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Impressão da luta sindical

ANDRÉ GALLINDO é jornalista. Trabalha na TV Globo em Pernambuco; é integrante do Intervozes ROGÉRIO TOMAZ JR

[COLABOROU]

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JULYA VASCONCELOS é estudante de comunicação na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)

A serenidade e a timidez do professor Luiz Anastácio Momesso escondem uma longa trajetória de luta política. Militante da Ação Popular (AP) durante a ditadura militar instaurada com o golpe de 1964, esse paulista de Taiaçu, município próximo a Jaboticabal, foi, inicialmente, incentivador da imprensa sindical. Na época em que as dificuldades para impressão eram alargadas pela restrição ao acesso às grandes gráficas ou pela manipulação de velhos mimiógrafos em quartos de fundo de quintal, o professor Momesso fazia jornalismo por necessidade. Forma esta de espalhar e tentar consolidar a oposição ao autoritarismo do governo militar.

Hoje, Momesso é um dos principais especialistas em comunicação sindical no Brasil. Ao refletir sobre a prática nesse campo, o professor explica que a comunicação sindical “abarca todas as modalidades decorrentes da própria vida sindical, desde a conversa de pé de ouvido até a utilização das mais avançadas tecnologias, tanto nas relações internas como as com o mundo exterior à entidade”.

Publicou dois livros importantes neste campo pouco explorado: José Duarte – o maquinista da história, e Comunicação sindical: limites, contradições e perspectivas. Este último fruto de sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP), em 1994.

Foi fundador do programa de mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) além de ter participado da estruturação do núcleo de estudos e projetos sobre Comunicação e Movimentos Sociais na universidade. Atualmente, leciona apenas na graduação da universidade, tendo sido mais uma das vítimas das exigências das agências de fomento do setor educacional brasileiras – que muitas vezes consideram produtividade mais importante que a história, coerência e outros atributos de muitos de nossos mestres.

Colabora com textos, palestras e cursos de formação com diversos movimentos e veículos, especialmente com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Nascido numa fazenda de café, no início da década de 1940, Momesso conta que, em sua adolescência, teve contato com a Juventude Agrária Católica e com o movimento estudantil secundarista. Depois do golpe de 1964, trabalhou como metalúrgico na

fábrica da Philips em Santo André, no ABCD paulista. Lá conheceu a Juventude Operária Católica e ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e na Ação Popular, organização marxista-leninista.

Momesso também iniciou nesse contexto a atuação que seria o tronco mestre de seu trabalho pelos anos seguintes: a imprensa sindical. Escrevia claro. Era útil para traduzir as reivindicações políticas dos sindicatos para uma linguagem acessível aos trabalhadores. Além de redigir notícias, também colaborava na circulação dos panfletos e jornais operários. Sua verve jornalística começava a florescer em meio ao engajamento político.

Em 1968, foi preso porque distribuía panfletos durante greve em Osasco. Levado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), onde teve uma costela quebrada por policiais, só saiu graças à intervenção de um padre da região. Também foi preso durante exercícios de combate, organizados pela AP no município de Crato, no Ceará. Foi acusado de “terrorismo”, “assassinato” e “falsificação de dinheiro”. A notícia recebeu grande destaque na imprensa regional.

No livro O que é isso companheiro?, Fernando Gabeira deixou registrada a impressão que teve de Momesso quando travaram um primeiro contato na prisão, onde o professor tinha o apelido de “Ceará”. Os dois se conheceram no momento em que Momesso dividiu a mesma cela com Gabeira, preso junto aos outros seqüestradores do embaixador norte-americano Charles Elbrick.

Depois disso, o professor casou-se em 1971 e mudou-se para a capital paulista. Avaliava que o processo revolucionário estava em refluxo. A resistência estava desestruturada, muitos militantes presos. Havia até ausência de projeto. Era preciso, portanto, reorganizar a vida para continuar a luta de outras formas.

“O pensamento único dos anos 90 silenciou muitos de nós daquela época. Alguns aceitaram a mordaça e se perderam pelo caminho. Mas há aqueles que não se perdem jamais. O professor Momesso já era assim nos anos 80”, testemunha Regina Festa, integrante do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional entre 2002 e 2004.

Regina viveu na Zona Leste de São Paulo na época em que Momesso militava na área.

“Conheci o professor Momesso como ativista da imprensa popular e alternativa na região e fora dela. Ele chamava muito a minha atenção. Era incansável e, apesar das dificuldades políticas e da pobreza dos moradores da Zona Leste, havia uma dignidade e uma firmeza nos seus propósitos que o faziam avançar sem parar”, declara orgulhosa Regina, que também é professora de Comunicação e levou Momesso a fazer o mestrado na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), no início da década de 1980.

