Jornal-laboratório Extraordinário Belas Artes Dez17

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Para todos Babel P08 Barbearia móvel P18

Cultos inclusivos

P28 Conexão

Cursinho popular

P44 Viva Cultura

Autoestima periférica

EXTRA O R D I N Á RIO Edição n °1 | Dezembro de 2017 Produção de alunos de jornalismo do quarto semestre de 2017 do Centro Universitário Belas A r t e s

Personagens urbanos que humanizam a selva de pedra


Cinza, prédios e correria. Normalmente são essas palavras que descrevem São Paulo. Com mais de 12 milhões de habitantes, a cidade que não dorme é coberta por diferentes tons de cinza e preenchida por altos edifícios. Porém, em meio a esse caos familiar e cômodo, algumas histórias se sobressaem nessa bagunça que chamamos de “nossa casa”. E elas precisam ser contadas. Nosso jornal tem como objetivo trazer o olhar do leitor para uma São Paulo mais humana, sensível e extraordinária. EDITORAS-CHEFE Fernanda Araújo e Karina Pignataro EDITORIAS Babel Editores: Flávia Fazoli e Jorge Oliveira Revisores: Natasha Faria e Gustavo Souza Redatores e fotógrafos: Bianca Lodi, Noelson Vieira Nunes, Lucas Barozzi, Sabrina Artioli, Guilherme Duarte Arte: Mariany Para Todos Editores: Deslange Paiva e Ravelly Santana Revisores: Mila Rizzuto e Cassiana Araújo Redatores e fotógrafos: Karina Pignataro, Felipe Leite, Camila Cesar, Aguida Carvalho Arte: Sabrina Artiolli Conexão Editores: Camila Cesar e Veruska Reis Revisores: Ana Gabriela Camiza, Patricia Santos e Aguida Carvalho Redatores e fotógrafos: Jorge de Oliveira, Flávia Fazoli, Mayara Corrêa, Ravelly Santana, Fernanda Araujo e Cassiana Araujo Arte: Larissa Rosada

Viva Cultura Editores: Lucas Barozzi e Felipe Revisores: Bianca Lodi, Noelson Vieira Nunes, Mayara Correa Redatores e fotógrafos: Natasha Faria, Gustavo Souza, Lorenna Kogawa,Larissa Rosada, Mila Rizzuto, Mariany Faria, Deslange Paiva, Ana Gabriela Camiza Arte: Lorenna Kogawa e Guilherme Duarte DIRETORA DE ARTE Lorenna Kogawa PROFESSOR RESPONSÁVEL Anderson Gurgel COORDENADOR DE CURSO Ronaldo Mathias PRÓ-REITOR ACADÊMICO Sidney Leite


BABEL

CASAL CORE ANO D O A tempo e alimento em São Paulo Próximo ao metrô Tiradentes, distribuem 100 marmitex por dia Veruska Reis

Casal faz da solidariedade um propósito de vida foto: Veruska Reis

Pensar no próximo, buscar o bem comum, são atitudes demonstradas por poucos. Mesmo muitas vezes oculto, sim, existe amor por aqui. Exemplo disso é Cristina e Young, que têm 61 e 67 anos, respectivamente. O casal que veio da Coreia do Sul e entregam marmitex aos moradores de rua, na Praça Coronel Fernandes Prestes, próximo ao metrô Tiradentes. “O trabalho que acontece diariamente, veio do desejo em ajudar os mais necessitados”, afirma Cristina, que sempre pediu a Deus para que tivesse estabilidade financeira e de alguma forma pudesse ajudar ao próximo. O casal de coreanos está no país há 20 anos, e há 15 eles doam

tempo e alimento de segunda a sexta-feira pontualmente às 19 horas.

Solidariedade Ao sair da Coreia, no fim da década de 90, não havia muitos moradores de rua por lá, então, logo que chegou aqui em São Paulo se surpreendeu com a quantidade de pessoas em situação de risco e se solidarizou. O trabalho possui ajuda financeira de um ou outro amigo do casal, mas em geral saem tudo do bolso deles. “Não compramos roupas nem sapatos, nosso dinheiro é voltado todo para a ação, vários amigos coreanos, que ajudavam hoje, não moram mais aqui”, afirma Cristina. Cem marmitex por dia e mais de cem mil pessoas já receberam essa refeição feita com amor e carinho por eles. “Venho aqui durante a semana toda, há muito tempo... Muitas vezes é minha única refeição do dia”, diz Caroline, de 65 anos, moradora de rua e umas das primeiras na fila, que se forma muito antes da chegada do casal. Antes da entrega, todos oram o Pai Nosso e Cristina pede para que eles tragam os talheres. “No mês, gastamos muito dinheiro com os garfos”, revela ela. Eles não falam bem o português, mas, nas conversas com os moradores, orientam a deixar a praça limpa, “não pode jogar na rua”, diz Young, e os dois, ainda assim, permanecem no local para limpar eventuais resíduos. O maior desejo deles é conseguir abrigar essas pessoas e ajudá-las a ter uma vida digna. “Todos os dias, pedimos isso a Deus”, afirma o casal.

Casal doa alimentos nas redondezas do metrô Tiradentes foto: Veruska Reis 1


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110 ANOS DE HISTÓRIA NO BRASIL: Aniversário da imigração japonesa

plantio e por plantas ornamentais. Amor esse que pode ser visto pelo seu belo jardim, na entrada de sua casa. Uma das lembranças mais firmes em sua cabeça até hoje é a dificuldade da época e as diferenças com os dias atuais, que reforça sempre em todas as respostas. “Antes tínhamos que plantar para comer, mas hoje é tudo mais fácil com supermercados em todo lugar, e mais oportunidades de trabalho.”

E o trabalho continua

Já aos 60 anos de idade, na década de Guilherme Duarte 90, Paulo fez o caminho de volta até a sua Nascido no dia 11 de novembro terra natal em um movimento conhecido de 1927, na província de Fukushima no como decasséguis, onde os milhares de Japão, em uma família de 10 irmãos, Tohru descendentes de japoneses no Brasil e seus Yamamoto não imaginava o seu destino aos cinco anos de idade ao cruzar o mundo em direção ao porto de Santos. Batizado com o nome de Paulo Yamamoto, o senhor de 90 anos é um poço de informações sobre os primeiros anos da colônia japonesa no Brasil, prestes há completar 110 anos em 2018. Yamamoto chegou ao Brasil no começo de 1934. Ativo, caminha diariamente pelo bairro, cuida da sua horta e escreve em seu diário, hábito esse que cultiva desde a sua alfabetização. Hoje mora com a sua filha, dona Felícia, próximo a Avenida dos Imigrantes Japonês, na zona oeste de São Paulo. Ao chegar ao Brasil, Paulo foi levado junto a sua família para o interior do estado de São Paulo, na cidade de Araçatuba, onde trabalharam durante anos no plantio de Café. Paulo viveu muito tempo no interior, mas a cidade de São Paulo está na sua mente desde os seus tempos de garoto. “Lembrome de chegar à rodoviária da Luz quando era criança, era emocionante! Vínhamos para São Paulo para comprar itens que não tinha no interior.” Ao completar 18 anos de idade, Paulo foi trabalhar em uma fazenda de enxerto de frutas cítricas também no interior de São “Eu digo que sou importado!”, conta Paulo Paulo, e lá desenvolveu o seu amor pelo foto: Guilherme Duarte 2


cônjunges voltaram ao Japão para trabalhar. Dessa vez voltou ao Japão para trabalhar em uma fábrica de metalúrgica na cidade de Ota, junto a sua segunda esposa, e a convite do seu filho que já morava no Japão. “O meu filho me ligou e falou: ‘abriu uma vaga aqui na fábrica. Se o senhor quiser é só estar com todos os documentos prontos dentro de 10 dias!’, e então eu providenciei tudo e fui”Lá teria que trabalhar inspecionando as latinhas de cerveja e refrigerante defeituosas “Para isso eu tinha que ter uma boa visão!” Após anos e anos de vida no Brasil, o senhor que esse ano completa 90 anos se sentiu muito bem recebido e acredita que essa terra é “Abençoada! Tudo que se planta se colhe.” E com muito orgulho no final da nossa entrevista, ele vai até o seu quarto e pega seu Registro Nacional de Estrangeiro, RNE. “Quanto chego aos

lugares e mostro minha identidade, todo mundo fica espantado, por que ninguém nunca viu um! Daí eu brinco: ‘claro que não, eu sou importado’”. O Paulo é um dos vários descendentes de japoneses na cidade de São Paulo, que no próximo ano comemorarão 110 anos da imigração de suas famílias ao Brasil, mas, além disso, ele é um dos milhares de estrangeiros que fazem de São Paulo essa cidade multicultural e diversa por natureza.

“Antes tínhamos que plantar para comer, mas hoje é tudo mais fácil com supermercados em todo lugar, e mais oportunidades de trabalho”

“Eu digo que sou importado!”, conta Paulo mostrando seu RNE foto: Guilherme Duarte 3


Imigrante italiana, Devanir Maria Benatti, em sua residência no bairro da Mooca foto: Sabrina Artioli

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A ILUSTRE moradora da Mooca Italiana adota cinco crianças brasileiras e tem uma enorme gratidão pelo país através de festas alternativas Sabrina Artioli 4

Há 143 anos, o Brasil recebia os primeiros imigrantes italianos, acompanhados de muitas famílias que vieram para o país em busca de melhores condições de vida. A maioria desembarcou primeiro no Rio de Janeiro, depois Rio grande do Sul e se espalharam pelo país para trabalharem em fábricas. Sendo assim, tiveram que se adaptar à cultura brasileira. A imigrante Devandir Maria Benatti, de 80 anos, mora no bairro da Mooca e veio ao Brasil com 14 anos de idade e conta: “Quando cheguei ao Brasil viemos morar em São Paulo, comecei a trabalhar como babá e cuidando das casas para manter o sustento da minha família, que era muito grande.” Sua família veio ao país com a


outros. Essas crianças foram adotadas com idades entre 6 a 12 anos e eram mantidas com o dinheiro da sua loja de conveniência. Hoje já são pais de família e cada um deles mora em um Estado, mas o amor por eles se mantém mesmo com a distância. Sem deixar de manter as tradições, Devandir diz que sempre teve uma fé católica muito forte, enraizada na cultura italiana. E, como sendo italiana, a culinária também não poderia ser diferente, a qual agrada a muitos e tem passado de geração em geração, mantendo a memória e preservando seus costumes.

“Quando cheguei ao Brasil viemos morar em São Paulo, comecei a trabalhar como babá e cuidando das casas para manter o sustento da minha família, que era muito grande”

intenção de ter uma vida nova porém, quando chegaram à cidade, pensaram que as coisas rapidamente seriam mais fáceis, principalmente em relação à fome, mas não foi o que aconteceu. Entretanto, isso não foi motivo de desânimo, e sim, um motivo a mais para perseverar, lutar por suas conquistas e Segundo a italiana, o Brasil a recebeu abrir seu próprio negócio. Ou seja, construiur muito bem e ela possui uma enorme gratidão uma vida na capital paulista. por ter tido a oportunidade de ingressar no país e construir sua vida. Dona Devandir se lembra da família chegar de navio ao Brasil, Devandir casou-se aos 18 anos com um disse que era um grande sufoco, mas que português e, como não conseguia ter filhos, valeu a pena por estar em um país com resolveu adotar cinco crianças brasileiras. tanta diversidade, cercado de pessoas tão Ela diz que quando adotou o primeiro filho alegres dentro de uma cidade tão grande se apaixonou tanto que resolveu adotar como São Paulo, que se tornou seu lar.

“Sempre cabe mais um”

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Padre Paulo Parise é o diretor da Missão Paz foto: Noelson Vieira

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IMIGRANTES DE DIVERSOS países vêm ao Brasil “Missão paz” acolhe imigrantes na cidade de São Paulo

Noelson vieira

A “Missão paz” é uma instituição filantrópica que atua nos cinco Continentes do mundo, com um total de 32 unidades que dão apoio e acolhimento a imigrantes. Atual diretor da instituição, Padre Paulo Parise, nascido em Marostica, no nordeste da Itália, começou a trabalhar com imigrantes no sul de seu país, em 1984, auxiliando moradores do norte da África que cruzavam o Mediterrâneo em botes atrás de uma vida melhor na Europa. Chegou ao Brasil em 1992 e atuou em missões no Guarujá, no litoral paulista, e no Grajaú, na Zona Sul. Faz um trabalho completo de acolhida integral aos imigrantes junto a “Casa do Imigrante”, que tem 110 vagas divididas em dois blocos separados por masculino e feminino com 6

alimentação completa. Na instituição são oferecidos serviços de documentação, apoio jurídico, assistência social, atendimento psicológico, de saúde, curso de português, palestras interculturais e encaminhamento para cursos profissionalizantes. A ONG também presta serviços de fiscalização nas empresas que acolhe os imigrantes, por meio de visitas como forma prevenir o trabalho escravo e a exploração dos imigrantes. A instituição no início era apenas para italianos, mas com a procura de outros imigrantes coreanos, vietnamitas, haitianos e também os latinos - que hoje detém o maior número de procura junto aos brasileiros de outras regiões do Brasil -, a procura por parceiros para ajudar a instituição aumentou, entre elas as Lojas C&A, empresa Bombril e outras contribuem com a ONG. Paulo é o responsável por fazer essa ponte entre os patrocinadores e a instituição. Um dos objetivos do projeto é promover o diálogo com os imigrantes para compreender suas necessidades, os orientando de forma que tenham uma vida digna, juntos às suas famílias e sociedade, além de dar oportunidade para os mesmos serem inseridos no mercado de trabalho. É fundamental sensibilizar e conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância da acolhida e da superação dos preconceitos


com pessoas de outras culturas, etnias reclamações são na área trabalhistas e e religiões para que os objetivos sejam para tirar a documentação sobre a sua alcançados. permanência de acordo com a lei 6.815/80. A documentação é um serviço de apoio completo para que os imigrantes possam tramitar o processo de regularização da A Missão Paz tem parceria com sua situação no Brasil junto a Policia várias instituições de ensino que oferecem Federal e demais órgãos competentes. desconto ou gratuidade em cursos das Historicamente o Brasil acolhe pessoas das mais diversas áreas do conhecimento e mais diferentes nacionalidades, por motivos em diversas regiões de São Paulo. Essas diversos, sendo reconhecido como um país parcerias propiciam capacitação em várias hospitaleiro, acolhedor e pacífico. áreas do setor jurídico pertencente ao Centro Pastoral, que oferece serviços de orientação gratuitos aos imigrantes. Também são feitas reuniões com o intuito de ajudar as pessoas a se comunicarem melhor, a negociarem e, se possível, a chegarem a um acordo. A mediação tem a finalidade em solucionar os casos menores e assim, não serem levados à justiça diretamente. Não havendo sucesso na mediação, o imigrante é orientado e sugerido ingressar com ação judicial por Imigrantes atendidos pela Missão Paz meio da Defensoria Pública da União ou foto: Noelson Vieira Defensoria Pública do Estado. As maiores

