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André Jost Mafra

Fabrica Única a cidade e as águas Caderno 1 de trabalho apresentado em cumprimento parcial as exigências da disciplina de Teoria e Prática e do Restauro do Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico da Universidade Católica de Santos.

Professoras: Leila Regina Diêgoli e Cássia de Carvalho de Magaldi

Universidade Católica de Santos Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão Santos, agosto de 2013





Siglas CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. TICCIH Comissão Internacional para a Preservação do Patrimônio Industrial. UNISSANTOS Universidade Católica de Santos AMJ Associação do Moradores da Juréia

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Sumário Resumo Apresentação Capítulo 1: pesquisa histórica 1.1. Iguape e o Vale do Ribeira 1.2. A Fábrica Única 1.3. O patrimônio industrial na cartas patrimoniais Capítulo 2: pré inventário 2.1. Metodologia 2.2. Delimitação da área 2.3. Levantamento do uso e ocupação do solo 2.4. Gabarito 2.5. Legislação Urbana 2.5.1. Legislação Municipal 2.5.2. Legislação estadual a Federal 2.5. Evolução Urbana 2.6. Levantamento dos Bens de Interesse 2.7. Proposta de proteção Considerações Finais Referencias Bibliográficas.

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Lista de Figuras: figura 1: Vista de Iguape a partir do Morro da Espia, foto do autor Figura 2: Vista da Fábrica Única a partir do pátio, foto do autor Figura 3: Vista da Fábrica Única a partir da passarela de pedestres, foto do autor Figura 4: Vista da Fábrica Única a partir do casqueiro, década de 1930 fonte Iguape em Imagens, por Roberto Fortes, http://robertofortes.fotolog.uol.com.br. Figura 5: Entorno da Fábrica Única na década de 1930 fonte Iguape em Imagens, por Roberto Fortes, http://robertofortes.fotolog.uol.com.br. Figura 6: delimitação da área de pré inventário mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 7: mapa do uso e ocupação do solo mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 8: mapa do gabarito das construções mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 9: mapa da legislação Municipal mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 10: mapa das áreas de proteção mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 11: mapa da evolução urbana mapa base: planta cadastral da área urbana de Iguape, fonte: Dossiê de Tombamento - Centro Histórico de Iguape, IPHAN, 2009 figura 12: foto aérea da área de estudo na década de 1930 fonte: Myrian Teresa Fortes Veiga Signorini, arquivo pessoal Figura 13: planta dos imóveis inventariados mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 14: planta da proposta de proteção mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989 Figura 14: esquema da proposta mapa base: plano cartográfico do Estado de São Paulo, IGC, 1989

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Resumo O presente trabalho compreende o inventário do entorno e do conjunto de edifícios da Fábrica Única em Iguape, a proposta de restauro e de novos usos com a intenção de resgate do bem, projetando seu significado para o futuro. A proposta de restauro se apoia em três etapas de levantamento e reconhecimento da área: a primeira etapa, a pesquisa histórica, abrange caracterização do território, com o estudo da região do vale do Ribeira e da cidade de Iguape, do bem, e o entendimento da relação entre o patrimônio industrial e as cartas patrimoniais; a segunda etapa, o pré inventario que tem como objetivo a elaboração de uma proposta de proteção para a área, embasada no levantamento e registro dos edifícios do entorno e da legislação urbana; e a terceira etapa que é o inventario da Fábrica Única, com o levantamento fisco arquitetônico e registro do estado de conservação e das técnicas construtivas. Esta proposta pretende reinserir o conjunto construído na trama urbana como um agente transformador, induzindo a revitalização do entorno, valorizando a cultura local e fomentando o turismo na cidade de Iguape.

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Apresentação A Fábrica Única é um conjunto formado por 4 prédios industriais construídos em alvenaria de tijolos maciços que segundo o cadastro da prefeitura municipal somam 3.126,38 m2 de área construída, localizado em um lote urbano com 4.884,74m2, na cidade de Iguape, as margens do Valo Grande. O objetivo principal deste trabalho é a proposta de restauração e reabilitação para uso do conjunto construído com todas as características que fazem que os prédios sejam o registro de uma época e de um modo de trabalho, assegurando a permanência temporal do edifício como expressão dessa memória. A proposta de restauração passa também por uma nova proposta de uso como meio de viabilizar essa permanência, tendo em vista que uma proposta para reabilitar o prédio para o uso original não parece uma proposta sustentável para a economia local. Devido ao estado de conservação dos edifícios e prevendo a possibilidade de adoção de novos usos, o debate a respeito da inserção de elementos novos no conjunto estará presente durante o desenvolvimento do trabalho. Este diálogo entre a arquitetura antiga e contemporânea é o eixo central no desenvolvimento deste trabalho, que se apoia nos conceitos formulados por Camilo Boito (século XIX) e Gustavo Giovannoni (século XX), da reversatibilidade e distiguibilidade das intervenções contemporâneas. A Fábrica Única está na área tombada e relacionada nos inventários de Iguape e da paisagem cultural do Vale do Ribeira elaborados pelo IPHAN, e por conta disso uma importante fonte de documentos, fotos e imagens referentes ao prédio são os escritórios do IPHAN e do Condephaat em São Paulo. Este trabalho tem como ponto de partida os dossiês e do inventário do IPHAN, fornecido pela arquiteta Flavia Brito do Nascimento, os livros de Roberto Fortes sobre a cidade, Iguape...Nossa História , os vídeos divulgados pela Casa do Patrimônio, informações da prefeitura de Iguape onde constam dados do terreno, e relatos de Dionisio Silva, morador de Iguape que fornecia palmito para a Fabrica Única, Myrian Teresa Fortes Veiga Signorini, arquiteta responsável pela casa do Patrimônio de Iguape em 2013, e de Carlos Alberto Pereira Junior, diretor do departamento de Cultura de Iguape em 2012. Buscou-se na Casa do Patrimônio, com a arquiteta Myrian, a iconografia referente a construção e foi feito registro fotográfico durante as visitas ao sitio. O interesse pela preservação do patrimônio industrial é relativamente recente se comparado com a preservação de outras tipologias, e deve ser entendido como uma ampliação do conceito de bem cultural. Esses prédios estão ligados a economia e a formação das cidades e a sua recuperação, mesmo que muitos deles sejam ou tenham sido de propriedade privada, resgata a memória coletiva do lugar. Alguns exemplos disso é o projeto do Caminho dos Moinhos em Ilópolis no Rio Grande do Sul, que propõe a recuperação de uma série de moinhos de madeira construídos por colonos italianos no interior do Rio Grande do Sul, resgatando a história da colonização italiana ligada ao cultivo do trigo naquele lugar, e fortalece a identidade cultural da região. Outras referencias são os projetos da Lina Bo Bardi, como a Fabrica da Pompéia, sobre a qual a arquiteta escreve que a idéia inicial de recuperação do dito conjunto foi de umaArquitetura Pobre, não no sentido de indigência mas no sentido artesanal que exprime comunicação e dignidade máxima através dos menores e humildes meios(Lina 1993), ou projeto de Nelson Dupré para a Cinemateca de São Paulo que segundo o texto de Adilson Melendez publicado na revista PROJETODESIGN em maio de 2008, procura evidenciar as mudanças que o prédio do antigo Matadouro Municipal de São Paulo sofreu ao longo dos anos, e desenha o novo uso dos prédios sem entrar em conflito com histórico.

