Certificado digitalmente por: LEONEL CUNHA
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.467.764-4, DA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE MARINGÁ Agravante :
CLUBE HÍPICO DE MARINGÁ
Agravado
:
MUNICÍPIO DE MARINGÁ
Relator
:
Des. LEONEL CUNHA
EMENTA 1)
DIREITO
VIOLAÇÃO
DAS
ADMINISTRATIVO. GARANTIAS
TOMBAMENTO.
CONSTITUCIONAIS
DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE REALIZADA COM APARENTE VÍCIO DE MOTIVO E DESVIO DE FINALIDADE. a)
Tratando-se de uma forma de intervenção na
propriedade
que
gera
graves
consequências
ao
proprietário, para que se efetive o tombamento de um imóvel deverá ser assegurado o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. b)
Estando o ato administrativo de tombamento
fundamentado, conforme se permite concluir em um juízo de cognição sumária, em motivo viciado e com
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desvio de finalidade, é de se conceder a tutela antecipada ao proprietário do imóvel, a fim de que se retirem
quaisquer
menções
ao
tombamento
do
Cadastro da Prefeitura, do Livro Tombo e da matrícula no Registro Imobiliário.
2)
AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE DÁ
PROVIMENTO. Vistos, RELATÓRIO 1)
CLUBE HÍPICO DE MARINGÁ ajuizou
Ação de Reconhecimento de Nulidade, cumulada com Cumprimento de Dever de Fazer, com pedido de tutela antecipada (fls. 66/113), em face do MUNICÍPIO DE MARINGÁ, alegando que: a) foi surpreendida com a decisão
do
Município
de
Maringá
de
tombar
definitivamente boa parte de suas instalações, medida que foi tomada mediante o Decreto nº 1531/2015, de 10 de setembro de 2015; b) não há rigorosamente nenhum interesse público na imposição da restrição administrativa, bem como chama a atenção o momento em que o tombamento foi iniciado, isto é, justamente na data em que os sócios-proprietários analisavam a possiblidade de um empreendimento imobiliário no terreno do clube; c) o tombamento é um processo Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 2 de 20
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recheado de nulidades, envolvendo a violação de dezenas de dispositivos legais e constitucionais; d) assim, pediu, em tutela antecipada, a suspensão dos efeitos do tombamento, abstendo-se o Município de Maringá de aplicar ao Clube Hípico qualquer restrição ou penalidade advinda da medida, até final julgamento do processo; bem como a retirada de toda e qualquer menção do tombamento do Cadastro Imobiliário da Prefeitura, do Livro Tombo do Município, e da matrícula do imóvel (nº 24.241 do 3º Registro de Imóveis de Maringá). 2)
A decisão de fls. 805/809 indeferiu a
liminar pleiteada, sob o argumento de que, quanto à verossimilhança
das
alegações,
não
haveria
a
possibilidade de se aferir, num juízo de cognição sumária, a existência de irregularidades no processo de tombamento das principais áreas do CLUBE HÍPICO, bem como as alegações do Clube Hípico seriam eminentemente de mérito, o que impossibilitaria a concessão de tutela antecipada sem a ouvida do Município de Maringá; ademais, a concessão poderia violar garantias fundamentais do Réu. Já no que se refere ao perigo da demora, entendeu que não houve a demonstração
de
qualquer
prejuízo
oriundo
do
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tombamento ou a necessidade de se realizar imediata e indispensável intervenção no imóvel, que não possa aguardar a instrução e o julgamento do feito. Por final, determinou a emenda da inicial, a fim de que o Autor adequasse os documentos juntados ao Provimento nº 223/2012 da Corregedoria deste Tribunal.
3)
Contra esta decisão o CLUBE HÍPICO DE
MARINGÁ interpôs o presente Agravo de Instrumento (fls. 04/61), alegando que: a) as questões discutidas em primeiro grau se referem à forma do tombamento, podendo ser reconhecidas com a mera análise dos documentos juntados, não havendo a necessidade de prévia
manifestação
do
Agravado;
b)
a
tutela
antecipada tem previsão legal e constitucional, não se podendo falar que o seu deferimento importaria na violação de garantias fundamentais; c) o prejuízo suportado em razão do tombamento é patente e foi demonstrado; d) não há a necessidade de se emendar a inicial,
pois
os
documentos
foram
nomeados
corretamente.
4)
O pedido de antecipação da tutela
recursal foi deferido pelo Eminente Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Edison Macedo Filho, Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 4 de 20
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unicamente para suspender os efeitos da decisão agravada na parte que determinou a emenda à petição inicial (fls. 819/823). 5)
CLUBE HÍPICO DE MARINGÁ apresentou
petição (fls. 836/837), a fim de informar que não negocia a venda de parte do imóvel, pois isso já teria ocorrido há 8 (oito) anos, não havendo qualquer intenção de vender outra parte do bem.