Colaboração

Igreja Nossa Senhora da Paz é a sede da instituição, fica na Rua Glicério,225 foto: Noelson Vieira 7


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ÔNIBUS BARBABE ARIA atende moradores em situação de rua em São Paulo Agostinho trabalha em dois empregos e ainda tem tempo de manter o Uber Barber Bus Bianca Lodi O paulistano Agostinho Pereira, de 45 anos, transformou um ônibus em uma barbearia itinerante. Uber Barber Bus, como ficou conhecido, leva confiança e autoestima aos moradores em situação de rua e jovens de comunidades carentes. Agostinho e sua esposa, Érica, já cortavam cabelo de forma voluntária, mas o veículo trazia limitações: era difícil transportar cadeiras, materiais e outros voluntários. No meio do ano passado, Agostinho decidiu trocar um carro por um ônibus. Pesquisou mais de cinquenta tipos até dar de cara com um modelo de viagem de 1977. Ele mesmo projetou a reforma e pagou do próprio bolso. A ideia ocorreu ao ver o vídeo “O cabeleireiro das ruas”, que serviu de incentivo para o sonho da criação do Uber Barber Bus. Em setembro completou dois anos de circulação e sucesso do ônibus itinerante nas ruas de São Paulo. O Uber Barber Bus roda pelas zonas norte, sul e leste cerca de três vezes por semana atendendo mais de 150 pessoas. Segundo dados do Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da prefeitura de São Paulo, o número de moradores em situação de rua dobrou nos últimos 15 anos, passou de 8,7 mil para 16 mil pessoas vivendo nas

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Um dia movimentado no Uber Barber Bus foto: Bianca

ruas da capital. Diante desse crescimento, Agostinho, com intuito de levar carinho e confiança, criou este projeto para cuidar desses milhões de pessoas esquecidas.

Para o funcionamento do projeto, o casal conta com a ajuda de alguns voluntários, que oferecem cortes feminino e masculino, manicure, pedicure e barbearia. Segundo Agostinho, poder contribuir para a satisfação pessoal dessas pessoas e incentivá-las a ir em busca de oportunidades faz com que se sinta realizado a cada ação.

Empatia

Para Érica, o projeto é muito mais que uma ação: “O ônibus fica cheio de pessoas que querem ser vistas e ouvidas”. Ela apoiou a ideia desde o começo e, quando começou a participar e notar a emoção das pessoas ao receberem essa atenção, sentiu-se satisfeita em poder contribuir com algo na vida delas. Pois, melhor que receber dinheiro é receber a gratidão de cada coração. Além dos moradores em situação de rua, crianças e adolescentes de comunidades carentes também são


“Existe muita gente ruim, mas existe também muita gente boa fazendo essas ações, são pessoas que têm Deus no coração e olham para nós”

atendidos pela turma do ônibus. Agostinho sonha em poder, futuramente, ensinar aos jovens o ofício de barbeiro e pretende criar um curso profissionalizante gratuito para quem não puder pagar. Atualmente, a barbearia móvel conta com três cadeiras fixas, além de algumas de plástico que são colocadas do lado de

fora nos dias em que há maior movimento. O veículo é equipado com água, tesouras, pentes e máquinas de cortar o cabelo. Além do mais, Agostinho quer instalar chuveiros para que essas pessoas possam tomar banho e saírem de lá renovadas e também está à procura de parcerias com empresas para aprimorar o serviço, melhorar o ônibus e os equipamentos de corte. ruas da capital. Diante desse crescimento, Agostinho, com intuito de levar carinho e confiança, criou este projeto para cuidar desses milhões de pessoas esquecidas. Para o funcionamento do projeto, o casal conta com a ajuda de alguns voluntários, que oferecem cortes feminino e masculino, manicure, pedicure e barbearia.

Fachada do Uber Barber Bus foto: Bianca Lodi 9


BABEL

PENSAR UMA cidade mais humana Democratização dos espaços, habitação social e mobilidade urbana são os desafios da nova “gestão” Lucas Barozzi O paulistano vive em uma metrópole onde tudo acontece o tempo todo, seja na rua, na política ou dentre a imensa desigualdade social que parece ser uma moradora fiel daqui. Edson Lucchini, de 40 anos, graduado e mestre em Arquitetura e Urbanismo, paulista de nascença, respondeu a algumas perguntas sobre urbanismo, desigualdade, transporte, violência e comportamento na terra da garoa para desmistificar e facilitar o entendimento de alguns assuntos. Extraordinário: Como que você entende a questão da desigualdade e dos problemas de acesso nas áreas mais periféricas e nas áreas mais elitizadas? E como isso poderia ser resolvido? Edson Lucchini: Acho que desde a gestão Kassab, está começando a se entender questão que não dá mais para só jogar as pessoas para a periferia, você tem que adensar as áreas centrais da cidade, trazer as pessoas para essas áreas. Então tem que se promover habitação social nas áreas legais da cidade também, uma cidade menos desigual acontece quando você começa a promover habitação social junto ao transporte nas áreas centrais. Nessas áreas há muitos vazios possíveis para se fazer habitação. Nós temos percebido desde a gestão Kassab, quando se teve uma secretária de habitação muito competente, uma urbanista muito eficiente, a promoção 10

Edson leciona no Centro Universitário Belas Artes foto: Lucas Barozzi

de habitações sociais para locais de muito valor como, por exemplo, na Avenida Água Espraiada, em frente a Globo, uma área de muito valor onde se criou um complexo de habitação que se chama Jardim Edite. E: E em relação aos moradores de rua? EL: Não acho nenhuma das duas visões, tanto a do governo Haddad quanto a do Dória, corretas. O Haddad era muito permissivo com a questão do morador de rua ‘deixa eles ficarem aí, montarem barracas nos espaços públicos e dominarem a cidade’, também não acho que é por aí, é necessário uma política pública para essas pessoas, um atendimento, você não pode deixar o espaço público virar um acampamento para o morador de rua sem uma política e um atendimento, por isso era uma gestão muito permissiva. Por outro lado, o governo do atual prefeito de São Paulo -Dória- é truculento demais. E: E qual seria a melhor postura e a solução para esse problema? EL: A melhor postura seria criar políticas públicas para essas pessoas, uma política


eleitos precisam legislar para elas. É uma mentalidade muito forte que temos enraizada. E: Numa questão de espaço, como você vê a questão da ciclovia e do transporte público?

pública séria e não higienista, esse negócio de “cidade linda”, que é marca do governo Dória é perigosa, ‘eu posso deixar a cidade linda, mas joguei toda sujeira para baixo do tapete’, ele (Dória) tem um interesse de marketing e de supervalorizar áreas para atender interesses de grandes empresas ou pessoas muito ricas que tenham interesse em comprar imóveis nessas áreas, então, por exemplo, a estratégia da Cracolândia é perigosa, porque ele pode estar “limpando” aquela área pois tem gente muito graúda que está investindo ali e, agora que ele está tirando essa galera de lá, valoriza a área e atende aos interesses de alguns grupos. Tem que criar centros de reabilitação, oferecer moradia digna para essas pessoas e ao mesmo tempo também deixar a cidade bonita. A cidade e o espaço público têm que ser cuidados. E: Os grupos corporativos são influentes nessas questões? EL: Quando eles (políticos) se elegem precisam atender aos interesses desses grupos, o Brasil é isso, a política do Brasil é essa. Quem bota os políticos no poder são essas empresas e quando eles são

EL: A ciclovia é a tendência da sociedade contemporânea, em qualquer cidade do mundo existem políticas imensas para elas. Em São Paulo, o Haddad quis fazer muitas em pouco tempo, o plano cicloviário não é muito bom, mesmo com ciclovias excelentes. Faltou um pouco de planejamento mas, de modo geral, apesar dos pesares, ainda acho positivo. O Haddad ajudou a gente a abrir a cabeça para essa questão da bicicleta. Em relação ao transporte público, a qualidade vem melhorando, sem necessariamente ter essa ligação com o Haddad ou com o Dória. Uma coisa legal que o Haddad fez foi os corredores de ônibus, gerou certa revolta em quem usa o carro mas faz pensar “Porque eu não largo o carro em casa e vou de ônibus?”, é uma cultura que vem começando a mudar. Eu mesmo não uso mais carro, sou ciclista, faço tudo também de ônibus e metrô e, de vez em quando, utilizo o Uber. E: E o que você acha dessa questão de Uber versus Taxis? EL: Eu vejo como uma revolução, porque desmontou uma máfia que é a do táxi, tem muita gente da política envolvida com o táxi. Porque ainda não chegou trem ao aeroporto de Cumbica? Por conta dessa máfia que não deixa algumas coisas acontecerem. O Uber e outros aplicativos desconstruíram completamente esse conceito, é mais eficiente, não tem ‘mutreta’, você sabe exatamente o quanto você vai pagar, preços muito mais competitivos, democratizou para que muita gente possa usar esse tipo de serviço. Já o táxi é um serviço altamente elitista, gerou emprego neste momento de crise econômica sendo uma alternativa de renda e novamente quebrou aquela máfia que não tinha um serviço tão eficiente e caro. 11


PA R A T O D O S

CIDADE DE VIDRO

A história de uma menina deficiente que tem uma patologia rara no meio da metrópole de São Paulo

Karina Pignataro

O barulho do andador anuncia a chegada de Letícia que, ainda jovem, caminha com dificuldade. A distância percorrida é pequena, mas suficiente para deixa-la ofegante. A sua estatura é abaixo da média, o que chama a atenção das pessoas ao redor. Mas ela não se importa. Letícia possui o bom humor de quem tem a saúde de um maratonista. É divertida e leva a vida do jeito que a cidade permite: regrada, limitada, e por diversas vezes se vê impossibilitada de ir a lugares que gostaria muito. Letícia dos Santos Pinto é estudante e tem 20 anos. Mora na Zona Leste de São Paulo e se locomove pela cidade com um andador, o qual ela carinhosamente apelidou de “Fred”. Para ir e voltar da faculdade, na Vila Mariana, ela utiliza o Uber. Logo na porta de casa, a falta de acessibilidade já aparece: calçadas irregulares e degraus de tamanhos distintos. Andar na rua não é uma opção para ela, visto que buracos e instabilidades no asfalto podem fazê-la cair. E cair, para Letícia, possui um significado diferente do que para as outras pessoas. É mais do que arranhar o joelho e talvez torcer o pé. É possivelmente quebrar uma costela e morrer. Aos dois anos de idade, Letícia sofreu algumas fraturas que deixaram seus pais preocupados. Eles a levaram em diversos médicos e em quase todos obtiveram a resposta de que isso era normal. Porém, a gravidade da fratura só aumentava e isso instigou Roque Mariano e Selma Pinto. As lesões eram tão frequentes que alguns médicos chegaram a pensar que ela apanhava dos pais. Após passar por

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ela tinha câncer ósseo, com apenas dois anos e, segundo os médicos, apenas mais dois meses de vida. Incansavelmente, seus pais procuraram por outros especialistas, foram a ortopedistas, médicos esportistas e ninguém entendia o porquê da quebra dos ossos. Além disso, a demora de começar a andar também os preocupou. No Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, ela realizou novamente uma série de biópsias que foram ser analisadas nos Estados Unidos. A espera pelo resultado era angustiante e, ao mesmo tempo, esperançosa. Os pais de Letícia desejavam aumentar a expectativa de vida da filha de apenas dois anos de idade. O laudo viria como um divisor de águas na família, e a partir dali, as suas vidas mudariam para sempre. Letícia foi diagnosticada com Osteogênese imperfeita tipo 5, o mais raro de todos. A patologia, conhecida também como “ossos de vidro”, consiste na falta de um tipo específico de colágeno nos ossos, podendo gerar fraturas mortais em seu portador. Infelizmente, a doença ainda não tem cura, mas é possível tratar com medicação para melhorar a qualidade do osso. Ainda aos dois anos de idade, ela começou um tratamento similar à quimioterapia. Aos poucos, conseguiu evoluções no quadro de saúde e pôde se desenvolver de uma maneira melhor do que a esperada. “No começo era mais fácil, porque podíamos pegá-la no colo. Ela era um bebê ainda, então a sua mobilidade continuava similar a das outras crianças. Porém, quando nós resolvemos colocá-la na escola, começaram os problemas”. De mãos dadas com a mãe, a menina de quatro anos tentou se matricular na escola. A instituição não estava preparada para receber uma criança deficiente e não se deu ao trabalho de tentar. Alegaram que a aluna ficaria deslocada entre os colegas e não seria capaz de realizar algumas atividades escolares. Em outras palavras, ela não seria aceita porque as escolas ainda não eram inclusivas. Devastada com a dificuldade de matricular a filha, Selma resolveu tentar


Letícia é estudante do Centro Universitário Belas Artes foto: Karina Pignataro

vez, não aceitava a situação. Por diversas vezes discutiu com a administração de escolas, restaurantes e lojas por conta da filha. As perguntas rondavam a sua cabeça: “Por que a minha filha nasceu assim? O que nós fizemos de errado?”

