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Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................ 3 OS ELOS ENTRE SÃO PAULO E POLIGNANO A MARE ...................................................................................................... 4 A CIDADE ............................................................................................................................................................................................................ 9 AS ORIGENS DE POLIGNANO A MARE ................................................................................................................................................. 10 A HISTÓRIA DE SÃO VITO ......................................................................................................................................................................... 11 A FESTA DE SÃO VITO EM POLIGNANO A MARE ............................................................................................................................. 14 CAUSAS DA EMIGRAÇÃO DE POLIGNANESES NO FIM DO SEC XIX ............................................................ 17 A IMIGRAÇÃO DE POLIGNANESES PARA SÃO PAULO ...................................................................................... 18 POLIGNANESES EM SÃO PAULO ................................................................................................................................. 20 AS ATIVIDADES ECONÔMICAS DO PRIMEIROS POLIGNANESES EM SÃO PAULO ................................................................... 20 O CULTO DE SÃO VITO MARTIR EM SÃO PAULO E A SUA FESTA ............................................................... 27 PRIMEIRA FASE – CULTO RELIGIOSO DOMICILIAR – 1903/1905 ............................................................................................... 28 SEGUNDA FASE - A FESTA DOS JORNALEIROS E SUA DIMENSÃO PÚBLICA – 1912/1915 ................................................ 29 TERCEIRA FASE - AS DUAS FESTAS DO PÓS I GUERRA: A FESTA DOS RICOS E A FESTA DOS POBRES ...................... 31 AS DISPUTAS E O PAPEL DA IGREJA NA ORGANIZAÇÃO DA FESTA ............................................................................................ 32 QUARTA FASE – O COMPROMISSO ECLESIÁSTICO – A PRESENÇA DA GASTRONOMIA E DA MÚSICA ............................ 33 QUINTA FASE: O HIATO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ............................................................................................................ 37 SEXTA FASE:
O RENASCIMENTO PÓS II GUERRA ........................................................................................................................... 39
SÉTIMA FASE: A RETOMADA E RECONHECIMENTO DA FESTA COMO EVENTO DE ANIMAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO ............................................................................................................................................................................................................. 45 OITAVA FASE: A CONSOLIDAÇÃO DA FESTA ...................................................................................................................................... 49 RECEITAS ................................................................................................................................................................................... 54 “FAVA E FOGLIE” ............................................................................................................................................................................................. 54 SALADA DE PEPINOS ....................................................................................................................................................................................... 55 SALADA DE CEBOLAS ...................................................................................................................................................................................... 55 PIMENTÕES FRITOS ........................................................................................................................................................................................ 56 “PEZZA DOLCE” ............................................................................................................................................................................................... 57 RAGU BUGIARDO ............................................................................................................................................................................................. 59 AMARETTO ...................................................................................................................................................................................................... 59 FICAZZA ........................................................................................................................................................................................................... 60 PANZEROTTI OU FICAZZELLA ........................................................................................................................................................................ 61 ORECHIETTE .................................................................................................................................................................................................... 63 RAGU COM BRAJOLA ....................................................................................................................................................................................... 65
2 SALSA ALLA PUTANESCA ................................................................................................................................................................................ 66 CARNE À GENOVESE ....................................................................................................................................................................................... 67 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................................... 69
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INTRODUÇÃO
São Paulo é, à primeira vista, caótica. Vista de longe, a cidade surpreende: é massa cinza compacta bloqueando o horizonte. Vista de cima, por quem chega de avião, à noite, deslumbra: é infindável derrama de diamantes sobre fundo negro. Vista de dentro, por quem nela vive, espanta: São Paulo não tem imagem!
A afirmação feita por Laymert Garcia dos Santos, em seu livro Tempo de Ensaio, indica os trabalhos de escavação necessários para buscar as imagens, a representação identitária e a memória do cidadão paulistano. O paulistano sente saudade das terras onde nunca viveu, mas que povoam a profundidade de seu imaginário, seu inconsciente de cidadão de uma cidade híbrida, complexa, que acolhe mais de 170 etnias. Hábitos, ocupação urbana, modos de ser se amalgamaram no território da cidade dos paulistanos, herdeiros de modos de ser estrangeiro. Uma de suas camadas é a italiana. São Paulo é reconhecida como a segunda maior cidade no mundo em número de italianos e seus descendentes, perdendo apenas para Nova Iorque e sua Little Italy. O caráter italiano da maior cidade da América do Sul é um dos impressos em seu imaginário. Abordar as festas italianas em São Paulo é tentar reconhecer as interfaces e conexões entre territórios de origem e de adoção que constituem as raízes identitárias de seus cidadãos. Um dos fios condutores para identificá-las é a observação de suas festas típicas. A cidade realiza quatro festas italianas: Casaluce, São Vito, San Gennaro e de Nossa Senhora da Achiropita. Os imigrantes napolitanos se reuniam em torno das festas de Casaluce e San Gennaro nos limites dos bairros da Mooca e do Brás. Já aqueles provenientes da Puglia e, mais precisamente, da cidade de Polignano a Mare, festejavam São Vito no bairro do Brás, e os calabreses, Nossa Senhora da Achiropita no bairro da Bela Vista (Bixiga). Das festas citadas, as mais antigas são as de Casaluce e São Vito, esta última a única que desde sua criação não sofreu interrupção prolongada. Portanto, parece adequado fixar nossa sondagem sobre a Festa de São Vito, promovida pela Associação Beneficente São Vito Mártir. Além de ser a mais antiga, foi a única a restituir sua independência da Igreja para sua realização, a primeira a ser introduzida no calendário de eventos
4 da cidade de São Paulo e a usar serviços de comunicação publicitária e jornalística. Ademais, instituiu-se, mais tarde, como modelo para as demais. Também é interessante acrescentar que é proveniente de uma parte da Itália na qual se encontram supostamente as origens da tarantella, em um ritual pagão que tem seu eixo central na música, na dança e no contentamento, ou seja, na festa.
OS ELOS ENTRE SÃO PAULO E POLIGNANO A MARE
O vínculo entre São Paulo e Puglia decorre da presença numericamente pequena, mas significativa, da comunidade de descendentes dessa região na capital paulistana. Dessa comunidade primária de imigrantes chegados por volta de 1870, supõe-se que existam hoje mais de 300 mil descendentes na cidade. Esses imigrantes e descendentes ficaram conhecidos por aqui como bareses. Entretanto, é um vínculo que se dá em mão dupla: a presença da cidade de São Paulo no imaginário de Polignano a Mare também é indiscutível. Houve também quem tivesse retornado após sua estadia no Brasil. Lembro, quando estive pela primeira vez em Polignano a Mare, que, em um momento de dificuldade com a língua italiana, fui solicitada a falar em português, pois o dono da loja onde me encontrava tinha parentes e havia morado em São Paulo. Ele entendia perfeitamente a língua e dizia, orgulhoso: “Lá eu sei andar de táxi, conheço a cidade como a palma de minha mão.” Ouvi, ainda mais espantada, a expressão de uma senhora: “Minha mãe era de São Paulo e morreu lá. Quando eu morrer, quero ser enterrada lá, ao lado dela.” Na rua que conduz à estação de trem, vi uma foto fixada no vidro de uma banca de jornal do mais italiano dos times de futebol paulistanos: o Palmeiras.
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A maior parte dos imigrantes vindos dessa pequena cidade preferiu se fixar em São Paulo. Foi um percentual pequeno de imigrantes italianos que chegou ao Brasil se comparado aos vênetos, por exemplo, mas sua preferência por São Paulo e a sua concentração na zona cerealista do bairro do Brás tornaram essa pequena comunidade representativa e mantiveram um intenso fluxo de imigrantes e também de retornados que não se adaptaram à nova vida em terras paulistanas. Tal elo faz com que hoje a cultura paulistana e o português sejam introjetados igualmente na constituição
identitária
do
polignanês.
https://santupaulu.blogspot.com/search/label/Polignano%20a%20Mare
A minha geração viveu estes momentos e sempre manteve um olhar além-mar, para os polignaneses de São Paulo, hoje esquecidos. Porque os anos nos fazem esquecer os momentos tristes do passado, porque já não emigramos, porque já não havia um constante contato entre a pátria mãe e os seus filhos distantes; exceto durante alguns anos em que foram organizadas verdadeiras “excursões turísticas” para São Paulo. Não esqueçamos, portanto, quem fomos! Ainda temos uma dívida de gratidão para com os nossos emigrantes, para com a emigração massiva que teve lugar, especialmente no início do século, para as Américas e, em particular, para a América do Sul (Brasil e Argentina).
Os primeiros polignaneses a chegarem em São Paulo se instalaram primeiramente na Rua do Carmo; porém, na medida em que sua comunidade cresceu, adotaram a zona cerealista no bairro do Brás como local de residência. Em São Paulo, os polignaneses foram os primeiros comerciantes do Mercado Municipal, os primeiros jornaleiros, os fundadores da Bolsa de Cereais de São Paulo e, sendo assim, também responsáveis pelo impulso comercial da cidade.
6 Lugar de passagem, o Brás já teve muitas caras e alcunhas. Uma delas foi de “bairro dos italianos”, que ainda persiste por conta de suas festas tradicionais. Ainda que italianos de diversas origens tenham habitado a região, o grupo proveniente da Puglia se destaca com a manutenção há mais de 100 anos da Festa de São Vito Mártir, o padroeiro de Polignano a Mare. Ela acontece anualmente nos meses de maio a julho. Nesse período, o paulistano se desloca até o Brás para participar e provar pratos típicos como a ghimirella e o ragu – molho de tomates preparado pelas mammas da Associação Beneficente São Vito Mártir. O grupo de imigrantes e descendentes que trabalham na Festa é apenas sombra da comunidade de “bareses” que habitou o bairro no início do século passado e que nos deixou seus modos de viver como herança. A Festa de São Vito, em meados da década de 1990, sofreu uma dissidência e separou-se da Igreja de São Vito, mantendo suas atividades sem interrupção. A partir de 2006, a igreja repropôs sua versão do evento. Evidentemente, as duas festas dedicadas a São Vito no bairro do Brás são a expressão mais genuína dos laços existentes até hoje entre os dois países. Festas têm suas raízes no culto. Separadas dele, as festas não se completam em seu conteúdo e se manifestam como algo artificial, inexpressivo (Beni, 1983, p.1). As festas de caráter religioso, dentre as diversas modalidades de festa, são aquelas que se manifestam de forma mais potente. No seu contexto mais autêntico, a festa não se restringe a uma dimensão particular da vida, nem à religiosa (incluindo a litúrgica), nem a nenhuma outra. Isto sim, ela se manifesta através de todas as dimensões da existência humana, fazendo com que meras descrições dos fatos gerem sempre um questionamento quanto à condição de se tratar uma festa como ato social, econômico, desportivo ou eclesiástico, exposições e mostras anuais, bailes populares e assim por diante.
Toda festa está, num sentido particular, voltada a uma tradição. A palavra tradição tem sua origem etimológica no traditum, que significa transmitir, passar a outrem, confiar a guarda. Funciona como um vetor orientador da cultura de uma comunidade, transmitindo seus significados relevantes, gerando memória que deve acompanhar gerações que deverão garantir a tradicionalidade e evitar o rompimento dos elos que justificam o traditum. Não há com isso o exercício de engessamento nas suas manifestações, mas de um processo criativo que dá passagem ao significado do que deve ser comemorado nas festas e quais as formas de atualizá-lo, presentificá-lo. Como consequência, a noção de autenticidade lhe é implícita.
7 O histórico imigratório dos polignaneses na cidade de São Paulo – a qual, já na metade do século passado, possuía mais cidadãos que a cidade pugliese de Polignano a Mare – criou uma memória comum entre os dois territórios, vinculada aos primórdios do processo migratório. Através da manutenção de sua religiosidade, festas e tradições culturais, territórios de origem sobrepuseramse à terra paulistana. Até o fim dos anos 2000, suas características foram mantidas, com sua tradição vinculada ao seu local de origem em um ambiente novo e, de certa forma, hostil a inovações trazidas por grupos de fora. No entanto, a tradição passa sempre por uma tradução. É nesse processo dinâmico que sobrevivem territórios subjetivos distantes e processos de constituição identitária de descendentes que terão, portanto, na hibridização os meios de conexão com suas raízes. A partir de um determinado ponto, singularidades emergirão e serão descoladas de seus territórios de origem, bifurcando essa trajetória, criando diferenças. Porém, o processo pressuposto nessa tradução encontra pontos de diluição que, alimentados por uma redução desses ritos a ativos da economia criativa, devidamente corroborados pela grande mídia, reduziu-os ao consumo em direção ao vazio. Institui-se desconexão, saturação e produção de caricaturas no lugar da tradução: tornou-se um evento atarantado, uma crise de ausência. Há um processo envolvido nessa dinâmica que poderá ser entendido a partir da retomada do histórico da festa e da compreensão dos caminhos que a conduziram até hoje. É certo que tecer o fio condutor e reintegrar processos identitários é um rito cabível na cidade de São Paulo, a qual, em seu desvairio, é continuamente destituída de seus suportes de memória material e imaterial, entregue a uma contínua crise de ausência. Conta-se que, na Puglia, o tarantismo era curado por meio de um ritual de origem bacante, em que a orquestrina conduzia através da musica giusta uma mulher enferma (acometida por uma crise histérica de ausência, como se tivesse sido paralisada pelo veneno da picada de uma tarântula) a voltar a si através da dança e do êxtase, ou seja, através da festa e do contentamento. Baco/Dionísio, protagonista desse rito pagão, foi substituído a partir da Idade Média por São Paulo – Santu Paulu –, que passou pela cidade pugliese de Galatina e é invocado nesse ritual. São Vito, padroeiro de atores e bailarinos, encobriria sua real identidade como Dionísio? Não temos dados para comprovar essa hipótese, mas a inferência parece inevitável: se non è vero, è molto ben trovato. O trabalho da pesquisadora Sonia Maria Alves Beni, na dissertação de mestrado apresentada em 1983 ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, e de Domenico Colagrande, autor do livro I
8 PGNHGNANE’IS – I polignanesi, picolla storia di emigrante, serão nossos guias principais na trajetória que começa a seguir.