6) O MUNICÍPIO DE MARINGÁ apresentou contrarrazões (fls. 839/853). É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO A pretensão trazida a Juízo pelo Agravante no presente Recurso merece prosperar.
Afirma o Agravante a ocorrência de uma série de irregularidades no processo administrativo de tombamento MARINGÁ
levado
sobre
o
a
efeito
imóvel
pelo de
MUNICÍPIO
sua
DE
propriedade,
ilegalidades que, nos dizeres do Agravante, consistiriam em:
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“1)
a
composição
da
atual
Comissão
de
Preservação do Município está em desacordo com a legislação, e seus atos, portanto, são nulos; 2) houve violação aos direitos constitucionais da agravante ao contraditório e ampla defesa. O Município de Maringá simplesmente não garantiu direito de defesa à agravante no processo de tombamento, nem analisou as razões por ela apresentadas; 3) houve alteração dos bens tombados ao longo do processo administrativo, especialmente após a apresentação de defesa pela agravante; 4) houve violação ao direito constitucional da agravante ao devido processo legal; 5) o Município de Maringá não garantiu à agravante o direito de recurso; 6) o Município de Maringá não avaliou os bens tombados, em infração à legislação; 7) a anotação provisória do tombamento no cadastro
imobiliário
e
no
Registro
de
Imóveis
é
expressamente proibida no país, mas aconteceu no caso; 8) o Decreto Municipal nº 1531/2015 amparouse em norma revogada; 9) diversas restrição
administrativa
partes são,
do por
clube si
só,
incluídas infensas
na a
tombamento; 10) não há interesse público no tombamento e os motivos declarados para o tombamento são inexistentes; Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 6 de 20
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11) houve desvio de finalidade na atuação do Município de Maringá;
12)
o
tombamento
é
medida
violenta
absolutamente excepcional, que só pode ser adotada em casos limites. Não é o caso do Clube Hípico; 13)
o
processo
de
tombamento
violou
frontalmente os princípios constitucionais e legais da impessoalidade, moralidade e publicidade”.
Ainda que se pudesse realizar uma análise particularizada de cada um dos itens alegados pelo Agravante, é certo que, vistas em conjunto, a série de irregularidades apresentadas permite vislumbrar, no juízo de cognição sumária que é passível de realização neste momento processual, a existência de graves vícios no processo de tombamento levado a efeito no caso aqui controvertido. Com efeito, sabe-se que o tombamento é uma forma de intervenção na propriedade pela qual o Poder Público busca proteger o patrimônio cultural brasileiro. Havendo interesse público na preservação de determinado bem, este irá se sobrepor ao interesse privado de livre uso, gozo e disposição da propriedade.
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A previsão fundamental do instituto se encontra no art. 216, § 1º da Constituição Federal, assim redigido: “Art.
216.
Constituem
patrimônio
cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III
-
as
criações
científicas,
artísticas
e
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico,
artístico,
arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (destaquei).
A regulamentação infraconstitucional do Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 8 de 20
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tombamento se deu com a edição de normas gerais pela União, mediante o Decreto-Lei nº 25/37, e, especificamente em relação ao Município de Maringá, com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 904/11.
Como
ato
administrativo
que
é,
o
tombamento está sujeito a controle judicial; entretanto, como leciona José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo, 27. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Atlas, 2014, p. 826), tal controle “deverá cingirse à apreciação de questões concernentes à legalidade do ato. Se houver vício no procedimento administrativo previsto na lei, o ato em que culminar o processo estará contaminado
de
vício
de
legalidade
quanto
à
formalização exigida para a sua validade. O mesmo se dará se houver desvio de finalidade, ou seja, se o administrador usar o tombamento como simulacro de perseguição pessoal”. É dizer, a avaliação levada a cabo pelo Poder Judiciário se resume aos aspectos de legalidade do ato de tombamento, não se podendo invadir a esfera de competência da Administração Pública, em especial quanto ao mérito do ato administrativo.
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Pois bem. Ao realizar o tombamento do imóvel de propriedade do Agravante, assim constou do referido Decreto:
“Art. 2º. A área de tutela do bem tombado corresponde ao imóvel localizado na Avenida Colombo, lote 002, devidamente inscrito no 1º Cartório de Registro de Imóveis
de
Maringá,
sob
a
matrícula
nº
24241,
compreendendo: I – Salão Social, com área aproximada de 769,39m2; II – Salão de Jogos, com área aproximada de 177,66m2; III – As duas pistas de hipismo, contendo a principal 65m x 70m, totalizando 4.550 m2; e a pista de distensão, contendo 30m x 60m, totalizando 1.800 m2; IV – Os três blocos, contendo: 60 cocheiras; 02 quartos de sela; 03 depósitos para armazenagem de cepilho, alfafa, feno e ração; 01 farmácia; 01 ferradoria; 03 ambientes para lavagem dos animais; e 14 ambientes para secagem dos animais; V – O bosque existente nas dependências do clube. Parágrafo único: o detalhamento dos itens tombados será registrado no livro tombo de bens históricos do município”.
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Entretanto, quando da realização da 54ª Reunião da Comissão Especial de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Maringá (fls. 221/222), assim concluiu a referida Comissão: “(...) O arquiteto Aníbal propôs o tombamento do salão menor, da pista de hipismo, da mata, do paisagismo e do entorno do clube, respeitando-se os aspectos das sociabilidades, e que os demais elementos do clube fossem objetos de estudo da Comissão. (...) Após esse debate, foi colocado em votação o tombamento do clube, que nos termos apresentados pelo Arquiteto Aníbal, foi aceito por unanimidade”.
Não obstante tal conclusão, ao editar o Decreto de tombamento, foram incluídas áreas que não constavam
da
aprovação
do
tombamento,
sem
qualquer motivação neste sentido. E, ausente qualquer exposição dos motivos que levaram a esta inclusão, permite-se concluir pela existência de vício de motivo no decreto de tombamento, a atrair a incidência do art. 2º, “d”, e parágrafo único, “d”, da Lei nº 4.717/1965: “Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 11 de 20
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de: (...) d) inexistência dos motivos; (...) Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta
o
ato,
é
materialmente
inexistente
ou
juridicamente inadequada ao resultado obtido;”
Além disso, os documentos acostados aos Autos permitem visualizar violações ao devido processo administrativo, a saber: a) no Ofício enviado ao Agravante
(fls.
77),
não
foi
oportunizada
a
apresentação de defesa administrativa, antes de se concluir
pela
apresentada,
continuidade mesmo
do
assim,
tombamento; a
b)
impugnação
administrativa (fls. 301/308), esta não foi avaliada pela Comissão, que em sua 55ª Reunião (fls. 349/350) foi silente a respeito; c) por conseguinte, não se conferiu ao
Agravante
o
necessário
direito
a
recurso
administrativo.
Importante frisar que a oportunidade de defesa
administrativa
não
se
reveste
de
mero
Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 12 de 20
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formalismo, que se não observado não traria prejuízos ao Agravante, uma vez que se está a tratar de um processo de tombamento de um bem, o qual acarreta uma séria limitação do livre uso, gozo e disposição da propriedade.
Dessa forma, para que tal medida seja levada a cabo, deve-se garantir ao proprietário do bem o contraditório e a ampla defesa, “com os meios e recursos a ela inerentes”, conforme prevê o art. 5º, inciso LV da Constituição Federal. E, como é curial, o fato de se estar em debate o pretenso interesse público na conservação do bem objeto de tombamento, não autoriza a violação sistemática dos direitos e garantias do particular.
Para
além
das
questões
acima
mencionadas, que por si só seriam aptas ao provimento do Recurso manejado pelo Agravante, fato é que as ilegalidades existentes, vistas em conjunto, autorizam também a conclusão, mesmo que em juízo de cognição sumária, de possível desvio de finalidade do ato de tombamento materializado no Decreto nº 1531/2015 do Munícipio de Maringá. Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 13 de 20
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Conforme
lição
da
doutrina
(Direito
Administrativo, Maria Sylvia Zanella di Pietro, 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, pp. 218-19), assim se define a finalidade do ato administrativo: “Finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato. Enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato que o ato produz (aquisição, transformação ou extinção de direitos), a finalidade é o efeito
mediato.
Distingue-se
do
motivo,
porque
este
antecede a prática do ato, correspondendo aos fatos, às circunstâncias, que levam a Administração a praticar o ato. Já a finalidade sucede à prática do ato, porque corresponde a algo que a Administração quer alcançar com a sua edição. (...) Pode-se falar em fim ou finalidade em dois sentidos diferentes: 1. em sentido amplo, a finalidade corresponde à consecução de um resultado de interesse público; nesse sentido, se diz que o ato administrativo tem que ter finalidade pública; 2. em sentido restrito, finalidade é o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei; nesse sentido, se diz que a finalidade do ato administrativo é sempre a que decorre explícita ou implicitamente da lei. (...)
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Seja infringida a finalidade legal do ato (em sentido estrito), seja desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal, por desvio de poder”.
Embora
não
se
esteja
no
momento
processual adequado à declaração final de vício de finalidade no ato, a forma com que se realizou o tombamento permite inferir que não é o interesse público que se procura resguardar com a intervenção na propriedade do Agravante. Conforme
anteriormente
afirmado,
o
instituto do tombamento é previsto pelo ordenamento jurídico como modo de intervenção na propriedade que busca proteger o patrimônio histórico-cultural. Neste passo, é cediço que os bens passíveis de tombamento são aqueles que representam aspectos de relevância para a noção de patrimônio cultural, seja ele nacional, regional ou local.
Conforme se vê dos documentos trazidos aos Autos (fls. 506/615), as partes integrantes do imóvel tombado sofreram uma série de intervenções ao longo dos anos.
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Tal fato permite concluir, ainda que em um juízo
de
cognição
sumária,
que
a
finalidade
do
tombamento não é a proteção de um bem revestido de relevância
para
a
comunidade
pelo
seu
aspecto
arquitetônico, mas sim o resguardo do valor afetivo do imóvel
(daí
a
menção
da
Comissão
Especial
de
Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural ao elemento “sociabilidade”).
Ora, de acordo com a Lei Complementar nº 904/2011, o valor afetivo (“sociabilidade”) não se constitui em um motivo juridicamente válido para a decretação de um tombamento:
“Art. 1º. Fica constituído o Inventário do Patrimônio Cultural de Maringá, integrado pelos bens móveis, imóveis e culturais de natureza imaterial, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a
fatos memoráveis da história de Maringá ou por se constituírem em: a) formas de expressão; b) modos de criar, fazer e viver; c) criações científicas, artísticas e tecnológicas; d) obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais; Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 16 de 20
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e) conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
etnográfico,
bibliográfico,
paisagístico,
artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico; f) expressões e modos de viver, como a linguagem e os costumes; g) locais dotados de expressivo valor para a história, arqueologia, paleontologia e ciência em geral”
(destaquei).
Nesse passo, é importante trazer à colação o ensinamento doutrinário:
“Sob o aspecto de que o tombamento há de ter por pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato é vinculado, o que significa que o autor do ato não pode praticá-lo
apresentando
motivo
diverso.
Está,
pois,
vinculado a essa razão. Todavia, no que concerne à valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, visto que essa avaliação é privativa da Administração” (Manual de Direito Administrativo, José
dos Santos Carvalho Filho, 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013.- São Paulo :Atlas, 2014, p. 819).
Com efeito, consoante se extrai da lição doutrinária, a análise do motivo do ato, pelo Poder Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Página 17 de 20
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Judiciário,
não
necessariamente
irá
imiscuir-se
no
mérito do ato administrativo; e assim não ocorre, no presente caso, na medida em que o tombamento foi baseado em motivo (pressuposto de fato) - que sob o aspecto analisado é vinculado, e não discricionário não contemplado pela Lei Municipal do Tombamento.
Assim,
estando
o
ato
administrativo
fundado em motivo aparentemente inválido, e sabendose que o motivo está umbilicalmente ligado à finalidade do ato, é possível concluir que o tombamento efetivado foi editado com possível desvio de finalidade.
Dessa forma, presente a plausibilidade do direito alegado, bem como o risco de grave lesão irreparável, merece o Agravante o provimento do Agravo
interposto,
com
a
antecipação
da
tutela
pleiteada.
ANTE O EXPOSTO, voto por que seja dado provimento ao Agravo de Instrumento, a fim de que:
a) suspendam-se os efeitos do tombamento realizado pelo Decreto nº 1531/2015, abstendo-se o Município de Maringá de aplicar ao Clube Hípico
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qualquer restrição ou penalidade advinda da medida, até final julgamento do processo;
b) retire-se toda e qualquer menção do tombamento do Cadastro Imobiliário da Prefeitura, do Livro Tombo do Município, e da matrícula do imóvel (nº 24.241 do 3º Registro de Imóveis de Maringá). Tais medidas deverão ser tomadas no prazo de 30 (trinta) dias a contar da intimação desta decisão, sendo certo que, para o caso de descumprimento, deverá incidir multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais). Além disso, confirma-se o efeito suspensivo anteriormente concedido, no que tange à emenda da inicial.
DISPOSITIVO ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em dar provimento ao Agravo de Instrumento. Participaram
do
julgamento
os
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Desembargadores
LEONEL
CUNHA,
Presidente
e
Relator, LUIZ MATEUS DE LIMA e o Juiz Substituto em 2º Grau ROGÉRIO RIBAS. CURITIBA, 22 de março de 2016. Desembargador LEONEL CUNHA Relator
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