Resistência Após algumas tentativas, Letícia entrou na escola e agora convivia com as crianças da sua idade. Porém, as suas restrições por causa da saúde, fez com que ela desenvolvesse uma depressão. “Eu pesava 12 quilos e não comia nada, foi uma época horrível para mim. Eu usava um suporte que ia do meu peito até o pé, e só tinha um buraco para que eu pudesse ir ao banheiro. Sofri muito e parei de ir à escola. Fazia as lições em casa e ficava a maior parte do tempo deitava no sofá. Me sentia muito sozinha e diferente”, explicou. O tempo passou e aos 10 anos ela fez a transição do andador para a muleta, para tentar se equilibrar em pé sozinha, sem o

apoio de terceiros. Hoje, ela se movimenta normalmente sem a ajuda do aparelho, mas prefere estar com o andador porque tem medo de cair. Aos poucos, móveis sofisticados foram dando espaço às barras e adaptações na casa. No banheiro, é possível ver o banquinho onde ela senta para tomar banho. A superfície lisa e escorregadia é preocupante para os pais, que não hesitaram em adaptar a casa inteira para o conforto da filha. Os tapetes foram retirados e a altura das coisas, reduzida. A escada não era mais uma opção, e a praia se tornou um sonho distante. “Aos poucos nós deixamos de fazer algumas coisas que nós queríamos. Vendemos nosso apartamento na praia, pois o andador não corre na areia e ela tem medo de cair. Alguns restaurantes não frequentamos mais por conta das escadas e optamos apenas por estabelecimentos que têm rampas e elevadores”, disse a mãe. Conviver com um deficiente é, de certa forma, colocar os óculos da empatia e enxergar o mundo com outros olhos. A escada tem outra função e as dificuldades são multiplicadas ao andar na rua. Em São Paulo, somente 35 dos 500 mil quilômetros de calçada são acessíveis de acordo com a SMPED (Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida), da Prefeitura de São Paulo. O transporte público, por sua vez, tem somente 70% da frota preparada para receber um deficiente. O direito de ir e vir é seletivo e contempla apenas alguns cidadãos. “Eu sempre me incomodei com as escadas e a falta de acessibilidade, mas quando a gente convive com um deficiente, tudo muda. “A gente precisa daquela vaga no estacionamento porque ela não suporta andar longas distâncias, a gente precisa da rampa porque ela não pode subir escadas. Não é luxo, é direito”, afirma a mãe. Hoje, Letícia tem 20 anos e vai para a faculdade de carro todos os dias. O gasto é triplicado se comparado ao custo da passagem de metrô. Porém, o serviço público não é uma opção, visto que é precário e pouco acessível. Para Letícia, pegar um vagão lotado é sinônimo de sair fraturada, 13


direto para o hospital. Na faculdade, a estudante relembra um caso discriminatório que sofreu: “Minha aula era um dos prédios no qual eu preciso subir escada para chegar à sala. Não pude ir e perdi todo o conteúdo”. Além disso, os elevadores lotados denunciam a falta de respeito com quem precisa do recurso. Alunos sem nenhuma restrição sobem e descem aos montes no prédio da universidade, enquanto Letícia espera para conseguir entrar em algum que esteja mais vazio. Por diversas vezes ela já chegou atrasada na aula por não ter espaço para ela e seu andador no elevador lotado.

Cidade despreparada Uma cidade pensada para todos, mas projetada para alguns, é discriminatória e excludente. As ruas – sobretudo na periferia de São Paulo – impossibilitam a mobilidade daqueles que têm restrições. O metrô é lotado e cheio de degraus. A faculdade tem escadas. O andador atrai olhares curiosos e a patologia dificulta as atividades do dia a dia. Mas bonito é ver que ela não desistiu. Ela continuará a andar com o Fred. Continuará a tomar banho sentada e, pelo menos por alguns anos, continuará a andar só de carro. Mas nós não seremos os mesmos. Ninguém é o mesmo depois de conhecer a menina do andador com o sorriso largo. Ninguém é o mesmo depois de escutar a sua risada escandalosa. A cidade de São Paulo está em débito com Letícia e ela cobra. Está certa em cobrar. Acredita que a vida é mesmo coisa muito frágil, como diria Nando Reis, e talvez curta demais para reclamar dos problemas. Vive a vida como a jovem que é, e informa: “a falta de acessibilidade é grande, mas a vontade de tornar a cidade inclusiva é maior”. Não se calará e muito menos deixará a causa de lado. Muito pelo contrário: continuará a brigar por espaço no elevador e a exigir mais rampas na faculdade. Afinal, Letícia não é deficiente. Letícia é mulher, estudante, amiga e filha. Sua patologia não a define. E com certeza não é maior do que a sua vontade de mudar o mundo. Ainda bem! 14

PA R A T O D O S

O EXPRESSO QUE LEVA MUITO ALÉM DE COMIDA, leva amor Projeto Social da Igreja Renascer em Cristo distribui alimentos para moradores de rua em São Paulo Aguida Carvalho O Expresso da Solidariedade há mais de 25 anos leva aos moradores de rua de São Paulo alimento, amor e fé. O projeto social é desenvolvido pela igreja evangélica “Renascer em Cristo”, fundada em 1986 por Estevam Hernandes e Sônia Hernandes, tendo como objetivo não apenas levar alimento aos moradores de rua de São Paulo, mas também esperança e carinho já que muitos não possuem mais expectativas. A arrecadação e distribuição dos alimentos é realizada através das sedes regionais da igreja, espalhadas por toda São Paulo. Financeiramente o projeto é mantido pelas ofertas entregues pelos fiéis. Segundo Katia Lima oficial da igreja a 20 anos e participante ativa do projeto: “O Expresso da Solidariedade é muito mais que apenas a distribuição de alimentos. Mas também uma entrega de amor e respeito ao próximo, que mesmo estando em uma situação degradante merece ser tratado com toda dignidade e respeito”. Ainda relatando suas experiências no projeto social, Katia diz que cada dia algo diferente acontece, pois é simplesmente gratificante desempenhar uma ação em uma sociedade que se encontra cada vez mais egoísta e defasada: “É realmente algo a se pensar. Pois cada uma daquelas pessoas tem uma família, elas vieram de algum lugar e por uma infelicidade da vida acabaram caindo nessa situação, que para qualquer ser humano é deplorável”. Em todos os anos realizando as ações,


Katia disse nunca ter sofrido qualquer tipo de agressão seja física ou verbal. Muito pelo contrário diz que os moradores em sua grande maioria são receptivos e aceitam não só o alimento, mas também abraços e orações. Outro membro da ação social é Fernando Melo, que há 10 anos conduz o projeto na sede estadual da igreja localizada em um dos bairros mais antigos de São Paulo, a Mooca. Segundo o mesmo, o expresso desempenha uma função muito mais abrangente que apenas levar alimentos à essas pessoas, mas leva amor e dignidade que muitos acreditam não possuir mais. O Expresso tem como objetivo ajudalas. ‘’Em todos esses anos atuando no Expresso da Solidariedade, aprendi muito mais a dar valor a todas as coisas que tenho em minha vida, não apenas materiais, mas também minha família. Todos os dias quando saímos pelas ruas para distribuir os alimentos, nos deparamos com histórias incríveis de pessoas que foram infelizes em suas escolhas”, relata Fernando.

Gratidão Ao longo de 25 anos do Expresso da solidariedade milhares de pessoas foram ajudadas, como o jovem Lucas Alves de 24

anos que por problemas com dependência química saiu de casa e foi morar nas ruas. Lucas encontrou no Expresso amparo e carinho sem tantos julgamentos. Sentiu-se abraçado e acolhido, por aqueles que levam a esperança de uma vida melhor. O jovem foi morador de rua durante 5 meses e foi inserido em outro projeto social da igreja Grupo Apostólico Unido Fielmente (Gaulf) que ajuda dependentes químicos a se tratarem. Após o período de reabilitação começou a procurar emprego e teve em sua vida uma grande mudança. Hoje, Lucas é um dos voluntários do Expresso da Solidariedade no bairro da Mooca, e usa sua história de vida para ajudar os moradores de rua usando muito carinho, amor e humanidade que fizeram toda a diferença em seu processo de reabilitação.

“Todos os dias quando saímos pelas ruas para distribuir os alimentos, nos deparamos com histórias incríveis de pessoas que foram infelizes em suas escolhas”

Distribuição de alimentos na regiao da Mooca foto: Águida Carvalho 15


quis participar de um projeto assim. Eu resolvi participar porque é uma coisa muito bacana e um lugar onde eu me sentia muito acolhida”, conta a estudante. Rebeca conta que a reação dos moradores de rua com o projeto é variada, nem todos aceitam ajuda e infelizmente alguns recusam por medo. “O primeiro Em meio à grande crise e aumento contato digamos que depende muito do morador de rua. Tem uns que se encontram de moradores de rua em São estado alterado, tanto por droga Paulo, centro de umbanda distribui num quanto por questões psicológicas também refeições para população sem-teto e aí o contato é mais difícil. Outros não Camila Cesar aceitam comida porque eles acham que a O número de moradores de rua na gente colocou veneno, se sentem invadidos cidade de São Paulo dobrou em relação e com medo (...) Cada um reage de maneira aos anos anteriores, atualmente na diferente. ” capital paulista existe cerca de 20 a 25 mil desabrigados. Em julho de 2017, equipes da É de extrema importância destacar prefeitura retiraram cobertores e pertences de pessoas em situação de rua, além essa ação em meio às críticas ao programa de existir a suspeita de que os mesmos do atual prefeito de São Paulo, João Dória funcionários também utilizaram um jato do PSDB, que consiste em distribuir uma de água para acordá-los durante a limpeza espécie de ração humana em albergues e das praças, no rigoroso inverno da capital igrejas, além das inúmeras formas como paulista. Apesar do descaso governamental esses indivíduos são tratados com total com essa parte da população, existem descaso pelo governo de São Paulo. O centro Casa da Paz realiza um lugares e projetos sociais que se dedicam a fornecer um mínimo de dignidade à essas projeto mais humanizado em relação ao pessoas, como o Centro Casa da Paz, que governo, através das doações de comida. “A gente cozinha e come o que cozinhou, oferece alimento a moradores de rua. Rebeca Andrade é frequentadora do não podemos dar para outra pessoa o que centro Casa da Paz e ajuda na distribuição não vamos comer. Depois, a gente monta as de marmitas para a população de rua em marmitas, faz a oração e sai para distribuir. alguns bairros da cidade, e contou como Normalmente dá em torno de 60 marmitas é participar dessa rotina. A Estudante de por noite e as distribuímos com uma garrafa Relações Públicas no Centro Universitário de água, sempre”, explica Rebeca. “Durante a refeição, fazemos uma Belas Artes de São Paulo, começou a transmissão ao vivo ou tirarmos uma foto frequentar centros de umbanda há quatro anos, quando foi diagnosticada com para postar em nossas redes sociais, depressão e resolveu procurar meios porque essa é a forma que encontramos alternativos para o tratamento da doença. para conseguir doações. Outra forma é Há um ano, ela conheceu o centro Casa da ir nos supermercados e nos hortifrutis e Paz e participa da ação social que é realizada quando sobra comida ou está próximo do vencimento eles sempre doam, é muito toda terça feira. “É um centro considerado pequeno, legal. Quando não conseguimos doações é bem diferente. As pessoas que trabalham tiramos do próprio bolso para comprar. A lá, são muito amigas, é como uma família, ação jamais deixou de ser feita por falta de e aí, eu comecei a me aproximar mais. Eles comida, isso não existe”, relata a estudante. O centro Casa da Paz fica na Vila me contaram a ação que faziam toda terça feira, ao distribuir comida para as pessoas Romana, zona Oeste de São Paulo, e distribui necessitadas e que se encontram em as marmitas pela região próxima ao terreiro, situação de rua. Achei muito legal, sempre Lapa e Santa Cecília.

PA R A T O D O S

A HUMANIZ AÇÃO pelo Centro da Paz

Nada de descaso

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Voluntários ajudam na preparação das marmitas que são entregues aos moradores com uma garrafa de água fotos: Camila Cesar 17


O projeto NAS oferece café da manhã e almoço para moradores de rua aos sábados foto: Felipe Leite

PA R A T O D O S

A IN CLUS ÃO que faltava Projeto social contribui para inclusão social dentro de cenário religioso Felipe Leite Parte-se do pressuposto que a inclusão social de moradores de rua, prostitutas, travestis e homossexuais é extremamente complexa e de difícil aceitação, ainda mais no cenário religioso. Foi pensando nisso, que há 20 anos, Arlene Costa, uma senhora de 53 anos, nascida e criada em São Paulo, começou um movimento para contribuir com a inclusão 18

social desses grupos discriminados. Sua jornada começou em uma pequena igreja, tendo como foco, inicialmente, moradores de rua. Arlene passou por outras duas igrejas, levando seu projeto, até chegou a igreja evangélica Bíblica da Paz, onde seu projeto ganhou a estrutura adequada e se expandiu alcançando alguns segmentos sociais mais fragilizados, além dos moradores de rua. O Pastor Edson Rebustine, fundador da igreja Bíblica da Paz, também investiu na iniciativa de Arlene e disponibilizou recursos financeiros para que ela pudesse realizar seu sonho de comprar uma casa para abrigar as pessoas que estavam sem moradia. Então, iniciaram-se os trabalhos com prostitutas e travestis, através de conversas de grupo aos sábados à noite, cuja interação resulta no sentimento de estarem em uma grande família. À medida que Arlene e sua equipe se


aproximavam dessas pessoas, conheciam um pouco mais sobre a vida de cada um e percebiam o quão grave era a situação deles. A maioria havia contraído doenças graves, incluindo AIDS, Leptospirose, e outras doenças que são possíveis de serem contraídas na rua. E nessa dinâmica, Arlene e sua equipe os abrigavam ou davam o mínimo de cuidado médico, com afeto, carinho e amor, que é o que eles mais falam quando perguntados sobre o assunto: “Lá as pessoas são carentes de carinho, de afeto, de amor. São tratadas como objeto, né. Nós tentamos levar isso de volta para elas”, disse Arlene.

Determinação Sua luta não parava por aí, junto ao fundador da igreja, ela iniciou um processo de inclusão no mercado de trabalho, passaram a oferecer cursos de cabeleireiro, padeiro e marceneiro, além de incentivar a ida à igreja, pois segundo relatos, muitas pessoas queriam também ter envolvimento com as atividades religiosas. E foi aí que mais um desafio se iniciou.