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Capítulo 1 Pesquisa Histórica 1.1. Iguape e Vale do Ribeira As intervenções de restauro nos centros históricos tem a finalidade de garantir- com meios e instrumentos ordinários e extraordinários- o permanecer no tempo dos valores que caracterizam esses conjuntos. A restauração não se limita, por isso, a operações voltadas a conservar apenas os caráteres formais de obras de arquitetura ou de ambientes singulares, mas se estende também á conservação substancial das características de conjunto do inteiro organismo urbano e de todos os elementos que ocorrem para definir tais características. Brandi, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia. Ateliê Editorial. 2004. Em um primeiro momento vale a caracterização do território onde o bem está implantado. A viabilidade de uma proposta de restauro da Fábrica Única não pode ser desvinculado do acervo arquitetônico da cidade, dos ciclos econômicos, da geografia e principalmente da riqueza cultural da região e o potencial de exploração do turismo cultural. O município de Iguape tem aproximadamente 2 mil quilômetros quadrados, e 70% do território faz parte das reservas ecológicas dos Chauás e da Juréia, inscrita no Patrimônio Natural Mundial pela UNESCO em 1999. A criação do sitio urbano de Iguape é contemporânea a ocupação portuguesa no Brasil. O primeiro núcleo de casas na região, em Cananéia, começa a se formar no início do século XVII. Essa região estava área limite entre as terras de Portugal e Espanha pelo tratado de Tordesilhas, e segundo Fortes (2000) foi fundado por obra do degredado português Cosme Fernandes e do castelhano Rui Garcia de Mosquera. Partindo desse núcleo inicial e procurando terras mais seguras um povoado se estabelece onde hoje é o bairro de Icapara, e no século XVII se estabelece na locação atual. A localização da cidade tem relação com a função de defesa e proteção, característica dos povoados litorâneos no início da colonização: o morro da Espia forneceria a possibilidade de avistar a tempo as embarcações que chegam e a ilha comprida serve como um forte natural e uma barreira entre o mar aberto a povoação. Também a respeito do novo sítio, água doce é abundante no lugar, está próximo do rio Ribeira e tem um porto natural no Mar Pequeno que mais tarde se transformaria no Porto Grande. Icapara, na vizinhança, não tem esse benefício. A cidade teve 2 períodos de maior desenvolvimento, o ciclo do ouro e o ciclo de arroz. O Ciclo do ouro ocorre entre 1630 e 1780, tem início na mesma época em que o vilarejo se instala no sitio atual. O ouro era de aluvião, garimpado nos rios da região. A primeira casa de fundição do Brasil, onde hoje funciona o museu histórico de Iguape, é desta época. O ouro garimpado na região era pesado e registrado em Registro, e fundido em Iguape na casa de fundição.

