23 minute read

1. Contextualização e Justificativa

12% DAS RAPARIGAS

COM MENOS DE 15 ANOS DE IDADE FICAM GRÁVIDAS EM MOÇAMBIQUE

Advertisement

a probabilidade de desistência escolar aumenta em 29 por cento entre as raparigas grávidas em relação às suas colegas

1.2 EVIDÊNCIAS SOBRE OS FACTORES QUE

AFECTAM O ABSENTISMO E A DESISTÊNCIA DOS ALUNOS

Uma análise regional realizada na África Oriental e Austral e evidências nacionais indicam que os factores de absentismo e desistência são multifacetados e podem estar relacionados com os vários domínios do desenvolvimento da criança. Esta secção apresenta uma visão geral dos resultados mais relevantes tanto dos estudos quantitativos e qualitativos, como da literatura académica e da literatura cinzenta disponíveis até à data.

1.2.1 FACTORES RELACIONADOS COM A CRIANÇA

As evidências sugerem que o género, a idade e as desvantagens socioeconómicas de uma criança são factores que afectam a sua capacidade de frequentar a escola (Hunt, 2008). A análise abaixo aborda algumas das constatações.

GÉNERO

Dados nacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, em Moçambique, cerca de 12 por cento das raparigas com menos de 15 anos de idade ficam grávidas (OMS, 2013). Usando dados do Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF 2014/15), Mambo et al. (2019) examinam o efeito da gravidez precoce sobre a desistência escolar das raparigas. O estudo mostra que, em média, a probabilidade de desistência escolar aumenta em 29 por cento entre as raparigas grávidas em relação às suas colegas do género feminino. Mais especificamente, “a probabilidade de desistir da escola aumenta imensamente se a rapariga tiver menos de 13 anos de idade, cerca de 82% e 34% entre as raparigas do ensino secundário” (ibid.:12). Isto está de acordo com a pesquisa quantitativa anterior que também identificou a adolescência como uma idade crítica e um ponto de viragem para a frequência escolar das raparigas em todo o país (Heltberg, Simler e Tarp, 2003: 13; Banco Mundial, 2005). Relativamente à progressão para o ensino secundário, um inquérito de vários países na Região da África Oriental e Austral (ESAR) também mostra como as raparigas moçambicanas têm menos probabilidades de progredir do que os rapazes (UNICEF e UIS, 2015). Um inquérito realizado no Quénia (Lloyd, Mensch e Clark, 2000), destacou como a diferença de género emerge durante os últimos anos da escola primária quando as raparigas passam pela puberdade e se tornam adolescentes. Tornam-se “particularmente vulneráveis nessa altura dentro do sistema de educação devido a atitudes negativas generalizadas em relação às raparigas adolescentes. Nesta idade, um ambiente de aprendizagem favorável às raparigas poderia fazer uma diferença significativa na posterior retenção escolar” (ibid.). Da mesma forma, a pesquisa de métodos mistos realizada no Ruanda mostra que enquanto os rapazes com menos de 13 anos de idade apresentam mais probabilidade de desistir do que as raparigas, há uma tendência inversa com o aumento da idade, o que tem impactos drásticos a longo prazo:

A desistência escolar dos rapazes mais jovens tende a afectar a sua formação e contribui para o contribui para o aumento do número de alunos com idade da média de idades nas turmas da escola primária, enquanto a desistência das raparigas representa mais frequentemente um ponto final na sua formação, o que é evidente na matrícula de rapazes e raparigas nos anos finais do ensino secundário (UNICEF e MINEDUC, 2017: vii).