“Elas pediam para frequentar os cultos. Muitos iam à igreja no passado, tinham sua vida religiosa e por isso começamos a leválos conosco e lutar por mais essa inclusão”, declarou. A convivência dentro da igreja não teve um início fácil, além de motivos mais complexos, o banheiro masculino passou a ser um problema, quando se trata dos travestis, pois era conflituoso o encontro com os membros da igreja. Segundo Arlene, eles passaram realmente a frequentar os cultos, alguns inclusive com seus parceiros, fato que trouxe um incômodo muito grande, por parte dos mais conservadores. O novo desafio era fazer com que todos fossem tratados com igualdade, sejam eles moradores de rua, travestis, prostitutas, porque algumas pessoas quando notavam a presença, trocavam de lugar ou mostravamse inquietas. Mesmo com todas essas dificuldades, Arlene jamais mudou seu discurso e continua lutando pela inclusão social dessas pessoas “marginalizadas”, o que a torna uma agente transformadora da sociedade.

Arlene (direita) e Sandy (esquerda), em um dos encontros aos sábados à noite foto: acervo pessoal 19


Kika de Castro nos bastidores do programa Viver Eficiente com o diretor Rodrigo Braga foto: Ravelly Santana

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EMPREENDEDORISMO

i n c l u s i v o Aos poucos o mercado da moda vem se diversificando e quebrando certos padrões de beleza impostos há décadas. No Brasil, uma revolução aconteceu em 2007, quando a fotógrafa Kica de Castro decidiu criar a primeira agência de modelos para pessoas com deficiência Ravelly Santana

chefe do setor de fotografia em um centro de reabilitação para pessoas com deficiência, com demanda de fotos científicas, prontuários médicos e artigos. Após 5 anos de convivência e estudo, começou a fazer ensaios fotográficos com o intuito de resgatar a autoestima dos pacientes. Percebeu o potencial de cada um percebeu a falta de representatividade no mundo da moda. Em 2007, decidiu largar o emprego fixo e criou uma agência de modelos com deficiência, que é a pioneira no Brasil. Com o objetivo de realizar o agenciamento dos modelos para o mercado de trabalho, comercial (publicidade) e fashion (moda). No início contava com cinco modelos e hoje conta com 89 profissionais.

Persistência

Ao contar um pouco sobra a trajetória Tudo começou em 2002, quando Kica de Castro (40), que além de fotógrafa, para abrir e manter a agência, Kica relata que também é publicitária, assumiu o cargo de os maiores julgamentos vieram das próprias

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próprias pessoas com deficiência e seus familiares: “Fui chamada de louca, exploradora, entre outras coisas”, disse. Mas, ela não desistiu, pois queria provar que beleza e deficiência não são palavras opostas. Conta também, que atualmente as maiores dificuldades de manter a agência é a ausência de trabalhos constantes, pois as pessoas ainda não olham para esses profissionais com o olhar de igualdade. “Muitos têm medo de contratar e não sabem lidar com a inclusão”, acrescentou Kica. Assim como qualquer outra agência de moda, há critérios para fazer parte do casting da agência Kica de Castro: “Tem que ter qualificações profissionais para esse mercado de trabalho, ter boa expressão corporal. É preciso estudar e procurar sempre melhorar”.

Reconhecimento No ano de 2014, a Kica recebeu o prêmio de Paulistano Nota 10 da Veja SP, para pessoas que transformam a cidade de São Paulo de alguma maneira “A revista Veja SP, entrou em contato para fazer uma entrevista, com objetivo de mostrar o trabalho da agência. Foram separadas 47 histórias e 10 premiadas, sendo por júri popular. Foi uma surpresa, estar entre as 10 histórias premiadas. O reconhecimento do trabalho da agência, como sendo transformadora, não tem preço”.

“Muitos têm medo de contratar e não sabem lidar com a inclusão”

Em 2015, foi convidada a dar uma entrevista em uma emissora de TV regional em Osasco para falar do trabalho da agência e o entrevistador, que também era o dono do programa a convidou para ter um programa no canal. Ela aceitou, porém, sua única exigência era quem apresentasse fosse uma pessoa com deficiência e foi assim durante um ano, até que a apresentadora selecionada precisou sair do programa e ela se tornou a apresentadora do programa

Viver Eficiente, que tem como filosofia falar sobre a diversidade e dar voz e visibilidade a pessoa com deficiência. Um grande sonho da Kica se realizou neste ano de 2017, em que um casal de modelos da agência Kica de Castro, foram os primeiros modelos com deficiência a desfilar no maior evento de moda da América Latina, a São Paulo Fashion Week. Ela conta com emoção o que sentiu: “Tanta coisa passou na minha cabeça. Nós conseguimos, mas ainda falta muita coisa, quero mais e mais, mas na hora, estava pior do que criança quando ganha um brinquedo novo, pulei de alegria! Tive muito orgulho de ver os profissionais ali de igual para igual, foi um tapa na cara do preconceito”.

“Tem que ter qualificações profissionais para esse mercado de trabalho, ter boa expressão corporal. É preciso estudar e procurar sempre melhorar” Fora tudo isso, ainda realiza exposições fotográficas, é colunista na revista impressa Reação, desde 2009, onde escreve sobre moda, beleza, aceitação e autoestima. E fotógrafa na revista digital Tendência Inclusiva há 3 anos. Kica que além de ser fotógrafa, publicitária, colunista, apresentadora e empresária, pensou na inclusão, juntou as ideias e se tornou uma empreendedora em algo que nem os maiores interessados colocavam fé. E hoje, ao olhar para trás não se arrepende de nada e quer apenas continuar seguindo em frente na sua luta pela igualdade. 21


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LY A R A , uma história de s u c e s s o Professora e comunicóloga relata como conquistou seu espaço como mulher negra em uma sociedade historicamente preconceituosa

instituição, que a questionou sobre ter noção do peso que a sua entrada como aluna tinha naquele ambiente, onde o espaço ocupado pelos negros era somente nos setores de subemprego. A partir daquele momento, ela passou a se inteirar cada vez mais e a se envolver com questões referentes às causas negras. Hoje, Lyara tem total consciência quanto a situação dos negros no país e ao redor do mundo. Sabe perfeitamente que só conseguiram ascender socialmente, acessar às universidades e possuir boas colocações no mercado de trabalho devido a um esforço muito grande de algum familiar, seja financeiro ou até mesmo através de

Cassiana Araújo Lyara Oliveira é videoartista, professora, pesquisadora, produtora, e diretora de TV, além de doutoranda na ECA – USP no Programa de Meios e Processos Audiovisuais. Profissional bem-sucedida em todas as suas áreas de atuação, ela tem a plena consciência de que sempre foi e continua sendo uma exceção nos meios em que tramita, e esse ciclo de exceções começou ainda na infância. É filha de um casal que enfrentou muitas dificuldades para concluir o ensino superior. Uma vez formados, seus pais puderam oferecer a ela e a seu irmão uma vida confortável, comparada as pessoas de sua etnia. Lyara sempre estudou em escolas particulares, o que lhe possibilitou um acesso rápido, logo que concluiu o Ensino Médio, a uma das melhores universidades do estado de São Paulo, a Unesp. Isso aconteceu sem que fosse preciso trabalhar, o que é incomum entre estudantes negros durante a fase escolar. Logo no início, Lyara percebeu o grande significado de sua entrada na Unesp: era e foi a única aluna negra de sua classe do começo ao fim do curso. Com apenas dezoito anos, não tinha vivido situações que a fizesse pensar mais a respeito da questão racial, ainda que fosse membro de uma família que sempre se envolveu com movimentos negros. Em seu primeiro dia na universidade, ela foi abordada por um segurança negro da 22

Lyara segue trilhando uma carreira cada vez mais bem sucedida foto: Cassiana Araújo


abdicações, sendo essa também a história do seu próprio pai, que chegou ao ambiente acadêmico com a ajuda dos irmãos mais velhos que não possuem curso superior. Com o passar do tempo conseguiu estágio na própria Unesp por conta de seu excelente desempenho como aluna, sendo assim, durante o período de formação acadêmica a cor de sua pele não fora empecilho para que fosse avançando dentro do caminho profissional que pretendia seguir. Lyara nunca teve a intenção de permanecer em Bauru, local onde se formou, com o currículo que vinha construindo e a experiência adquirida durante os anos de faculdade, acreditava que ao retornar a São

Paulo, facilmente conquistaria um lugar no mercado de trabalho. Quando chegou à metrópole, participou de vários processos seletivos e as coisas não caminharam como ela esperava, passou a viver inúmeras situações de discriminação racial, ainda que de forma velada. Salientou que o mercado de Rádio e TV não é nada fácil para mulheres, principalmente, para mulheres negras. A primeira porta que se abriu diante dela foi para a produção de um programa infantil na antiga TVA, ela foi contratada como assistente de produção e, ainda assim, não era nada interessante financeiramente. Antes de ocupar esse cargo, Lyara já havia participado de um processo seletivo

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Paulo, facilmente conquistaria um lugar no mercado de trabalho. Quando chegou à metrópole, participou de vários processos seletivos e as coisas não caminharam como ela esperava, passou a viver inúmeras situações de discriminação racial, ainda que de forma velada. Salientou que o mercado de Rádio e TV não é nada fácil para mulheres, principalmente, para mulheres negras. A primeira porta que se abriu diante dela foi para a produção de um programa infantil na antiga TVA, ela foi contratada como assistente de produção e, ainda assim, não era nada interessante financeiramente. Antes de ocupar esse cargo, Lyara já havia participado de um processo seletivo para a Globo – SP e não fora aprovada, pouco tempo depois, a emissora abriu um novo processo, mas dessa vez para a Globo – RJ, onde a contratação seria feita para a Oficina de Produção, uma espécie de programa para trainees; após várias etapas e deixando mais de 6 mil candidatos para trás, Lyara foi a única candidata negra, porém, sua cor não foi impedimento para a sua aprovação no rigoroso processo seletivo. Ela, então, se mudou para o Rio de Janeiro. Logo que começou a trabalhar, já se deparou com o preconceito racial, inclusive, passou por situações de discriminação escancarada, onde chegaram a lhe perguntar abertamente sobre a sua entrada na emissora, foi questionada se a sua contratação ocorreu pelo fato de conhecer alguém com influência lá dentro, ao passo que negros ainda são minoria em determinadas colocações. Apesar das situações desagradáveis que viveu, fez questão de ressaltar que não teve problemas com a empresa quanto às questões raciais e, sim, com os colegas de trabalho, através dos comentários e questionamentos feitos e, principalmente, diante de situações em que precisava delegar ordens e suas orientações nunca eram bem-vindas. Por conta disso, Lyara presenciou a ascensão muito mais rápida de pessoas que chegaram à empresa nas mesmas condições e período que ela e, apesar do seu excelente desempenho, sabe perfeitamente que nunca foi a primeira escolha, além de 24

saber também que, qualquer coisa que não seja enxergada como uma vantagem, no seu caso especificamente o fato de ser uma mulher negra, acabou dificultando ainda mais. Apesar de todos os problemas, afirmou guardar boas lembranças do período em que foi uma global e ressaltou que aprendeu e se divertiu muito, além de ter contado com a sorte de ter tido bons chefes lá dentro. Durante a conversa, ela contou que sempre se preocupou em ser uma excelente profissional e as oportunidades que foram surgindo após a sua saída da emissora foram em razão do que sempre buscou ser. Apesar do seu profissionalismo dentro do audiovisual, contou que as barreiras raciais continuaram surgindo, assim como a dificuldade para ser aceita pelos subordinados, principalmente se o relacionamento com o diretor responsável pela produção não for dos melhores. Na maioria das vezes, a impressão passada era de que a falha estava nela e não nas pessoas que não agiam com o profissionalismo necessário ao se negarem a serem comandados por uma mulher negra.

Área acadêmica Lyara decidiu por começar a investir na carreira acadêmica enquanto ainda trabalhava na Rede Globo. Então, passou a fazer mestrado e pouco tempo após o início ganhou uma bolsa de estudos e optou pela saída da empresa; fazia alguns trabalhos autônomos e após a conclusão do curso, ingressou realmente na área acadêmica e voltou a investir em produções autorais no audiovisual como realizadora. Até hoje, Lyara atua como freelancer no meio e sente privilegiada por poder fazer escolhas em função do currículo que foi construindo ao longo de sua carreira. Ela ressalta que não lhe faltam oportunidades, elas sempre aparecem. Sempre engajada com o que diz respeito às questões raciais, ela está à frente de um grupo de estudos com alunos negros no Centro Universitário Belas Artes, instituição onde dá aulas atualmente. O objetivo do grupo é discutir questões que


envolvem as pessoas negras no cotidiano acadêmico. Contou ainda, que faz parte da PAN (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro). A associação foi formada no ano passado, possuindo um núcleo em São Paulo e outro em Salvador. A ideia é expandir para outros locais do país, visando dar oportunidades ao negro para adentrar nesse mercado em condições iguais, ocupando cargos de destaque como a criação, direção e roteiro, por exemplo, e não somente os instrumentais, o que é o mais comum hoje em dia. Citou que, até hoje há somente um longa-metragem escrito e dirigido por uma mulher negra no Brasil, não havendo representação alguma. Afirmou que infelizmente esse meio ainda é totalmente dominado por homens e brancos, sendo que deveria haver mais diversidade. A PAN visa trabalhar para reverter esse quadro, com ações sociais e afirmativas, além de exigir diferenciação em editais públicos com relação a questão racial. A associação também quer fortalecer os profissionais que

estão no mercado em funções operacionais, além de abrir portas aos que pretendem chegar às funções criativas. Em 2016, Lyara participou da produção do curta-metragem Dara, filmado na Bahia com uma equipe majoritariamente negra, tanto na criação, quanto na operação, além do elenco. Ela disse sentir muito orgulho dessa produção por não ser algo estereotipado e por ser uma história poética, sem tocar em nenhuma questão racial. Adiantou que uma nova equipe está sendo formada para a produção de um outro curta-metragem, baseado em histórias de mulheres negras, que será filmado em 2018. Ela segue seu caminho no mundo acadêmico e audiovisual, tendo noção de que seu caso é uma exceção e, justamente por isso, tem colocado o seu conhecimento profissional à disposição de projetos que visam abrir novas portas e caminhos para a população negra adentrar espaços que atualmente lhes são negados, principalmente em posições de destaque.