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Entre 1800 e a década de 20 a economia da região era baseada na produção do arroz. Os sobradões de Iguape e um grande projeto de engenharia foram construídos nesta época: o Valo Grande, um canal de ligação entre o rio Ribeira e o Mar de Dentro, e que foi responsável pelo assoreamento do porto que em algumas décadas inviabilizou o seu uso comercial. Durante o século XX, com a perda de importância do porto, a mudança do eixo da economia para o vale do Paraíba, com a produção do café e a construção das ferrovias, a cidade e a região perdem importância e entram num isolamento físico e econômico. Por conta deste isolamento, que só diminui na década de 60 com a chegada das rodovias, uma dos maiores áreas contínuas de mata atlântica preservada está nesta região, e se mantém viva a cultura e a arquitetura das épocas de ouro, protegida pelo Condephaat em 1975, e descrita no inventário de tombamento do IPHAN da seguinte forma: O núcleo urbano de Iguape caracteriza-se pela singularidade do traçado urbano, com ruas levemente sinuosas e entrecortadas por pequenas ruas estreitas e com a dominante Praça da Basílica, pela impressionante riqueza dos marcos naturais que a circundam e dela fazem parte, e, finalmente, pela composição de arquiteturas que lhe conferem aspecto de conjunto, e, ao mesmo tempo, são o testemunho dos sucessivos processos históricos e culturais. (IPHAN, 1995). Diversas festas religiosas e culturais acontecem no centro histórico, como o Revelando São Paulo, o carnaval, as romarias de Bom Jesus e de Nossa Senhora das Neves, movimentando o comércio e trazendo multidões de fiéis e turistas. Na Casa do Patrimônio, que o IPHAN criou em uma casa colonial com cimalha boca de telha do centro histórico, os projetos de intervenção, inventário e valorização do patrimônio são discutidos, a produção de vídeos e o acervo sobre a cidade é disponibilizado. As festas e a valorização da cultura e o cuidado com o patrimônio ajudam a vislumbrar o potencial do turismo cultural da região, indicada por Roberto Fortes como a base da economia da cidade já nos anos 70. A Fabrica Única está listada no Inventário de conhecimento do patrimônio cultural no vale do Ribeira de Iguape, no Dossiê da Paisagem Cultural do Vale do Ribeira e no Dossiê de Tombamento do Centro Histórico de Iguape, as ações de salvaguarda referentes ao prédio já estão tomadas, fazendo com que qualquer intervenção no edifício deva ser aprovada pelo IPHAN. A presença da Fabrica Única nestes dossiês e no inventário, nos livros de Roberto Fortes, nos cartões postais de uma cidade com uma acervo de patrimônio tão marcante, tira qualquer dúvida a respeito da sua importância para a memória do lugar. Em suma, este trabalho pretende colaborar para o conhecimento, a celebração e manutenção de um edifício reconhecidamente relevante para o acervo do patrimônio arquitetônico de Iguape e do Brasil.

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1.2. A Fábrica Única No Vale do Ribeira o ciclo do arroz foi extremamente generoso, atraiu investimentos e deixou uma herança importante: nessa época foram construídos os sobradões iguapenses, a região tenha uma importante industria naval e de transporte fluvial e de uma rica vida cultural. Na cidade de Iguap, durante o século XIX e no começo do século XX, vários engenhos se instalaram ao longo do Valo Grande, por conta da proximidade com o porto e a ligação com o rio Ribeira, entre eles a Fábrica Única. O prédio da Fábrica Única foi construído para abrigar uma filial das Indústrias Reunidas, implantada em 1921 por Francisco Matarazzo. O principal objetivo da filial era a venda e beneficiamento do arroz, e para isso foi construído um grande engenho. Segundo Fortes (2000), também comercializava-se sal, querosene, gasolina, farinha de trigo, sabão, velas, fósforos, e sacaria e possuia um serviço de navegação fluvial e maritimo com o paquete Montenegro e o iate-mor Alayde. Em 1935 a filial das Indústrias Reunidas em Iguape faliu, com o abandono de todas as maquinas e equipamentos, segundo Fortes (2000). Nesta época o mercado de arroz sofria com competição internacional e a produção local já não era significativa nem atraia investimentos. Com a decadência da produção de arroz, base da economia local, a economia da região entra em recessão. A construção volta a ser ocupada em 1939 pela Indústria de Pesca Única, para a produção de manjuba. Essa indústria funciona até os anos 60, quando também entra em falência. Segundo Fortes (2000), até a década de 70, a indústria da pesca é a base da economia de Iguape, quando o turismo passa a ter mais importância. Em 2011 a Indústria de Pesca Única ainda aparece como proprietária do imóvel no cadastro imobiliário da Prefeitura, em um processo movido pelo Ministério Público para desapropriar o imóvel. Em março de 2012 o prédio já pertence a prefeitura de Iguape. Atualmente a Fabrica Única é ocupada por 2 famílias que segundo o relato do morador entrevistado em janeiro de 2013, vivem nesse lugar desde os anos 70. Ocupam as áreas dos prédios onde ainda tem cobertura, fechadas com paredes de bloco de cimento, usam o pátio como estacionamento de ônibus e caminhões e criam galinhas no interior de um dos prédios onde o telhado desabou. Em 2011 várias áreas são interditadas por risco de desabamento em resposta a um ofício do Ministério Público. Os tijolos maciços estão parcialmente erodidos pela ação da chuva e as alvenarias apresentam rachaduras, inclusive na sua imponente chaminé. As alvenarias sugerem que os prédios do conjunto foram construídos em épocas diferentes. As alvenarias que estão mais desgastadas em vários trechos do edifício com tanques e drenos que provavelmente eram usados para o beneficiamento da manjuba. O fato dos tijolos apresentarem uma corrosão muito mais acentuada neste que nos outros prédios indica que foi usado com um tijolo de menor resistência na construção, e o frontão interrompido na rua dos fundos, as tesouras interrompidas e apoiadas na parede, a abertura entre os dois prédios, sugerem que o prédio foi construído numa segunda etapa. Dois prédios ainda possuem telhado, com estrutura de madeira e telhas francesas. Nos outros dois edifícios, onde o telhado já ruiu, restam poucos resquícios visíveis além das paredes de alvenaria. Destaca-se no conjunto construído o edifício de 2 andares e uma grande chaminé de tijolos, no centro do terreno. A Fabrica Única tem importância como registro material da memória do lugar: é um registro da produção industrial de Iguape. Ligada a era do Arroz e a indústria da pesca, é o resquício industrial mais imponente da cidade, está dentro do perímetro do tombamento do IPHAN e faz parte do acervo arquitetônico documentado no dossiê de tombamento de Iguape e da paisagem cultural do Vale do Ribeira. O tempo urge: a corrosão e a degradação avançam sobre o bem tombado. É fundamental que se faça o registro dessa arquitetura e que se façam intervenções para a estabilização, recuperação e manutenção do patrimônio antes que o caminho natural de degradação dê cabo do que ainda resta deste conjunto arquitetônico.