Nessa entrevista, o professor Momesso relata sua trajetória pelo fortalecimento da comunicação dos sindicatos brasileiros, além de sua luta na oposição à ditadura militar. Para ele, “a comunicação sindical não pode ser pensada desvinculada do pensamento sindical: quando a comunicação não acompanha a dinâmica do movimento, é como se ele estivesse aleijado”.

_ Após tamanha experiência e luta contra a ditadura e grande envolvimento com movimentos populares, por que, aos 40 anos, estudar comunicação, especificamente o jornalismo? Desde essa época havia problemas na comunicação sindical? A comunicação era estratégica para o movimento sindical da época?

A decisão de estudar se deu em 1971. Morava em Recife, num bairro muito pobre, sobrevivendo de artesanato, desenvolvendo um trabalho político muito localizado, de pouca importância e sem perspectivas de mudanças imediatas, pois a Ação Popular estava um tanto desarticulada por conta de inúmeras prisões.

Nestas condições, com vida semi-clandestina, correndo riscos de segurança, eu e minha companheira passamos seis meses fazendo avaliação da situação, revisão crítica de nossa militância e da experiência que havíamos acumulado e das perspectivas que se apresentavam. Concluímos que não haveria mudanças políticas significativas a curto prazo e que a resistência armada à ditadura não estava ganhando corpo como se esperava. Pelo contrário, sobrevivia em poucos lugares com muitas dificuldades.

Chegamos à conclusão que era necessário reorganizar a vida buscando uma profissão que nos permitisse viver como pessoas comuns, no meio do povo, mas que ao mesmo tempo fosse um campo de ação política. Ela optou por estudar história e eu, comunicação.

Esta opção teve como fundamento, em primeiro lugar, uma análise política. Paralelo à censura, os militares estavam patrocinando um grande desenvolvimento dos meios de comunicação, criando infra-estrutura como torres de transmissão, satélites, fábricas de aparelhos de TV, criação de escolas de comunicação. Minha análise foi de que a comunicação se tornaria uma das coisas mais importantes nas décadas seguintes.

Foi fator decisivo também a importância política que a esquerda dava à comunicação. Basta lembrar que uma célula de base devia ter, no mínimo, três componentes para desempenhar três funções diretivas: secretário político, secretário de organização e secretário de agitação e propaganda. Em outras palavras, de comunicação.

Ainda pesou o aspecto de que, desde o início, minha militância sindical, a partir de 1966, esteve ligada à comunicação. Tinha facilidade para escrever e me foi dada tarefa de fazer boletins de fábrica e imprimir material em mimeógrafos – constantemente passando a noite toda nesta atividade, em pequenos quartos de fundo de quintal para não chamar a atenção da repressão. Também fiz parte de uma equipe que produzia o jornal Resistência, da AP no ABC e que depois se transformou em um jornal de maior abrangência. Na realidade, desde este período eu já gostava muito de comunicação, lia livros sobre o assunto, tinha preocupação de aprender desenho, caricatura para melhorar os impressos. O que mais pesou, no entanto, foi o aspecto político, porque eu gostava muito mais da área de psicologia.

Na área de comunicação, nunca me passara pela cabeça estudar jornalismo. Inicialmente, pretendia estudar propaganda, entendendo por propaganda o trabalho que a gente fazia na esquerda, de propagação de idéias. Mas acabei indo para o jornalismo, por orientação de pessoas próximas.

_ A sua experiência no movimento sindical lhe deu também uma visão sobre a comunicação dos sindicatos. Como seu trabalho no movimento sindical o levou para o jornalismo? Qual a sua avaliação do processo de redemocratização?

Como jornalista, trabalhei menos de dois anos na imprensa comercial. Montei uma pequena gráfica e fazia boletins, cartilhas, cadernos, pequenos jornais, enfim, todo tipo

de impressos para os mais variados movimentos, desde as associações de bairro, clubes de mães, movimentos de mulheres, de estudantes, grupos de cultura popular, oposições sindicais. É importante lembrar que vigorava a ditadura, o movimento sindical estava controlado, não se tinha onde imprimir material gráfico exceto em algumas igrejas, geralmente em mimeógrafos. Havia riscos, mas era uma tarefa política necessária. Além desses trabalhos, a gráfica me dava um rendimento pequeno, por isso também procurava trabalhar em outras atividades como professor, por exemplo. Entre 1980 e 84, fiz mestrado sobre comunicação sindical na Metodista com extrema dificuldade por falta de condições. Lecionei por alguns anos em faculdade particular e, no final da década de 80, quando a oposição conquistou a direção do Sindicato dos Professores da Rede Pública Estadual de São Paulo (Apeoesp), fui contratado para trabalhar como jornalista. Organizei a assessoria de comunicação e produzia mensalmente o jornal do sindicato, no qual escrevia praticamente todas as matérias. Foi uma experiência interessante, pois me permitiu fazer o doutorado na ECA-USP com um pé na academia e outro no sindicato, onde continuei trabalhando, embora sem vínculo empregatício. No doutorado, estudei o processo de profissionalização da comunicação sindical que passou a acontecer a partir de 1978, em alguns dos maiores sindicatos de São Paulo (ver “C’os sons do boré, mil gritos reboam”, à página 76). Minha pesquisa se confundia com meu trabalho, pois convivia com jornalistas sindicais, participava das discussões e buscas de caminhos para a comunicação, de seminários e encontros sobre o tema, realizados pelas entidades e pela CUT.