Em suas produções Lyara está cada vez mais envolvida em projetos que deem visibilidade para a comunidade negra foto: Cassiana Araújo 25


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O sistema socialista cubano aos olhos de uma BRASILEIRA O ponto de vista de uma brasileira sobre um país socialista e uma série de documentários produzidos e nunca exibidos Mayara Corrêa Sendo a única nação no continente americano a assumir o socialismo dentro de um regime, Cuba sempre manteve boas relações com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), devido ao afastamento que mantinha dos demais países capitalistas. A Revolução Cubana, dirigida pelo revolucionário comandante geral Fidel Castro, juntamente com Che Guevara foi um dos motivos de uma aliança ter sido feita com o então bloco socialista soviético, que apoiava a causa e considerava Cuba um país aliado.

Retomada da com o Brasil

aliança

Fidel Castro, depois da revolução, acabou governando em um regime socialista por mais de 50 anos, acarretando também o fato de seu irmão assumir o poder após sua morte, fazendo com que o país tivesse um progresso significativo durante alguns anos. O regime acabou decaindo após um período de reformas, causada pela falha dos regimes socialistas nos países da cortina de ferro, expressão designada da divisão da Europa em duas partes, a Europa Oriental e a Europa Ocidental. Em 1986, 26

Rose Carvalho em seu acervo pessoal foto: Mayara Corrêa

Cuba restabeleceu ligações com o Brasil, durante o mandato de José Sarney, criando novamente uma embaixada brasileira dentro das terras cubanas. Nessa mesma década, Castro começou a se preocupar com as relações exteriores, criando um projeto chamado “Cuba do ponto de vista estrangeiro”, onde profissionais da comunicação de diversos países foram recrutados para participar de uma criação de diversos documentários, sobre vida cubana da época pelo ponto de vista forâneo.

Relação com Fidel Foi criado uma série de documentários, porém muitos, continuam em posse do governo e nunca foram exibidos. A partir desse contexto, a jornalista e cineasta brasileira Rose Carvalho de 75 anos, teve contato com um dos países mais reservados do mundo, convivendo durante 10 anos, com o regime e sendo apresentada a Fidel Castro pelo jornalista e ativista Gabriel García


Rose também conta que Castro possuía uma relação muito forte com as artes e que sempre foi um estimulador da cultura, habitualmente promovia festivais de cinema e teatro internacionais, e que também era uma forma de promover o socialismo/ comunismo, reforçando a cultura.

Vida em Cuba Quando perguntada sobre a experiência de morar em um país socialista, responde: “Eu tinha uma vida boa, com algumas extravagâncias. Quando eu morei em Cuba, eu descobri que você pode viver com menos, porque eu fui uma executiva bem-sucedida e que frequentei muitos festivais internacionais de cinema, então eu tinha uma vida boa”.

Márquez, destes 10 anos, 3 deles morou em Cuba sem retornar ao Brasil. O processo foi rápido, lembra Rose: “Na ocasião em que eu fui convidada a ir à Cuba, foi porque eu era assessora de um festival de cinema que existiu por muito tempo no Rio de Janeiro, chamado Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, lá acabei conhecendo a comitiva de cinema cubana. Então eles trouxeram um convite para que eu conhecesse o festival de Havana”. Através de um desentendimento entre uma jornalista do Globo e Gabriel García Márquez, Rose foi apresentada a Fidel Castro. “Ele tinha um projeto para Cuba de repórteres estrangeiros. Fui buscada para conhecer Fidel Castro, em uma recepção do embaixador Ítalo Zappa, que estava em andamento para o estabelecimento da embaixada brasileira no país, as relações diplomáticas entre Brasil e Cuba tinham sido refeitas recentemente. Eu o conheci (Fidel Castro) e ele propôs que eu fizesse esse trabalho com ele”.

“Eu tinha uma vida boa, com algumas extravagâncias. Quando eu morei em Cuba, eu descobri que você pode viver com menos, porque eu fui uma executiva bem-sucedida e que frequentei muitos festivais internacionais de cinema” Um dos documentários feitos por Rose e entregado à Fidel Castro tratava da questão da água em Havana, de maneira mais extensa no país todo, que precisa importar água para consumo. Ela também destaca que a situação do país nos últimos anos em que ela o visitou estava precária, e que muitas vezes precisou mandar suprimentos médicos para seus amigos cubanos. Apesar de todos esses problemas e crises com o sistema cubano, quando a pergunta “Você voltaria a morar lá?”: Ela afirmou, com total certeza, que a vida lá é mais bem vivida e aproveitada. 27


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C U RS I N H O P OPU L AR

em S ão Paulo Desde 2015, projeto comunitário prepara vestibulandos de baixa renda que buscam vagas em universidades públicas Flávia Fazoli A qualidade da educação brasileira é de tamanha defasagem que no último ranking divulgado em maio de 2017 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), qualificando a educação de 40 países, o Brasil ocupa a 39° posição, o penúltimo lugar da listagem. A lista pertence a Pearson International, que faz parte do projeto The Learning Curve. O ranking é elaborado a partir dos resultados de três testes internacionais, aplicados a alunos do 5º ao 9º ano do ensino fundamental. No ranking de educação da Unesco, o Brasil ficou em 88° lugar entre 127 países, o estudo ainda aponta que 700 mil crianças estão fora

da escola primária, o que fere os direitos da criança e do adolescente, assegurado pela lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Devido a essa demanda, Euelington Silva, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, militante do movimento negro, oriundo de escola pública e voluntário, idealizou o cursinho popular em parceria com a ONG Educafro. A programa atende jovens vestibulandos de classe baixa, pobre e da região periférica de São Paulo. O projeto comunitário está completando dois anos de existência, durante esse período, Euelington contou algumas experiências que ele vivenciou: “a primeira lá em 2015, começou com cinquenta alunos, destes 12 continuaram, todos passaram em universidades públicas, alguns deles, em duas ou três dando a eles direito a escolha, ressaltando que faltava apenas quatro meses para o Enem”. Acrescentou também que o cursinho popular, diferente de outros tipos que tem como principal foco alunos que vem de escolas particulares, essa procura buscar de estratégias de ensino para que os alunos passem nas universidades públicas, visto que não é possível em curto prazo, reverter o atraso que a educação brasileira.

Ivalto Freitas coordenador do cursinho popular, dando aula foto: Flávia Fazoli 28


Mariana, estudante do cursinho popular foto: Flávia Fazoli

O diferencial Ainda sobre essa inclusão, ele destacou os dois tipos de meritocracia que estão presentes na educação no Brasil, a justa e a injusta, “a justa é aquela que trata os iguais com os iguais, e os desiguais com os desiguais, para que assim eles possam ter as mesmas chances; a injusta, que acontecia antes das cotas raciais, e também em alguns cursinhos como Anglo, Objetivo entre outros, ainda praticam é que todos sejam tratados como iguais, não considerando o repertório individual de cada um. O nosso cursinho comunitário funciona de outra maneira, ele discorre de acordo com o andamento da sala e de cada aluno, para assim obter êxito total”. Os estudantes interessados a participarem do cursinho passam por um processo seletivo, que inclui algumas atividades relacionadas à Educafro. Os futuros alunos comentam e compartilham ações da organização, fazem resenhas sobre matérias que saem no portal da ONG, além disso, a ordem de inscrição é fator fundamental para manter-se dentro do projeto, assim que a participação é efetivada

a frequência de segunda a sexta, resulta na permanência no curso. Esse projeto está presente no EMEF Duque de Caxias, na região central de São Paulo e também na unidade matriz da Educafro, no Largo São Francisco, com duas turmas de vinte alunos cada. O cursinho popular ainda atende as regiões periféricas da cidade, porém com bem menos intensidade, lugares é menor, ainda mais por se tratar de profissionais da área, e não professores atuantes.

A busca pela igualdade Uma das lutas que Euelington Silva, junto com toda a sua comissão que rege esse projeto é a conquista do passe livre para os estudantes de cursinhos populares em São Paulo, pois o maior motivo de desistência do curso é a falta de dinheiro para pagar a passagem até o centro, visto que a maioria dos alapenas aos sábados e domingos, pois a aderência de professores nesses unos vêm da periferia. Euelington acredita na expansão do projeto, na sua eficiência e nos alunos, isso que o motiva a prosseguir ajudando quem precisa. 29


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É TEMPO DE AMAR, é tempo de ajudar Enquanto algumas ONGs na cidade correm o risco de ser fechadas por falta de apoio, dona Neusa quer fundar mais uma Jorge Oliveira A fundadora da Cavin (Casa de Apoio Vida Nova), que atua na Zona Leste da cidade, quer mais. “É tempo de amar, é tempo de ajudar”, declara Neusa, senhora serena que sorri enquanto fala, e transmite esperança num futuro no qual espera realizar o seu maior sonho. “Quero criar uma casa que acolha crianças, que estão tendo os primeiros contatos com o mundo das drogas”. Para Neusa, é importante nessa fase, as crianças terem apoio, pois segundo ela, é mais fácil o tratamento e a possibilidade de recuperação. “Não há uma casa de recuperação para crianças”, afirma Neusa que a mais de três décadas dedica a vida para ajudar crianças e jovens nas periferias de São Paulo. A sensibilidade para o problema das crianças surgiu no início da adolescência de seus filhos. No bairro onde mudou quando se casou e que mora até hoje, viu de perto crianças iniciarem nas drogas e muitas delas com finais trágicos. “Meu filho viu um amigo seu muito jovem, que se envolveu com tráfico de drogas, implorar de joelhos para não morrer, e ser morto”, relembra dona Neusa com lágrimas nos olhos. Há três décadas teve um sonho revelador. “Sonhei que batia de porta em porta, falando que iria fazer um projeto social para crianças na rua onde cresci, e precisava de colaboração”, recorda dona Neusa, que ao acordar, anotou todos os detalhes do sonho. Tentou materializar o sonho por diversas vezes, mas não obteve sucesso. 30

Igrejas e associações recusaram sua ideia de projeto com crianças em situação de risco, pois afirmavam ser muito difícil trabalhar com crianças. Anos depois, o sonho começou a tornar-se real. A Cavin foi fundada em 2009, hoje atende 20 crianças com atividades socioeducativa, durante a semana após as aulas nas escolas da região, e 60 mulheres através de oficinas de manicure, panificação e corte e costura que aliás é uma atividade que ela aprendeu aos oito anos de idade. A Cavin não é a uma casa de recuperação para crianças, algo tão desejado por sua fundadora. A instituição atende crianças do bairro e seus familiares, sendo hoje um espaço para reforço educacional, como defini dona Neusa, que pretende criar em breve um projeto para

Neusa em seu local de trabalho, na Cavin foto: Jorge Oliveira


cuidar especificamente de crianças com muito e não para. Neusa mesmo diz que problemas com drogas. ultimamente apenas doença, o que é raro, a faz parar de trabalhar ou quando uma das filhas arruma uma atividade de lazer e a “convida” para ir, voluntariamente é claro. Maria Neusa da Silva casou-se aos 21 Questionada sobre, ela diz não fazer anos. Decidiu junto com o marido, ser dona muita coisa e falando sobre sua fé declara de casa, para cuidar da família que queriam ser muito agradecida por Deus, pelos filhos formar e juntos tiveram dois filhos e duas que tem e pela saúde deles. “Deus fez tudo, filhas. eu só tenho a agradecer e colaborar como Aos 60 anos iniciou o curso de posso”, afirma Neusa com olhar sereno e pedagogia para lhe auxiliar em suas sorriso no rosto. atividades com as crianças. Tirou habilitação Hoje viúva e com seus filhos já nesta idade também. Caminha diariamente adultos, o desejo de cuidar continua e a aproximadamente dois quilômetros de sua família aumenta um pouco mais a cada dia. casa até a sede da Cavin, que está localizada Neusa que é evangélica a cerca de 30 anos, na rua em que Neusa foi criada. tem na sua fé o combustível para dedicar Em conversa com pessoas próximas sua vida a ajudar o próximo. “Sempre faço a ela, é comum ouvir que ela trabalha uma reflexão bíblica e oração, com as crianças e as mulheres, antes de iniciarmos as atividades”.

O alicerce da Cavin

Comemoração na Cavin No dia 9 de dezembro, Neusa irá completar 70 anos. Neste dia será a festa das crianças da Cavin, onde elas recebem presentes, dados por pessoas que durante o ano, as apadrinham. Ela diz está animada, mas prefere não fazer uma festa para seu aniversário, se puder escolher, prefere viajar. No final da conversa, dona Neusa deixa escapar mais um sonho. Quer um carro, para ajudá-la nas atividades da Cavin, assim carregara menos peso e andará menos também. Após um abraço afetuoso e um sorriso daqueles raros de se ver, me despeço de dona Neusa, que em pleno sábado, volta para a oficina de costura para terminar uma cama que está fazendo para as duas novas integrantes da Cavin, “Lilica e Ripilica”, duas gatinhas ainda filhotes, que acabaram de encontrar um novo lar.