As evidências qualitativas sustentam estes argumentos ao mesmo tempo que levam a constatações mais aprofundadas e de maior alcance comparativo. Um estudo qualitativo realizado no Gana, Quénia e Moçambique (Parkes e Heslop, 2013) revelou que as raparigas enfrentam uma vasta gama de barreiras à sua escolaridade nos três países. Algumas das principais barreiras estão directamente ligadas aos papéis de género estabelecidos dentro do agregado familiar (por exemplo, tarefas domésticas, cuidar de irmãos), pobreza (incapacidade dos pais para pagar as propinas, necessidade de trabalhar na machamba) e questões relacionadas com a sexualidade e violência de género (gravidezes precoces e uniões prematuras). Com base nos resultados qualitativos de um estudo realizado na província de Sofala, Roby, Lambert e Lambert (2009) destacam também que, embora vários factores possam ter impacto na educação de todas as crianças, cada um destes factores pode ter um impacto mais negativo nas raparigas. A sua pesquisa mostra claramente como alguns “encarregados de educação não acreditavam que a escolarização fizesse diferença para o futuro das crianças, especialmente os encarregados de educação das raparigas”, porque as raparigas têm mais responsabilidades domésticas e de cuidados. Além disso, pais e encarregados de educação também tendem a manter as raparigas mais em casa, “temendo os perigos envolvidos no percurso da escola ou as más influências da escola” (ibid.: 350). Além disso, os resultados de uma pesquisa de base de métodos mistos em Moçambique também registam testemunhos de como as raparigas são muito afectadas por casos de assédio sexual, abuso e castigo na escola, o que afecta a sua assiduidade e contribui para a desistência (Parkes e Heslop, 2011). Estas vulnerabilidades realçam a importância de determinados momentos de transição por pontos específicos de transição na vida de uma criança. Os estudos destacaram de facto uma série de ligações entre a educação das raparigas e os ritos de iniciação ou cerimónias que marcam a transição de uma fase da sua vida para outra. Estas cerimónias e a sua preparação frequentemente morosa podem sobrepor-se ao calendário escolar e podem aumentar o absentismo e a possibilidade de desistência. Em algumas partes da Guiné, por exemplo, estas cerimónias foram por vezes realizadas durante o período escolar e podem causar absentismo por períodos que variam entre uma semana e um mês, resultando, às vezes, em desistência escolar. Um estudo intensivo realizado a nível escolar e comunitário, utilizando uma combinação de instrumentos de pesquisa quantitativa e qualitativa, mostrou “como o impacto foi percebido como sendo maior para a escolarização das raparigas, pois é muitas vezes considerado vergonhoso que elas regressem à escola após a iniciação, ao contrário do que acontece com os rapazes” (Colclough, Rose e Tembon, 2000: 22). Isto pode ser explicado, conforme abordado por Nekatibeb (2002) no caso da Etiópia, pela discrepância entre as percepções das escolas e das famílias sobre as raparigas que são submetidas a ritos de iniciação. Após estas cerimónias, apesar de os professores em particular e as comunidades escolares em geral ainda considerarem os alunos como crianças, as suas famílias consideram que eles se tornaram adultos.

RETENÇÃO E REPETIÇÃO

O alto índice de reprovações e repetições pode também ser um factor significativo que desencoraja a continuação dos estudos. Nos países da Região da África Oriental e Austral, a reprovação durante os anos do ensino primário é um problema recorrente (UNESCO e UNICEF, 2015; Momo et al., 2018). Com base na análise do historial de eventos num estudo sobre educação urbana,

Pais e encarregados

de educação também tendem a

manter as raparigas mais em

casa, “temendo os perigos envolvidos no percurso da escola ou as más influências”

a reprovação durante os anos do ensino primário é um problema

recorrente

A taxa de permanência até à 5ª classe em países como Moçambique para alunos com idade superior a dois ou mais anos foi cerca de

