros correspondem às línguas naturais, os segundos possuem o sistema primário como base, mas recebem, posteriormente, “uma estrutura complementar, secundária, de tipo ideológico, ético, artístico ou de qualquer outro tipo”, segundo Lotman. A estrutura do código terciário tem como base a binariedade, a polaridade e a assimetria. A binariedade é evidente na aglomeração e no isolamento, que possuem semânticas opostas. Dentro da própria binariedade existe uma polaridade, sendo que cada polo recebe um valor, negativo ou positivo. Entretanto, o pólo negativo é recebido de forma mais intensa, demonstrando a assimetria. Sendo assim, o isolamento, de caráter negativo, possui uma percepção mais forte que a multidão. Trazendo isso para um cenário pandêmico, os significados são alterados.

Protestos contra o racismo no EUA. Foto: Oli Scarff / Getty Images


Casa X Rua Sabe-se que o isolamento possui pouca ou quase nenhuma interação física entre indivíduos, prevalecendo os meios secundários – nos quais há a necessidade de um aparato e o desprendimento da mensagem do receptor – e terciários – nos quais necessita-se de um aparato tecnológico tanto para o emissor, quanto para o receptor. Por outro lado, pensando na aglomeração, o meio primário – aquele que não necessita de algo extracorpóreo para emitir a mensagem – prevalece, já que os indivíduos estão se comunicando de maneira direta. Analisando protestos antirracismo, caímos direto nos sistemas modelizantes secundários, já que esse assunto possui uma estrutura tanto ideológica quanto ética. O mesmo vale para o isolamento, já que a escolha de desrespeitá-lo ou não cai nas ideologias éticas. A binariedade encontrada na oposição isolamento x aglomeração é exemplificada pela medida sanitária de contenção via distanciamento social e a saída para as ruas com finalidade de protestar por uma revolução na hierarquia social. Essa polaridade tem um papel essencial sobre o poder de escolha, já que para pessoas racializadas o medo de colocar-se em risco de contaminação não se sobrepõe à violência proporcionada pelo racismo.

Manifestante frente a policial durante protestos. Foto: Tasos Katopodis / Getty Images


Casa X Rua A mídia terciária teve um papel influente nesse período, uma vez que as pessoas – em estado de medo pela situação de distanciamento – não estão tendo contato com o mundo externo e, consequentemente, não sabem o que se passa no mundo exterior. Assim, as informações só chegam através da mídia terciária. Logo, ao se informarem sobre a mobilização acerca dos protestos surge a necessidade de ponderar sobre a escolha de se colocar em contato com aglomerações a fim de protestar por mudanças e a escolha de se manter isolado por medo de contaminação. Portanto, o contexto pandêmico foi responsável por ressignificações dos signos presentes na sociedade, como, por exemplo, aglomeração e isolamento. Isto é, a polaridade na semântica das duas palavras passou e continua passando por permutações e, consequentemente, deixa de possuir um polo negativo definitivo, dificultando o poder de decisão. A conhecida frase do poeta John Donne “Nenhum homem é uma ilha” exemplifica a necessidade do meio primário entre os indivíduos. Ainda que a medida de contenção social seja o recomendável, realocando o isolamento num pólo positivo, existe a ambiguidade natural no ser pela primordialidade de se colocar em contato com o outro. O homem é um ser social.

Referências Bibliográficas LOTMAN, Iuri. Acerca de la semiosfera. In: ___. La semiosfera I. Semiótica de la cultura y del texto. Madrid: Cátedra, 1996, p. 21-42. GURGEL, Anderson. Semiótica da Cultura. 1°/2020. Apresentação em Power Point. Disponível em: https://eadmoodle.mackenzie.br/course/view.php?id=3606&section=2. Acesso em: 20 jun. 2020.


ESPERANÇA ESPERANÇA X X DESESPERANÇA DESESPERANÇA


Esperança X Desesperança

O novo mundo para as futuras gerações Guilherme Porrino, Júlia Siqueira, Lucy Matos e Vinícius Lima Para analisar semioticamente o significado de esperança e desesperança, como texto da cultura, no período de pandemia, o objeto escolhido foi a edição de junho da revista Vogue Itália, que apresenta oito desenhos feitos por crianças de diferentes países, com idade entre dois e dez anos, para a campanha #OurNewWorld. A edição é dedicada às crianças que, segundo a revista, são as vítimas mais negligenciadas e menos óbvias nessa pandemia. A proposta é imaginar um mundo novo após a crise.

Desenhos feitos por crianças nas capas da Vogue Itália de junho de 2020. Imagem: Divulgação / Vogue Italia

O objeto, por ter relação com o universo infantil, evidencia as prioridades que uma mídia (revista) tem ao publicar determinado conteúdo. Por querer se comunicar com a sociedade através de textos e imagens, a publicação encontrou, nas ilustrações de crianças, uma forma de colocar seu ponto de vista para o leitor.


Esperança X Desesperança Textos da cultura são constituídos por símbolos, que são entendidos de formas distintas por diferentes culturas e regiões. Quando os símbolos entram em consonância, um texto da cultura é formado, a partir dos sistemas modalizadores, e, assim como os símbolos, podem ser interpretados de formas diversas. Primeiramente, para falar sobre esperança e desesperança, é preciso entender onde esses termos se encaixam no conceito dos códigos terciários - questão primordial da semiótica da cultura - em que polarizamos fatos da natureza e os aproximamos da nossa realidade, fazendo deles parte da nossa cultura. Tendo isso em mente, aplicamos a binariedade e polaridade por trás das palavras antagônicas e o que elas representam no contexto atual. Como o mundo enfrenta uma crise séria causada pela pandemia, qualquer texto cultural com uma visão otimista, hoje, desempenha um papel para causar na sociedade uma sensação de esperança e tranquilização em relação à dura realidade. Em contrapartida, qualquer proposta mais sóbria e voltada à quantidade de vítimas e ao contágio do vírus, pode gerar a desesperança em quem recebe a informação. Esse raciocínio se conecta diretamente com o conceito de mídia como instrumento de conexão, que busca superar abismos. Tudo que fica no meio de campo pode receber e conservar rastros e, dentro desse raciocínio, colocamos o sentimento de esperança ou desesperança. A mídia conecta a informação com o leitor. Se a ótica apresentada for negativa, gera desesperança e, se for positiva, o rastro toma outra direção. A proposta da revista, portanto, era deixar um rastro através da arte. A revista, dessa forma, funciona como mídia secundária. Quando analisamos a ótica das raízes da cultura, o significado da capa se enquadra na parte de sonhos como motor da cultura, ou seja, um modo de fazer o leitor sair da realidade e imaginar um futuro melhor, conectando com o sentido de esperança. Nessa ótica, também temos o conceito de jogo. O jogo representa a atividade voluntária que acontece dentro de uma limitação temporal e com regras obrigatórias. Outro aspecto é a quebra da rotina. É possível estabelecer com a capa da revista uma relação direta, pois, com base na explicação dada pela Vogue, as crianças que desenharam foram desafiadas, ou seja, participaram de um jogo que possuía algumas determinações, como as regras de desenhar um mundo depois da crise. Além disso, é uma tradução enigmática de lutas do ser humano para compreender a realidade. Dessa maneira, vemos como os desenhos trazidos contam uma história que se torna um símbolo para a sociedade quando estão na capa. Tudo isso por meio de fantasias e sentimentos presentes nos próprios ideais das crianças, ou seja, tradução dos conflitos para compreender sua relação com a realidade, no caso, a pandemia.


Esperança X Desesperança sentimentos presentes nos próprios ideais das crianças, ou seja, tradução dos conflitos para compreender sua relação com a realidade, no caso, a pandemia. As fronteiras são espaços que compreendem à criação de novos textos da cultura, que nascem a partir do encontro de diferentes áreas. A Vogue quebra a sua fronteira ao colocar desenhos de crianças em sua capa, gerando um novo produto. É possível perceber que a partir dessa convergência a esperança surge. Logo, o escopo é trazer uma nova visão sobre o significado do desenho. Fora de contexto, pode parecer apenas um rascunho, mas, no conceito apresentado pela revista, significa futuro. Futuro, por sua vez, significa esperança.

Referências Bibliográficas BAITELLO JUNIOR, Norval. O Animal que Parou os Relógios. Annablume, 1999. BYSTRINA, Ivan. Tópicos de Semiótica da Cultura. 1995. CAMARGO, Suzana. A visão de crianças de um novo mundo, pós-pandemia, estampa capas da nova edição da Vogue Itália. Disponível em: <https://bit.ly/3hxaT9v>. Acesso em 16/06/2020. VOGUE ITÁLIA. Edição 838, ano 128, n. 6, 10 de junho de 2020.



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