“Deus fez tudo, eu só tenho a agradecer e colaborar como posso” 31


CONEX ÃO

D I R E TA M E N T E

das ruas

A poesia marginal do século XXI conquistou seu espaço através de saraus e Slams, dando força e voz a pessoas que aparentemente nunca poderiam ser ouvidas Fernanda Araújo Poetisa marginal e organizadora do Sarau do Capão, Tawane Theodoro, 18 anos, nascida e criada em Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, pratica sua militância de forma artística. Em meados de 2016, se identificou com a poesia, e passou a participar de saraus e Slams, uma competição de três fases, em que poetas interpretam um trabalho autoral ou de outros, por no máximo três minutos. Tawane começou a fazer poesias quando entrou no “Cursinho Popular Carolina de Jesus”, onde teve a oportunidade de aprender a escrever da forma que desejava. Seu primeiro evento cultural, foi no “Slam das Minas”, em São Paulo, no qual apenas mulheres podem recitar. É descrito como um local para dar voz às mulheres, principalmente negras e periféricas. A poesia marginal surge de forma militante a repressão artística da Ditadura Militar, tendo seu espaço nas periferias do Rio de Janeiro e São Paulo. Com o tempo, passa a lutar por mais do que uma visibilidade artística, luta por um espaço social de inclusão e direitos iguais, tornando-se instrumento de exposição da sociedade e suas mazelas. Essa forma de arte em palavras tem, cada vez mais, dado voz àqueles que eram esquecidos ou silenciados, é uma ferramenta de militância usada por eles. Tawane comenta que estar nesse meio a ajudou a formar suas convicções, completa: “Esses eventos me deram voz! Foi através deles que eu aprendi a me expressar e formar uma opinião política mais conceituada”. 32

Tawane coloca em sua poesia mensagens de empoderamento / foto: Fernanda Araújo

Tawane na final do Slam Resistência 2017, na praça Roosevelt foto: Fernanda Araújo


Slams

“Saber que você vai mais apanhar do que bater, porém ainda assim, todo dia está ali, batendo de frente, dado à cara a tapa, para se fortalecer e fortalecer suas iguais”

Nos últimos anos, os Slams alcançaram maior reconhecimento e força em seus movimentos através das redes sociais. Existem diversas competições dessas espalhadas por toda cidade de São Paulo. No Facebook, as publicações expõem os textos declamados e consequentemente, a visão de vida desses jovens muitas vezes periféricos, levando reconhecimento até eles. “Além de dar voz às pessoas, em sua maioria da periferia, que foram silenciosas à vida toda, a poesia marginal também é cultura, e quanto se tem mais eventos como este pela cidade, mais informações sobre a vida desses grupos é disseminada”, reafirma a escutar, nem que seja pelos três minutos do tempo colocado na competição para a poetisa. declamar os textos, e de que dessa forma possa fazer com que as pessoas reflitam sobre assuntos de extrema relevância, muitas vezes, polêmicos. Em sua poesia, Em sua visão sobre a importância Tawane fala muito sobre feminismo, voz desses eventos culturais, a poetisa contou ao povo negro e periférico, evidência sua que quando se apresenta para pessoas de realidade e as situações vividas em seu diversos lugares e realidades, consegue cotidiano. Aborda, com frequência como passar através da sua poesia, suas é ser mulher negra e periférica em pleno percepções sobre o mundo, pois essas estão século XXI, onde ela diz: “São duas batalhas constantes (ser mulher; ser negro), e quando você coloca em pauta ser periférica, tornamse três batalhas. Mas para mim, hoje em dia, se afirmar mulher negra é bater de frente com essa sociedade racista, é pura resistência. Saber que você vai mais apanhar do que bater, porém ainda assim, todo dia está ali, batendo de frente, dado à cara a tapa, para se fortalecer e fortalecer suas iguais.” Em sua vida, desde seu primeiro contato com a poesia marginal, deu voz ao povo periférico. Afirma que sempre teve a intenção de usar a sua poesia de forma política, expondo sempre o que via de certo ou errado na sociedade, desejando transformá-la, fazer dela um lugar de inclusão e coletividade, onde pessoas de periferia pudessem dividir espaços com os de classe mais alta, as mulheres tivessem sua magnitude reconhecida, dando empoderamento a elas, e aos negros salientando a importância de exaltar a sua história, lutando contra o racismo diário.

Voz do povo negro e periférico

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Ana Maria em seu consultório na zona norte de São Paulo foto: Lorenna Kogawa

V I VA C U L T U R A

EM BUSCA DA RETOMADA DE consciência humana Realizada pessoal e profissionalmente, a doutora Ana Maria da Silva continua buscando por caminhos de cura e levando a comunidades necessitadas métodos homeopáticos e antroposóficos, como rota para o autoconhecimento Lorenna Kogawa 34

Ana Maria da Silva, paulistana nascida em abril de 1957, realizou um sonho quando se formou em medicina aos 30 anos. Desde sua especialização em ginecologia e obstetrícia atua com sensibilidade na área da saúde, utilizando métodos homeopáticos e antroposóficos em seus atendimentos. Além disso, ela lidera um projeto médico, pedagógico e social chamado Sol Violeta, que tem como objetivo resgatar a consciência do indivíduo para consigo e a comunidade. Aos três anos de idade ela já dizia que queria ser médica e em 1987 formouse na Universidade São Francisco de Assis, o grande primeiro passo em direção ao seu objetivo de ser alguém que pudesse buscar caminhos de cura. Durante a faculdade já percebia a importância do envolvimento do terapeuta com o paciente e ao longo dos anos, presenciando situações, percebeu que talvez o verdadeiro caminho para a cura seja o autoconhecimento.


A semente do Sol Violeta Ela relata que a primeira situação que lhe abriu os olhos para o quanto o ser humano ainda estaria desatento consigo mesmo ocorreu durante um plantão de ginecologia no Hospital Santa Marcelina em 1988, eram 3 horas da manhã quando uma paciente chegou alegando dores abdominais. Ao examiná-la, descobriram-na grávida e ela alegou não saber da gravidez, mesmo assim a criança nasceu saudável. Neste mesmo dia, plantou-se a semente do Sol Violeta, a ideia de desenvolver um trabalho pedagógico do ponto de vista do médico na comunidade. Levaram 3 anos até que o projeto se concretizasse num grupo de mulheres em menopausa, um ambulatório que seguia os moldes acadêmicos no hospital municipal São Luiz Gonzaga. O projeto durou 12 anos e teve a participação de 450 mulheres em diversas ações, algumas das quais ainda atuam em eventos do Sol Violeta.

Redescobrindo a vida

Foi em 1994 que despertou na doutora o interesse pela medicina homeopática, quando notou que os tratamentos para alguns diagnósticos prezavam pelo desaparecimento de sintomas e sinais, ao invés da recuperação da saúde do paciente. Dessa maneira ela iniciou seus estudos na busca pela compreensão do adoecer e, sobretudo, do ter saúde, o que a levou em 1997 a conhecer a antroposofia, que propunha levar o paciente a encontrar seu próprio caminho, onde em sua liberdade afloraria a consciência que o conduziria para assumir-se dentro de seu contexto bio-psico-social-espiritual. Em 2002, Ana Maria concluiu seu mestrado na Irmandade da Santa Casa de São Paulo e desde então leva seus conhecimentos por onde passa, como na UBS Jardim das Pedras, um posto da prefeitura municipal de São Paulo onde atua como ginecologista há treze anos. Ela afirma que a homeopatia e a antroposofia fazem parte de seu caminho, seu modus vivendis no que propõe para contribuir com a cura: “A minha vida está norteada pela missão

de ser médica. Trata-se de um instrumento vivo que se expande a partir de mim para o outro, para o mundo.” Este ano o projeto médico, pedagógico e social Sol Violeta completa 27 anos e continua atuante na zona norte de São Paulo, com planos para se expandir para Minas Gerais. As atividades caracterizamse como médico-pedagógicas e focam em temas diversos de interesse da comunidade, sempre com o objetivo de despertar para o sentido da vida. A realização do projeto acontece através de diversas frentes, desde a prática diária do atendimento médico diferenciado à paciente na oportunidade da consulta médica até as ações propriamente ditas que acontecem com grupos de pessoas.

“Eu diria que a minha atuação como médica carrega a essência do Sol Violeta. O envolvimento, a disponibilidade do encontro com o outro na atuação médica, quando acontece, promove transformações na alma de todos” Ultimamente tem atuado em conjunto com grupos de profissionais antroposóficos que trabalham a biografia humana como instrumento de transformação e elevação de consciência, além de desenvolver ações junto de adolescentes que passam por terapias artísticas e devolvem ótimos feedbacks da experiência. A doutora ressalta a importância da união e participação efetiva da comunidade, pois acredita seguramente que a consciência aflora quando indivíduos caminham juntos em direção a um objetivo. Ao visualizar sua caminhada até aqui Ana Maria da Silva sente-se realizada, pois sua vida gira em torno da medicina e acredita que vem seguindo nos caminhos da vida pessoal e profissional com honradez, fato que a tranquiliza no que diz respeito ao cumprimento de sua missão como ser humano.

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V I VA C U L T U R A

O Q U I N TA L

dos sonhos

Mais conhecido como Quital Amendola, um espaço aberto para liberdade de expressão e debates, localizado no Alto de Pinheiros, São Paulo Natasha Faria

Daniela e Juliano Garcia, autor do livro “Recusa do não lugar” / foto: Natasha Faria

Daniela Amendola cursou Publicidade e Propaganda na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), pois seu objetivo era trabalhar com campanhas de interesse público. Sua opinião era de que elas deveriam transformar as atitudes e hábitos das pessoas. No entanto, percebeu que os projetos voltados a esses temas, no Brasil, tinham foco mais informativo e que não se preocupavam tanto com o papel fundamental de estruturar a sociedade. Após terminar essa faculdade, cursou dois anos de Jornalismo na PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas). Hoje ela é uma das fundadoras e coordenadora do projeto cultural Quintal Amendola.

muito aberta ao diálogo e ligada à leitura, à intelectualidade, aos temas sociais, culturais e políticos. Seu avô, com quem morou por um tempo, era dono da livraria João Amendola, em Campinas. Quando ela completou 10 anos, mudou-se para São Paulo com seus pais. Por serem professores da USP (Universidade de São Paulo) e da Unicamp (Universidade de Campinas), sua casa era cheia de pessoas que discutiam política, formas possíveis de mudar o mundo, os problemas da desigualdade, entre outros. Como ela própria diz: “Tive a felicidade de ter essas pessoas por perto”. A partir desses contatos, aprendeu a criticar e refletir sobre as engrenagens sociais, culturais e humanas. Eles promoveram seu entendimento sobre a importância política, o que a tornou uma criança crítica, altruísta e criativa. Seu avô também contribuiu para isso. Quando chegava da escola ia direto para o Quintal do Amendola, que ficava no quintal de seu avô, onde ela passava horas lendo e comendo as frutas dos pomares que ele mesmo plantou. A ligação de Daniela com ambos era muito forte e afetiva. E assim, nasceu seu gosto pela literatura. Mas, sua relação com a literatura não para por aí. Ela sempre quis abrir uma livraria, então conversou com alguns livreiros para saber se era viável abrir esse negócio, contudo era um investimento grande e ela tinha dúvidas sobre o retorno financeiro. Mesmo não abrindo uma livraria, a intenção de criar um programa cultural sempre esteve em seus pensamentos.

Quintal Amendola

Com o passar do tempo, Daniela percebeu que tanto em seu trabalho quanto em sua vida, temas sociais e políticos eram pouco debatidos e o acesso aos mesmos eram apresentados apenas pela mídia ou pela academia. A carência de espaços para diálogos foi mais uma motivação para que ela criasse um lugar que suprisse essa necessidade. Desde pequena Daniela teve contato Ela, junto de sua prima Tatiana Amendola, com a cultura. Ela cresceu em uma família criaram o Quintal Amendola para troca de

A influência da família 36


informações, discussões e diálogos sobre a interpretação da nossa sociedade. O nome é em homenagem a seu avô, João Amendola, primeiro livreiro da cidade de Campinas. Além disso, o local segue os passos de seu avô, pois fica na casa da própria Daniela. O Quintal é aberto em dois sentidos: em primeiro lugar, a abertura do espaço físico de sua casa, e em segundo, por se tratar de um espaço que se constrói a partir da própria existência enquanto as pessoas tiverem o que conversar, criticar e debater. Para isso, Daniela e Tatiana cedem o espaço para expositores e o público.

Por mais que os temas abordados no Quintal sejam sociais e políticos, elas pedem para que os palestrantes sejam os mais apartidários possíveis, pois o objetivo do Quintal é que as pessoas possam debater a nossa sociedade contemporânea, que requer um aprofundamento nas discussões para que as pessoas não ouçam só o lado da mídia, mas sim, que tenham a mente aberta para receberem outros pontos de vista. Hoje, Daniela alcançou seu objetivo de vida, que é ser uma pessoa aberta ao mundo e aos povos e abrir sua casa para a cultura e o conhecimento sem preconceitos e medos.

Livraria João Amendola, em Campinas, aberta na década de 1930 foto: acervo pessoal

O autor Juliano Pessanha em debate no Quintal, realizado em setembro foto: Natasha Faria 37


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ASCENSÃO DA MÚSIC A ALTERNATIVA pelos olhos d e Lu i z a L i a n A cidade como palco para cena musical feminina e os impasses para alcançar o reconhecimento em meio ao caos paulistano: Luiza Lian, inspirada pela metrópole mostra como a capital contribui para a música alternativa

Deslange Paiva

Luiza Lian nos bastidores de seu último show em São Paulo / foto: Deslange Paiva

Luiz Lian, lançamento Óya Tempo, no auditório do Ibirapuera foto: Deslange Paiva 38


São Paulo é atualmente um dos principais polos culturais do país, principalmente no cenário musical abrangente em gêneros e estilos que tomam conta da cidade. A capital paulista acaba se transformando em um grande palco para novos artistas que buscam reconhecimento dentro da metrópole e entre essa nova leva destacase Luiza Lian, a paulistana de 26 anos que gostaria de ser baiana está crescendo em meio a música alternativa.

Composições que criam identidade Luiza é cantora, compositora e artista visual, tem como principal referência a música negra americana como jazz, soul e o hip hop. Em grande parte de suas composições são abordados temas como sexualidade, espiritualidade e vida cotidiana com um tom autobiográfico. Seu primeiro disco intitulado “Luiza Lian” foi lançado em 2015 com um repertório todo inspirado em suas vivências do dia a dia, a divulgação do álbum em grande parte foi feita em casas de shows ou centros culturais na cidade, “A capital acabou se tornando um grande palco para mim, nela as pessoas passaram a me reconhecer, em grande parte esses shows em centros culturais de forma gratuita, olharam, gostaram, e se aprofundaram na minha música”. Em grande parte, a música alternativa brasileira se encontra na melhor fase, todos os dias artistas ganham cada vez mais reconhecimento. Os grandes exemplos são de Liniker e os Caramelows, o Terno, As Bahias e a Cozinha Mineira, todos que usaram São Paulo como estopim da carreira. Luiza enfrentou alguns impasses na carreira mais por conta da aceitação do público do que pelo fato de ser uma artista feminina, em geral a música é direcionada para um nicho específico de público que se identifica com as composições. “O meu público me recebe bem e entende o que eu componho, em geral algumas pessoas estranham as letras por conta das influências religiosas, acredito que se eu fosse uma artista que atingisse um grande

público sofreria um pouco de repressão por conta das influências Umbandistas nas letras”. Lian também falou do seu novo álbum: “Em São Paulo eu fiz casa, meu mais novo disco em grande parte tem traços da capital, meu início de carreira foi na capital, e minha formação artística é toda da capital. Com o Oya Tempo, eu queria ter feito somente uma performance sobre como tudo é passageiro, mas decidi transformar em canção”. A cantora atualmente está com o segundo disco Oyá Tempo, o álbum visual que conta com uma média metragem e ainda um site todo formado com a idealização do álbum com composições formadas através do Ensaio Sobre o Encosto, poemas escritos por Luiza sobre fantasmas que a humanidade carrega consigo. Dentre as principais mudanças entre o primeiro e o segundo álbum foi a sonoridade: o primeiro autointitulado Luiza Lian foi feito nos braços da MPB enquanto o segundo álbum assume melodias mais ligadas ao hip hop.