15%

MAIS BAIXA DO QUE PARA ALUNOS QUE ESTAVAM NA IDADE APROPRIADA PARA A SUA CLASSE

as crianças que entram na escola primária após um programa bem-sucedido de educação pré-escolar demonstram um melhor aproveitamento nos testes, maior participação e esforço na sala de aula, e

maiores índices de conclusão escolar

Roderick (1994) constatou que a repetição de ano desde a pré-escola até à sexta classe está associada a análise significativo da probabilidade de desistência, mesmo após o controlo de diferenças no desempenho escolar inicial e posterior à reprovação e na assiduidade. A pesquisa de métodos mistos no Ruanda também mostrou como a retenção exerce influência sobre a desistência escolar, porque faz com que haja muitos alunos com idade superior para a sua classe6 (MINEDUC/ UNICEF, 2017). A pesquisa na República Unida da Tanzânia mostra uma maior probabilidade de crianças com idade superior (dois ou mais anos) desistirem no final do ciclo escolar primário do que crianças que estão na idade adequada para a sua classe (McAlpine, 2009). A taxa de permanência até à 5ª classe em países como a Etiópia, Madagáscar, Malawi, Moçambique, Namíbia, Ruanda, Uganda, República Unida da Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe para alunos alunos com idade superior (dois ou mais anos) foi cerca de 15% mais baixa do que para alunos que estavam na idade apropriada para a sua classe (EPDC, 2009, citado no UNICEF e UIS, 2015).7

EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

Dados quantitativos provenientes de países de renda baixa indicam que as crianças que entram na escola primária após um programa bem-sucedido de educação pré-escolar demonstram um melhor aproveitamento nos testes, maior participação e esforço na sala de aula, e maiores índices de conclusão escolar (Berlinski, Galiani e Gertler, 2009; Grantham-McGregor et al., 2007). Uma recente avaliação de impacto do programa de Preparação Escolar Acelerada (PEA) em Moçambique (UNICEF, 2020) mostrou diferenças significativas e consistentes nos resultados dos alunos no final da primeira classe, como resultado da exposição ao programa de PEA. Contudo, a oferta de serviços pré-escolares por parte do Governo é inadequada em toda a Região da África Oriental e Austral. Além disso, a prestação de serviços pré-escolares desigual e não regulamentada é dominada por fornecedores privados e continua a ser reservada a elites urbanas privilegiadas (UNICEF e UIS, 2015). Estudos anteriores mostraram que apenas 4 por cento das crianças estão matriculadas na pré-escola em Moçambique e a maioria vem de populações urbanas abastadas (Martinez, Naudeau e Pereira, 2012).

1.2.2 CONTEXTO SOCIOECONÓMICO DO AGREGADO FAMILIAR

Uma revisão de estudos realizados em países em desenvolvimento todos concordam que os níveis de desistência e absentismo do ensino médio podem estar antes de mais à associados situação socioeconómica da família e do agregado familiar (Levy, 1971; Sommers, 2005; Roby, Lambert e Lambert, 2009; Casey, 2014). O ODS 4 (Educação de Qualidade) afirma que, nos países em desenvolvimento, as crianças das famílias carenciadas têm quatro vezes mais probabilidade de não entrarem para a escola do que aquelas de famílias abastadas. Têm menor probabilidade de frequentar a escola, e aquelas que o fazem, têm mais probabilidade de repetir de ano e desistir antes da conclusão de um ciclo do ensino primário (UNICEF e UIS, 2015). Uma das razões por detrás disto é o tempo limitado que os pais de origens socioeconómicas mais baixas gastam a apoiar a aprendizagem dos seus filhos em comparação com famílias de nível socioeconómico mais elevado, muitas vezes devido a outros afazeres que entram em conflito de tempo. A análise estatística

6 Os “alunos com idade superior” são aqueles que são mais velhos do que a idade escolar oficial para o programa educativo em que estão inscritos. - Glossário UIS-UNESCO, http://uis.unesco.org/en/glossary 7 Na escola primária em Moçambique, os ciclos são de 1-3, 4-5 (ambos EP1) e 6-7 (EP2). A progressão dentro dos ciclos é automática, mas entre ciclos, depende da aprovação nos exames nacionais (MINEDH, 2012: 13).