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1.3. O patrimônio industrial nas cartas patrimoniais Em 2003 a conferencia da TICCIH, comissão internacional para a preservação do patrimônio industrial, elaborou a carta de Nizhny Tagil, voltada exclusivamente a preservação do patrimônio industrial. Esta carta faz parte de um longo processo de valoração desse patrimônio, onde o primeira industria considerado pela UNESCO como patrimônio da humanidade foi uma mina de sal em Wieliczka, Polônia, em 1978, ano da fundação da TICCIH. Segundo Henrique Telles Vichnewski (2010), fica evidente na carta de Atenas de 1931 a falta de sensibilidade em relação as instalações industriais com a recomendação da “supressão de toda a publicidade, toda a presença abusiva de postes ou fios telegraficos, de toda a industria ruidosa, mesmo de altas chaminés, na vizinhança ou na proximidade dos monumentos de arte e de história” (IPHAN, 1995). Na carta de Veneza de 1964 o mesmo autor considera que há um avanço no entendimento de monumento histórico, ampliando essa definição: A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural (IPHAN,1995). Dessa forma o patrimonio industrial é considerado monumento histórico levando em conta o significado cultural que adquire. A carta de Nzhny recomenda que a proteção legal destes bens deve ter em consideração a sua natureza especifica: Ela deve ser capaz de proteger as fábricas e as suas máquinas, os seus elementos subterrâneos e as suas estruturas no solo, os complexos e os conjuntos de edifícios, assim como as paisagens industriais. (TICCIH, 2003) Referente a manutenção e preservação dos bens a carta recomenda: A conservação do património industrial depende da preservação da sua integridade funcional, e as intervenções realizadas num sítio industrial devem, tanto quanto possível, visar a manutenção desta integridade. (TICCIH, 2003) As novas utilizações devem respeitar o material específico e os esquemas originais de circulação e de produção, sendo tanto quanto possível compatíveis com a sua anterior utilização. É recomendável uma adaptação que evoque a sua antiga actividade.(TICCIH, 2003) As intervenções realizadas nos sítios industriais devem ser reversíveis e provocar um impacto mínimo.(TICCIH, 2003) A Fabrica Única sofre uma série de transformações ao longo do tempo, com a adições e mudanças de uso. É importante, seguindo as recomendações, que o resgate desta estrutura mantenha a leitura do conjunto, e que o novo uso, necessário para a manutenção do prédio, tenha refêrencia a antiga atividade, e siga o preceito da reversibilidade. A expressão arquitetônica da Fábrica Única está relacionado com um modo de produção, e a leitura do prédio se dará a partir da leitura das relações espaciais que a indústria e o comércio que funcionavam nos prédios exigiram. Dessa forma será possível buscar o potencial da nova proposta de ocupação, tomar partido dessas relações espaciais que orientaram a construção e que, se bem entendidas, devem orientar as estratégias de restauro. No entanto a proposta de recuperação de um edifício industrial do século XX em Iguape faz sentido pelo significado cultural que o prédio adquiriu para a cidade, dentro de uma visão ampliada de o que é monumento. A importância patrimonial da Fabrica Única não é somente pela estrutura construída, pela qualidade técnica ou artística da construção, mas sim pelo significado que esta estrutura assume em Iguape pelo testemunho material de um tempo e de um modo de vida.

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Capítulo 2 Pré-Inventário 2.1. Metodologia

O trabalho proposto é um inventario ambiental, com o levantamento do entorno do edifício e a caracterização de usos, ocupação, gabaritos, legislação e caráter da arquitetura da área onde o conjunto está inserido. Foram levados em conta os inventários feitos pelo IPHAN na cidade e no Vale do Ribeira, e serviram de referência para este trabalho: Dossiê da paisagem Cultural do Vale do Ribeira Inventário de Conhecimento da Patrimônio Cultural do Vale do Ribeira de Iguape Dossiê de Tombamento do Centro Histórico de Iguape. Além das informações contidas nos inventários foram levantados relatos de moradores que conviveram com a Fábrica Única de Pesca enquanto ela ainda funcionava, como o de Dionísio Silva, que trabalhava com a extração de palmito na década de 60, e registros iconográficos relacionados a Fábrica Única e a cidade. A arquiteta Myrian Signorini forneceu fotos aéreas da cidade no começo do século e cópias digitais de guias da alfândega com registros de carregamento de arroz das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo de que seriam transportadas pelo Vapor Alayde em 1936. O mapa base usado neste trabalho, planta cadastral da área urbana de Iguape de 2007, e as cópias eletrônicas do código de obras e de postura do município foram fornecidos pela Secretaria de Obras da Prefeitura Municipal. A partir de imagens de satélite atuais, fotos aerofotogramétricas da área do vôo de 1986, do acervo fotográfico do Instituto Geográfico de São Paulo, fotos aéreas da década dos anos 30 e 40 e mapas históricos de 1814 e 1870 é possível formar um panorama da evolução urbana da cidade e da área do estudo. Este material, complementar a pesquisa história, forneceu os parâmetros para a definição da área de trabalho para o levantamento de campo. A as fichas para o inventario dos bens foram elaboradas a partir do modelo fornecido em Aula com os itens organizados em uma única lauda. O levantamento em campo foi feito em duas etapas, em dezembro de 2012 e março de 2013, e os dados complementados com informações de pesquisa, com os dados do tombamento do IPHAN, CONDEPHAAT e de pesquisa histórica. Em 2013 foi feito um levantamento fotográfico dos quarteirões do entorno da Fábrica Única, e a partir desse levantamento, a seleção para o pré-inventário das edificações mais significativas da área para a caracterização do entorno. A partir dessa primeira seleção a área de inventário foi definida.