Feminismo na música “Como mulher, eu vejo a indústria musical como algo a ser explorado, a música alternativa em si é muito ampla e muitas vezes o maior espaço acaba sendo pra bandas ou grupos que já alcançaram o estrelado em si. Para mulheres em geral há muita luta para conquistar um espaço, pois além de talento, as pessoas também buscam algo comum que já se acostumaram a ouvir. Como a minha música tem um diferencial, eu continuo preferindo tocar para pessoas que estão interessadas em me conhecer como artista”.

“Para mulheres em geral há muita luta para conquistar um espaço” Atualmente Luiza está em turnê com o novo álbum, que assim como o primeiro é um grande sucesso para a crítica especializada que enxergam a artista como uma das mais promissoras do atual cenário. 39


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MAMBA NEG R A a techno culture paulistana Como os hábitos noturnos se modificaram nos últimos anos através de festas alternativas Mariany Faria São Paulo tem inúmeras opções de entretenimento, várias casas noturnas e um circuito de festivais constante, ou seja, há lugares para ouvir música o tempo todo. Mas, há alguns anos o perfil desses eventos mudou drasticamente, a crise econômica, associada à vontade de ocupar espaços públicos fez surgir um novo cenário efervescente de festas. Elas acontecem nas ruas, ocupações e locações degradadas da cidade, como casas e fábricas abandonadas. Além da busca por lugares alternativos, existe uma influência do retorno global do techno, misturado a outras tendências da música eletrônica.

Mamba Negra: Experiências Intensas Laura Diaz e Carol Schutzer promovem umas das festas mais expressivas desse movimento, a Mamba Negra. Elas se conheceram na faculdade, e dizem que a primeira conexão foi por causa do Horóscopo Chinês semelhante, ambas pertencem ao signo da Serpente. Daí surgiu a inspiração para o projeto, descrito como “Serpente peçonhenta de hábitos noturnos e libidinosos. Bote rápido e fatal. Terreiro eletrônico de paralisergia”. Ou seja, Mamba Negra é uma festa com aspecto misterioso, de experiências intensas, em galpões lotados, que duram do entardecer da noite até o amanhecer. 40

Projeção em parede durante uma das festas do Mamba Negra foto: Mariany Faria

O espírito de liberdade é vigente. Em todas as edições percebe-se uma busca por autenticidade musical, maior protagonismo de mulheres e uma diversidade de profissionais entre a própria organização “Somos artistas de multilinguagem, somos produtores, músicos, DJs, videomakers, arquitetos, artistas visuais, técnicos, performers, enfim tem de tudo”, comenta Carol Schutzer conhecida como Cashu, seu nome como DJ. Essa esfera mais autônoma, mais independente, permite que os artistas tenham mais domínio sob seu próprio trabalho, na escolha dos ambientes onde eles se desenvolvem, o tipo de público na qual tem a intensão de se atingir. Em São Paulo o conceito experimental de ideias relativas a arte, música e entretenimento em geral, está se tornando um modelo de negócio. Os coletivos e os artistas se fundem para criar meios de produzir conteúdo. “O objetivo é não ficar refém da proposta limitada do mercado do


entretenimento e da relação de públicocliente”, comenta Laura Diaz, também conhecida como Carneosso, seu nome como produtora. Mas, segundo elas, o maior desafio em em produzir festas independes é o dinheiro. “Como não temos grana nem investidor às vezes isso barra algumas ideias legais que gostaríamos de colocar em prática. Fazemos isso porque amamos, porque dá um trampo enorme e muitas vezes saímos no prejuízo.

Espírito nômade Sobre a relação entre a Mamba Negra e os espaços da cidade, existe uma peculiaridade, os eventos nunca são no mesmo lugar, e o anúncio da localização é feita no mesmo dia, horas antes. Adquirese uma característica nômade, que segundo Carneosso: “não foi algo que a gente escolheu, resolvemos achar que ia ser a próxima grande moda, isso é uma

condição que a própria falência do projeto arquitetônico de São Paulo empurra a gente para sempre buscar novos lugares que tenham a possiblidade de você deslumbrar algum gesto de liberdade.” Cashu brinca que na verdade a Mamba é antes de tudo uma f ( r ) esta, pois sempre estão na caça por lugares marginalizados pelo poder público, deixados de lado pela especulação imobiliária, “sair da zona de conforto” é uma lei. Além disso, elas confrontam sobre o qual é o significado de cultura em São Paulo: “A Sala São Paulo, Praça das Artes fechada ou Virada Cultural uma vez por ano não é cultura. Cultura é a liberdade de manifestação política e artistíca espontânea na cidade”. Reforçando o caráter social, reflexivo, questionador e visionário da Mamba. Para finalizar, Cashu enfatiza a intenção dela de criar espaços de experiências de liberdade. E que tudo surgiu de maneira orgânica nesse contexto de efervescência em São Paulo. “Acho que principalmente pela música que é sempre feita ao vivo, um elemento fundamental para criar a atmosfera útativas e acertos. Tudo fizeram parte de criar essa outra via de atuar na cena cultural em São Paulo. Passar por essas experiências foi fundamental para a nossa construção de uma rede de atuadores muito além da Mamba. Ou seja, a gente criou uma identidade coletiva e multifacetada em constante transformação. Acho que esses fatores juntos foram capazes de ativar discussões que constroem esse lugar de liberdade sexual, cultural, política”.

“Serpente peçonhenta de hábitos noturnos e libidinosos. Bote rápido e fatal. Terreiro eletrônico de paralisergia” 41


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REFLEXÕES através do cinema “É uma maneira de você pensar, de você produzir reflexão” Gustavo Souza Ela nasceu em 1984 e foi aos 24 anos que percebeu o quanto cinema era importante na sua vida. Alice Riff é cineasta e sócia da Studio Riff. Seu trabalho busca encontros sensíveis com o real, dialogando com temas ligados à juventude e direitos humanos. Formada em Cinema no ano de 2008 (FAAP), mas sua primeira graduação foi em Ciências Sociais (USP), curso em que percebeu que precisava se comunicar e então descobriu que queria fazer cinema através de antropologia visual. No entanto, foi só após a segunda graduação que ela se inseriu no meio e produziu seu primeiro curta-metragem Cidade Improvisada (2012; Melhor Filme no Festival Visões Periféricas) onde reuniu 16 MC’S brasileiros que fazem improvisação de RAP (Freestyle) para rimar sobre a cidade que vivem, seus problemas e questões, sobre isso, Alice comentou: “Juntei os MCs para não batalharem mais um contra o outro, mas sim juntos contra a cidade”, disse Alice. Em 2013 quatro minis docs foram produzidos e dirigidos por Alice em parceria com a Grão Filmes e a Agencia Pública, com patrocínio de um edital do Canal Futura. Dentre eles o 100% Boliviano, Mano (2013; Melhor Filme Educativo no Festival Entretodos de Direitos Humanos) que mostra a visibilidade dos costureiros bolivianos de São Paulo na mídia após diversas denúncias de oficinas que mantinham os imigrantes em condições análogas à escravidão. Mas o minidoc foi em busca de investigar como vive a segunda geração de bolivianos que reside na cidade. Entre a vivência cotidiana 42

do preconceito, pejorativamente apelidados de “índios” ou “bolívias”, descrevem um dia a dia de agressões físicas e verbais, mas compartilham o desejo de permanecer no Brasil e de não trabalhar mais na costura. Alice revelou que sempre quis fazer documentários e tem como grandes referências o brasileiro Eduardo Coutinho e o francês Jean Rouch. Ela sempre gostou de observar as pessoas e o jeito delas, gosta de entender as coisas afundo e sempre teve o pensamento de olhar mais para os indivíduos, mais para vidas do que para dados. “Sempre tive curiosidade pelo outro e sempre pensei que minha vida é menos importante. Tem coisas mais urgentes pra serem faladas”, afirma a documentarista. Dirigiu oito curtas metragens documentais ao todo até hoje, com exibições em festivais nacionais e internacionais, como São Paulo International Film Festival, Mostra de Tiradentes e Cachoeira Doc. Entre seus trabalhos recentes estão os curtas Orquestra Invisível Let’s Dance (2016; Prêmio Aquisição TV Cultura), que conta a história de Seu Osvaldo, o primeiro DJ do Brasil. E também fez produção executiva no longa documental “Histórias que nosso

Alice dirigindo um de seus curtas foto: Gustavo Souza


cinema (não) contava”, dirigido por Fernanda Pessoa. Atualmente está finalizando o documentário de longa-metragem “Abigarrados” cujo é diretora.

lado, o cotidiano dessas pessoas e quem assiste acaba se imergindo na intimidade de cada personagem. “Não pretendo dar conta de nada com meus filmes. O tema ganha forma por si só e o cinema é uma maneira de você pensar, de Seu primeiro longa-metragem, “Meu você produzir reflexão”, afirma Alice. corpo é político”, é o filme que está dando o que falar na sua carreira até agora, o filme acompanha a rotina de quatro pessoas: o homem transexual Fernando Ribeiro, as mulheres transexuais Giu Nonato e Paula Beatriz e a artista queer Linn da Quebrada. A atenção está voltada a gestos banais dos personagens, como tomar banho, comer, esperar o ônibus, estudar, trabalhar, se divertir com os amigos… O contato deles com o ambiente urbano ganha um cuidado especial. “O filme é um manifesto político, mas tem sua preocupação com a produção do cinema” disse Alice sobre o longa, “Mesmo quando as pessoas não estão falando tudo é político”, disse. Riff é uma documentarista importante nos dias de hoje, o fato de conhecer e entender seus personagens leva os espectadores a uma aproximação muito mais forte e intensa Cena de MC Linn da Quebrada, documentário “Meu com o tema apresentado, mostra o outro corpo é político” / foto: Gustavo Souza

“Meu corpo é político”

Alice Riff e Luciano Onça, diretores de “100% Boliviano, mano” foto: Gustavo Souza 43


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COMUNIDADE

independente comemora aniversário Quilombaque mudou cenário do bairro e resgatou autoestima dos jovens da periferia através da arte Patrícia Santos Foi com uma grande festa que a Comunidade Cultural Quilombaque comemorou seu 12º aniversário esse ano, no bairro de Perus, zona noroeste de São Paulo. Desde sua criação em 2005, o Quilombaque tem sido palco de diversas manifestações culturais e espaço aberto para artistas e jovens periféricos que antes não tinham opções de lazer e entretenimento no bairro. “A Comunidade mudou a história de Perus e vem gente de todo lugar de São Paulo”, diz Dona Alneiva (50) moradora de Perus desde o seu nascimento. A ideia de criar um espaço cultural surgiu dos irmãos Cleiton, Clébio e Tamara que após participarem do Bloco Caranguejeiras no Parque do Ibirapuera quiseram levar um bloco para o bairro deles também. Segundo Laura Cintra, (35), vizinha do Quilombaque, no início do projeto algumas pessoas viam o trabalho do grupo com um certo preconceito “Eles passavam aqui com seus tambores e tinha gente que falava lá vem os macumbeiros, que bom que com o tempo isso ficou para trás e eles mostraram muita coisa boa pra todo mundo”. Durante cinco anos a comunidade acontecia na garagem dos irmãos Cleiton e Clébio Ferreira, mas com o tempo os próprios vizinhos foram se envolvendo com o projeto: “tinha uma senhora que começou a dar aula de libras, outro vizinho começou a dar aula de violão e quando vimos a coisa tinha crescido muito”, diz Cleber, fundador do Quilombaque. Hoje a comunidade tem as 44

Cia Porto de Luanda, onde fica o Galpaõ Quilombaque foto: Patrícia Santos

aulas mais diversas possíveis, oficinas de dança, música, aulas de fotografia e até um projeto sobre educação ambiental onde já estão tentando revitalizar algumas margens de rios.