mostrou como o envolvimento limitado dos pais pode afectar negativamente a assiduidade, resultando em menor aproveitamento e, eventualmente, desistência escolar (Ho Sui-Chu e Willms, 1996; Jeynes, 2003). Além disso, para as crianças mais carenciadas,, a pressão para abandonar a escola aumenta à medida que crescem, particularmente quando o custo de oportunidade do seu tempo aumenta devido a encargos económicos no agregado familiar (Hunt, 2008: 8; Baiden et al., 2019). Um estudo quantitativo realizado na província de Sofala mostra uma correlação entre o rendimento familiar e a matrícula, e entre o rendimento familiar e a assiduidade (Roby, Lambert e Lambert, 2009:346). O estudo mostra uma diferença estatisticamente significativa no nível de assiduidade entre as famílias de baixo rendimento e as famílias abastadas. Contudo, em comparação com as taxas de matrícula, os índices de assiduidade foram mais baixos para todos os níveis de rendimento. De facto, o estudo concluiu que mesmo com um rendimento mais elevado, a assiduidade pode ser um desafio devido a outros factores envolvidos. Entre estes factores, as infraestruturas comunitárias são um factor importante a ter em conta. As evidências quantitativas das pesquisas realizadas por Ortiz et al. (2015) no Brasil, por exemplo, mostram como os membros da família, em particular as crianças, quando não estão ligados ao sistema de água e saneamento, podem estar mais propensos à contaminação por doenças hídricas que os impedem de frequentar a escola. Nestes casos, as crianças também podem acabar por passar mais tempo a buscar a água e a gerir o seu armazenamento. “É através destas mudanças na saúde e no tempo de lazer que o acesso à água e aos serviços de saneamento tem impacto no desempenho escolar das crianças”(ibid.: 1).

TRABALHO DAS CRIANÇAS EM CASA OU FORA DE CASA

A pressão socioeconómica também aumenta a dependência da família no tempo e na contribuição laboral da criança, que apoia os meios de subsistência familiar. Numa amostra de 60 países em desenvolvimento, os alunos tiveram um alto índice de falta de assiduidade devido ao trabalho (UNICEF e UIS, 2015). Sabates et al. (2010) baseiam-se na análise de dados quantitativos dos países africanos para mostrar como os agregados familiares rurais dependem da ajuda das crianças durante a época da colheita. Uma vez que o trabalho sazonal entra frequentemente em conflito com os horários escolares, isto pode levar a afastamentos periódicos da escola, resultando em elevado absentismo, especialmente para nos rapazes (ibid.). Com base nas evidências qualitativas de Moçambique e no tempo gasto nas tarefas domésticas. Roby, Lambert e Lambert (2009: 346) argumentam que é provável que o dobro das raparigas relativamente aos rapazesnão frequentem a escola. Mostram também como, em circunstâncias excepcionais e situações imprevistas como os Desastres ambientais, as famílias adoptam estratégias alternativas de sobrevivência, por exemplo, recorrendo à ajuda de crianças em actividades de geração de pequenos rendimentos como a venda de carvão ou madeira (ibid.). Aqui, a prioridade para as famílias dos estratos socioeconómicos mais baixos é obter alimentos, com a educação a tornar-se menos importante. Assim, as pressões ambientais e as alterações climáticas exacerbam ainda mais a pobreza e as vulnerabilidades do agregado familiar, resultando em perturbações escolares e num impacto prejudicial a longo prazo nos resultados da aprendizagem (UNICEF SEER, 2011). As crianças também podem

acabar por passar mais tempo a buscar a água e a gerir o seu

armazenamento. “É através destas mudanças na saúde e no tempo de lazer que o acesso à água e aos serviços de saneamento tem impacto no desempenho escolar das crianças”

os agregados familiares rurais dependem da ajuda das crianças durante a época da colheita

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

é um dos factores críticos que afecta a decisão de uma criança e da sua família de frequentar ou abandonar a escola.