_ Qual foi a sua relação com o jornal Movimento?

Minha relação com o jornal Movimento foi de apoio. Não participei da redação, a não ser com contribuições esporádicas, a primeira delas, censurada. Semanalmente, aparecia na redação. Participava dos debates ali realizados com freqüência. Era um local onde eu me informava, convivia com os jornalistas, contribuía de diferentes formas como sugestões de matérias e participava da distribuição do jornal especialmente nos bairros.

Era um instrumento de trabalho político. Como ele publicava muitas matérias longas, difíceis para a maioria da população mais pobre, discutimos a possibilidade de criar um jornal mais leve e mais popular com os assuntos mais importantes do Movimento. Daí saiu o jornal Assuntos e eu fiz parte da equipe que o produzia. Mas tivemos apenas algumas edições, pois sua implantação dependia de uma estrutura maior, que não tínhamos.

_ Como foi seu trabalho com os movimentos populares da Zona Leste de São Paulo e sua inserção nos jornais do bairro?

Na periferia de São Paulo, participei da equipe que criou o jornal da Diocese de São Miguel Paulista e que teve um papel importante no incentivo aos movimentos sociais (ver “Grito do Povo da Zona Leste”, à página 58). Foi no início da década de 1970 e a ditadura estava muito violenta. Apenas sob tutela de igrejas se conseguia manter um jornal como aquele, que divulgava e estimulava as lutas do povo por suas reivindicações, por justiça, fazendo denúncias. Mesmo sendo sob a tutela de um bispo, os riscos não eram pequenos. Mas mantínhamos um jornal mensal que, além da distribuição, tinha muitas informações que eram lidas publicamente nas igrejas. A partir de 1974 participei da organização, nas periferias de São Paulo, do que inicialmente chamávamos de Movimento do Custo de Vida, posteriormente modificado para Movimento Contra a Carestia. Os encontros eram feitos em igrejas ou colégios religiosos, sob forte tensão, devido à ameaça de violência pela ditadura. Aos poucos foi ganhando as ruas através de atividades como compras comunitárias, pesquisa de preços, reivindicações das mais diferentes, culminando, em 1978, com uma manifestação na Praça da Sé, que parecia mais uma praça de guerra, tomada por policiais, cães, cavalos... O ato contou com cerca de 30 mil participantes e reuniu os abaixo-assinados contra a carestia, totalizando mais de um milhão e cem mil assinaturas colhidas nas praças, feiras e ruas. Além de participar da coordenação, fiz parte da equipe de comunicação deste movimento. Produzíamos os mais diversos materiais, com destaque para um tablóide que chamávamos de Jornal do Custo de Vida. Foi uma das experiências mais ricas em

comunicação popular em que estive envolvido, resultado da união da experiência de comunicação da igreja com a da esquerda e assimilando a cultura popular.

_ Em que medida podemos dizer que a imprensa sindical contribuiu com a democratização da comunicação e com a redemocratização do próprio País?

Não se pode reduzir a comunicação sindical à imprensa sindical. A comunicação sindical abarca todas as modalidades decorrentes da própria vida sindical, desde a conversa de pé de ouvido até a utilização das mais avançadas tecnologias, tanto nas relações internas das entidades sindicais como em suas relações com o mundo exterior à entidade. A imprensa sindical é uma das modalidades dessa comunicação. A partir do final da década de 1970, na medida em que as lutas sindicais cresceram e geraram organizações mais consistentes, também em decorrência das oposições sindicais, o sindicalismo começa a ter uma presença marcante na cena nacional. A comunicação sindical não pode ser pensada desvinculada do pensamento sindical, das práticas e das formas de organização. Dá-se uma relação dialética. O movimento gera uma comunicação que gera um movimento. A comunicação é instituída e instituinte do movimento. Pensar a comunicação como um instrumento à parte do movimento é uma visão reducionista e deformada. Quando a comunicação não acompanha a dinâmica do movimento, é como se o movimento estivesse aleijado. Retarda. Assim como uma boa comunicação dinamiza.

[André Gallindo] [história] Comunicação Sindical [onde e quando] Ceará,Pernambuco e São Paulo,de 1964 ao início dos anos 90 [quem conta] Luiz Anastácio Momesso e Regina Festa [entrevistas realizadas] Março a Setembro de 2004

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