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2.2. Delimitação da área O primeiro recorte para a área de pré-inventário é o entorno da Fábrica Única, arbitrando um raio de 300 metros a partir do bem, junto com a área de interface entre o centro histórico, tombado pelo CONDEPHAAT, e o Mar pequeno, mais uma faixa de cerca de 50 metros acompanhando a avenida Princesa Izabel. Essa área se sobrepões a área do Setor Portuário, descrita na proposta de proteção do Dossiê de Tombamento do Centro Histórico de Iguape do IPHAN da seguinte maneira: A área proposta para tombamento nesse setor compreende o conjunto do antigo sistema portuário de Iguape, incluindo-se: a área do porto fluvial e da Capela São João Batista; a área do porto marítimo, acrescentando-se um setor de 100 metros avançando em direção ao Mar Pequeno; e, por fim, o Canal do Valo Grande e os trechos do meandro do rio Ribeira, até o ponto de ligação deste com o curso principal. Protege- se, desta forma, o setor que representa a relação intrínseca da cidade com as águas, objeto de usos do espaço tradicionais, ainda hoje presente. Fonte: Dossiê de Tombamento – Centro Histórico de Iguape/SP, IPHAN, 2009. A proposta de tombamento do setor é pelo valor cultural e da paisagem, pela relação entre a cidade com o Mar Pequeno e o Valo Grande. O bem em estudo faz parte desse contexto de relação com as águas. Além disso, para entender e identificar o caráter da arquitetura do entorno, a área do pré-inventário teve de ser ampliada. A proposta foi englobar o casario colonial da rua São Miguel e Tiradentes, tombado a nível federal e estadual. É este eixo faz a conexão entre a Fábrica Única e o núcleo inicial da cidade, e Fortes credita à tradição oral de que a rua Tiradentes teria sido a primeira rua da Vila de Iguape. Pelo mesmo motivo, caracterizar a área de entorno, levantou-se a arquitetura institucional: a Cadeia Velha, a igreja Nossa Senhora Do Rosário e o Ginásio Estadual, e o Cemitério Municipal, e algumas casas ecléticas contemporâneas a construção da Fábrica Única. Com esta ampliação, a faixa do pré-inventário englobando os quarteirões contíguos a Fábrica Única, em uma faixa de trezentos metros delimitada pelo largo Durvalino Vieira, o Mar Pequeno, e no outro sentido o Valo Grande e o largo da Basílica do Bom Jesus de Iguape. Este recorte permite o entendimento da arquitetura do entorno da Fábrica Única, com estudo da linha do tempo da construção dos bens e de seu reconhecimento cultural diferencial. Portanto, a área de pré inventario abrange a área identificada na figura abaixo, marcada em cinza. Com este levantamento identifico o eixo de ligação entre o centro histórico e a Fábrica Única para entender 2 processos: o tipo de arquitetura e a ocupação da Fábrica Única e o tipo de degradação que tem afetado a Fábrica Única e a área de entorno, com o objetivo de reverter a degradação e trabalhar harmonicamente com a arquitetura da área.

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2.5.Legislação Urbana 2.5.1. Legislação municipal As leis municipais que incidem sobre a área de trabalho são o código de obras do município, lei 1782/04, o código de posturas, lei 1111/90 e a Lc 5 de 31 de outubro de 2006, Plano Diretor Municipal de Iguape, complementado pela lei de zoneamento, uso e ocupação do solo e pela lei do sistema viário. A LEI Nº 708/81, lei de Uso e Ocupação de Solo de Iguape, divide a cidade em 7 zonas, sendo que a área da Fábrica Única está na Zona 2, e os seguintes usos permitidos: Residencial (R1 e R2), Comercial (C1 e C2), Equipamentos (E) Recreação a beira mar (R), No lote os recuos são 4 metros de frente, 1,50 na lateral e 4 metros de fundos, a taxa de ocupação máxima é 0,5, o coeficiente de aproveitamento é 1, o numero máximo de pavimentos é 2. Para parcelamento urbano a área mínima para um lote na Zona 2 é de 250 m2 e a frente mínima é 10 metros. Além das leis municipais incidem sobre a construção o código Sanitário do Estado de São Paulo, lei 10083/98, e as normas NBR905, de acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, e NBR9077, de saída de emergência em edifícios. Existe a demarcação da área devoluta Municipal do Núcleo Urbano da Cidade de Iguape, 1° Perímetro, inscrito na matricula 148.406 do livro n.2 do Serviço Geral de Imóveis e Anexos da Comarca de Iguape, onde todos os imóveis dentro desse perímetro “deverão diligenciar junto a prefeitura Municipal de Iguape, caso o imóvel esteja contido dentro do círculo municipal de 8km”, “como única forma de se habilitar em regular processo de demarcação e posterior legitimação de posse, com vistas na obtenção de Título de domínio com origem na referida inscrição.” Também nesta matrícula existe a ressalva de “que o imóvel desta matrícula pode estar incluído em área tombada ou em seu entorno, conforme tombamento federal, aprovado dia 03 de dezembro de 2009, pelo instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Processo de tombamento n° 158-T-09). Desta forma, antes de qualquer reforma, manutenção, conservação ou restauração do imóvel desta matrícula deverá ser verificado se há necessidade de aprovação pela superintendência do IPHAN/SP, mediante consulta a Prefeitura Municipal de Iguape/SP.” Dessa forma todo imóvel dentro da área delimitada do 1° perímetro e dentro do referido raio de 8km, é, até que se prove o contrário, terra devoluta do município, e qualquer obra deve ser feita a partir de consulta a Prefeitura Municipal e ao IPHAN e ao CONDEPHAAT.