VALOR ATRIBUÍDO À EDUCAÇÃO PELOS PAIS E PELA COMUNIDADE

O baixo valor atribuído à educação na comunidade e na sociedade é outro factor importante que afecta a assiduidade e propicia a desistência nas escolas moçambicanas (Nivagara et al., 2016: 41). As percepções dos pais e encarregados de educação sobre como a educação pode influenciar as oportunidades de vida e de trabalho são factores que influenciam a decisão de retirar mais cedo ou de manter a criança na escola. Da mesma forma, as evidências quantitativas mostram como a probabilidade de acesso à escola secundária e a capacidade percebida da criança de progredir nas classes podem afectar a prioridade dada à escolaridade dentro da família (Sabates et al., 2010: 13). O nível de escolaridade dos pais é geralmente um factor que determina o papel que estes desempenham e o nível de seu envolvimento na formação dos seus filhos. Por exemplo, uma pesquisa em Ruanda mostrou que os pais com níveis de académicos mais altos têm maior probabilidade de mandar os seus filhos para a pré-escola (MINEDUC / UNICEF, 2017: 116). Os dados de Moçambique confirmam estes resultados: entre as crianças cujos encarregados de educação concluíram pelo menos a escola primária (6a classe ou mais), 83 por cento frequentavam a escola, em comparação com apenas 57 por cento das crianças cujos encarregados de educação não tinham concluído nenhum nível de escolaridade (Roby, Lambert e Lambert, 2009: 347). Também surgiram resultados similares de um estudo qualitativo mais recente realizado nas escolas do Norte, Centro e Sul de Moçambique (Nivagara et al., 2016). O estudo mostra como os chefes de família instruídos se esforçam para manter as crianças na escola e ajudar os que desistiram a voltar à escola.

1.2.3 QUALIDADE DA EDUCAÇÃO E FACTORES DETERMINANTES

DO NÍVEL ESCOLAR

A qualidade da educação é um dos factores principais que afecta a decisão de uma criança e da sua família de frequentar ou abandonar a escola. Os factores estruturais e materiais (por exemplo, condições da sala de aula, material de aprendizagem, instalações de água e saneamento), qualidade do ensino e capacidade dos professores de envolver e motivar igualmente os alunos, assim como a língua e frequência da pré-escola são alguns dos principais factores determinantes da assiduidade e aproveitamento pedagógico identificados na literatura.

INFRAESTRUTURA ESCOLAR E RECURSOS

A literatura que analisa a relação entre o nível de recursos da escola e o aproveitamento pedagógico do aluno remonta ao trabalho pioneiro de Coleman et al. (1966). Já na década de 1980, Heyneman e Loxley (1983) argumentaram que, apesar de uma variação significativa na qualidade da escola, o impacto da escola e da qualidade dos professores sobre o aproveitamento dos alunos é comparativamente maior do que o nível socioeconómico da família nos países de de renda baixa. Sugerem que “quanto mais pobre o cenário nacional em termos económicos, mais poderoso [o efeito da escola e da qualidade do professor] parece ser” (1983: 1184). Em muitos países da Região da África Oriental e Austral, existe uma falta geralizada de recursos e condições adequadas para a aprendizagem nas escolas rurais, o que as evidências quantitativas e qualitativas mostram ter um impacto negativo na assiduidade (UNICEF e UIS, 2015). Na verdade, recursos limitados traduzem-se em estruturas superlotadas que oferecem instalações medíocres ou fracas. Nestes