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POLIGNANO A MARE E SEU PADROEIRO SÃO VITO A cidade Quando se desce a Itália pela Costa Adriática (em direção ao calcanhar da bota), vai-se desde Veneza até Bari. Cerca de vinte quilômetros mais ao sul, descobre-se Polignano. Estamos na região da Puglia, com seu litoral escarpado de rochas calcárias, cheio de grutas trabalhadas pelo mar. O planalto beira a praia, deixando apenas réstias de uma areia muito clara, que refletem a forte luminosidade dourada do sol. E tudo isso emoldurado pelo verde-esmeralda de um mar límpido e tranquilo. Só se escuta um suave barulho, escavando dentro das grutas e interligando umas às outras debaixo da cidade, até desembocar nesta enorme Grotta Palazzese. A cidade aflora liricamente acima da Grotta, como se fosse uma coroa esbranquiçada feita de casinhas e ruelas construídas com a mesma pedra. Para quem vem do mar, Polignano parece estar sobre um iceberg, tamanho é o branco deste rochedo!
Assim começa o conto Missa da Alegria, escrito pelo Dr. Júlio Mester, que está em seu livro homônimo. Toca tão sensivelmente cada canto da cidade de Polignano a Mare que torna impossível acreditar que o autor perambulou por ela apenas através das descrições de seu amigo, polignanês residente em São Paulo, Dr. Callea. Pois acreditem, Dr. Mester nunca esteve lá pessoalmente! A sua capacidade no exercício poético, porém, levou-o a conhecer a paisagem e a alma desse lugar.
Polignano a Mare é uma pequena cidade italiana que fica na Costa Mediterrânea, diante do Mar Adriático, no alto de um penhasco a 24 metros de altitude. Fica sobre uma formação rochosa em calcário na qual se localizam grutas, dentre as quais a mais famosa é a Grotta Palazzese. Possui hoje cerca de 17.797 habitantes que ocupam seu território de aproximadamente 63 quilômetros
10 quadrados e está na província de Bari, na região da Puglia, a 33 quilômetros ao sul da capital Bari, de mesmo nome que a província. A Puglia fica na região sudeste italiana. É o “salto da bota” que começa na cidade de Gargano, na província de Foggia, e termina em Salento, na província de Lecce. É vizinha da Calabria, Lucania e Abbruzzo. A paisagem do interior pugliese é conhecida pelos enormes campos com oliveiras seculares. A beleza e majestosidade dessas árvores impressionam. Com suas raízes retorcidas, desenham uma atmosfera atemporal, vinda de um “desde sempre”. A produção de olivas é abundante e o seu azeite é considerado o “ouro da Puglia”. O núcleo mais antigo da cidade de Polignano apresenta vestígios da dominação greco-romana, porém mantém um desenho urbano claramente medieval. A economia da região foi essencialmente baseada na agricultura e na pesca. Hoje sua economia é sustentada também pela intensa atividade turística. Em dialeto barês, a cidade é referida como Peghegnéne.
As origens de Polignano a Mare
Não há dados precisos sobre a origem de Polignano. Diversos autores se debruçaram em pesquisas na tentantiva de fornecer esses dados. Resquícios arqueológicos do período neolítico sugerem ter sido habitada desde então. Algumas escavações revelaram que, à época, suas grutas foram utilizadas como local de culto, cisternas e prensagem de oliva. Há fortes indicativos de que seus remanescentes são de origem grega. Com o passar dos séculos, esteve sob dominação romana, bizantina, normanda, aragonesa etc. Pesquisando o nome da cidade de Polignano a Mare, estudiosos dão indícios de sua possível origem; porém, assim como há controvérsia em torno de sua gênese, há em torno de seu nome. A pesquisa sobre sua nomeação também indicaria sua procedência, mas há discordâncias a esse respeito.
11 Pratilli, em seu livro Via Appia (1745), registra que, segundo historiadores, Polignano foi construída por gregos, que assim a denominaram por situar-se em local bastante elevado e num penhasco pedregoso sob o qual havia muitas cavernas, em frente à Costa Adriática. Alguns estudiosos opinam que Polignano teria sido fundada pelo imperador Júlio César, após destruir o castelo do cônsul Caio Mário de Arpina, junto à enseada chamada “Porto Mariano”. Essa informação é corroborada pelo itinerário do Imperador Antonino. Outros acreditam que Polignano foi fundada pelo cônsul Mário e destruída por Júlio César, que teria construído no local uma torre chamada Turris Caesaris, em torno da qual posteriormente os gregos edificariam a cidade chamada Polignano. Para alguns, sua origem deriva da deusa Polymnia, referindo-se a César como autor e fundador da cidade. Para outros, a derivação é de Neapolis, considerando a existência de uma colônia marítima com esse nome (também conhecida por Peucécia ou Caenopolis). Há ainda os que atribuem o nome à topografia do local, buscando o significado “lugar eminente”, cidade edificada no alto, como sua geografia demonstra. Já o acréscimo da expressão “a Mare” se dá em 1862, tendo seu registro realizado pelo Ministério do Interior, sob Vitório Emanuel II. O santo padroeiro da cidade é São Vito e, ao conhecer a história atribuída a esse santo, é possível verificar por quais razões.
A história de São Vito O nome auspicioso em latim Vitus continua, baseado no termo vita e “vita” também o é em italiano moderno. O nome Vitale também remete à mesma palavra, no que diz respeito ao significado. Vito é análogo a Zoe, Chaim, Eva e Enid. Em alguns casos, também pode ser uma abreviatura de nomes medievais como Bonavita e Bellavita. Vitus já era confundido na antiguidade com o nome de origem germânica Wido (hoje Guido), e hoje em muitas línguas os dois nomes são de fato equivalentes e entendidos da mesma forma. Quanto à Itália, o nome goza de boa difusão em toda a península graças ao apoio de vários santos, com picos na Puglia, Sicília e em geral no Sul. https://it.wikipedia.org/wiki/Vito_(nome)
A história de São Vito ou São Guido lhe foi atribuída. Não há certeza de sua existência. É padroeiro dos atores, bailarinos, protetor de pessoas que sofrem de doenças nervosas e epilépticos.
12 Documentos eclesiásticos contam que Vito, nascido na região da Sicília, era filho de Ila, um senhor pagão muito respeitado, influente e rico. Era costume nas famílias nobres entreguar seus filhos a empregados de confiança para serem amamentados e educados. O menino foi instruído e batizado como cristão, sem conhecimento de seu pai, por seus preceptores Modesto e Crescência, os referidos servos da família. O pai, ao saber do batismo, não economizou esforços em busca de demovê-lo de sua fé. Vito, porém, aumentava sua devoção. Vito e seus tutores foram perseguidos e denunciados a Valeriano, delegado do imperador Diocleciano e governador da província da Sicília. À época ele teria 12 anos. Seu pai foi convocado por Valeriano a tentar dissuadir sua fé e, não tendo conseguido, o menino foi preso com seus preceptores e conduzido ao tribunal do governador. Valeriano o inquiriu sobre sua insubordinação ao pai e ao imperador, recebendo como resposta do menino que “desobedecia ao imperador e a seu pai para obedecer a Deus”. O magistrado ordenou seu espancamento, mas ainda assim o jovem não perdeu sua coragem. Perseguido, Vito teria intercedido pela cura de seus perseguidores, e Valeriano, atemorizado, ordenou a Ila que o levasse de volta para casa e continuasse tentando fazê-lo mudar de ideia. Ila ofereceu ao filho banquetes, festas e mulheres, mas Vito manteve sua posição. Sua fama de santidade se espalhava. Havia relatos de milagres realizados através de suas orações. A pressão de seu pai para que abandonasse a fé se intensificava cada vez mais. Vito viu-se impelido a deixar a casa do pai, acompanhado por Modesto e Crescência. A repercussão de sua fé chega à corte do imperador Diocleciano, que sofria por ter um filho endemoniado (alguns autores dizem ser uma filha). Diocleciano convocou Vito, suplicando que livrasse seu filho, por meio de orações. E Vito assim o fez. O Imperador permaneceu em sua fé pagã, oferecendo-lhe presentes e lisonjas em troca do abandono do cristianismo. Mas Vito não negou sua fé. Diocleciano, então, aprisionou-o e a seus companheiros. Notando que não havia esmorecimento na sua fé, o imperador ordenou que todos fossem jogados numa caldeira fervente de chumbo derretido e resina. Conta o relato, ainda, que os três mártires entoaram hinos em louvor a Deus e saíram ilesos da caldeira. Obstinado em vencer Vito e sua fé, o imperador ordenou que fossem, então, dados a um leão como alimento, porém o leão apenas lambeu seus pés. Diocleciano, tomado por ira e atribuindo os milagres a bruxaria, ordenou que Vito, Modesto e Crescência fossem amarrados, açoitados e flagelados até morrerem, o que ocorreu no dia 15 de junho de 303, aproximadamente. Os Santos Mártires foram, então, sepultados naquele local.
13 Anos depois, a princesa Florência, de Salerno, foi salva de afogamento no rio Sele ao presenciar a aparição de São Vito. A princesa, grata pelo milagre, reafirmou sua fé cristã e prometeu a São Vito atender a seu pedido de transferir os três corpos para uma sepultura em uma localidade chamada Locus Marianus. Sem obter sucesso buscando esse local, Florência resolveu sepultar com honras os restos mortais dos três santos em uma igreja, que mandou construir no local onde estavam inicialmente sepultados. Em uma viagem à Terra Santa, Florência testemunhou uma nova aparição de São Vito, que realizou o milagre de cura do seu irmão que adoecera durante a viagem. Ele reafirma que deseja ser levado ao Locus Marianus, que seria na Apúlia, perto do Castrum Polymnianense, anteriormente destruído pelo exército de Júlio César. A princesa rumou ao local acompanhada por seu irmão e pelo Arcebispo Nicola, de Salerno, além de muitos populares e religiosos. Lá realizou cerimônias e festejos, enquanto a notícia corria pela Itália, chegando por meio de mensageiros ao Sumo Pontífice Leão III. Em 801, o Papa autorizou a transferência dos restos mortais (“relíquias”) dos santos em urnas preciosas para o Locus Marianus, onde a princesa ordenou a construção de uma igreja em honra e para guarda e veneração das relíquias dos Santos Mártires. O santuário ou Abadia de São Vito foi edificado em 26 de abril de 801. Nele repousam as relíquias do jovem mártir cristão, juntamente com as de seus tutores Modesto e Crescência, sacrificados com ele em martírio. A igreja, por sua importância histórica, é de propriedade da Fazenda Pública desde 1939. Recentemente restaurada, além de lugar de culto, é hoje ponto turístico na cidade.
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A Festa de São Vito em Polignano a Mare É importante indicar que a cultura da qual emerge a festa em Polignano a Mare está provavelmente enraizada em antigos cultos pagãos, ligados a festivais solares que têm na sazonalidade seus eixos condutores. Portanto, da observação do relacionamento da Terra com o Sol fixam-se os marcos cronológicos dos equinócios e solstícios como referência para que aconteçam. A Páscoa e o Natal, por exemplo, indicam tais marcos. A ocorrência da festa no Brasil, que tem uma inversão cronológica nos equinócios e solstícios em relação ao Hemisfério Norte, introduz um rompimento no significado primeiro mantido nessas tradições, criando para descendentes um distanciamento psicológico dos vínculos com o ambiente e o território. Para compreender como se dão as conexões entre a Festa de São Vito e em São Paulo, há um recorte na descrição da festa na Itália focando o período em que ocorreu simultaneamente à chegada dos seus imigrantes na capital paulistana. Em Polignano a Mare, a organização das festas em homenagem a São Vito Mártir estava a cargo de uma comissão oficial chefiada pelo prefeito, que convocava seus membros nominalmente. Essa composição revela a existência de três classes sociais, as quais participavam das celebrações de acordo com o tipo de contribuição que poderiam oferecer: a aristocracia, composta em geral de grandes latifundiários, de quem eram esperados recursos financeiros; o segmento intermediário, de proprietários de terras, comerciantes e profissionais liberais; e, por fim, o grupo do proletariado agrícola e trabalhadores braçais, ambos responsáveis por organizar diretamente os festejos. A festa do Santo Mártir, padroeiro de Polignano a Mare, começa na segunda-feira subsequente à Páscoa, quando se leva a relíquia do braço de São Vito da Igreja à Abadia, festividade acompanhada pelos seus cidadãos por terra e mar. A relíquia não é a estatueta do santo, mas uma escultura de prata na forma de braço, dentro da qual haveria parte do osso do braço de São Vito, sua relíquia. A Abadia é distante da cidade em cerca de 1 quilômetro e também se localiza à beira-mar, fato que possibilita que um percurso via marítima seja feito pelas procissões e cortejos.
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A festividade se inicia com uma missa na pequena igreja da Abadia. Ao seu redor, muita gente se espalha alegremente ao longo da costa marítima e nos campos das redondezas, saboreando a “colação” – café da manhã – em um piquenique cuja protagonista é a tradicional papriugh: uma massa assada elaborada pelas mães e modelada de diversas maneiras – geralmente, com a forma de coelho – sobre a qual se colocam ovos. Terminada a missa, a relíquia é levada até a cidade, onde uma multidão se reúne à espera na Piazza Giuseppe Garibaldi, no centro histórico; então, é conduzida à Igreja Matriz de Santa Maria Assunta, entre salvas de rojões, e lá permanecerá nos próximos dias. Posteriormente, nos dias 4 a 6 de maio, precedida de uma feira de rua (hoje extinta), ocorria a festa de São Vito “Menunne” (Pequeno), como diziam os locais. São tradicionais os disparos de fogos de artifício, produzidos
por
renomados
pirotécnicos.
