Petição criminal

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PETIÇÃO CRIMINAL. INVESTIGAÇÃO DE CRIMES DEFINIDOS NA LEI DE LICITAÇÕES PÚBLICAS. PEDIDO DE TRANCAMENTO FORMULADO PELA DEFESA. FATOS AINDA NÃO INTEIRAMENTE ESCLARECIDOS. DILIGÊNCIAS PENDENTES. INDÍCIOS DE DIRECIONAMENTO APONTADOS PELO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. O arquivamento de inquérito que apura suposta prática delituosa somente se justifica perante o ordenamento jurídico-positivo brasileiro quando inexiste elemento indiciário de prática de crime, uma vez esgotados os meios voltados à sua elucidação. Pedido de arquivamento indeferido, com prosseguimento das investigações iniciadas na instância inferior. DECISÃO: Trata-se de Inquérito instaurado nas instâncias ordinárias, para apurar a suposta prática de crime licitatório pelo investigado RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS e outros. Às fls. 2941/2947 (vol. 15), a defesa do investigado requereu o arquivamento do Inquérito, afirmando que as diligências encetadas para verificar se houve direcionamento da licitação e conluio entre concorrentes teriam descartado a existência de crime. Instado a se manifestar, o Procurador-Geral da República sustentou haver indícios da prática criminosa por parte do investigado e que há diligências em andamento, cuja conclusão se revela imprescindível ao deslinde do feito. Transcrevo trechos da manifestação ministerial (fls. 2973/2980, vol. 15): “Trata-se de procedimento investigatório criminal instaurado pelo Ministério Público do Estado do Paraná, a partir de documentação encaminhada pelo Juízo da Segunda Vara Criminal da Comarca de Maringá, noticiando irregularidades consistentes na


manipulação e fraude à licitação para contratação de serviços publicitários, Processo n° 1233/201, Concorrência n° 009/2011. Nos autos de interceptação telefônica deferida judicialmente, constatou-se que Ricardo José Magalhães Barros teria orientado o direcionamento e a manipulação da contratação de serviços de publicidade pela Prefeitura de Maringá, conforme se depreende do diálogo transcrito a fls. 08/09. Ricardo José Magalhães Barros, Secretário de Estado da Indústria e Comércio do Paraná, irmão do prefeito e formalmente sem qualquer vínculo com a Prefeitura de Maringá, é tratado com subserviência pelo então chefe de gabinete do prefeito, Leopoldo Fiewski. Na conversa sobre a licitação, Ricardo Barros afirma que ‘era pra ser filha única’, ‘não gosto de amador’, ‘eu queria que você promovesse uma conversa dos dois: da Trade com a Meta’ e ‘Aí quem sabe fazemos uma solução salomônica aí’, direcionando a forma de acordo entre as licitantes para a contratação da empresa Meta Propaganda Ltda. [...] As transcrições e áudio constantes a fls. 1513/1525 [vol. 08] demonstram os desdobramentos das determinações de Ricardo Barros para o ajuste fraudulento da licitação e sua consecução. Os documentos relativos aos pagamentos pelos serviços decorrentes da contratação da Meta Propaganda Ltda. foram juntados a fls. 1538/1758 e os documentos solicitados à empresa quando da oitiva de seu representante, a fls. 1838/2252. As cópias dos autos 2010.0001745-1 da Segunda Vara Criminal de Maringá, contendo os elementos de convicção que ensejaram a investigação, inclusive com a interceptação telefônica que captou o diálogo travado entre Ricardo Barros e Leopoldo Fiewski, foram juntadas a fls. 2253/2301. [...] Ricardo José Magalhães Barros apresentou documentos solicitados no relatório de fls. 1270/1273, pedindo o arquivamento dos autos (fls. 2307/2330). Às fls. 2574/2620, os Promotores de Justiça assessores do gabinete do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná afastaram todas as alegações feitas por Ricardo José Magalhães Barros que fundamentavam seu pedido de arquivamento. Pugnaram pela quebra de sigilo bancário das empresas Meta Propaganda Ltda. e Chagas & Chagas Publicidade Ltda., com a finalidade de rastrear os depósitos feitos pela Prefeitura de Maringá e comprovar a fraude