A periferia em inclusão “Uma conquista importante é ter colocado a arte e a cultura, na periferia, na pauta, como um direito fundamental e como ferramenta educacional e de transformação social. Para isso o mais importante foi a revitalização das lutas, de grupos, atores, agentes, da memória, da história, como um eixo articulador para discutir e agir sobre questões locais, regionais”, diz Soró. Hoje o Quilombaque, além dos eventos de dança e música também tem uma vasta programação com workshops e palestras sobre diversos temas da atualidade, no último sábado (21) houve uma palestra sobre os direitos humanos para dezenas de jovens. “A gente não sabe nossos direitos e nem sabe como fazer que


Pinheiro, ex aluna da oficina de fotografia. “A primeira vez que eu tirei uma foto aqui eu soube que era isso que eu queria fazer para o resto da vida, parece até meio romântico dizer isso, mas juro que é verdade, o Quilombaque me deu perspectiva”, Soró diz que o Quilombaque é isso, “a capacidade de articular diferentes e diversas formas de recursos (incluindo a falta de recursos) e oferecer atividades dirigidas de modo a fortalecer e fomentar iniciativas locais, priorizando sempre gerar trabalho, renda e perspectiva para a juventude negra. Mas não só, também leva em conta os imensos potenciais que a arte possui, principalmente a ampliação de universo imaginário e repertório de linguagens. ”A maior dificuldade do grupo hoje segundo os fundadores é a mesma de sempre a falta de recursos financeiros destinados à cultura e meio ambiente, outra coisa que preocupa Soró é a alta taxa de desemprego juvenil. No galpão do Quilombaque eles gritam que a comunidade é símbolo de resistência e comemoram cada jovem que sai do crime graças as oportunidade que encontrou ali”. eles sejam respeitados, a gente sabe que os direitos humanos embora tenha título de universal, são diferentes num bairro nobre e na periferia”, diz Raphael Lauro (18) um dos jovens que frequentam o galpão da comunidade. O Quilombaque é uma referência para os coletivos daquela região, desde 2010 é reconhecido pela prefeitura de São Paulo como ponto de cultura da cidade, a grande característica da comunidade é dar espaço para diversos ritmos e usar da arte para transformar e ensinar jovens. ”A nossa maior conquista foi ter invertido o olhar de senso comum social que vê os jovens sem possibilidades, como problema para enxergar os mesmos como potência. E principalmente ter conseguido isso junto aos próprios jovens que passaram a se ver como potência”, diz o programador cultural. A comunidade cultural atende uma demanda enorme de jovens com suas oficinas e muitos encontraram no local a profissão que desejam seguir no futuro, como por exemplo a fotógrafa Janaina

Cleiton Ferreira, fundador do Quilombaque, discursa sobre resistência negra / foto: Patrícia Santos 45


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APROX IMAR O BA S QUETE dos brasileiros, essa é a missão de Diego

Dedicado ao esporte, Diego Silver busca popularizar o basquete no Brasil, através do seu projeto Larissa Rosada

Diego Leonardo Silver de Andrade, 31, formado em Educação Física e mestre pela USP, é professor, atleta, blogueiro e especialista de uma modalidade que vem conquistando a população brasileira, o basquetebol. Silver já trabalhou em clubes como o Pinheiros e na Associação Nacional de Basquete 3x3, o popular basquete de rua. Conheceu o basquete já na sua infância, através de um projeto do Oscar Schmidt nas escolas de São Paulo. Foi quando se apaixonou pela modalidade e foi em busca de se aperfeiçoar como atleta. Mas seria apenas mais tarde que a paixão se tornaria uma ferramenta de trabalho, durante a graduação, quando não se sabia ao certo qual carreira seguir.

sociais, como no Facebook, Twitter e Instagram, além da conquista mais recente, a disponibilidade de conteúdo também na plataforma do Youtube. O conteúdo tem o intuito de dar espaço e aproximar o basquetebol dos brasileiros, com notícias, artigos, entrevistas, curiosidades, treinamentos, onde terá próximos eventos e “peneiras” para times de basquete, além das novidades do basquete brasileiro e mundial. O site ainda divulga trabalhos de outros profissionais, projetos sociais e cobertura exclusivas de jogos. Tudo isso para aproximar e despertar nas pessoas a curiosidade sobre o esporte.

Blog Área Restrita Silver era blogueiro na internet, escrevia sobre músicas e foi quando alguns colegas o incentivaram a criar algo do basquetebol, cujo percebeu que não havia nada muito significativo na internet e que pudesse aproximar as pessoas desse esporte, foi quando a primeira versão de seu blog Área Restritiva foi ao ar, com opiniões sobre o esporte, divulgação de trabalhos de outros profissionais e projetos sociais. Meses depois, o blog ganhou força e espaço, e se desenvolveu com força até virar o que é hoje. “O Basquetebol brasileiro realmente estava carente disso”, conta. O blog passou por diversas modificações até chegar no modelo atual, o formato inicial adquiriu a plataforma de site e ganhou também versões nas redes 46

Silver pousa para foto em quadra de basquete pública foto: Larissa Rosada


Basquetebol para todos Em 2017, completam 6 anos do blog Área Restritiva, e com a dimensão que tomou, Silver precisou de uma equipe para conseguir dar conta de várias coberturas e publicações diárias nas plataformas na internet. A equipe conta com jornalistas, fotógrafos e amantes do basquete que seguem escrevendo e participando de eventos esportivos e culturais de basquete no Brasil e no Mundo. “A nossa maior missão é falar do basquetebol como um todo e para todos, apresentando toda a cultura que envolve o envolve”, diz Diego Silver sobre a missão do Área Restritiva de promover o basquete para todos. O feedback que Silver e sua equipe recebem das pessoas que acompanham o site e usualmente entraram em contato com o portal é positiva, alguns parabenizam, outros dizem que passaram a acompanhar

o esporte por meio do site e ainda há quem começa a praticar a modalidade. “A ideia é essa, interferir na vida dos leitores positivamente, daqueles que praticam ou não. Ou pelo menos deixar as pessoas com o mínimo de vontade para consumir o basquetebol de alguma forma”, diz. Com toda essa visibilidade adquirida e conhecimento, Silver foi convidado para trabalhar com o basquete na Malásia. O convite tem como proposta iniciar um programa de basquetebol, estruturando desde o início para que o programa se mantenha pelos próximos anos, para crianças de ambos os sexos até 13 anos. Chegando em 2018 a aproximadamente 800 crianças.

“Área Restritiva Basketball Team, com escolinhas e envolvido com projetos sociais para difundir a Arte do Basquetebol em escolas públicas e regiões que o esporte ainda não chegou de forma mais organizada” Na capital paulista, conta que já trabalhou diretamente em alguns projetos, ordenou e deu suporte técnico até mesmo para projetos de basquete fora do estado. Atualmente, morando na Malásia, implantando um projeto de basquete, Silver já pensa quando retornar à São Paulo: “Está chegando a hora de dirigir o meu projeto de basquete, ou quem sabe ter espaço para implementar algum programa em algum projeto que já esteja em andamento”. 47


V I VA C U L T U R A

REVITALIZAÇÃO PA R A Q U E M ?

Com a chegada do Sesc 24 de Maio ao centro e os empreendimentos destinados a um público AA, quem ocupa o centro? Ana Gabriela

A região central da cidade de São Paulo é um dos mais concentrados polos de lazer e cultura do estado, e uma das áreas mais densas de trabalhadores com cerca 20% dos empregos. Essas informações fazem parecer fácil e abundante o acesso à cultura a essa grande massa de pessoas. Contudo, a realidade na maior metrópole da América Latina é outra. Há uma grande carência de espaços de lazer acessíveis à população. Como uma das áreas mais democráticas da cidade e sua grande oferta de empregos, opções de lazer, hospitais e abundante entroncamento de todos os meios de transporte público – metrô, trem e ônibus, o centro é um grande atrativo para os habitantes da metrópole, principalmente os de baixa renda. Apesar desses fatores o dia-a-dia da região central não segue esse roteiro, com um alto índice de crescimento desordenado e péssima distribuição, lugares como cortiços, e situações como ocupações e quarteirões tomados por usuários de drogas são a verdadeira face do centro. A negligência governamental e consequentemente a falta de segurança resultou no abandono da região. O impacto se evidência em números, residem ali apenas 3% da população. Nesse contexto social e cultural surgiu o projeto do Sesc 24 de maio. Há dez anos em reforma o edifício que o Sesc ocupa foi revitalizado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. A criação da marca Sesc não foge muito da realidade que incentivou o 24 de maio. Em meio a transições politicas, na década de quarenta nasce o projeto para a criação do Serviço Social do Comercio, o Sesc. No entanto, foi em 1946 que o sonho 48

Visão aérea de região no centro de São Paulo foto: Ana Gabriela

se tornou mais palpável, ao aparecer o nome Sesc pela primeira em um documento oficial, na Carta da Paz. Com a proposta de conter as tensões entre trabalhadores e empregadores. Em 1961 o Sesc ampliou sua atuação. Têm início as primeiras atividades culturais e a modernização do serviço social. Com infraestrutura baseada na educação, cultura, recreação e saúde, são abertos os primeiros centros de atividade do Sesc. O que antes eram departamentos regionais, a partir desse ano se tornaram centros que desde então tem a educação e a recreação como atividades prioritárias. No Centro da cidade que há anos vive sob a promessa da revitalização pela parceria público¬-privada. Em sua maioria, as iniciativas de revitalização foram tomadas exclusivamente por grupos privados, que na tentativa de recuperar a vanguarda das artes que no passado ali se encontrava, e seguindo uma tendência mundial de tornar “cool” novamente os, antigos e desgastados, centros históricos foi aberto nos últimos anos bares, restaurantes, galerias baladas e


espaços culturais. Todos destinados a um publico endinheirado que circula pelo centro dentro de “ubers” e taxis. Sem se preocupar com a realidade dos arredores. A tendência de empreender no centro, principalmente no centro histórico, só se fez mais credível com a recente inauguração do Sesc 24 de Maio, que ocupa um edifício de treze andares que ficou em reforma durante os últimos dez anos. E assim como as outras unidades da marca, conta com diversas opções de lazer incluindo a magnifica piscina no terraço, cursos variados, a comedoria e assistência medica - como odontológica e dermatológica. Para usufruir de tais benéficos é preciso ter a carteirinha. A carteirinha do SESC dá acesso às unidades, mas é preciso trabalhar no comércio de bens, serviço e turismo do Sesc, Senac e entidades sindicais do comércio e comerciários.

Sesc na revitalização O Sesc é um grande passo para a revitalização do centro, mas é um dos poucos projetos que fogem do enobrecimento, também conhecido como gentrificação. Movimento centro-periferia que afasta a grande massa do centro devido ao alto custo de vida que com que se afirma com a especulação imobiliária. O preço do aluguel e do metro quadrado sobe quando o mercado imobiliário observa oportunidades de investimento na região. O que consequentemente aumenta o custo de vida no local e faz que com as pessoas que residem nessas áreas sejam forcadas a se mudar para um local menos privilegiado e muitas vezes periféricos. Ocasionando a segregação urbana, cenário que repete a mesma situação em outras grandes cidades, como o Soho e Williamsburg em Nova Yorque. Essa situação é acompanhada da Prefeitura que aproveita do momento para realizar uma “higienização social”. Como o recente programa “Cidade Limpa” do Doria, atual prefeito de São Paulo, que gerou polêmica ao expulsar com violência os moradores de rua de uma área do centro

chamada de “Cracolandia”. O que ocasionou surtos de violência na região e aumento do consumo da droga. O mercado imobiliário ganha forca e espaço por meio de operações como esta, o que levanta suspeita sobre construções na área devido a este ser um grande financiador de campanhas politicas. A criação do Sesc tem papel de agente revitalizador em uma área antes esquecida após o horário comercial, que proporciona, a grande massa trabalhadora que ali se concentra, lazer acessível e de qualidade. A lojista Marcia Silva acredita que o novo espaço melhorou a qualidade de vida daqueles que trabalham no centro. “Antes se que eu queria ir ao teatro tinha que esperar a minha folga por que quando chego em casa já estava muito tarde, e é muito vazio aqui de noite tinha medo. Mas com o Sesc tem mais gente na rua e os comércios em volta ficam abertos até mais tarde então da pra pegar uma peça aqui e ir pra casa mais tranquila.” Marcia só é uma das milhares de pessoas que frequentam o Sesc todo dia e que trabalham no centro. Revitalizações de sucesso e que beneficiam o povo podem e devem ser prioridade. Espaços coletivos não devem sofrer devido a especulação imobiliária e os altos preços do lazer segregacionista.

Máquina revitaliza centro de São Paulo foto: Ana Gabriela 49


V I VA C U L T U R A

E S P I R I T UA L medieval

Juliana Couto, 39 anos, casada, mãe, bióloga de formação, Oráculo como profissão, pagã Mila Rizzuto

Juliana Couto na Taverna Medieval foto: Mila Rizzuto

Juliana é uma mulher jovem, que pode ser facilmente reconhecida na “Taverna medieval’’, uma lanchonete agradável e bem localizada na Vila Mariana, onde ela trabalha, com um pequeno diferencial, sua temática é totalmente voltada ao mundo medieval. Juliana, não foge do padrão aqui. Vestida nos conformes Celtas, ela vai de mesa em mesa, oferecendo a leitura de runas. “A Helen e o Nelson, que são os donos do Taverna, me conheceram jogando runas. Gostaram e me chamaram para trabalhar aqui”. Agora, há três meses trabalhando no estabelecimento, ela nos conta que, a princípio jogava runas como complementação de renda, porém, com a crise financeira, após dez anos exercendo sua profissão como bióloga, acabou desempregada em janeiro. 50

como complementação de renda, porém, com a crise financeira, após dez anos exercendo sua profissão como bióloga, acabou desempregada em janeiro.

A relação com a espiritualidade pagã

Entretanto, para ela foi uma renovação, desde que tinha 15 anos, quando ganhou seu primeiro tarô, criou uma grande afinidade com a espiritualidade e leituras de adivinhação. Hoje, além do tarô, ela joga runas e abre diferentes tipos de oráculos, todos voltados a cultura celta. Juliana nos conta que por conta de séries como Game of Thrones e Vikings, a cultura medieval caiu no gosto do povo de novo, cultura essa antes em ênfase nos anos 60 e 80 com séries e filmes como Ben-Hur, Xena, As brumas de Avalon e jogos de tabuleiro como Dungeons & Dragons. Porém, Juliana aponta um fato importante: “Apesar das pessoas estarem curtindo muito a cultura medieval hoje, a maioria não lembra ou sabe da parte espiritual que vem junto com a época”. Dedicada a cultura medieval desde que tinha 20 anos, quando conheceu o druidismo, a cultura celta, o ásatrú e a cultura nórdica, hoje ela faz parte de um grupo de estudos sobre a época, onde conheceu seu marido, o Tarcísio, nos conta que com a invasão Viking nas ilhas britânicas em 570, houve uma junção de culturas que criou a visão que temos hoje nas séries e desenhos. Seu grupo de estudos, a Escola Milton, promove vários eventos sobre o assunto, sendo o mais importante, o Jantar temático medieval, que é inspirado nos grandes banquetes que os nobres medievais promoviam na época. Na festividade, os convidados são recepcionados e apresentados por um bobo da corte antes de entrar. três pratos intercalados por músicas celtas e vikings, além de promover contos e peças teatrais. A festa termina após a bellaria, sobremesas típicas da época e o grupo musical mais importante do dia. Juliana diz que se pudesse trabalharia só com oráculo e a espiritualidade.


Juliana Couto jogando runas para cliente na Taverna Medieval. foto: Mila Rizzuto

“Estou procurando outra vocação profissional que não seja como biológa, porém, nunca vou parar de jogar runas. É a manifestação da minha espiritualidade em forma física”

Juliana Couto jogando runas para cliente na Taverna Medieval. foto: Mila Rizzuto 51


“Não sei que sentimento é esse que faz com que se amem as pedras das calçadas. São Paulo nada tem fora disso. Só as pedras das calçadas. No entanto, duvido que haja na terra agarramento maior por um trecho de chão do que o que sentimos por nossa cidade.” Oswald de Andrade


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