casos, faltam recursos básicos (por exemplo, cadeiras, quadros) e/ou recursos tais como material didáctico (Ravishankar et al., 2010), assim como instalações sanitárias adequadas (Jasper, 2012). Recentemente, chamou-se a atenção também para possíveis ligações entre problemas de saneamento nas escolas e taxas de assiduidade baixas e raparigas pós-púberes (UNICEF e CISM, 2019). Na Zâmbia, o índice de desistência escolar entre raparigas de 1ª a 9ª classe aumenta exponencialmente de cerca de 1 para 7,4 por cento. Existe uma forte correlação com a disponibilidade ou falta de saneamento adequado (ou seja, separado por género) nas escolas (UNICEF, 2014). Utilizando dados qualitativos de raparigas e professores, a pesquisa do Quénia indica claramente que a melhoria do acesso poderia resolver alguns problemas emocionais e práticos fundamentais subjacentes ao absentismo das raparigas (Jewitt e Ryley, 2014). Nesses casos, o absentismo também pode estar especificamente associado à menstruação, conforme apontado pelas raparigas pós-púberes na República Unida da Tanzânia e na África do Sul (Sommer, 2010; Abrahams et al., 2006). A combinação de recursos de famílias pobres e instalações inadequadas de água e saneamento na escola pode impedir que as raparigas frequentem a escola durante o período menstrual.

QUALIDADE DE PROFESSORES: QUALIFICAÇÕES, EXPERIÊNCIA E COMPORTAMENTO NA ESCOLA

Com base numa análise dos efeitos cumulativos dos professores nos resultados académicos dos alunos, Sanders e Rivers (1996) defenderam a importância de assegurar a existência de professores de alta qualidade e bem preparados para todos os alunos, independentemente da raça, etnia ou rendimento. De facto, a pesquisa demonstra uma correlação significativa entre o desempenho académico dos alunos e a qualidade dos professores (Sanders and Rivers, 1996). No entanto, o inquérito dos Indicadores de Prestação de Serviços (SDI) realizado pelo Banco Mundial (2018; 2019) sobre desempenho de qualidade nas escolas primárias de Moçambique demonstrou que o desempenho dos professores era baixo, apesar das instalações e materiais disponíveis (tais como casas de banho, livros escolares e quadros), o que era relativamente elevado em comparação com outros países africanos onde o mesmo inquérito foi realizado. 8 Os SDI destacaram que o maior desafio em Moçambique era o baixo nível de conhecimento dos professores sobre o conteúdo que precisavam de ensinar e as suas fracas competências pedagógicas. Além disso, a taxa de absentismo dos professores (45%) também afectou negativamente os resultados de aprendizagem dos alunos e contribuiu para o aumento da taxa de absentismo destes últimos (Molina e Martin, 2015; Jarousse et al., 2009). Estudos que avaliam a qualidade da educação nas escolas primárias em Moçambique através de inquéritos nacionais (amostra de 176 escolas) também indicaram haver necessidade de maiores esforços (Passos et al., 2005; Lauchande et al., 2013). Neste contexto, as famílias podem não ver o valor ou a vantagem de mandarem os seus filhos para a escola. A combinação de recursos de famílias pobres e instalações

inadequadas de água e saneamento

na escola pode impedir que as raparigas

frequentem a escola durante o período

menstrual.

A TAXA DE ABSENTISMO DOS PROFESSORES

também afectou negativamente os resultados de aprendizagem dos alunos e aumentou a taxa de absentismo destes últimos

8 O inquérito dos Indicadores de Prestação de Serviços (SDI) foi lançado em 2010 e realizado em Moçambique e em oito outros países africanos: República Unida da Tanzânia (2010, 2014), Senegal (2010), Quénia (2012), Nigéria (2013), Togo (2013), Uganda (2013), Níger (2015) e Madagáscar (2016). O estudo inclui um conjunto de indicadores que mede a capacidade e o esforço de professores e directores, assim como a disponibilidade de factores e recursos chave que contribuem para o funcionamento de uma escola. Estas métricas permitem às autoridades educativas e às escolas identificar lacunas e acompanhar os progressos ao longo do tempo.