licitatória. O pedido de quebra de sigilo bancário foi apresentado perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em 07/08/2012 (fls. 02/18 dos autos da Ação Cautelar n° 3931). Em 17 de julho de 2012, Leopoldo Floriano Fiewski Júnior compareceu à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná para apresentar sua versão sobre o diálogo com Ricardo Barros objeto da escuta telefônica (fls. 2645/2647)[vol. 14]. Por petição acostada às fls. 2745/2750 [vol. 14], Ricardo José Magalhães Barros novamente pede o arquivamento dos autos, suscitando ilegalidades e ilicitudes na obtenção das provas. O pedido foi devidamente analisado pelo relatório de fls. 2791/2836 vol. 14], sendo afastadas as alegações e determinado o regular prosseguimento da investigação, com as oitivas de Adalberto Eschholz e de Ricardo José Magalhães Barros. Adalberto Eschholz Diniz, sócio da empresa Trade Comunicação e Marketing Ltda. (Chagas & Chagas Publicidade Ltda.), prestou declarações a fls. 2872, utilizando seu direito constitucional de permanecer em silêncio. Às fls. 2894/2895 foi acostada cópia da manifestação ministerial com pedido complementar à quebra de sigilo bancário, formulado nos autos da Ação Cautelar n° 3931. [...] Sendo noticiado que Ricardo José Magalhães Barros não titularizava mais a condição de Secretário de Estado, cessando seu foro por prerrogativa de função perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela baixa dos autos e remessa ao Ministério Público de Maringá para continuidade das investigações (fls. 2927) [vol. 15]. Ricardo José Magalhães Barros apresentou petição requerendo: a) O arquivamento dos autos, tendo em vista a conclusão do Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro - Lab-LD do Ministério Público do Estado do Paraná, no Relatório Parcial de Análise Técnica n° 012/2013, de não haver transferências bancárias diretas entre a Meta Propaganda Ltda. e a Chagas & Chagas Publicidade Ltda., demonstrando, assim, a ausência de ilegalidade no procedimento licitatório; b) Caso não fosse deferido o pedido de arquivamento, pleiteou que, em face da decisão de fls. 166, a Procuradoria-Geral de Justiça cumpra o que em seu favor foi deferido a fls. 166, para que juntasse aos autos os documentos que obteve por meio do feito movido perante a Comarca de Maringá;


c) Não sendo acolhido nenhum dos pleitos, por força da extinção do foro por prerrogativa de função, a declaração de nulidade de tudo quanto foi decidido nos autos após a extinção do foro. Não restando mais competência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para apreciação dos fatos em razão da diplomação de Ricardo José Magalhães Barros no cargo de Deputado Federal em 17/12/2014, os pedidos não foram apreciados, sendo determinada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. II – Fundamentos [...] Em relação aos pedidos formulados por Ricardo José Magalhães Barros a fls. 2940/2947: i) Ao contrário do alegado, não restou demonstrada a inexistência de irregularidades na concorrência n° 009/2011 do município de Maringá. A conclusão do laudo parcial de fls. 256/284 da Ação Cautelar n° 3931 discrimina diligências pendentes, cuja realização permitirá a conclusão do laudo e eventual constatação da fraude licitatória; ii) A decisão de fls. 165/166 da Ação Cautelar n° 3931, que deferiu pedido de compartilhamento de dados obtidos em primeiro grau em decorrência da quebra de sigilo bancário das empresas Meta Propaganda Ltda. e Chagas & Chagas Publicidade Ltda., não determinou a juntada dos documentos compartilhados aos autos, mas o compartilhamento de dados. Em face dos documentos encaminhados pelo Banco Central e instituições financeiras às fls. 60/61, 173/179, 210/216 e 238/247, a única informação utilizada a partir do compartilhamento foi aquela descrita no item 5.32 do laudo de fls. 256/284, não havendo qualquer fundamento para o pedido formulado; iii) Não houve ato decisório praticado após a cessação da condição de Secretário de Estado do Paraná no presente feito. Apenas nos autos da Ação Cautelar consta decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, deferindo a medida pleiteada às fls. 286/287. No entanto, a decisão não surtiu qualquer efeito em razão da cessação da competência daquele Órgão Judiciário, sendo requerida sua ratificação nos autos da Ação Cautelar n° 3931. III – Conclusão Ante o exposto, o Procurador-Geral da República requer: i) o indeferimento dos pedidos formulados às fls. 2941/2947; ii) a conversão da presente Petição em Inquérito; iii) o acautelamento dos presentes autos na Secretaria Judiciária até que se cumpram as diligências pendentes nos autos da Ação


Cautelar 3931, protestando por vista conjunta após a elaboração do laudo conclusivo naqueles autos”.

É o relatório. Decido. O arquivamento de autos de investigação somente se revela compatível com o ordenamento jurídico-positivo brasileiro – em que a ação penal pública é regida pelo princípio da obrigatoriedade – quando inexistentes indícios de prática supostamente criminosa, depois de esgotados os meios e diligências voltados à sua elucidação. Deveras, a jurisprudência desta Corte revela compreensão de que o trancamento de processos criminais não se justifica, salvo quando há evidente constrangimento ilegal, revelada na atipicidade da conduta ou na absoluta ausência de qualquer elemento idôneo a justificar a instauração de um procedimento investigatório. Nos presentes autos, verifica-se que, ao menos numa análise prefacial, há indícios que demandam esclarecimentos através das diligências já em curso e a serem realizadas, conforme esclarecimentos do Ministério Público Federal. Assim, o trancamento do feito revelar-se-ia precipitado, ante a imprescindibilidade de esgotar os meios de investigação indicados pelos órgãos incumbidos da persecução penal. A defesa pediu, em segundo lugar, pouco antes da remessa dos autos a este Supremo Tribunal Federal pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que “à vista do expresso na decisão expedida no âmbito dessa Colenda Corte [Tribunal de Justiça] que está às fls. 166, conceda Vossa Excelência que a Procuradoria-Geral de Justiça cumpra o que em seu favor foi deferido às fls. 166, para que junte aos autos os documentos que obteve através do Feito que move perante sua Excelência o juiz Nicola Frascati Junior, da Comarca de Maringá, exaurindo tudo quanto pleiteou perante essa Corte através dos Autos Notícia Crime n° 863.549-8, Autos Notícia Crime n° 863.549-8/02 (Quebra de Sigilo Bancário), Autos Notícia Crime n° 863.549-8/03 (Quebra de Sigilo Telefônico)” (fls. 2946/2947, vol. 15). O pedido revela-se desconexo relativamente à investigação em andamento, pois os procedimentos investigatórios noticiados (863.549-8 e incidentes) foram instaurados perante o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, portanto todos estes documentos já se encontram carteados aos presentes autos e aos da AC 3931. Com efeito, segundo se extrai dos autos da AC 3931, incidental à presente investigação, a decisão de fls. 165/166 daquele feito cautelar,


mencionada pela defesa, considerou que “a requerimento da Procuradoria-Geral de Justiça, já houve o deferimento, por decisão monocrática, da quebra do sigilo bancário das empresas META PROPAGANDA LTDA. e CHAGAS & CHAGAS PUBLICIDADE LTDA., em segundo grau de jurisdição, no procedimento de investigação criminal 863.549-8, de competência originária deste Tribunal de Justiça, através de seu colendo Órgão Especial, como meio necessário à apuração da prática de crime contra a Administração Pública, e que tal medida foi objeto de igual determinação judicial em primeiro grau, é de ser deferida a pretensão formulada pela Subprocuradoria Geral de Justiça do Estado do Paraná, no sentido de dispensar, nesta instância, a expedição de ofícios ao Banco Central para obtenção de informações que já foram buscadas em primeiro grau. Com efeito, o compartilhamento dos dados já obtidos pelo representante do Ministério Público em exercício da Comarca de Maringá, com a finalidade de que as informações já apuradas em primeiro grau de jurisdição possam ser utilizadas nos autos de Investigação Criminal de competência originária que tramita perante este Tribunal de Justiça, atribui maior celeridade ao procedimento investigatório e evita a realização de diligências desnecessárias. Diante do exposto, defiro a pretensão formulada pela Subprocuradoria-Geral de Justiça para autorizar o compartilhamento dos dados obtidos em primeiro grau em decorrência da quebra do sigilo bancário das empresas META PROPAGANGA LTDA. e CHAGAS & CHAGAS PUBLICIDADE LTDA., com a finalidade específica de utilização de tais informações nos autos de Investigação n° 863.549-8, cumprindo à autoridade solicitante assegurar a preservação do sigilo dos dados” (autos da AC 3931, vol. 01, fls. 166).

Portanto, basta verificar os volumes da AC 3931, aos quais estão juntados os documentos que instruem a investigação, bem como do presente feito. Por fim, verifico não haver qualquer ato praticado pela Corte a quo após a cessação da sua competência e passível de anulação, não havendo nada a acolher quanto ao pedido n° 3 da defesa (fls. 2947). Por todo o exposto, indefiro os pedidos formulados pela defesa,


inclusive o de arquivamento dos autos, tendo em vista a existência de diligências em andamento e os esclarecimentos do Parquet. À Secretaria, para reautuação do presente feito como inquérito e digitalização integral dos autos. Em seguida, voltem-me conclusos. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. Brasília, 27 de outubro de 2015. Ministro LUIZ FUX Relator Documento assinado digitalmente


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