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2.5.2. Legislação estadual e federal A resolução do CONDEPHAAT, de 6/2/75, foi publicada no Diário da União com as seguintes considerações: Considerando que o conjunto arquitetônico de Iguape representa amostragem única, no Estado de São Paulo, de soluções construtivas e de composição bastante depuradas pelo isolamento em que a cidade viveu, desde o século XVII até os tempos fausto oriundos da cultura do arroz; Considerando a grande uniformidade desse conjunto, de uma arquitetura que poderia ser chamada de vernácula, dada a ausência de influencias periódicas de construtores de fora, como ocorreu em outras cidades da marinha; Considerando, inclusive a distribuição das construções numa trama de ordenamento irregular, cuja ilogicidade na planície de instalação do rocio deixa transparecer total ausência de autoridade coordenando o traçado da cidade; Considerando alguns conjuntos ainda íntegros de construções que concretizam uma arquitetura de visíveis origens algarvia e ilhoa, expressam o despojamento construtivo da característica principal do bem cultural representado pelo núcleo urbano, mesmo quando revela alguma influência erudita já no século XIX; Considerando que alguns edifícios isolados representam, por si só, soluções dignas de arquitetura e agenciamento, Fonte: Diário Oficial do Estado, 7 de fevereiro de 2975. O texto não faz qualquer menção a arquitetura industrial, o tombamento do CONDEPHAAT se refere a arquitetura colonial, e não a arquitetura do começo do século XX, que é o caso da Fábrica Única. Já no tombamento do IPHAN, no processo 1584-T-09, a Fabrica Única está dentro da área Setor Portuário que é proposta da seguinte maneira no Dossiê de Tombamento do Centro Histórico de Iguape: A área proposta para tombamento nesse setor compreende o conjunto do antigo sistema portuário de Iguape, incluindo-se: a área do porto fluvial e da Capela São João Batista; a área do porto marítimo, acrescentando-se um setor de 100 metros avançando em direção ao Mar Pequeno; e, por fim, o Canal do Valo Grande e os trechos do meandro do rio Ribeira, até o ponto de ligação deste com o curso principal. Protege- se, desta forma, o setor que representa a relação intrínseca da cidade com as águas, objeto de usos do espaço tradicionais, ainda hoje presentes. Fonte: Dossiê de Tombamento – Centro Histórico de Iguape/SP, IPHAN, 2009. A justificativa que encerra a descrição ressalta a relação entre a cidade e as águas, característica do entorno da Fábrica Única e de toda a área ao longo do Mar Pequeno e do Valo Grande, que deverá ser levada em conta para nortear a proposta de intervenção na área. Além dessas resoluções, o Dossiê de Tombamento do IPHAN indica na área portuária, na orla do Mar Pequeno e no Valo Grande, os seguintes mecanismos de proteção: Tombamento da Serra do Mar, estabelecido pelo CONDEPHAAT, por meio da resolução SC n° 40 de 6/6/1985; Área de proteção Ambiental Federal Cananéia-Iguape-Peruíbe, criada pelo Decreto Federal n° 90347 de 23/10/1984, ambas as legislações protegendo, inclusive, os trechos de água do Mar Pequeno, as respectivas ilhas e manguezais existentes no setor; Código Florestal, Lei federal n° 4771/1965, que dispõe sobre as áreas de preservação permanente; Constituição Federal, artigo 225, parágrafo 4°, que estabelece a Zona Costeira como patrimônio nacional. Fonte: Dossiê de Tombamento – Centro Histórico de Iguape/SP, IPHAN, 2009.

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Figura 10

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2.4. Gabarito O gabarito predominante da área de estudo é térreo, sem grande variação de altura. A grande maioria desses prédios de um pavimento, estão em terrenos estreitos e profundos, típicos da uma implantação colonial da cidade. Os prédios mais altos começam a ser mais frequentes na área próxima do largo da Basílica, onde o gabarito de uma série de prédios novos é o mesmo dos sobradões coloniais. Só existe um prédio de com 4 pisos na área estudada, mas que por sua implantação no meio de um quarteirão a interferência na ambiência do lugar é atenuada pelas casas vizinhas. As referências verticais dessa área são as torres da igreja do Rosário e da matriz, e na outra ponta a chaminé da Única, que contrasta com a arquitetura horizontal das casas de meia morada da rua Tiradentes e da São Miguel.

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Figura 11

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2.3. Uso e ocupação do solo Na área de recorte do estudo o uso é predominantemente residencial, com um grande número de casas remanescentes do período colonial. Podemos fazer 3 recortes na área, uma área onde ainda permanece algum uso industrial, uma área predominantemente institucional e residencial, e uma área onde predomina o uso comercial. Na área mais antiga, próximo ao largo da Basílica e ao longo da rua Tiradentes, é onde se concentram os estabelecimentos comerciais de pequeno porte na cidade. A mudança de uso nas casas de meia morada e de morada inteira fez com que muitos imóveis fossem descaracterizados, com a mudança de vãos, instalação de letreiros e toldos. Uma resposta do IPHAN para esse processo de descaracterização foram cursos de formação de mão de obra e uma publicação com orientações para reformas simplificadas, letreiros, toldos e pinturas. No centro da área do levantamento, uma área de ocupação mais recente, existe uma série de equipamentos públicos, e alguns desses equipamentos datam da formação da cidade, como o Cemitério Municipal, outros são de construção mais recente. A menos de 300 metros da Fábrica Única existe uma série de equipamentos de saúde, como o Pronto Socorro, uma Unidade de Saúde e o Departamento Municipal de Saúde. Neste primeiro raio existem 2 escolas públicas a Igreja Evangélica Ressurreição & Vida, e em um segundo raio, com 500 a 600 metros de distância, estão o Conselho Tutelar de Iguape, o Cartório, a Oficina Cultura Gerson de Abreu e a igreja do Rosário, onde funciona o Museu de Arte Sacra de Iguape. É provável que esses equipamentos de maior porte tenham vindo para essa região por conta de que até os anos 40 esse setor não tinha uma ocupação considerável, era um descampado, e isso favorecia a instalação de novos equipamentos de grande porte. Uma terceira parte do recorte, na área junto ao Valo Grande, existe ainda algum resquício da atividade industrial, como a Norma Confecção e Costura, que ocupa um grande pavilhão industrial. Essa atividade era característica dessa área na época da construção da Fabrica Única, certamente era favorecida na época pela proximidade com o Porto Velho. Atualmente essa as indústrias vem dando espaço para os estabelecimentos de comércio e serviço, como o supermercado Magnânimo, a revenda de Carros Iguauto, ou a Garagem da Intersul, empresa de ônibus de transporte interurbano. Existe ainda, nesta área e ao logo do Valo Grande e do Mar Pequeno, serviços e comércios ligados a atividade da pesca, como o entreposto da CEAGESP e as peixaria voltadas para a avenida Princesa Izabel. Pude registrar, a produção artesanal de petrechos para pesca, e ao longo de toda essa área existem inúmeros piers com canoas ancoradas, caracterizando, nestes lugares, a relação cotidiana entre a cidade e as águas.

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1815

1920

1973

1993

Figura 12 Fábrica Única

fonte: Dossiê do Tombamento de Iguape/São Paulo. IPHAN 31


2.6. Evolução urbana A base para a pesquisa da evolução urbana são os mapas de 1815 e de 1914, com o levantamento do Valo grande creditado a Comissão Geográfica e Geológica e que indicava as áreas ocupadas pelas construções. Para a evolução do traçado urbano foi usado como base a pesquisa do Dossiê de Tombamento – Centro Histórico de Iguape. Em 1815, no fim do ciclo do ouro e na época em que a economia do arroz começa a se estruturar na região, esta as construções se agrupavam junto ao núcleo central da cidade, ao redor do largo da Basílica. Um século depois, quando a base da economia ainda é o arroz, a área consolidada da cidade se expande em direção ao porto do Ribeira, com algumas construções marcadas na direção do valo grande e de onde seria construída a fábrica única. Essa região de expansão junto ao centro é onde foram construídos os sobradões de Iguape, a área de ao longo da rua Tiradentes é de casas térreas em lotes estreitos e profundos, a maioria de meia morada. As margens das águas, isto é, a avenida Princesa Isabel e a Euclides Roque Bastos, só aparecem consolidadas em 1945, antes a ligação entre o centro e o porto Velho se dava pelo eixo da Tiradentes. Ainda entre 1930 e 1940, como mostra a foto aérea, a área delimitada pelo como área envoltória no tombamento pelo IPHAN é um descampado. Duas construções se destacam na área de estudo: a Fábrica Única, ainda sem a construção que faria frente a rua São Manuel, e a Igreja Nossa Senhora do Rosário, ao lado da Cadeia Velha. A fachada da rua Tiradentes e São Miguel já está ocupada por uma linha de casas com telhados de duas águas em alturas desencontradas, como ainda hoje se mantém nos conjuntos remanescentes. A morfologia horizontal dessa região se mantém até hoje, e as áreas desabitadas, que é o Rócio e as margens do Mar Pequeno, foram ocupadas por casas e prédios de um a dois andares, sem a qualidade ambiental da ocupação anterior.

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Figura 13

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2.7. Levantamento dos bens de interesse Como já houve uma extensa pesquisa, levantamento, oficinas para reconhecimento dos bens de interesse e a área já foi inventariada, optou-se por aplicar um modelo mais detalhada de ficha de pré-inventário de bens imóveis sobre os bens já reconhecidos nos levantamentos anteriores, com análise das técnicas construtivas, da conservação e das alterações desses imóveis. Deu-se prioridade as edificações isoladas e conjuntos com nível de proteção no tombamento do CONDEPHAAT, 22 dos 28 imóveis analisados tem algum nível de proteção Estadual. Para a escolha dos imóveis em campo a intenção foi caracterizar a arquitetura da área e de alguma forma criar ligações entre a Fábrica Única e a cidade colonial, para isso foram inventariados 3 tipos de bens: Casas meia morada ou morada inteira do século XVIII e XIX, característico da rua Tiradentes e São Miguel, importantes pelo conjunto arquitetônico. Imóveis institucionais com alguma importância histórica, de ambiência, ou arquitetônica, imóveis que são referência para área. Bens representativos da arquitetura eclética do começo do século XX, contemporâneos a construção da Fábrica Única. Os bens imóveis da área do pré inventário foram levantados e documentados em fichas de inventario elaboradas usando como base a ficha fornecida no curso. Os itens levantados foram organizados e compilados em uma ficha de uma lauda, para facilitar a leitura e manuseio em campo e as fichas desse levantamento estão no ANEXO 1 deste trabalho.

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Figura 14

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2.8. Proposta de Proteção Todos os bens inventariados de alguma forma fazem parte da área tombada ou de entorno dos tombamentos a nível Estadual ou Federal. A proposta de proteção parte do precedente de que todos imóveis estão protegidos, e o Plano Diretor do município determina a analise pelo CONDEPHAAT ou pelo IPHAN dos projetos na área protegida. A partir disso, levando em conta os níveis de proteção já estabelecidos, foram adotadas os seguintes critérios apara a proposta de proteção: Proteção integral para todos os imóveis com nível de proteção GP-1 pelo CONDEPHAAT, que é um conjunto de casas de meia morada (números 276,287,309,301 e 315 da rua Tiradentes) que formam um conjunto representativo da rua Tiradentes, e a Igreja das Dores, por sua importância histórica, arquitetônica e ambiental. Proteção externa para os imóveis com nível de proteção GP-2, com proteção limitada determinada pelo CONDEPHAAT referente as fachadas, cobertura e ornamentos externos. Os bens com essa proposta de proteção são duas casas na Tiradentes (números 91 e 137) e um conjunto de casas de meia morada da rua São Miguel (números 21, 36 e 372), representativos pelo conjunto. Fora do eixo da rua Tiradentes e São Miguel, indicou-se proteção externa para outras duas casas coloniais que fazem parte deste pré inventário: uma na rua Paulo Montinho 73, uma casa de comércio, e o casarão dos Veiga, na esquina da rua 7 de Setembro com a rua XV de Novembro devido a sua relevância arquitetônica e ambiental. Proteção de volumetria para bens com nível de proteção GP-3, proteção de referência: volumetria e harmonização arquitetônica, para um conjunto de casas da rua Tiradentes (números 151, 161, 205, 207 e 232) e duas casas arruinadas da rua São Miguel (número 24 e a casa vizinha, sem número), pois essas casas fazem conjunto com as casas tombadas com proteção integral e de fachada dessa rua. Além desses bens, propõe-se a Manutenção da volumetria para uma casa com adornos estilo art deco com porão alto, um sobrado da esquina da rua Paulo Montinho, importante como remanescente do conjunto da fachada noroeste da quadra, já bastante alterada por construções novas com 2 pavimentos, e a casa vizinha, no largo da Basílica número 220, pelo mesmo motivo. Proteção externa das fachadas e volumetria da Oficina Cultura Gerson de Abreu, antiga Cadeia Velha, e do cemitério São Miguel, com da sua capela, ambos com importância histórica e ambiental. Proteção externa para a escola Estadual Coronel Jeremias Júnior e uma casa eclética na rua Paulo Montinho número 30, que caracterizam um setor com construções ecléticas e contemporâneas a construção da Fábrica Única, e proteção externa e da volumetria da Fábrica Única, por sua importância histórica e ambiental para a cidade.

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Figura 15

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Considerações Finais Faltam leis e ações de incentivo para a revitalização urbana na área de estudo. Proprietários de construções arruinadas ou alteradas poderiam ser beneficiados por processo de revitalização urbana e valorização da área, e com apoio técnico e financeiro para restauro dos bens teriam condições de responder de forma efetiva e sustentável ao processo de degradação de grande parte dos bens inventariados. Existem verbas do Governo Federal que viabilizam as intervenções em Iguape: a cidade foi em 2013, junto com São Luis de Paraitinga e Paranapiacaba, uma das 3 cidades do estado de São Paulo listadas para o PAC cidades históricas, que disponibilizou recursos “para preservar o patrimônio brasileiro, valorizar nossa cultura e promover o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade e qualidade de vida para os cidadãos” (IPHAN, 2013).

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Referências Bibliográficas a

Cury, Isabelle, org. Cartas Patrimoniais, 3 edição – revista e aumentada. Rio de Janeiro. IPHAN, 2004. Brandi, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia. Ateliê Editorial. 2004. Fortes, Roberto, Iguape...Nossa História. Iguape. 2000. Fanucci, Francisco. Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005. Vários. Museu do Pão: Caminho dos Moinhos. Ass. dos amigos dos Moinhos do Vale do Taquari, 2008. Bardi, Lina Bo e Ferraz, Marcelo Carvalho. Lina Bo Bardi, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1996. Dos Reis e Cunha, Claudia. A atualidade do pensamento de Cesare Brandi, Vitruvius, http://www.vitruvius.com.br, acesso em 10 de agosto de 2012. Zevi, Luca, org Il Manuale del Resturo Architettonico. Roma, Mancosu Editori, 2001. Vários.Dossiê de Tombamento-Centro Histórico de Iguape. IPHAN, 2009. Vários. Inventário de Conhecimento do Patrimônio Edificado no Vale Do Ribeira. IPHAN. 2009. Vários. Paisagem Cultural-Inventário de Conhecimento do Patrimônio Cultural no Vale Do Ribeira de Iguape. IPHAN. 2008. Vichenewski, Henrique Telles, Industrias Matarazzo em Ribeirão Preto. Fundação Instituto do Livro de Ribeirão Preto, 2010. Tirello, Regina A. Tirello; Sfeir, Maira e Barros, Maira C. Projetos de reabilitação de conjuntos industriais históricos em centros urbanos paulistas: usos possíveis na contra corrente dos “centros culturais”, Arqui Memória, 2013. Revistas: Vários, Patrimônio Intervido, Summa+ 115, Mundial S.A, Buenos Aires, 2013. Vários, Reusando o passado recente, Summa+ 128, Mundial S.A, Buenos Aires, 2013. Internet: Bogea, Marta. Brasil Arquitetura. Vitruvius, agosto de 2013. http://www.vitruvius.com.br, acesso em 25 de agosto de 2012. Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio industrial, TICCIH. 2003. http://ticcih.org, acesso em 1 de julho de 2013. Factory Life/ Julie D'Aubioul. http://www.archdaily.com/366055/factory-life-julie-d-aubioul/, acesso e 15 de agosto de 2013. Lafayette College Arts Plaza. http://www.openbuildings.com/buildings/lafayette-college-arts-plaza-profile-45242#, acesso e 20 de agosto de 2013. Monografias: José Maria Macedo Filho, Casarões do Valongo/ Zona de Fronteira, monografia do curso de especialização em Teoria e Prática e do Restauro do Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico da Universidade Católica de Santos. UNISSANTOS, 2003.

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