Conforme destacado a seguir,

a supervisão das escolas pelas

autoridades educativas pode ser uma

ferramenta eficaz para monitorar e melhorar a qualidade da educação.

Além dos níveis de formação e qualificação, de acordo com uma análise cruzada da experiência de professores em diferentes países africanos, trabalho do professor verificou-se que a vasta experiência de ensino teve um impacto positivo no seu trabalho e, por conseguinte, no desempenho escolar dos alunos (Jarousse et al., 2009). Contudo, nas últimas duas décadas, os países africanos assistiram ao recrutamento de um grande número de professores jovens e inexperientes, sem apoio necessário para fazerem face à falta de experiência (Lauwerier e Akkari, 2015: 5). A análise de políticas mostrou que efectivamente a formação profissional tem sido um dos elementos mais negligenciados nas políticas recentes em diferentes países do continente (Jarousse et al., 2009: 175).

GESTÃO E SUPERVISÃO ESCOLAR

Uma pesquisa com enfoque na gestão escolar enfatizou a relevância de uma boa governação e monitoria regular em relação à redução da falta de assiduidade crónica dos alunos e professores. Conforme destacado a seguir, a supervisão das escolas pelas autoridades educativas pode ser uma ferramenta eficaz para monitorar e melhorar a qualidade da educação. As tendências pós-coloniais relativas à autonomia escolar nos países africanos têm defendido “uma mudança profunda no papel da supervisão escolar, passando de exercer controlo administrativo para exigir responsabilização e oferecer apoio” (De Grauwe, 2007: 709). Os serviços de supervisão escolar podem ser classificados em dois tipos: (i) aqueles que se concentram nos professores, que são responsáveis pela qualidade do ensino prestado; e (ii) aqueles que têm como foco a escola, que é o elemento central que afecta a qualidade do ensino através do seu funcionamento geral e da realização de interacções positivas entre o director, professores e pais. Além disso, os supervisores, no seu papel de funcionários do Ministério, são intermediários entre o MINEDH e as escolas (ibid .: 110). Apesar disso, o baixo desempenho dos supervisores é motivo de preocupação em muitos países africanos e está principalmente ligado aos poucos recursos atribuídos a um mandato muito exigente e multifacetado. Como resultado, há um número limitado de visitas de supervisão e pouco tempo passado nas escolas, pouca atenção dada ao seguimento da supervisão e uma concentração de tempo e esforços em actividades administrativas em vez de apoio aos professores. Além disso, as escolas localizadas nas zonas rurais remotas são frequentemente negligenciadas (ibid.).

RESUMO DOS ASPESCTOS PRINCIPAIS

> Apesar dos progressos alcançados nas matrículas desde 2004, o sistema de educação enfrenta desafios profundos de retenção de alunos e de conclusão do ensino primário com disparidades de género identificadas nos resultados.

> Os dados analisados indicam que a desistência escolar, o absentismo e o aproveitamento escolar dos alunos são influenciados pelos factores que se seguem: > Os compromissos e responsabilidades domésticas que as crianças têm, em função do género (por exemplo, tarefas domésticas e de cuidados, trabalho agrícola e práticas socioculturais), explicam resultados escolares altamente marcados pelo género. > A pobreza obriga as crianças a contribuírem nas actividades de subsistência e aumenta os riscos de uma interrupção dos estudos da criança. > As características dos professores, ou seja, o nível da sua formação e experiência, assim como a gestão escolar e a língua de instrução, desempenham papéis importantes na reprovação escolar e noutros resultados escolares.

> Um abastecimento adequado de água e saneamento pode ter um impacto favorável na retenção escolar, ao passo que se a escola estiver distante há maior probabilidade de desistência, particularmente das raparigas. > Um programa bem-sucedido de ensino pré-escolar melhora o aproveitamento pedagógico e está associado a a taxas de conclusão mais elevadas.