No
encerramento de cada um dos dias de festa, durante as procissões, ocorrem a soltura de balões e balõezinhos, pau-de-sebo, regatas, execução de músicas tradicionais etc. A tradição das bandas é um traço identitário nessa pequena cidade. A banda anuncia as festas, mas não só a elas; anuncia também enterros, comemorações:
16 a passagem do tempo em sua dimensão sagrada. Ela está sempre ali, soando seus acordes. Esse tempo sempre se apresenta por lá, suas fronteiras são muito flexíveis. A tradição de seus concertos ultrapassou 100 anos de tradição. Suas apresentações ocorrem também em cidades vizinhas, dada sua qualidade. Portanto, a banda acompanhará todas as estapas das comemorações a São Vito. Na tarde de 4 de maio é a vez da estatueta do Santo, que permanece durante o ano na Abadia de São Vito, ser levada por mar em direção à cidade, num pequeno barco todo iluminado e embandeirado, chegando a um pequeno porto chamado Cala Paura. Durante o percurso, é acompanhado por dezenas de pequenos barcos de pescadores (também iluminados) levando devotos, enquanto uma grande multidão se espalha ao longo da costa, esperando a sua chegada. Após o desembarque, em Cala Paura, a estatueta é transportada em procissão pelas principais ruas da cidade em um carro adaptado (também construído por doações de famílias emigrantes), após o prefeito oferecer as chaves da cidadezinha para o santo. Ao fim da procissão, na praça central chamada Vittorio Emanuelle, a estatueta é exposta aos fiéis em um grande altar de madeira com mecanismo que permite sua elevação a até aproximadamente 5 metros – movimento acompanhado pela banda, música e fogos. A estatueta permanece exposta ao ar livre durante os dias da festa. Na manhã do dia 5 de maio, a relíquia do braço de São Vito é levada de volta da igreja para a Abadia, acompanhada por homens paramentados e jovens vestidos de guerreiros, além de visitantes de toda parte. Nesse momento, eles realizam a “disciplina” (autopunição com golpes de correntes nas costas). À tarde, nesse mesmo dia, a relíquia é levada em procissão de gala pelas avenidas da cidade. No dia 6 de maio, após os três dias de festejos, a pequena estátua é descida do altar e carregada novamente em procissão. Hoje, as festividades são realizadas nos dias 14, 15 e 16 de junho.
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CAUSAS DA EMIGRAÇÃO DE POLIGNANESES NO FIM DO SÉCULO XIX A emigração italiana como fenômeno de massas e como fato socioeconômico tem origem na unificação da Itália e na proclamação, pelo primeiro Parlamento italiano, do Reino de Itália em 1861. Os dados estatísticos oficiais datam de 1870. Só nos anos oitenta foi possível encontrar algumas provas documentais. A emigração é dirigida principalmente para o Brasil, Argentina e Estados Unidos. Reduziu drasticamente durante a Primeira Guerra Mundial, na sequência do apelo ao armamento e às necessidades da indústria bélica. Após a guerra e com a desmobilização, a emigração em massa volta a crescer. A decolagem do fenômeno migratório na década de 1861-1871 havia sido determinada por um crescimento demográfico sustentado, e os fluxos foram acentuados pela crise agrária dos anos oitenta, que trouxe consigo a fome, o aumento dos impostos e uma queda nos preços dos produtos agrícolas. Os primeiros a emigrar foram os camponeses, que encontraram casas e terras nas vastas regiões do Brasil e da Argentina, também em consequência das políticas de povoamento e colonização implementadas pelos governos destes países, respondendo a sistemas de inserções eficientes ou apoiados por cadeias migratórias experimentadas e testadas. A partir de 1924, alguns fatores afetaram negativamente o fenômeno, e desencorajaram o fluxo migratório, quer devido à ocorrência da crise econômica mundial que deflagrou em 1929, quer devido à política do regime fascista que exigia que a questão migratória estivesse relacionada com os objetivos demográficos da ditadura. Muitos estudos salientaram a contribuição social e econômica que a emigração deu à Itália, destacando sobretudo tanto a capacidade de iniciativa e o espírito empresarial dos emigrantes, como a função das remessas. O enorme fluxo financeiro das remessas sem dúvida beneficiou as famílias, mas constituiu também um acúmulo de poupanças úteis para financiar a expansão industrial do nosso país, que justamente naqueles anos estava apenas iniciando. Contudo, não se deve esquecer que a emigração, mesmo para além das tragédias individuais e familiares, significou o empobrecimento do tecido social e econômico. No período pós-guerra, a Itália emerge das catástrofes da sua economia, mas torna-se também o país mais superpovoado da Europa comparativamente aos seus recursos internos e portanto, com o maior potencial de imigração para o velho continente, também devido à gravidade do fenômeno do desemprego e do subemprego. Neste contexto, a situação da Itália torna-se um exemplo típico de migração forçada causada pela necessidade. (Colagrande, 1998, p.XX)
Polignano a Mare na ocasião se encontrava diante de uma situação de extrema pobreza e precariedade, péssimas condições sanitárias e de infraestrutura básica (iluminação, manutenção das ruas etc.). Possuía um comércio incipiente, não era industrializada e retirava da sua modesta produção agrícola (olivais, vinhedos e amendoeiras) seus recursos econômicos. Todos emigraram movidos pela miséria e desemprego entre o fim do século XIX e início do século XX.
18 Nesse período tardio da Revolução Industrial, a navegação a vapor já viabilizava viagens a longa distância que não seriam possíveis antes.
A IMIGRAÇÃO DE POLIGNANESES PARA SÃO PAULO
No período de 1874 a 1914, houve o maior fluxo de italianos no Brasil – aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Esse fluxo diminui na década de 1920 e é retomado no período pós-guerra. Colagrande cita em seu livro que o primeiro polignanês a emigrar foi Domenico L’Abbate, por volta de 1882, que recebeu de seus conterrâneos o apelido de “o americano”. Depois dele, entre 1900 e 1906, o fluxo emigratório transoceânico da província de Bari aumentou significativamente e Polignano foi um dos municípios de maior percentual. Na época, a cidade tinha uma população aproximada de 9.500 habitantes, dentre os quais 1.796, 19% de todo o contingente, havia emigrado. Os primeiros polignaneses chegaram ao Brasil subsidiados, em sua maioria, pelo governo brasileiro, que assumia as custas da viagem num acordo bilateral entre Brasil e Itália. Após a libertação dos escravos no Brasil, esse contingente de mão de obra era desejado no país. Ao chegar, o ponto de convergência era a hospedaria do imigrante, a partir da qual seriam encaminhados para trabalhar nas lavouras do interior do Estado de São Paulo. A partir de 1890, começou a ocorrer um movimento imigratório espontâneo no qual o imigrante assumia as despesas de viagem. Com o passar do tempo, nem todo polignanês – mesmo subsidiado – se dirigia ao interior para trabalhar. Preferia ficar no centro urbano, não ir ao interior para trabalhar na agricultura. Para isso,
19 criou estratégias: ao chegar ao Porto de Santos, “perdia-se” do grupo com o qual viajara de navio da Itália. Algum conhecido, parente ou amigo, vindo anteriormente, já o esperava em Santos para levá-lo à capital. Assim, escapava de ser encaminhado para a hospedaria do imigrante e, consequentemente, para o interior do Estado. Quando não era casado, procurava casar-se com alguma conterrânea, pois o plano era sempre o de voltar para sua cidade natal. Um dos principais fatores que mantinham o grupo coeso era a intenção da maioria desses imigrantes de retornarem a Polignano a Mare assim que constituíssem uma boa reserva financeira. Essa meta fazia com que os casamentos ocorressem entre pessoas da mesma cidade para evitar problemas na volta à Itália. Assim, até a década de 1930, os casamentos ocorriam preferencialmente entre polignaneses. Seus hábitos, portanto, se assentaram na cidade dentro dessa organização familiar cristã, católica, patriarcal. Há dois tipos de imigrante polignanês: aquele que chega subsidiado pelo governo brasileiro e passa a trabalhar na lavoura (cafeeira na maior parte das vezes) e aquele que paga sua viagem e chega à capital de São Paulo somando-se a alguns daqueles que nela se estabeleceram antes e lhe serviam de apoio. Esse grupo de apoio provavelmente foi composto por pessoas que deixaram as fazendas e se estabeleceram num ponto da cidade onde lhes era possível viver dada a existência de cortiços e a proximidade com o centro. O seu primeiro ponto de residência foi nas Ruas do Carmo, das Flores, do Trem, da Boa Morte, Tabatinguera e das Carmelitas. Em poucos anos, os cortiços dessas ruas não comportavam mais o volume de imigrantes que passaram a ocupar a região contígua, a região cerealista do bairro do Brás. Por haver frequentemente inundações nessa região, esse imigrante podia adquirir um terreno a preços acessíveis. Enquanto isso, começavam a se instalar as primeiras indústrias no bairro que, dessa forma, era convenientemente um lugar próximo a locais de trabalho, mercados e ferrovia. Portanto, esse grupo primário manteve vivos os laços com a sua comunidade de origem e não tinha interesse em se envolver com a comunidade paulistana local. Isso acontecia ocasionalmente, dadas as relações necessárias de trabalho. Assim como a navegação e o desenvolvimento dos transportes viabilizaram as migrações, possibilitaram também um processo de comunicação postal que dava acesso às notícias por meio de correspondência e também pelo envio de fotos e cartões, através dos quais mantinham acesa a memória da paisagem da cidade de origem e partilhavam notícias sobre eventos como funerais, casamentos etc.
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POLIGNANESES EM SÃO PAULO As atividades econômicas dos primeiros polignaneses em São Paulo
Enquanto, para boa parte da sociedade local, alguns tipos de serviço eram considerados inferiores, entre os conterrâneos ficava implicitamente claro que qualquer emprego, por mais humilde que
21 fosse, era aceitável. As atividades a serem desempenhadas deveriam ser acessíveis sem exigir qualquer formação ou habilidade específica, capital inicial ou domínio da língua. Entre os homens, pouquíssimos se empregaram em fábricas pela falta de familiaridade com aquele universo. Excetuando-se os poucos artesãos, que continuaram a exercer suas atividades de origem, dedicaram-se aos demais serviços de rua, tornando-se ambulantes. Esses homens iam às ruas vender todo tipo de materiais, desde alimentos já conhecidos por eles, como peixes, frutas, verduras e aves, até outros itens incomuns em Polignano a Mare, como jornais, garrafas vazias e ferro velho. Esses ofícios (jornaleiro, garrafeiro e peixeiro) eram relativamente novos e constituíam uma oportunidade para os imigrantes, que encontravam um campo de trabalho aberto e sem concorrência. Eu sempre conheci meu avô como jornaleiro. Quando meu pai veio, chegou da Itália, ele já foi trabalhar com meu avô como jornaleiro. Então, meu avô veio e provavelmente já deve ter começado a trabalhar vendendo jornal e revista. Eu não sei quais jornais eles vendiam. O que tinha na época eram jornais e as primeiras revistas que surgiram foram as revistas em quadrinhos, do Pato Donald, que eles pegavam na praça Antônio Prado todo dia de madrugada. Os Civita mesmo rodavam, imprimiam e iam lá de manhã tentar vender pros jornaleiros, que era onde os jornaleiros pegavam os repartes de jornais também. Naquela época não existiam bancas em si, naquela época existiam os tabuleiros. Todo dia de manhã montavam o caixote, eles iam até a praça Antônio Prado, pegavam aí montavam os caixotes e vendiam. Então, cada jornaleiro, que eram quase todos polignaneses, tinha um determinado ponto, tudo ali pelo centro. O ponto do meu avô era no Parque Dom Pedro II, em frente a uma casa que tinha lá, chamava Casa Barone, que era uma casa que vendia artigos importados, frutas secas, era de uma família italiana. Era o que seria o Empório Santa Maria nos dias de hoje. E depois de alguns anos, a Prefeitura permitiu a instalação de bancas, e eram bancas que você não consegue ficar dentro da banca, você só guarda, era quase como se fosse um armário fixo que ficava na rua. Então, o meu avô passou a ter uma banca, e meu pai trabalhando com ele. Quando meu pai casou, o meu avô montou uma banca pra ele, sei lá, a 500 metros da banca dele, então meu pai passou a ter a própria banca. E essa banca ficou no Parque Dom Pedro praticamente até dois anos antes de meu pai morrer, e essa banca existe até hoje no Parque Dom Pedro. (Eduardo Boccuzzi)
A venda de jornais foi uma atividade especialmente praticada pelos mais jovens. Quando as bancas para vendas de jornais foram organizadas pela prefeitura, em 1935, muitos desses imigrantes que ainda estavam na profissão já tinham boas clientelas e consideraram continuar comercializando os jornais de forma autônoma. O Província de São Paulo foi o primeiro jornal que, em 1876, obteve autorização para ser vendido nas ruas da cidade. Em 1860, este jornal mudou
22 o seu nome e tornou-se o atual O Estado de São Paulo, aumentando a sua circulação para mais de sete mil exemplares. Em 1884, nasceu o Diário Popular, em 1891, o Diário Oficial e, em 1921, o Fanfulla. (...) As garrafas vazias, por exemplo, tornaram-se itens comercializáveis quando indústrias como a Cia Antártica ou empresas menores começaram a surgir, uma vez que, dada a falta de empresas locais para engarrafar as variadas bebidas, tornava-se necessário recuperar as garrafas importadas. (...) Finalmente, entre as ocupações dos emigrantes em São Paulo, podemos mencionar aquela do bicheiro, ainda que raramente fosse essa, a única ocupação do indivíduo, que muitas vezes, a exercia simultaneamente com outras. (...) Mas a figura do bicheiro parece que não era vista com bons olhos pelos homens do grupo, os quais criticavam a forma como visitava as suas esposas para induzi-las a jogar, aproveitando-se da ausência dos seus maridos durante as horas de trabalho. Por esta razão, apenas alguns homens se dedicavam a esta atividade. Por outro lado, para fazer bons negócios, o bicheiro tinha que desenvolver a sua atividade no âmbito de um grupo onde não apenas fosse conhecido, mas que pudesse também ter fácil acesso aos clientes, pois o jogo do bicho baseava-se na honestidade tanto do cambista quanto do banqueiro. (Colagrande)
Também dedicavam-se ao comércio de cereais e especiarias, criando armazéns na zona cerealista do bairro do Brás. Em 1923, já eram 100 os armazéns na região da Santa Rosa criados por eles. Portanto, outro ofício significativo exercido pelos homens foi o de atacadista de cereais, que se deu em fase mais adiantada da permanência em São Paulo, pois já exigia anos de residência no Brasil. Para trabalhar no abastecimento de cereais era necessário já ter adquirido um bom domínio de português, ter capital inicial e bom conhecimento do interior do Estado de São Paulo, onde se localizavam os maiores centros de produção e fornecimento. Não é casual que tenham sido eles os fundadores da Bolsa de Cereais.
Para que o indivíduo pudesse se dedicar ao comércio atacadista de cereais, ele tinha que resolver dois problemas fundamentais: encontrar um parceiro para ajudá-lo, ficando em São Paulo como vendedor ou viajando como comprador; ter capital suficiente para aumentar o movimento dos negócios. As primeiras sociedades cerealistas eram constituídas por pessoas ligadas entre si por laços de parentesco ou nacionalidade, em suma, por pessoas culturalmente obrigadas a agir com lealdade, a fim de defender os interesses econômicos dos membros da sociedade. A posição de prestígio econômico e social, da qual os cerealistas mais antigos gozavam na comunidade, refletia-se na sua ocupação, que atraía cada vez mais um maior número de polignaneses. Estes tinham fácil acesso aos negócios porque os cerealistas precisavam de pessoas de confiança para trabalhar com eles, e os parentes e os conterrâneos eram sempre os favoritos.
23 Para se tornar cerealista, uma etapa necessária era ter trabalhado em uma grande empresa, e só após ter aprendido o ofício, estabelecer-se por conta própria. (Beni)
As mulheres, que na Itália já estavam habituadas a trabalhar temporariamente em atividades remuneradas, como colheitas de amêndoas e azeitonas, também buscavam empregos ao chegar a São Paulo, mas enfrentavam, assim como os homens, a dificuldade da falta de formação. Algumas foram trabalhar em indústrias como tecelagem e cerâmica, enquanto outras faziam artesanato ou costuravam. A produção de licores artesanais para venda também foi exercida em pequena escala por mulheres. Meu pai trabalhava no mercado de carregador. Não ganhava nada. Minha mãe era obrigada a trabalhar na Matarazzo pra sustentar nós. Minha mãe fazia richitelle à mão e eu vendia porque também o salário que ela ganhava era pouco. Do meu pai também era pouco, então ela fazia macarrão, richitelle, fazia licor de cacau e eu vendia para um, para outro. Fazia amaretto. Fazia castagnella. Ela guardava isso todo mês… e graças a Deus ela fez a casinha dela, com esse sacrifício, com o dinheiro do macarrão, com o dinheiro do licor, ela só fazia licor de cacau, não fazia outro licor. Fazia tudo que tem agora e eu vendia nas casas para faturar um pouco porque o aluguel cada vez mais caro. A gente vivia de aluguel. E de vez em quando ela guardava um dinheirinho, ela dava pro meu primo e ela comprou um terreno
24 pegado à casa dele e comprou um terreninho na Mooca. Ela dava antigamente era dez merréis, né? Ela guardava isso todo mês… e graças a Deus ela fez a casinha dela, com esse sacrifício, com o dinheiro do macarrão, com o dinheiro do licor, ela só fazia licor de cacau, não fazia outro licor. (Angelina)
25 Em São Paulo, muitas mulheres imigrantes ainda são detentoras de um saber herdado e ligado a suas raízes e condição de origem. Portanto, são agentes mobilizadoras da memória. Elas não foram agentes de mudança econômica, mas mantenedoras das tradições de seus lugares natais. As relações familiares, a educação, a moral e a culinária estavam sob seus cuidados e permaneceram preservadas. Para a mulher polignanesa imigrante, ainda que trabalhasse, coube um papel coadjuvante. Ao homem coube “fazer a América”, gerar diferença rapidamente ao estar no novo país. A relação com esse lugar se dá na satisfação de metas que o fizeram emigrar: melhorar de vida. Sua história talvez possa ser mais facilmente verificada porque a observação do econômico e da sua produção prepondere como modelo narrativo para o entendimento da lógica da história e da memória. O trabalho ganha uma dimensão especial, pois “criador de valores de uso e realizador da relação do homem com seu habitat, é uma das principais formas de inclusão/exclusão social do imigrante, além de dar sentido ao ato de imigrar”.1 Ao contrário da visão escravocrata, que o considerava “fardo” do desvalido escravo, o trabalho para o italiano é ação de transformação de vida. Portanto, ao construir uma nova vida, põem-se em movimento, através do trabalho, valores que reposicionam seu sentido no Brasil. A tradição comercial do barês enraizou-se facilmente na cidade de São Paulo. A região cerealista do Brás transformou-se em uma micro-Polignano, um lugar onde se imprimiu a matriz cultural trazida como o imigrante barês: suas relações socioculturais, relações de trabalho, o dialeto, as festas religiosas, os valores morais, a culinária etc. Valores que se relacionavam também com a pobreza e as más condições de vida de origem, causa da migração dessas mesmas pessoas. Eu vim de lá de navio. Saí da minha terra, da minha cidade natal dia 29 de junho, dia de São Pedro, e cheguei no Brasil dia 18 de julho do 57. (...) Eu dentro do navio, eu... sei lá na minha cabeça que mundo eu vou achar, o que que vai acontecer comigo? Aonde eu vou? Era tudo, era tudo na cabeça. E como eu, todos os jovens que estavam viajando comigo era mesma coisa. Eu ainda tinha um lugar onde vir, em São Paulo, na casa da minha tia, e eles que não tinham? Não sabiam, vinham aqui como imigrantes, não sabiam onde iam parar, onde iam... Porém, eu tive uma grande sorte de vir aqui, a morar no Brás, na Zona Cerealista, onde era o lugar onde todos os meus patrícios, os meus “paizzanos”, moravam tudo aqui. Então, eu encontrei a minha cidade, eu deixei uma Polignano e vim encontrar a outra Polignano, que se falava o dialeto! Até os chapas, os descarregadores de saco, negros, eles falavam o 1
Maura Veras in “Divercidade – territórios estrangeiros como topografia da alteridade em São Paulo
26 dialeto da nossa terra, entendeu? Porque aqui era uma cidade nossa. Depois, foi-se dispersando, cada um pegou o caminho dele, mas naquela época, há 50 anos atrás quase, aqui ainda, ainda era todo/ No Mercado Municipal, todas as bancas do Mercado, ou 99% eram dos meus patrícios, sejam fruta, como verdura, como peixe, os peixeiros, eram tudo os meus patrícios. Os armazéns de cereais, que estavam aqui, por isso era Zona Cerealista aqui, eram todos dos meus patrícios, que foram eles que fundaram a Bolsa de Cereais e foram eles que fundaram as bancas dentro do mercado, era tudo, tudo deles. Então, ia no mercado, escutava falar o meu dialeto, vinha aqui, escutava falar o meu dialeto, quer dizer, eu me senti de volta, não ter saído de casa, ido a fazer um passeio. (Luca)
Os polignaneses ricos, entusiasmados com a mobilidade econômica que os negócios trouxeram a partir da década de 1940, descompatibilizaram sua autoimagem com a de sua cidade natal e da comunidade do Brás, ambos pobres. Aos poucos, iniciou-se um distanciamento da raiz italiana e da zona cerealista – espelho de Polignano. Com o enriquecimento, a mudança de residência dos polignaneses do Brás deslocou-os para outros pontos da cidade, como o bairro da Aclimação. A região da Aclimação, na década de 1950, era chamada de “Piccola Parigi” – apelido misto de ironia e inveja dos ainda moradores do Brás. O distanciamento identitário com a Itália já se pronuncia no apelido, pois não se trata de Piccola Roma, Piccola Milano, menos ainda de Piccola Bari (capital da Puglia), mas Paris! Nessa expansão, os descendentes multiplicaram-se e agregaram outros valores à sua vida e à de seus filhos, bem como na busca de identidade brasileira. Não é mais possível voltar para Polignano. A Itália já havia sofrido com duas guerras mundiais e ainda estava sob suas consequências. A diferença que se produziu entre esses lugares é já demasiadamente grande para permitir a ideia da volta. Ser paulistano (americano) bem-sucedido é o modelo a ser exibido lá na pequena Polignano. O barês que teve sucesso financeiro ainda maior tinha como local escolhido para residência o bairro do Pacaembu. No Brás ficou a marca dos primeiros polignaneses que de lá não puderam sair. Muitos hábitos mudaram nas mais variadas direções. O desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo já é notável; porém, as cidadelas, os lugarejos, os cheiros e os sabores perambulam invisíveis e secretamente os corações inquietos dos imigrantes e descendentes. Eu lembro que minha avó, ela falava muito mal português, e na medida em que ela foi ficando esclerosada, com arteriosclerose, que foi uma doença muito triste pra ela, aí ela não falava mais português. Ela só falava em dialeto, no
27 final da vida ela só falava em dialeto. O papagaio dela falava em dialeto também [risos]. Falava literalmente. Olha, eu dou muita importância às raízes, às origens. Em 2002, se eu não pude levar meu pai pra Polignano, eu levei minha mãe pro Líbano, e fui procurar os parentes dela, e encontramos... Acho que eu tenho em mim a marca de Polignano, eu levo sempre os meus amigos pra conhecer São Vito, pra conhecer a festa. Minha esposa adora a festa, mando sempre cartão e recebo cartão dos meus parentes em Polignano. Não sei como explicar...
A culinária resistiu, embora fruto de um conservadorismo moral que manteve a mulher no espaço privado da cozinha por muito tempo. O rico barês conheceu paladares internacionais, mas não deixava de reconhecer como seus o richitelle, a ficazza, a ghimirella, a piccicatella, a orzata, a ciaghidella, a pezza dolce etc. O pobre jamais havia abandonado a simplicidade e a imensa criatividade de fazer surgir abundância dentro da precariedade. Com a destruição de seus suportes materiais para memória, corações e mentes começam a ficar distanciados.
O CULTO DE SÃO VITO MÁRTIR EM SÃO PAULO E A SUA FESTA
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Primeira fase – culto religioso domiciliar – 1903-1905
Desde que os polignaneses começaram a emigrar, traziam consigo a imagem de São Vito para protegê-los durante a viagem e na nova terra: eles acreditavam, de fato, que o santo os ajudava não apenas nas dificuldades e lutas diárias, mas que também os protegia contra doenças e, em geral, contra os perigos que não conseguiam enfrentar individualmente. Por volta de 1895, Modesto de Lucca, destacado membro da colônia paulistana, trouxe de viagem à Itália uma pequena imagem do Santo. A partir dessa época, a comunidade em São Paulo passou a cultuá-lo no dia 15 de junho, reunindo em sua residência, à Rua das Carmelitas, algumas famílias de polignaneses, vizinhos e familiares. É um evento religioso de caráter privado que terá suas fronteiras expandidas. Com a participação cada vez maior da comunidade polignanesa, a comemoração é transferida em 1903 para outro local, um cortiço na Rua do Gasômetro esquina com a Rua Santa Rosa, que se transforma em um ponto de encontro e confraternização desses imigrantes na cidade de São Paulo. Com ênfase religiosa, mas dimensão pública, iniciam-se os festejos ao santo, mantendo a imagem trazida por Modesto de Lucca como referência de culto em um altar improvisado durante o evento. A partir dessa data, voluntários da comunidade procuravam antecipadamente captar recursos para viabilizar o culto. Não se organizavam ainda em uma comissão organizadora, mas os envolvidos ganhavam visibilidade e prestígio por obter recursos financeiros ou fazer doações generosas. Entre 1905 e 1912, houve a suspensão do culto na Rua Santa Rosa por dificuldades de se encontrar voluntários dispostos a assumir a responsabilidade da organização, além da insuficiência de donativos. As primeiras notícias relacionadas às manifestações públicas do culto a São Vito, em São Paulo, nos são fornecidas por um memorando sobre a festa, elaborado por um membro da colônia que participou ativamente dos sucessos relacionados à sua organização. Sendo imigrantes polignaneses, em São Paulo, receberam da sua cidade natal de Polignano a Mare uma imagem do seu patrono São Vito Mártir, que é comemorado em Polignano. Então, em 1903, no dia 15 de junho, comemoraram seguindo a tradição. No mesmo ano, dado o orgulho da
29 colônia, decidiram realizar também a procissão do Santo. Eles continuaram a comemorá-lo em 1904 e 1905. Uma comemoração tinha lugar na Rua Santa Rosa n. 1 (cortiço), esquina com a Rua do Gasômetro, que durante muitos anos serviu de base para os que chegaram em primeiro lugar. No dia 15 de junho, para celebrar o evento, um altar era improvisado onde se elevava a imagem de São Vito, para o qual os fiéis levavam flores e velas. Para este dia, as mulheres prepararam as especialidades da sua cidade de origem, para as oferecer às famílias que visitavam a festa. À tarde, realizava-se a procissão que percorria a Rua Santa Rosa do princípio ao fim; à noite, na zona toda iluminada por lanterninhas chinesas, soltavam-se fogos de artifício. Nas semanas que antecediam o dia 15 de junho, os voluntários recolhiam donativos dos conterrâneos, em dinheiro e objetos; estes últimos eram então leiloados e os proventos utilizados para as festividades e para pagar, por exemplo, a iluminação e os fogos de artifício. Mesmo se nessa altura ainda não houvesse uma comissão, os membros da colônia podiam fazer-se notar aos olhos da colônia, mostrando-se ativos no campo da organização ou generosos nas doações. De 1905 a 1912, São Vito continuou a ser celebrado por privados, nas suas casas ou nas cantinas da Rua Santa Rosa, mas não no cortiço, provavelmente porque não havia pessoas suficientes para assumir a tarefa de organizá-la, pelo menos de acordo com o que diziam.
Segunda fase – A festa dos jornaleiros e sua dimensão pública – 1912-1915
Em maio de 1912, a iniciativa foi retomada por um dos segmentos mais humildes da colônia, o dos jornaleiros, que se reuniram e decidiram proceder a um determinado programa semanal de poupança até o dia 15 de junho, para a realização da festa em louvor a São Vito Mártir. Essa medida dos vendedores de jornais encontrou ressonância na colônia, surgindo novos voluntários que somaram esforços e recursos para a realização do evento. Com o êxito da iniciativa de jornaleiros, a festa foi realizada em 16 de junho de 1912, como descrito no jornal Fanfulla, da comunidade italiana em São Paulo: A colônia de Polignano, Província de Bari, da qual fazem parte numerosos jornaleiros, nossos ativos colaboradores na venda do Fanfulla, festeja hoje, solenemente no Brás, a data de São Vito, protetor da amena cidade apuliana. A comissão nos comunica que a comemoração constará de missa cantada às 10 horas da manhã, na igreja do Brás, e de uma procissão. À noite haverá um concerto musical e são queimados vários fogos de artifício (Beni)
30 Naquela época, no último sábado que precedia a data da celebração, a mesma imagem do santo venerada nos festejos do cortiço da Rua Santa Rosa era levada à Igreja do Senhor do Bom Jesus do Brás. Nessa noite, a imagem era conduzida em procissão por toda a Rua do Gasômetro pelos membros da comissão e acompanhada por fiéis, até chegar à Rua Santa Rosa. As festividades eram realizadas em 15 de junho caso a data fosse domingo, senão ocorriam no domingo seguinte (em 1912, por exemplo, foi no dia 16 de junho). Terminada a festa, a imagem era devolvida a seu dono, Modesto de Lucca, que a trouxe da Itália e a quem a comunidade confiava sua guarda. O saldo da arrecadação dos festejos de 1912 foi enviado a Polignano a Mare para ser distribuído entre os veteranos da Guerra Ítalo-Turca. A festa de 1912 marca uma profunda mudança no evento, que deixa de ocorrer discretamente, como nos anos anteriores desde a primeira edição, e se torna reconhecidamente pública. Percebese também maior participação da colônia na organização e durante os festejos. Começa um sistema planejado por uma comissão, com a instalação de equipamentos especiais de decoração e uma programação mais ampla, introduzindo-se a celebração de missa cantada, concertos musicais e o prolongamento do trajeto da procissão. Integrar a comissão organizadora passa a ser desejo de outros componentes da colônia, dado o sucesso das comemorações. Agregar prestígio e ampliar o raio de influências nos negócios era uma contrapartida relevante. A comissão organizadora seguia composta basicamente pelos jornaleiros, que pertenciam a camadas mais humildes da colônia e obtiveram colaboração dos garrafeiros. Os membros mais abastados da comunidade (os cerealistas) mantinham um certo distanciamento e cooperavam apenas financeiramente para as comemorações. Porém, tanto os pobres quanto os ricos provinham de uma camada socioeconômica abandonada e eram vistos como meros coadjuvantes na vida pública de Polignano. Obter prestígio e visibilidade depois da ascensão social era significativo diante da sua comunidade de origem na Itália. Esse período levou as festividades a uma grande ascensão, que se interrompeu em 1915, com a suspensão dos festejos em decorrência da entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial. Alguns dados indicam que, nesse intervalo, foi comprado um terreno para a construção da primeira capela dedicada a São Vito, na Rua Álvares de Azevedo, no bairro do Brás.
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Terceira fase – As duas festas no pós-Primeira Guerra: a festa dos ricos e a festa dos pobres
Com o fim da guerra, em 1919, a celebração a São Vito foi realizada com imponência e a mesma fidelidade que caracterizaram o evento no ciclo anterior ao período de guerra. A festa continua a acontecer por iniciativa de imigrantes e descendentes, contando com a Igreja apenas como colaboradora para sua realização. Até 1918, a imagem utilizada nos cultos era a mesma de 1895. Contudo, nas festividades de 1919, depois de relutância da comissão organizadora, decidiu-se substituir a anterior pela nova. Após a realização dos festejos, o proprietário da nova imagem, tendo decidido retornar definitivamente à Itália, confiou a estátua do santo à guarda da Igreja do Brás, dando autorização ao vigário para entregá-la todos os anos à comissão, durante o período das celebrações. Essa decisão não foi aceita pelos membros mais pobres da comissão, por entenderem que isso desencadearia um processo de dependência das festividades ao conselho paroquial e, consequentemente, da própria Cúria Metropolitana. Em São Paulo, diferentemente da organização da festa italiana, a articulação da comissão se dava por iniciativa espontânea e popular, seguida da tentativa posterior de participação dos que tinham obtido ascensão econômica. O êxito das festividades começou a proporcionar mais prestígio à comissão organizadora. Os cerealistas “novos ricos” da colônia passam a reivindicar uma participação pessoal mais efetiva na organização, além dos donativos com os quais já contribuíam, de forma a conquistar afirmação social perante os patrícios. Soma-se a isso o fato de que, da mesma maneira que ocorria em Polignano a Mare, participar da comissão organizadora seria também uma forma de exibir lá sua ascensão social, além de representar uma distinção honrosa indicativa que já tinham ascendido economicamente. O desejo de participação de outros segmentos da colônia foi um aspecto marcante das mudanças na comissão e, consequentemente, na organização e realização da festa. Inicia-se uma disputa pela liderança da organização do evento. O interesse de jornaleiros e garrafeiros em manter o status quo pela comissão original e, por outro lado, a disputa dos ricos em integrar a comissão originaram dificuldades de interação e unidade de
32 propósito, gerando antagonismos insuperáveis que levaram à ruptura entre os grupos e a consequente divisão da organização em 1919.
As disputas e o papel da Igreja na organização da festa
Quando um dos grandes cerealistas da comunidade imigrante trouxe uma nova imagem de São Vito de Polignano, o pretexto para realizar a divisão já desenhada foi encontrado. O argumento em defesa de não se vincularem à Igreja era que, ainda que a festa fosse religiosa, deveria seguir a cargo da iniciativa popular. A polêmica ganhou enormes proporções, ao ponto de gerar a separação entre os grupos envolvidos na organização da Festa de São Vito. De um lado, havia o grupo dos pobres (jornaleiros e garrafeiros), liderado por Modesto de Lucca, que, mesmo mais abastado, tinha atividades econômicas ligadas a esse grupo, com o qual precisava manter seu destaque. Era também o guardião da imagem que ele mesmo trouxera da Itália. Para esses, o universo da colônia era o centro da atenção. De outro lado, havia o grupo dos ricos, que viam na liderança uma oportunidade de ampliar seus horizontes de acordo com suas ambições econômicas e sociais. Essa atitude diversa é demonstrada, por exemplo, na diversidade de opiniões sobre como utilizar o terreno adquirido pela comissão – enquanto os pobres desejam construir uma capela, os ricos imaginam implantar uma escola italiana. Há uma tentativa de convergência e conciliação entre os dois grupos. Os grupos não tinham reconhecimento legal e buscaram um entendimento nesse sentido, tendo após um longo período de debates chegado à definição de criação de duas sociedades distintas: a Associazone Beneficiente San Vito Martire Polignano a Mare, a associação “dos pobres”, e a Societá San Vito Martire della Colonia di Polignano a Mare, dos ricos. Ambas as instituições traziam em seu estatuto social a celebração dos festejos em honra do padroeiro, porém a Societá San Vito também se propunha a “proteger os associados pobres com assistência médica e jurídica – na medida do possível”. Houve disputa entre os dois grupos para que a publicação em Diário Oficial do estatuto de sua associação fosse feita antes do grupo oponente, porém ambos acabaram publicados na mesma edição, no dia 21 de outubro de 1919. Os jornaleiros, no entanto, que
33 recebiam as publicações em primeira mão, foram imediatamente ao tabelião e registraram a sua sociedade. Os ricos, algumas horas depois, foram ao mesmo cartório, porém a associação dos pobres já havia sido registrada e oficialmente teria como fim exclusivo a celebração anual de festas em honra ao santo. O fato de os pobres terem registrado primeiro sua associação parecia lhes fornecer exclusividade na promoção das celebrações, porém os ricos não se deram por vencidos e, em 1920, houve duas festas: “São Vito dos ricos” e “São Vito dos pobres”. Os festejos organizados pelos ricos eram mais elaborados, com mais apresentações musicais, fogos de artifício mais espetaculares e altos valores oferecidos ao leiloeiro oficial, o que aprofundou a cisão e inimizade entre os membros da colônia. Ao passo que a disputa dividia a colônia, ao ponto de serem celebradas duas festas, também acabou por enriquecer os festejos, permitindo a ampliação de seu público, a melhoria da programação e o aumento da devoção ao santo. O número de imigrantes e descendentes na cidade é crescente. Essa ampliação da festa atrai a atenção da Cúria Metropolitana, que comunica aos grupos seu reconhecimento oficial das festividades, incluindo a autorização ao grupo que fosse capaz de construir uma igreja ao Santo Protetor. Tudo indica que os ricos não demonstraram disposição para o empreendimento, de modo que os pobres aceitaram o desafio, obtendo, assim, reconhecimento e exclusividade sobre as celebrações. Em 1921, os ricos realizaram sua derradeira tentativa de realizar a procissão, que não ocorreu após intervenção de políticos influentes da época. A partir de então, eles se desinteressaram pela festa e de tomar parte na polêmica. Por outro lado, o compromisso selado pelos pobres com a Cúria gerou uma relação de dependência da Igreja – o que desejavam evitar inicialmente e que foi uma das causas do conflito e ruptura com o grupo dos ricos, apesar de ter garantido a eles a conquista definitiva dos direitos de realização da festa.
Quarta fase – o compromisso eclesiástico, a presença da gastronomia e da música
A partir desse momento, a comissão tem a responsabilidade de construir a capela e, portanto, redirecionar suas metas para a realização da festa que deve gerar receita através de suas atividades.
34 Em suas realizações posteriores, ela passa a apresentar aspectos mais modestos e econômicos, reduzindo a opulência nas apresentações musicais, ornamentações pomposas e espetáculos pirotécnicos. A introdução gradual de produtos da culinária de Polignano a Mare introduziu a atividade gastronômica na festa com objetivo em gerar receita. A construção da capela foi iniciada nessa época, em um terreno adquirido pela Associação na Rua Álvares de Azevedo. Durante a construção, os conflitos anteriores, entre ricos e pobres, vão se dissipando, e aos poucos os grupos se reúnem em torno de seu objetivo de devoção comum. Concluídas as obras, é enviada à colônia brasileira uma nova imagem de São Vito, como presente dos moradores de Polignano a Mare. Com a estátua colocada no altar-mor da capela, em substituição à trazida por de Lucca em 1895, e a finalização das obras, a capela se torna um ponto de confluência entre os representantes da colônia italiana. Nela são realizados frequentes cultos com a presença de personalidades da colônia, como industriais interessados em manter a simpatia da comunidade polignanesa, além de políticos que, com a ascensão do regime fascista, buscavam com isso reforçar o sentimento de “italianidade” do imigrante.
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Com a queda do regime fascista na Itália e a regulamentação das relações de trabalho no Brasil, esses grupos influentes vão se afastando da Associação e dos cultos, visto que sua presença era fruto de interesses políticos e econômicos que se extinguiram. A partir de 1920, os festejos são transferidos para a Rua Álvares de Azevedo, que passa a centralizar todas as programações festivas e religiosas. Assume a configuração da quermesse ocupando a rua diante da capela. A festa ganha ornamentação cuidadosa em todo o bairro, incluindo farta iluminação, barracas de sorteios e leilões de prendas variadas, como pequenas reproduções da imagem de São Vito, bonecas, utensílios domésticos, animais e sacas de cereais, ofertados por membros da colônia em geral e pelos cerealistas polignaneses. As ofertas são simbólicas de fé, considerando a crença de proteção de São Vito na retribuição de um ano próspero e fértil. Os que não tinham condições de doar prendas significativas ofereciam seu trabalho nas festividades. A venda de bilhetes para o sorteio de prendas era realizada por um grupo de moças solteiras pertencentes à Congregação Religiosa das Filhas de Maria, o que gerava um aspecto pitoresco, pelo assédio dos rapazes na tentativa de relacionamento e abordagem com as moças – tudo, claro, controlado de perto pelas mães, que, embora ocupadas no interior das barracas, não perdiam as filhas de vista.
36 As comemorações, como se vê, foram assumindo caráter social para além do religioso, funcionando como agente de comunicação e aproximação dos membros da comunidade. O ambiente festivo também era enriquecido pelas canções italianas e barracas de pratos típicos polignaneses, o orechiette al sugo, a ghimirella, a ficazza e a ficazzella, amplamente buscados e disputados entre os visitantes da festa. Nesse período, os festejos têm início no primeiro sábado de junho e se estendem por todos os fins de semana do mês. A missa solene, a procissão e a queima de fogos são realizados no domingo subsequente ao dia 15. A cada ano, a festa ganha novos elementos de animação, como concursos de banda, desafio de cantores italianos, apresentações artísticas de música clássica e popular, danças típicas e folclóricas de Polignano. A presença da música é mais marcada e a apresentação de bandas musicais seguem a tradição existente na cidade de Polignano, na qual a qualidade é reconhecida em toda a região. Esse florescimento e consolidação da festa seguem até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, quando as comemorações são praticamente desativadas pelas próprias sanções impostas pelo governo, que proibiam reuniões sociais de cidadãos pertencentes aos países do Eixo, com os quais o Brasil, como país aliado, estava em guerra, permanecendo apenas as comemorações exclusivamente religiosas, com a procissão e queima de fogos.
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Quinta fase – o hiato da Segunda Guerra Mundial
A respeito desse período, Modesto Gravina, presidente da ABSVM até 2019, conta: Nós tivemos uma outra passagem muito triste, que foi na época da Guerra. A Guerra foi muito triste, porque o governo brasileiro tomou dos alemães, dos japoneses e dos italianos toda e qualquer propriedade, o edifício Itália foi devolvido há pouco tempo para os italianos, mas foi confiscado pelo Governo brasileiro. O clube Esperia teve que mudar o nome para Floresta, porque era um nome italiano, “Esperia”, que significa remador, lá da Itália, eles tiveram que mudar. O Palmeiras era Palestra Itália, tiveram que mudar, e o São Vito não mudou. Por que o São Vito não mudou? Porque o presidente da São Vito era brasileiro, Miguel Gravina. Ele havia nascido aqui. Eu fui ver meu pai no DOPS. Ele estava sendo interrogado pelo advogado, pelo delegado. O delegado disse assim: “Como é que o senhor me diz que não é uma comunidade italiana, se é São Vito “Mártire”?” Ele falou: “Doutor, deve ter sido um engano de quem escreveu, foi um “e” que veio a mais”. Ele riu e falou, dessas palavras eu não me esqueço: “Seu Miguel, não menospreze a inteligência dos outros. Faça de conta que eu não ouvi, mas tudo bem, o senhor está liberado, pode ir”. E a igreja de São Vito, a Associação São Vito continuou com o nome “Associação Beneficente São Vito Mártir”, mas ela era realmente São Vito “Mártire”
38 Apesar da suspensão das festividades, registram-se fatos muito relevantes nesse período, como o decreto canônico da paróquia de São Vito Mártir, em 16 de junho de 1940, que teve como consequência a designação do primeiro vigário, Padre Carlos Simões da Rocha. Quatro anos depois, em 27 de maio de 1944, foi lavrada escritura pública de transferência da posse do terreno onde estava construída a capela para a Cúria Metropolitana, a fim de contar impedimento legal de grupos de estrangeiros (no caso, a Associação de italianos) deterem bens imóveis em território brasileiro. No mesmo ano, em 22 de outubro, a Associação lança o projeto de construção de uma nova igreja. Citando ainda Modesto Gravina: E o projeto do meu pai (Miguel Gravina) era uma igreja, um prédio de cinco andares. Primeiro tiveram que comprar um terreno ao lado para ampliar o terreno, só que aí estourou a guerra. Eles não puderam fazer a escritura desta casa velha, com esse terreno, em nome da associação. Então, para poder dar sequência à obra, tiveram que passar essa escritura gratuitamente para a Mitra de São Paulo, para a Arquidiocese. Por isso que a Mitra é proprietária de 50% da igreja, porque eles compraram e tiveram que passar por eles serem uma colônia italiana e não tinha como fazer isso. Muito bem, e por que este prédio? O papai já previa, já estava vendo que várias famílias desses fundadores foram crescendo, e os filhos desses também foram crescendo, inclusive ele, meu pai. E já estavam até partindo para uma segunda, terceira geração, e vinham os filhos dos filhos. Então, na época, ele pensou: “Temos que dar uma atividade profissional para esses moços, para esses jovens que estão aqui no Brasil”, dentro da política e da estrutura brasileira. E o que tinha na estrutura brasileira? No primeiro andar, logicamente, ele montou uma escola de corte e costura, que era o ideal para menina naquela época, imagina, saber bordar, saber costurar e viver da coisa, viver da costura mesmo, né? No segundo andar, pros rapazes, datilografia. “Ah, que orgulho, o meu filho bate à máquina!”. Coisa linda, imagina, como hoje você tem o computador, e assim por diante. No outro andar, ele pensou na área da saúde. Pensou na área da saúde, inclusive eu já estava participando muito, eu é que fui comprar o divã, fui comprar a mesa ginecológica, comprei o armarinho de vidro.
Há um processo de destituição de direitos dos polignaneses sobre a festa enquanto patrimônio cultural e patrimonial relativo à transferência de propriedade da Igreja e dos recursos econômicos que serão gerados pela festa. Esse será dado embrionário de desgaste nas relações da Associação São Vito e a Igreja, com desdobramentos futuros. A igreja era uma capelinha, né? Uma capelinha pequena, que era muito bonitinha, depois veio um padre aí e cismou que tinha que derrubar, que tinha que fazer maior, e a gente ajudava a carregar os tijolos da igreja pra eles construírem. Aí fizeram essa igreja grande. (Matilde)
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Sexta fase – o renascimento pós-Segunda Guerra A Festa de São Vito é retomada no período pós-guerra com a mesma vitalidade que já possuía. A imigração de polignaneses na cidade de São Paulo continuava nesse período motivada pelas instabilidades que o pós-guerra provocou na Itália, em particular na cidade de Polignano. À colônia se agregavam novos integrantes que reconheciam seus valores, religiosidade, hábitos, costumes e culinária reproduzidos com fidelidade em São Paulo. Aderiram, portanto, aos festejos. A Associação, à época presidida por Miguel Gravina, intensificou as celebrações, que se tornaram ainda mais animadas, com a incorporação de coral na missa e a realização de paradas na procissão para leilão do direito de carregar o santo pelo trecho seguinte (sendo o trecho final o mais concorrido). A finalização da festa contava com a disputa no pau de sebo, atraindo multidões vindas de toda a cidade. À noite, as queimas de fogos encerravam o período de festa. A popularidade dessas manifestações fez com que se solicitasse a atribuição do nome de Praça São Vito para o largo que ficava entre a Rua Ceres, a Rua Santa Rosa, o Palácio das Indústrias e a margem direita do Rio Tamanduateí, que foi aceita pelas autoridades.
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42 Nos dias de festa, a rua é decorada e as barracas comercializam pratos típicos e jogos. O clima é de alegria. Quando nós começamos, era na rua. Propriamente quando começou a festa, a gente não trabalhava, que eram só três dias de festa, então não era esse negócio de comida, essas coisas, sabe? Era um pipoqueiro, um vendendo salsicha, vendendo doce, né? Aí depois como fizeram a Santa Rosa, que era de movimento, então não podia fazer mais essa festa na rua Santa Rosa. Aí nós começamos a fazer na rua da igreja. Pegava a esquina da rua Santa Rosa com a esquina da rua da Alfândega, da rua do Lucas e fazia lá, mas eu comecei trabalhar de lá. Eu trabalhava numa barraca que eles faziam vinho quente, quentão, a gente vendia doce, vendia empadinha, tudo essas coisa. Depois começou esse negócio de guimirella, eu comecei a trabalhar na guimirella, então foi subindo, foi subindo, até a gente conseguir isso. Meu marido é velho daí de trabalhar daqui, muito mais anos do que eu. É, e assim que foi feito a nossa vidinha italiana. (Matilde)
Quando eu vim trabalhar aí, eu trabalhei mais na parte de doce. Aí eu inventei de fazer a torta de ricota, cortar em pedaços, fazer outros doces. Aí nós arrumamos as pessoas que faziam a piccicatella doce, a salgada, o amaretto. A gente foi se virando. Arrumei a pessoa pra vender os doces, que foi seu Pereira, que também já faleceu, e ele fornecia pra gente. E a gente arrumava algum tipo de patrocinador, né? E aí foi indo assim. (Lucrecia Fanizzi) Eu abri uma barraca: do coelho. Que o dono da barraca tinha falecido, aí eu fiquei com a barraquinha do coelho. Era gostoso. Tinha cinquenta casinhas e o coelhinho no meio. A gente pegava a casinha dele, punha ele no meio, a gente levantava a casinha e ele corria nas casinhas, sabe? Era divertido porque só vinham ali, ficava cheio, cheio. A casinha era numerada, e o bilhetinho era vendido, e a casinha que ele entrava, a pessoa ganhava a prenda. A casinha era numerada, e o bilhetinho era vendido, e a casinha que ele entrava, a pessoa ganhava a prenda. A gente não via a hora de começar, quando começavam a pendurar os enfeites. A Santa Rosa, a Rua Santa Rosa começava a ficar cheia daqueles paus...
43 Eu não brincava na festa, ficava trabalhando. Pensava nos enfeites que tinha que fazer, tinha que numerar os bilhetinhos que às vezes o pessoal guardava para outra rodada, então eu numerava tudo os bilhetes. Não podia deixar de numerar. Trabalhava muito, muito mesmo. Levava dinheiro para casa, falava, punha do meu bolso. Porque a gente marcava a série, os números, né? E levava para casa para contar, porque não dava tempo lá, que acabava às vezes meia-noite, uma hora. (Angelina)
Durante a gestão de Miguel Gravina, a nova igreja é construída. É integrada a um prédio, ocupa seu nível térreo e possui nos andares acima o salão na qual ocorriam jantares fechados durante a festa, uma área acima destinada à instrução de jovens da colônia (datilografia, português etc.), área de lazer e, na cobertura, a residência do vigário.
A arrecadação de fundos para a construção da nova igreja, além dos ganhos obtidos em quermesses, dava-se também por meio de doações e do leilão que ocorria nas procissões da Festa de São Vito. Aqueles que doavam dinheiro tinham direito a carregar o andor do Santo. A verba era através das procissões. Então, a procissão de São Vito era uma coisa que também era muito folclórica, muito típica da região. Tinha o trajeto aqui do bairro para fazer isso. Esse trajeto era dividido em três etapas.
44 (…) O pessoal todo aqui do bairro, então, juntavam-se 4 indivíduos, carregava-se o andor, chegava nesse determinado ponto, parava a procissão e vinha o segundo lance. Esse segundo lance vai da rua, da rua aqui em que nós estamos até a rua tal, da esquina de tal. Então, chegava nesse outro local, fazia-se o terceiro e último lance: “Esse aqui, sai daqui e vai pra igreja”. O pessoal pagava mesmo. E como, porque o que acontecia nesse terceiro e último lance? A vaidade. A vaidade daqueles imigrantes que já tinham conseguido um lugar ao sol, economicamente falando. E não era uma família, não, eram duas, três, quatro famílias que se degladiavam com essa vaidade de demonstração de força econômica, e ficavam naquele debate. Eram sempre os mesmos. Porque, nesse último lance eles entravam com o santo na igreja, e entrando com o santo na igreja tinha a banda tocando assustadoramente, os jornais batendo fotos, e fogos espocando, então pra eles era motivo de muito orgulho. E uma coisa também deve ser dita, que isso eu também assisti bastante. Terminava, o santo entrava na igreja, o padre fazia a missa, terminava a missa, no mesmo momento, essas pessoas responsáveis por esses lances iam numa salinha ao lado e pagavam. (…) Além disso, o santo levava uma fita em que eram feitas doações durante o trajeto. Então qualquer pessoa que podia parava e oferecia, por exemplo, uma nota de dez reais. Parava a procissão, descia o santo, tinha duas, três, quatro, cinco pessoas já com uma almofadinha com alfinetes, davam o alfinete para a pessoa, e a pessoa mesmo colocava na fita e ia embora. Então, a fita ficava lotada, isso que foi. Isso foi o dinheiro que se arrecadou pra se fazer a igreja. E era uma coisa que também meu pai sofria muito. Toda vez ele dizia: “Meu filho, eu não me conformo que eu tenha que leiloar um santo. Um santo!” “Mas o que é que eu vou fazer? O santo que me perdoe, mas é a única forma que eu tenho de angariar fundo pra fazer isso”. Tudo bem, então foi feita a igreja, foi feito tudo. Depois, houve a campanha de doação dos altares. O altar-mór da igreja de São Vito foi doação do Conde Francisco Matarazzo. A primeira etapa saía da igreja e parava na esquina da Rua Santa Rosa, bem lá, no Largo aqui. Então, convidava-se, fazia-se um leilão. Quatro pessoas para carregar o andor. Então, esse trajeto seria daqui, da esquina da rua Santa Rosa até a Rua Benjamim com a Rua da Alfândega.
Em 1964, com o falecimento de Miguel Gravina, grande líder da Associação nesse período, a intensidade dos festejos começa a se reduzir. A diretoria que o sucede começa a enfrentar
45 problemas com a sistemática intervenção da Igreja. Além disso, não consegue despertar o mesmo entusiasmo e participação da colônia, que à época já havia, em boa parte, deixado de residir no bairro do Brás há muito tempo. As novas gerações também demonstram menos interesse e devoção, com aspirações e atividades que transcendem os limites da colônia. Nesse contexto, as reuniões da Associação se esvaziam e ela acaba por ser desativada. Com isso, a realização da festa se torna compromisso do vigário da Paróquia de São Vito, fato que desagrada aos remanescentes. Passados mais de 50 anos da chegada dos primeiros imigrantes, os polignaneses já fixados e com sucesso econômico se deslocavam do bairro e assumiam as terras paulistanas como lugar de permanência. Novas gerações nascem e têm interesse em se integrar ao seu ambiente enquanto brasileiros. O dialeto que ainda era falado por seus pais ou avós é uma língua distante. Os costumes e a religiosidade, embora persistentes, começam a se tornar abstrações vazias de sentido para terceiras e quartas gerações de descendentes.
Sétima fase – a retomada e o reconhecimento da festa como evento de animação na cidade de São Paulo
A ausência de uma liderança carismática e marcante como Miguel Gravina para manter a Associação ativa se mantém até 1979, quando surge o desejo na colônia de reativar as atividades da Associação e as comemorações em honra a São Vito. Essa liderança é encontrada em Modesto Mastrorosa, bem-sucedido empresário da colônia e que tem êxito em reativar a Associação e as comemorações, reunindo uma nova equipe ao seu redor. O empreendedor e empresário polignanês, visto como um fiel cultuador das tradições de sua região, se dedica com afinco ao lançamento da “nova” Festa de São Vito. Usa estratégias estabelecendo ampla campanha publicitária em jornais e televisão, com o objetivo divulgar a festa e motivar patrocinadores. Mastrorosa inaugura uma nova etapa na vida da Associação e das celebrações, que adquirem caráter mais empresarial, com comunicação mais moderna e nova distribuição de atividades para a equipe organizadora.
46 Os festejos seguem no mesmo modelo anterior, ganhando novos elementos de animação e pratos típicos, como ficazzella, ficazza, guimirella e novos doces. Com excelentes resultados nesse ano, a Associação procura, pela primeira vez, apoio oficial para a realização da festa a se realizar no ano seguinte. Mastrorosa, à época, era também presidente da Associação Brasileira de Agentes de Viagem (ABAV), da qual foi fundador, o que o aproximava da área institucional de turismo. Ele pede o enquadramento da Festa de São Vito no “Programa de Animação da cidade de São Paulo”, instituído naquele ano pela Paulistur. Após análises, a Paulistur acata a solicitação, inserindo a festa nos calendários nacional e estadual de eventos e solicitando à Prefeitura a alteração do nome da Rua Álvares de Azevedo para Polignano a Mare, em homenagem à colônia. De certa forma,
assinala no território novamente a sua presença cultural.
Na preparação para a próxima festa, a Paulistur se encarrega da infraestrutura, fornece equipe, oferece apoio operacional e para a divulgação da festa com cartazes, faixas, releases para mídia impressa e para emissoras de rádio e televisão. A Paulistur solicita, ainda, a cessão de um terreno da prefeitura, na Rua da Alfândega, onde constrói um palco central para os shows artísticos e para onde transfere as barracas que se distribuíam ao longo da antiga Rua Álvares de Azevedo. Já a comissão organizadora distribui as funções de seus colaboradores, que organizam a rotina nas barracas e são responsáveis, de forma autônoma, por seus suprimentos e donativos, prestando contas à comissão posteriormente. É o momento em que a festa se separa fisicamente da Igreja que voltava a dividir então a tutela da festa com a Associação São Vito.
47 O Seu Modesto Mastrorosa sempre foi um homem de atividade muito grande. Ele foi presidente da ABAV, de agência de viagens, foi presidente do Juventus, muito tempo. Ele foi o segundo agenciador de viagens aqui em São Paulo, que era a agência central. Então, ele tinha uma atividade própria. Ele, através dos conhecimentos políticos, tal, não sei o quê, ele conseguiu arrumar este espaço aqui da Associação São Vito, na Fernandes Silva. Já não estava mais sendo possível fazer as quermesses na rua porque a gente estava sendo/eles estavam sendo muito agredidos com esses arrastões que vinham. Terminava a Festa, juntava uma turma de 40, 50 desses desocupados e avançavam em cima das barracas, levavam dinheiro, levavam tudo, levavam inclusive os pertences das pessoas que estavam lá. Aí o Seu Modesto conseguiu um comodato nesse espaço aqui para poder fazer a festa aqui, e não mais na rua. Que aí ele cercou com um muro, e aí pra entrar aqui você tinha uma seleção de pessoas que poderia entrar aqui. Mas para ele fazer isso, ele teve de assumir um compromisso de fazer a creche. Compromisso com a prefeitura. A prefeitura cedeu o terreno, mas eles tinham que fazer uma creche, e foi a obra que o Seu Modesto Mastrorosa fez. Isso demorou muito tempo também, foi um trabalho muito, muito árduo, porque enquanto ele estava fazendo aqui isto, ele tinha também que sustentar a igreja, toda a igreja. Ele reformou toda a igreja. Duas ou três festas de São Vito realizadas aqui foram só para reforma da igreja, até acabar de fazer essa creche, e tudo mais.
A autonomia conferida às barracas estimula seus participantes a buscarem o melhor resultado, o que contribui para o êxito total. Observa-se um enriquecimento das tradições relatadas anteriormente, tornando vívida a cultura polignanesa em plena metrópole de São Paulo. A adoção de elementos cerimoniais da festa tal qual aconteciam na sua cidade de origem é reforçada como traço cultural identitário. Cria-se, por exemplo, a cerimônia de entrega da chave da cidade a São Vito, que irá governá-la simbolicamente durante todo o mês de junho, e o leilão do direito de carregar o santo é reintroduzido. Os hinos nas procissões são cantados no dialeto italiano local de Polignano, o que revela a conservação de uma tradição que se cristalizou, sem ser alterada pelas diversas mudanças nas celebrações. A quermesse assume novo aspecto, ainda mais colorido, festivo e ornamentado, com a adição de novas opções de pratos típicos, uma das mais concorridas atrações da festa, e nova seleção de atrações musicais predominantemente tradicionais da Itália Meridional. Uma das mais marcantes é a “Comedia Dell’Arte”, cujas personagens Colombina, Polichinelo e Passariello percorrem a festa animando e interagindo com o público, tal qual acontece nas ruas de Nápoles. Com a introdução desses elementos, associados à aplicação de meios de divulgação de massa tradicionais, como panfletos, cartazes e faixas, completa-se a modernização do evento, que transformou um ato de
48 louvor religioso, de caráter familiar e de grupo, em uma manifestação religiosa de grande escala, onde o componente social de animação da cidade se sobrepuja a seus motivos de origem. Ao contrário do que acontece com a transplantação de tradições, que facilmente se esvaziam, perdendo conteúdo, a Festa de São Vito não teve deturpações, sendo acrescida de outros elementos tradicionais que nem sempre tiveram oportunidade de expressão e manifestação, muitas vezes em virtude do posicionamento da Cúria Metropolitana. A festa como culto às origens renasce atendendo ao papel a ela atribuído enquanto tradição. À medida que o bairro do Brás entra em processo de descaracterização em relação à sua formação original, observa-se que os participantes da festa já não pertencem a um segmento da população com características homogêneas. Apesar dessa dispersão, a colônia polignanesa se vê motivada a preservar as tradições do local de origem, em especial a Festa de São Vito, que lhes permite se reunirem, ao menos uma vez ao ano, para celebrarem sua cultura e tradição. Até os primeiros anos da década de 1980, participar da Associação Beneficente São Vito Mártir e, consequentemente, da comissão organizadora dos festejos conferia prestígio social junto à colônia polignanesa. A festa seguiu com características empresariais, onde era possível observar a departamentalização das atividades, a manutenção da hierarquia e um esforço para viabilizar o patrocínio das atrações artísticas do evento. A festa adquire grandes proporções; é uma atração da cidade de São Paulo incorporada ao Programa de Animação da Cidade, ganha visibilidade pública por meio de estratégias de comunicação e interesse de patrocinadores e, portanto, gera recursos econômicos.
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Oitava fase – a consolidação da festa
Em um galpão coberto, com condições de infraestrutura para atendimento de grande afluxo de visitantes, fluxo de trabalho organizado e campanhas de comunicação, a festa ganha um diferencial diante do público e de futuros apoiadores e patrocinadores.
50 Esse modelo de atuação se coloca muito mais tarde como referência para as outras festas italianas na cidade. Foram incorporadas no calendário de eventos da cidade de São Paulo, ampliaram suas estratégias de comunicação e adotaram espaços cobertos ou fechados para acontecerem. Nos anos que se sucederam, ela ganhou um impulso significativo, reagregou a colônia em torno de si e atraiu a atenção de toda a população da cidade. Aumentou seu alcance, recebendo excursões vindas de cidades do interior do Estado de São Paulo. Sob a tutela de seu presidente Mastrorosa, extrapolou o seu sentido religioso e reforçou as referências ligadas à memória da sua cidade de origem e à identidade de imigrantes e descendentes. Ocupando espaço físico independente da Igreja, a festa se consolida enquanto evento social e de lazer. O compromisso da criação de uma creche para atendimento público também alargou o alcance do serviço social pretendido inicialmente por seu antecessor na construção do prédio da igreja. A creche deveria atender à comunidade local. A integração ocorre em simultaneidade ao reforço identitário do polignanês. As atividades propostas para o prédio da igreja nunca conseguiram se efetivar de forma consistente. A nova sede da Associação era novo ponto de convergência para as relações sociais da colônia.
51 Ainda citando o Sr. Modesto Gravina: Muito bem, uma fez feita essa creche, ele não conseguiu mais colaborar com a igreja. Então, como é que fazia? A festa era realizada, mas tinha que terminar a creche. Era este o objetivo principal, era fazer a creche. Aí começou então a ter um desentendimento da Associação com a Mitra. Os padres que vinham se achavam prejudicados porque não recebiam nenhum percentual do lucro que a festa tinha dado. E o Seu Modesto ainda ajudou muito tempo, só que chegou num ponto, quando a creche ficou pronta, que não deu mais. Ou ele se dedicava à creche, ou então ele tinha ainda que dar verba para esse pessoal. Com isso, foram se alterando os ânimos, foi havendo desentendimentos, até que o padre que estava aí andou fazendo umas coisas erradas, e tudo mais, e fez com que o cardeal na época fechasse a igreja.
Com o fechamento da igreja, as atividades paralelas exercidas no seu prédio também cessaram. Houve um período de disputas pelos recursos econômicos sobre a arrecadação da festa, chegando a uma condição litigiosa e providências jurídicas tomadas pela Cúria Metropolitana. Diante de tal impasse e considerando injustas as investidas da igreja sobre a Associação, Modesto Mastrorosa encontrou uma solução: registrar os direitos do nome da Festa de São Vito em favor da ABSVM.
Os direitos sobre a arrecadação da festa passaram a ser exclusivos da Associação e a Igreja permaneceu muitos anos sem realizá-la.
52 Dessa forma, a festa passou a ser completamente autônoma, embora seus participantes não perdessem sua religiosidade. No início do século XXI, Modesto Mastrorosa percebeu estar no fim da vida e convocou o filho de Miguel Gravina, Modesto Gravina, a assumir a presidência da Associação São Vito e, consequentemente, o compromisso de manter a festa e a creche, cuja obra já estava finalizada nessa ocasião. Numa situação já consolidada, a festa se manteve. Ocorre com a frequência anual de oito fins de semana, começando em meados de maio e finalizando na primeira semana de julho. Desde 1960, não há imigração polignanesa considerável dirigida a São Paulo em comparação com suas grandes levas do fim do século XIX e do período entre e pós-guerras. São poucos aqueles que são italianos natos, mas são muitos os seus filhos e netos. Apesar de todos os esforços na manutenção das tradições ligadas aos períodos anteriores, há descompasso entre as manifestações típicas na cidade e o seu significado. O caráter empresarial adquirido pela festa, a meta de manutenção da sua creche, o distanciamento dos jovens descendentes e o desaparecimento das últimas gerações de imigrantes italianos na cidade tornam suas manifestações cada vez mais inclinadas ao estereótipo, o chamado típico. A culinária passava a ser seu atrativo central. Para o preparo dos pratos típicos, um grupo de mulheres voluntárias trabalhava nos dias anteriores à festa. Geralmente de famílias de imigrantes ou descendentes, elas conheciam bem as receitas tradicionais, exercendo um papel central no sucesso da festa. Embora os papéis administrativos ainda fossem delegados aos homens, as mammas passaram a ganhar visibilidade no evento, reforçada por estratégias de marketing. Foi criado um logotipo que acompanha o brasão da festa em referência a elas. Almoços oferecidos semanalmente são
53 propostos como meio de obtenção de recursos para a manutenção da Creche São Vito. Essa rotina se manteve até 2020, quando todas as atividades foram interrompidas pela crise sanitária gerada pela COVID-19. A igreja repropôs sua festa em 1996, sob o nome Festa de São Vito de Rua, com características muito diversas. Manteve-se até 2020, quando foi interrompida pelos mesmos motivos.
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RECEITAS
“Fava e foglie” •Ingredientes•
1 kg de fava seca e limpa 200 ml de azeite de oliva extra-virgem 1 maço grande de catalunha (“catalogna”) 400 g de pão francês amanhecido, cortado em cubos pequenos Sal
•Modo de preparo•
Coloque a fava num caldeirão e adicione água suficiente para ficar 5 cm acima dela. Cozinhe em fogo médio, mexendo constantemente com uma colher de pau comprida, até que a fava amoleça e comece a desmanchar-se. Acrescente mais água quente – se necessário - e continue mexendo até que o cozido resultante se transforme num creme homogêneo, sem nenhum grumo (caroço). Tempere com a metade do azeite de oliva e um pouco de sal. Continue mexendo até que o tempero esteja incorporado ao creme. Tire do fogo e reserve. Lave bem as folhas de catalunha em água corrente. Escorra e corte as folhas em pedaços de aproximadamente 2,5 cm de comprimento e cozinhe-as em água abundante e sal até que amoleçam. Escorra e misture-as ao pão amanhecido.
55 Acrescente o restante do azeite de oliva e mexa bem. Adicione a mistura resultante à fava cozida e mexa tudo muito bem com a colher de pau, até que todos os ingredientes estejam totalmente incorporados, formando um mingau homogêneo. Prove e corrija o sal, se necessário. Sirva em seguida.
Salada de pepinos (6 pessoas) Ingredientes:
4 pepinos grandes; 100 ml de azeite de oliva extra-virgem; 50 ml de vinagre de vinho branco; sal e pimenta-do-reino a gosto.
Preparo:
Descasque os pepinos e corte-os em rodelas finas. Coloque-as numa saladeira e tempere com o azeite de oliva, o vinagre, o sal e a pimenta-do-reino.
Salada de cebolas (6 pessoas) Ingredientes:
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3 cebolas grandes; 100 ml de azeite de oliva extra-virgem; 25 ml de vinagre de vinho tinto; sal a gosto; azeitonas pretas para decorar.
Preparo:
Descasque as cebolas e corte-as em rodelas finas, quase transparentes. Desmanche as rodelas em anéis, arrume-as numa saladeira e tempere com o azeite de oliva extra-virgem, o vinagre e o sal. Decore com as azeitonas pretas.
Pimentões fritos Ingredientes:
3 pimentões verdes médios; 3 pimentões vermelhos médios; “olio di sansa di oliva” ou óleo vegetal suficiente para fritar os pimentões; azeite de oliva extra-virgem a gosto; 2 dentes de alho bem picados; sal a gosto.
Preparo
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Com a ponta de uma faca de cortar legumes (faca pequena) corte cuidadosamente em volta do cabo dos pimentões e descarte-o. Retire as sementes do interior dos pimentões, lave-os e sequeos com um pano de prato ou toalha de papel. Frite-os até que a casca se solte. Reitire a casca, corte os pimentões em tiras e tempere com o azeite de olliva extra-virgem, o alho e o sal.
“Pezza dolce” •Ingredientes do recheio•
500 g de ricota fresca 8 ovos grandes (aproximadamente 500 g) 500 g de açúcar 1 colher de sopa de canela em pó 1 colher de sopa de raspa de limão Algumas gotas de limão
•Ingredientes da massa•
farinha de trigo e manteiga suficientes para untar; 1/2 kg de farinha de trigo; 2 ovos; 100 ml de azeite de caroço de oliva (“olio di sansa di oliva”); uma colher de chá de bicarbonato de amônio, dissolvido em 100 ml de leite morno; canela em pó para polvilhar.
58 •Preparo do recheio•
Passe a ricota pelo processador manual, usando o disco com furos maiores. Reserve. Separe as claras das gemas. Reserve as claras. Na batedeira, bata as gemas e o açúcar até branquear. Adicione a canela e a raspa de limão e bata até incorporar. Despeje a ricota ralada e misture tudo com uma colher de pau até incorporar.
•Preparo da massa•
Unte uma forma de fundo destacável e com 30 cm de diâmetro com manteiga e farinha de trigo. Despeje a farinha numa tigela grande, formando um monte. Faça uma cova no centro dele. Quebre os ovos dentro da cova e despeje sobre eles os ingredientes líquidos restantes. Mexa ligeiramente os ovos e os ingredientes líquidos com um garfo, trazendo um pouco da farinha por cima deles, até que não estejam mais líquidos. Com as mãos, junte as beiradas do monte de farinha sobre os líquidos, Trabalhe a massa, usando as pontas dos dedos, até obter uma mistura uniformemente integrada. Separe 1/3 da massa, forme uma bola e enrole-a num pano úmido. Reserve. Abra os 2/3 restantes da massa com um rolo, até chegar a uma espessura de aproximadamente 2 mm. Forre o fundo e as laterais da forma com essa massa, cortando o excesso na sua beirada. Abra o 1/3 da massa na mesma espessura e, com uma carretilha, corte-a em tiras de aproximadamente 1 cm de largura. Bata as claras em neve e acrescente algumas gotas de limão para aromatizar a ajudar a coagular. Misture-as delicadamente ao recheio. Despeje tudo dentro da massa enformada. Arrume as tiras de massa sobre o recheio, fazendo com que se cruzem, formando losangos. Polvilhe açúcar sobre as tiras e o recheio. Asse em forno a 180ºC por aproximadamente 45 minutos ou até que o recheio esteja firme e as tiras, douradas.
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Ragu bugiardo Ingredientes:
1 ramo de manjericão; 2 Kg de tomates; 1 cebola grande, cortada em cubos pequenos; 100 a 150 g de ricota “asckuande” ou queijo gorgonzola; Azeite de bagaço de oliva (“olio di sansa di oliva”) ou óleo de milho; Sal a gosto.
Preparo:
Lave os tomates em água fria. Corte-os ao meio no sentido do comprimento. Coloque-os numa panela. Cubra-os com água e cozinhe-os por 10 minutos com a panela tampada. Coloque-os no processador manual, usando o disco com furos maiores. Passe por ele os tomates com seus sucos, transformando-os num purê. Numa panela funda, aqueça o azeite ou o óleo. Doure a cebola. Acrescente os tomates e o manjericão. Cozinhe pelo tempo necessário para que o molho não fique nem muito grosso nem aguado e conserve o frescor e o adocicado do tomate sem o sabor da fruta crua. Corrija o sal e finalize acrescentando a ricota ou o queijo.
Amaretto Ingredientes 1 kg amendoim 400 gr de açúcar comum 5 ovos inteiros
60 1 colher (sopa) de canela em pó 1 colher (sopa) de café em pó 2 colheres (sopa) de essência de amêndoas 1/2 cálice de anizette ou Sambuca Romana Açúcar para passar nas bolinhas
Mode de fazer Torrar 1/2 kg de amendoim e manter 1/2 kg cru. moer tudo junto. Misturar todos os ingredientes ao amendoim moído até ficar uma pasta firme. Fazer bolinhas e passar no açúcar. Colocar em uma assadeira untada e levar ao forno (180) por aproximadamente 15 minutos.
Ficazza 2 porções Ingredientes da massa: • 250 ml de água morna • 3 batatas médias • 1 k de farinha de trigo • 2 tabletes de fermento biológico • 1 colheres (sopa) de sal
Ingredientes da cobertura: • azeite de oliva • 3 tomates maduros, mas firmes, cortados em rodelas finas • sal e óregano a gosto
61 Preparo: Cozinhe as batatas com casca e passe-as no espremedor. Misture a farinha com as batatas – abra uma cova na farinha e coloque a batata espremida dentro. Acrescente a água, o sal e o fermento. Trabalhe a massa até que ela esteja homogênea e não grude mais na mão. Unte duas formas redondas de 30 cm de diâmetro. Divida a massa em duas porções iguais e forre o fundo das formas com a massa, deixando aproximadamente um cm de espessura. Corte os tomates em rodelas finas e coloque sobre a massa. Deixe a massa descansar por aproximadamente uma hora. Misture o orégano e o sal e polvilhe sobre os tomates. Regue com azeite de oliva. Asse em forno médio por aproximadamente 45 minutos.
Dica – coloque uma bolinha feita com a massa em um copo de água. Quando a bolinha subir à superfície, a massa já está pronta para ir ao forno
Panzerotti ou ficazzella ( para 10 pessoas ) Ingredientes da massa:
• 250 ml de água morna • 3 batatas médias • 1 k de farinha de trigo • 2 tabletes de fermento biológico • 1 colheres (sopa) de sal Ingredientes do recheio:
62 • azeite de oliva • 4 tomates cortados em cubos (300 g) • 400g de mussarela cortada em cubos • sal e óregano a gosto. Preparo:
Cozinhe as batatas com casca e passe-as no espremedor. Misture a farinha com as batatas – abra uma cova na farinha e coloque a batata espremida dentro. Acrescente a água, o sal e o fermento. Trabalhe a massa até que ela esteja homogênea e não grude mais na mão.
Em um recipiente faça o recheio misturando o tomate, a mussarela, o óregano, o sal e o azeite.
Faça bolas de massa que, depois de aberta, forme discos de aproximadamente 15 cm. Recheie, feche e frite.
A massa da ficazzela é a mesma da ficazza. Esse tipo de preparo só era possível a quem tinha grande quantidade de azeite disponível para a fritura. Assim, faziam-na também assada, aproximando-se do panzerotti.
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Orechiette (10 pessoas)
Ingredientes:
250 g de farinha de sêmola “di grano duro”; 750 g de farinha de trigo branca; 1 ovo; 1 colher de sopa de sal; 375 a 500 ml de água, Preparo:
Despeje as duas farinhas numa tigela grande, formando um monte. Faça uma cova no centro dele. Quebre o ovo dentro da cova e despeje sobre ele metade da quantidade de água. Mexa ligeiramente o ovo e a água com um garfo, trazendo um pouco da farinha por cima do ovo e da água, usando-o (o garfo) para misturar a farinha com eles até que não estejam mais líquidos. Com as mãos, junte as beiradas do monte de farinha sobre os líquidos, Trabalhe a massa, usando as pontas dos dedos e a palma da mão, até obter uma mistura uniformemente integrada. Use a água restante se a massa ficar muito seca. Se a massa ainda estiver úmida, incorpore um pouco mais de farinha. Quando a massa parecer que vai ficar seca demais se você adicionar mais farinha, pare, lave as mãos, seque-as bem e faça um teste simples: aperte o polegar profundamente no centro da massa e, se ele sair limpo, sem nenhuma massa grudada
64 nele, não há mais necessidade de farinha. Com os dedos dobrados, comece a sovar a massa, empurrando-a para a frente, usando a base do punho, dando-lhe um formato alongado. Dobre a massa ao meio, dê-lhe meia volta, pressione-a de novo com força com a base do punho e repita a operação durante aproximadamente oito minutos. Divida a bola de massa sovada em diversas partes, de modo que as tirar que você obtiver sejam de tamanho manejável. Monte os rolos de abrir na máquina de macarrão e ajuste-os na abertura mais larga. Achate uma das porções de massa com a palma da mão e passe-a pela máquina. Dobre a massa duas
vezes e passe-a novamente na máquina, pelo lado mais fino. Repita o processo, passando a massa pela máquina duas ou tres vezes. Faça o mesmo com as porções restantes, até que a massa atinja mais ou menos 1,5 com de espessura. Estenda a massa numa superfície plana e enrole-a em forma de cilindro. Corte o cilindro em pedaços de aproximadamente 0,5 cm e pressione-os com uma faca, puxando-a em sua direção até obter o formato de uma orelhinha. Depois com a ponta do dedão inverta a direção da orelhinha pressionando-a para fora até obter o formato de uma chapéuzinho arrendondado com finas abas. -a novamente na máquina, pelo lado mais fino. Repita o processo, passando a massa pela máquina duas ou tres vezes Faça o mesmo com as porções restantes, até que a massa atinja mais ou menos 1,5 com de espessura. Estenda a massa numa superfície plana e enrole-a em forma de cilindro. Corte o cilindro em pedaços de aproximadamente 0,5 cm e pressione-os com uma faca, puxando-a em sua direção até obter o formato de uma orelhinha. Depois com a ponta do dedão inverta a
65 direção da orelhinha pressionando-a para fora até obter o formato de uma chapéuzinho arrendondado com finas abas.
Ragu com brajola (6 unidades)
• 6 filés de carne tipo coxão mole ou patinho • 4 colheres de sopa de salsinha picada • 2 alhos bem picados • 150 gr de queijo parmesão cortado em lascas • 100 gr de alcaparras • 100 gr de azeitonas verdes; • 160 ml de vinho tinto seco • 1 ramo de manjericão; • 2 Kg de tomates; • 1 cebola grande, cortada em cubos pequenos; Preparo
Recheie a carne cortada e aberta em filés com a salsinha picada, alho, uma lasca de queijo, azeitonas, alcaparras e feche a brajola e enrolando-a de forma a “abraçar” o tempero. Feche-a transpassando um palito por dentro do “rolinho” obtido. À parte lave os tomates em água fria. Corte-os ao meio no sentido do comprimento, Coloque-os numa panela. Cubra-os com água e cozinhe-os por 10 minutos com a panela tampada. Descarte a água do cozimento.
66 Passe os tomates no processador manual, usando o disco com furos maiores. Numa panela funda, aqueça o óleo de oliva. Doure as brajolas acrescentando sal. Quando estiver bem dourada acrescente o vinho e aguarde sua evaporação. Acrescente a cebola e verifique que ela obtenha transparência enquanto refoga. Acrescente os tomates processados. Cozinhe pelo tempo necessário para que o molho não fique nem muito grosso nem aguado e conserve o frescor e o adocicado do tomate sem o sabor da fruta crua.
Salsa alla putanesca ( para recobrir 500gr de macarrão )
Ingredientes
• 1 alho picado •1 cebola média picada • 3 folhas de manjericão • 1 maço pequeno de cebolinha picada grosseiramente • azeitonas verdes e pretas a gosto • 100gr de alice • alcaparras a gosto •3 tomates com pele e semente em cubos • 1 pimenta vermelha picadinha
Preparo
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Lave os tomates em água fria. Corte-os em pedaços pequenos. Numa panela funda, aqueça o azeite. Doure a cebola até observar sua transparência. Acrescente o alice, o alho picado, a cebolinha, as azeitonas, as alcaparras e um pouco de água. Espere um breve cozimento misturando os ingredientes. Acrescente depois os tomates e o manjericão. Cozinhe pelo tempo necessário para que o molho não fique nem muito grosso nem aguado e conserve o frescor e o adocicado do tomate mantendo um pouco o sabor da fruta crua. Este molho é ideal para acompanhar spaghetti.
Carne à Genovese (10 pessoas)
• 2 kg lagarto • 5 cebolas grandes • 160 ml de óleo vegetal • 1 alho bem picado • 1 pimenta vermelha picada • 4 colheres de sopa de salsinha picada • 100gr de alcaparras • 100 gr de champignon em conserva • 100 gr de queijo parmesão ralado Preparo
68 Em uma panela média ( 30 cm de diâmetro ) colocar o óleo vegetal para esquentar. Quando estiver quente refogar a peça inteira de lagarto acrescentando sal. Quando dourar, acrescente a cebola, forrando o fundo da panela por todos os lados da carne. Verifique que a cebola ganhe transparência. Formar-se-a um caldo após pouco tempo de cozimento. Neste momento deve-se acrescentar alho, salsinha, a pimenta, as alcaparras. Após um breve cozimento acrescente água na panela até cobrir totalmente a carne. Quando a água reduzir pela metade, espete a faca na carne. Se estiver macia, está pronta. Retire a carne da panela e em uma superfície lisa fatie-a carne em lâminas finas, cubra-a com o molho, queijo ralado e leve para gratinar no forno.
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REFERÊNCIAS
BENI, Sonia Maria Alves. Dissertação de mestrado apresentada por Sonia Maria Alves Beni em 1983 ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1983 BICUDO VERAS. Divercidade – territórios estrangeiros como topografia da alteridade em São Paulo. COLAGRANDE, Giovanni I PGNHGNANE’IS – I polignanesi, picolla storia di emigrante, Universtà della Terza Età, Polignano a Mare, Italia, 1998. GARCIA DOS SANTOS. Laymert – Tempo de ensaio. MATARRESE, Domenico. Polignano a Mare – Guida storico-turistica, Polignano a Mare, Italia, Amninstrazione Provinciale di Polignano a Mare, 1995. SANTOS DE MIRANDA, Danilo. Memória e cultura: a importância na formação cultural humana. São Paulo: Edições SESC, 2007.