Centra-se na criança individualmente e nos seus resultados enraizados em quatro níveis hierárquicos de influência: individual (resultados da criança); recursos familiares e relações interpessoais; comunidade e vizinhança; e o ambiente favorável.

2.1 O MODELO SOCIOECOLÓGICO

O desenvolvimento do inquérito da ALDE e a sua análise baseiam-se na estrutura adaptada do Modelo Socioecológico de Bronfenbrenner (1979). Centra-se na criança individualmente e nos seus respectivos resultados, enraizados em quatro níveis hierárquicos de influência: individual (resultados da criança); recursos familiares e relações interpessoais; comunidade e vizinhança; e o ambiente favorável. É uma ferramenta analítica que se estende para além das fronteiras sectoriais do ensino primário. A ênfase aqui é colocada em acções públicas para alcançar melhores resultados de educação através da influência interligada da família, comunidade, políticas escolares e instituições. A Figura 1 apresenta esquematicamente o modelo hierárquico dos resultados educativos e os seus factores impulsionadores. Os níveis básicos de proficiência em literacia e aritmética estão entre os resultados de aprendizagem mais importantes, enfatizados na estrutura do ODS 4. Embora o inquérito da ALDE de 2018 não meça os resultados, foi incluído na estrutura para reflectir a natureza cumulativa e contínua de todos os resultados educativos. O desempenho é influenciado directa e indirectamente por muitos factores, incluindo a motivação dos alunos para a aprendizagem, o estatuto socioeconómico da família, e a qualidade e quantidade da aprendizagem. O absentismo e o aproveitamento escolar dos alunos (progressão de acordo com a idade) são os resultados que se destacam no presente relatório. A fraca assiduidade escolar aumenta o risco de ficar para trás em termos académicos, levando à repetição de ano. Isto, por sua vez, pode contribuir directamente para a desistência escolar. O modelo ecológico e as evidências analisadas permitiram perceber de que forma as medidas de como as medidas do absentismo, desempenho escolar e desistência escolar estão relacionadas com várias características da criança (por exemplo, o género), condições familiares (por exemplo, a pobreza), características e práticas da escola e da sala de aula (por exemplo, os conselhos de escola), assim como a comunidade no geral, conforme representada na amostra. Em cada nível de ecossistemas interconectados, existem factores que constituem facilitadores ou barreiras ao envolvimento e desligamento dos alunos da escola, levando a resultados educativos, tais como absentismo e/ou desistência (Figura 1). A estrutura destaca claramente os diferentes domínios dos indicadores da ALDE. A variedade de factores que dificultam a assiduidade escolar e o desempenho escolar apresentados acima foram cuidadosamente considerados na definição da hipótese de pesquisa. A lista detalhada de indicadores para cada nível de influência a ser testado foi identificada com as principais partes interessadas durante o workshop metodológico, recorrendo à revisão da literatura como base, como segue: > Indicadores relacionados com a criança: género, saúde, nível de experiência escolar anterior, componentes psicossociais, amigos, relacionamento com adultos, incluindo professores, e trabalho infantil. > Indicadores relacionados com a família: nível de escolaridade e apoio dos pais, estrutura familiar, nível de estabilidade económica, resiliência a choques; > Indicadores relacionados com a classe: nível de qualificação dos professores, presença dos professores na escola, tamanho da classe, influências dos pares; e procedimentos de monitoramento de absentismo; > Indicadores relacionados com a escola: qualidade do ensino, inclusão, recursos materiais e gestão escolar; estes estão alinhados com os conceitos de ambiente escolar, políticas e práticas utilizadas nos questionários do Programa Internacional de Avaliação de Alunos para o Desenvolvimento (PISA-D). > Indicadores relacionados com o ambiente comunitário: existência e implementação de políticas e intervenções para crianças (acção social, educação, acesso à saúde), localização geográfica, conflitos e desastres naturais e emergências.

This article is from: