Manifesto

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MANIFESTO JURÍDICO E POLÍTICO CONTRA O AUMENTO DOS SUBSÍDIOS

PERPETRADO

PELA

CÂMARA

MUNICIPAL

DE

MARINGÁ - PARANÁ

Por JHONATAN DE CASTRO E SILVA e RAMON ALBERTO DOS SANTOS

RESUMO O líder do governo na Câmara Municipal de Maringá, vereador Heine Macieira (PPPR), justificou o aumento dos subsídios dos agentes públicos com base na norma permissiva da Constituição Federal, esculpida no art. 29, VI, e. Portanto, conduta perfeita e constitucionalmente lícita. Na verdade, trata-se de um verdadeiro tapa no rosto da sociedade civil. Está em erro quem pensa que esta discussão se mantém apenas nos limites, digamos, mais abstratos da juridicidade, no campo do que é lícito ou ilícito fazer ou deixar de fazer. Necessariamente, ela descamba para o que é politicamente pertinente dentro das regras deste complexo jogo intitulado “democracia”, ainda mais se levarmos em conta que, quanto mais alto nesta estrutura normativa que chamamos de ordenamento jurídico-positivo (cujo ápice são as normas jurídicas constitucionais), mais estreitas são as fronteiras que separam o jurídico do poder político, como Bobbio salientou. Os Projetos de Lei n.º 12.184/2011 e n.º 12.185/2011 foram aprovados na sessão extraordinária e sorrateira no dia 17/11/2011. Em segunda discussão! Que democracia é esta em que a sociedade civil não é sequer ouvida sobre assuntos que lhe interessam diretamente? Na verdade, a pretensa constitucionalidade deste ato parlamentar – defendida pelo referido vereador – padece da mais grave inconstitucionalidade porque mina o fundamento político da própria Constituição Federal (art. 1º, parágrafo único).

INTRODUÇÃO Este texto traduz em palavras a profunda indignação sentida contra este ato parlamentar que aumentou escandalosamente o valor dos subsídios recebidos pelos Vereadores, Prefeito e outros agentes públicos, sem qualquer tipo de consulta ou debate com a sociedade civil que suportará o ônus econômico de tal decisão. Saliente-se que os autores são meros acadêmicos do curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá, que utilizaram os instrumentos oferecidos pela Ciência do Direito e pela Ciência Política para compreender e


criticar esta condenável atitude dos Vereadores da Câmara Municipal de Maringá. Todavia, evitou-se qualquer tipo de “preciosismo” de linguagem e desde já pedimos desculpas aqueles que, por algum acaso, tenham dificuldade de compreender determinadas partes do texto, pela presença de termos cientificamente específicos, por exemplo. Como cidadãos, esperamos que estas palavras reflitam o pensamento de nossos pares.

MANIFESTO O líder do governo na Câmara Municipal de Maringá, vereador Heine Macieira (PPPR), justificou em entrevista a um programa de televisão que os aumentos dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, Secretários Municipais, Coordenadores ou equivalentes para a próxima gestão administrativa e dos Vereadores do Poder Legislativo de Maringá para a próxima legislatura têm respaldo na norma permissiva da Constituição Federal, esculpida no art. 29, VI, e (Redação dada e alíneas acrescentadas pela Emenada Constitucional n.º 25, de 2000), qual seja: Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...] VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e aos seguintes limites máximos: [...] e) em Municípios de trezentos mil e um a quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a sessenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais;

Em consulta ao banco de dados do Censo IBGE/2010 na internet, particularmente na Tabela de Resultados 2.1.211, vê-se que Maringá conta atualmente com 357.077 mil habitantes2. Além disso, os Projetos de Lei n.º 12.184/2011 e n.º 12.185/2011 foram elaborados pela Comissão de Finanças e Orçamento, que detém – em tese – competência privativa sobre tal assunto (Regimento Interno da Câmara Municipal de Maringá, art. 51, I). As normas jurídicas que fixem os subsídios destes agentes públicos devem assumir forma de lei, conforme determina a Constituição Federal (arts. 29, V e VI, 37, X e 39, § 4º) e a Constituição do Estado do Paraná (art. 16, VI e VII). Outrossim, tais projetos foram 1

Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/Parana.pdf. Consta erroneamente no Anexo I ao Projeto de Lei n.º 12.184/2011 (apoiado nos dados do Censo IBGE/2010) que o Município de Maringá tem 357.117 mil habitantes. 2


aprovados em primeira discussão sob regime de urgência na Sessão Ordinária do dia 17/11/2011 e em segunda discussão por terem sido incluídos sob regime de urgência na Sessão Extraordinária do mesmo dia 17/11/2011. Após esta pequena exposição, é possível concluir que este ato parlamentar é intocável e constitucionalmente lícito por preencher todos os requisitos jurídicos de validade, como foi dito pelo vereador Heine Macieira. Ledo engano. Na verdade, trata-se de um verdadeiro tapa no rosto da sociedade civil. Antes de tudo, está em erro quem pensa que esta discussão se matém apenas nos limites, digamos, mais abstratos da juridicidade, no campo do que é lícito ou ilícito fazer ou deixar de fazer. Tudo o que envolve Direito implica na consideração do Poder. Sob um movimento de caráter dialético, o fenômeno jurídico passa a ter existência plena quando concretizado pelo Poder e este insere-se dentro de uma estrutura jurídiconormativa que condiciona suas decisões: A correlação essencial entre nexo normativo e Poder é de suprema importância para uma compreensão realista do Direito, devendo notar-se que a decisão, que é a alma do Poder, não se verifica fora do processo normativo, mas inserindo-se nele, para dar-lhe atualidade ou concreção: o Poder, no fundo, é um ato decisório munido de garantia específica (REALE, 2009, p. 557) [grifos no original].

Deslocando o nível de análise, percebe-se que quanto mais alto nesta estrutura normativa que chamamos de ordenamento jurídico, mais estreitas são as fronteiras que separam o jurídico do poder político. Norberto Bobbio, ao discorrer sobre o pensamento kelseniano e as relações entre Direito e Poder, expõe com extrema lucidez: Propondo o problema nestes termos, logo nos damos conta de que o tema kelseniano da norma fundamental é perfeitamente simétrico ao tradicional do poder soberano. Enquanto a teoria tradicional do poder soberano, observando a escada de baixo para cima, parte dos poderes inferiores e, de poder em poder, chega ao poder soberano, que é o fundamento de autoridade de todos os outros poderes, a teoria kelseniana, que parte das normas inferiores, só pode chegar, passando de norma em norma, até a norma fundamental, entendida como o fundamento de validade de todas as outras normas do sistema. As duas escadas encontram-se uma ao lado da outra, mas estão dispostas de um modo que ao degrau superior de uma corresponde o degrau imediatamente inferior da outra (2008, p. 211).

No topo do ordenamento jurídico-positivo (não levamos em conta aqui a problemática em torno da norma fundamental de Kelsen) estão as normas jurídicas constitucionais, porque todo e qualquer ordenamento jurídico possui um conjunto de normas jurídicas tidas como fundamentais para a organização do poder político que dará sequência a sua estruturação intrassistemática, principalmente no que tange à distribuição de competências para a produção, aplicação e interpretação legítima de normas jurídicas e, com o constitucionalismo


contemporâneo, a autolimitação jurídica daqueles que detém tais poderes mediante a previsão de direitos e garantias fundamentais aos cidadãos. Assim, ao falarmos de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma, dificilmente será abstraída a díade jurídico-político. Não por menos o Supremo Tribunal Federal, apesar de ser órgão jurisdicional de cúpula do Poder Judiciário, lida com inúmeros problemas políticos subjacentes às questões jurídicoconstitucionais, cujas respostas este Tribunal tem o dever constitucional de definir em última instância (lembre-se do emblemático caso Battisti, v. g.). Esta deve ser a visão de quem quer enxergar a profundidade da experiência jurídica, que está inevitavelmente relacionada aos contextos sociológicos, políticos, econômicos, psicológicos etc. No caso da realidade constitucional brasileira, esta discussão descamba para o que é politicamente pertinente dentro das regras deste complexo jogo intitulado “democracia”, fundamento político da Constituição Federal (art. 1º, caput e parágrafo único) e, consequentemente, de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Um jogo novo e que ainda não aprendemos a jogar. Mesmo que seu conceito seja equívoco (BONAVIDES, 2011, p. 288), democracia pressupõe participação ativa de todos aqueles que estão submetidos a determinada ordem jurídica e política para a construção permanente desta mesma ordem; bem ao contrário da paralisia do medo, princípio e fundamento de todas as condutas ditatoriais, arbitrárias ou despóticas daqueles que detém o poder, conforme avançou Montesquieu (2004, p. 41) e escreveu Goffredo Telles Jr. aos brasileiros: Chamamos de Ditadura o regime em que o Governo está separado da Sociedade Civil. Ditadura é o regime em que a Sciedade Civil não elege seus Governantes e não participa do Governo. Ditadura é o regime em que o Governo governa sem o Povo. Ditadura é o regime em que o Poder não vem do Povo. Ditadura é o regime que castiga seus adversários e proíbe a contestação das razões em que ela se procura fundar. Ditadura é o regime que governa para nós, mas sem nós3 [grifo no original].

Pensando por meio de tipos ideais (WEBER, 2002, pp. 33-34), democrático é o regime político em que a liberdade política e a autodeterminação de todos os cidadãos são plenamente potencializadas, na qual a “„vontade‟ representada na ordem jurídica é idêntica às vontades dos sujeitos” (KELSEN, 2005, p. 406). Como é notório, Jean-Jacques Rousseau construiu os termos idealistas de uma democracia: [...] Esta dificuldade, reconduzindo ao meu assunto, poderá ser enunciada como segue: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo

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Disponível em: http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?id_pg=30#um.


assim tão livre quanto antes”. Esse, o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece (1983, p. 32).

É muito improvável que esta identificação ocorra e que todos participem de todas as decisões. O princípio da maioria e a representação política surgiram para tornar possível o regime democrático na práxis. Pelo princípio da maioria, vence a decisão que contar com o maior apoio. Pela representação política, aqueles que detém o direito subjetivo público de eleger (os cidadãos stricto sensu) outorgam mandados políticos a determinadas pessoas (constitucionalmente elegíveis) para que estas elaborem as normas jurídicas mais relevantes da estrutura normativa (no caso brasileiro, as normas jurídicas legais ou leis stricto sensu) e tomem as necessárias e gravosas decisões para conduzir a coisa pública4; ou, na síntese de Valerio Zanone, a “[...] representação, por sua vez, é um fenômeno complexo cujo núcleo consiste num processo de escolha dos governantes e de controle sobre sua ação através de eleições competitivas” (in BOBBIO et al, 2007, p. 1106). Nos dois casos, a noção de compromisso é elementar para a concretização de uma democracia. No primeiro, evita-se a ditadura da maioria5 porque: [...] compromisso [consequência de um debate livre entre maioria e minoria] significa a solução de um conflito por meio de uma norma que não se conforma inteiramente aos interesses de uma parte, nem contradiz inteiramente os interesses da outra. Na medida em que, numa democracia, os conteúdos da ordem jurídica também não são determinados exclusivamente pelo interesse da maioria, mas são o resultado de um compromisso entre os dois grupos, a sujeição voluntária de todos os indivíduos à ordem jurídica é mais facilmente possível que em qualquer outra organização política. Precisamente por causa dessa tendência rumo ao compromisso, a democracia é uma aproximação do ideal de autodeterminação completa (KELSEN, 2005, p. 412).

No segundo, serve para remodelar a noção liberal de mandado representativo “que está nas suas origens francesas política e juridicamente vinculada à adoção da doutrina da soberania nacional [...]” (BONAVIDES, 2011, p. 278), porque foi “[...] a constituição francesa de 1791 que proclamou solenemente o princípio de que nenhuma instrução deveria ser dada aos deputados, porque o deputado não devia ser representante de nenhum distrito 4

Nesta definição tomamos como parâmetro o Poder Legislativo, onde repousa o “sistema nervoso” da democracia, mas há representatividade na eleição para os cargos do Poder Executivo (nos três níveis da federação). Todavia, a tradição antidemocrática e despótica do Estado brasileiro possui uma de suas origens na sobreposição política que este Poder sempre teve sobre os demais na conturbada história do País. 5 Que é o terror dos liberais: “Na linguagem de Tocqueville „democracia‟ significa, por um lado, como forma de governo em que todos participam da coisa pública, o contrário de aristocracia; por outro lado, significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que, ao se estender, acabrá por submergir as sociedades tradicionais fundadas sobre uma ordem hierárquica imutável. A ameaça que deriva da democracia como forma de governo é para ele, como de resto para John Stuart Mill, a tirania da maioria: o perigo que a democracia corre como progressiva realização do ideal igualitário é o nivelamento, cujo efeito final é o despotismo [...]” (BOBBIO, 2000, p. 57).


particular, mas da nação inteira” (KELSEN, 2005, p. 415). Neste modelo, o mandatário possui independência – coroamento das características de generalidade, liberdade e irrevogabilidade inerentes ao mandato representativo (BONAVIDES, 2011, p. 281) – frente ao eleitorado, pois representa toda a nação e não determinados grupos sociais: [...] É exatamente por essa independência que um parlamento moderno se distingue dos corpos legislativos eleitos no período anterior à Revolução Francesa. Os membros desses corpos eram representantes verdadeiros agentes reais da classe ou do grupo profissional que os escolhia, porque estavam sujeitos a instruções e podiam ter o mandato cassado em qualquer tempo (KELSEN, 2005, p, 415).

A “democracia” liberal do século XIX desenvolveu-se por meio do mandato representativo, mas este método simplesmente manteve o hiato entre os detentores temporários do poder político e povo, titular da soberania, que delegou esta função por meio do voto. Neste contexto, a seguinte afirmação de Weber se faz presente: Tudo se passa de maneira semelhante numa empresa privada. O verdadeiro soberano, isto é, a assembléia de acionistas, numa empresa privada, está tão desprovida de influências a respeito da gestão dos negócios quanto um “povo” dirigido por funcionários especializados6 (WEBER, 2006, p. 77).

Nestes tempos de “democracia social” consagrada pela Constituição Federal de 1988, o mandato imperativo ressurge como um método eficaz de controle democrático que os cidadãos detêm para balizar e fiscalizar a conduta de seus mandatários e reverter o quadro traçado por Weber. Estes possuem apenas autonomia perante seus eleitores, por ser necessária ao correto funcionamento da máquina legislativa. Por derradeiro, o respectivo compromisso baseia-se na concessão, por parte do povo, de um amplo campo de atuação autonôma ao mandatário para que este cumpra sua função e este, em contrapartida, deve ter em mente que apenas exerce uma função pública em prol do povo e, por consequência, deve prestar contas de tudo que faz no exercício do mandato e encurtar a distância que separam Estado e sociedade civil. Nas límpidas palavras de Kelsen: A resposta à questão de saber se, de lege ferenda, o membro eleito de um corpo legislativo deveria estar juridicamente obrigado a executar a vontade dos seus eleitores e, portanto, a ser responsável para com o eleitorado depende da opinião sobre a amplitude em que é desejável que se concretize a idéia de democracia. Se é democrático a legislação ser exercida pelo povo, e se, por motivos técnicos, é impossível estabelecer uma democracia direta e se torna necessário conferir a função legislativa a um parlamento eleito pelo povo, então é democrático garantir, tanto quanto possivel, que a atividade de cada membro do parlamento reflita a vontade dos seus eleitores. O chamado mandat impératif e a cassação de mandato de funcionários eleitos são 6

Nestes se incluem os representantes (políticos profissionais que vivem da política) dos corpos legislativos, sendo que estes surgem com base no princípio da divisão do trabalho, característico do Estado burocrático moderno.


instituições democráticas, desde que o eleitorado seja democraticamente organizado [...] (2005, p. 417).

Nossos mandatários, os Vereadores da Câmara Municipal de Maringá, acabaram de rasgar sorrateiramente este sagrado compromisso democrático. A isagoria é um dos três princípios – ao lado da isonomia e isotimia – imortalizados pelos gregos antigos e intrínsecos a toda e qualquer democracia. Consiste no “[...] direito de palavra, da igualdade reconhecida a todos de falar nas assembléias populares, debater publicamente os negócios do governo [...]” (BONAVIDES, 2011, p. 291). Os projetos de leis aprovados tratam da destinação do erário, do aumento de gastos com subsídios de agentes públicos. Matéria polêmica e de extrema relevância. Os Excelentíssimos parlamentares levaram este debate à ágora ou à praça pública, para que a sociedade civil pudesse se manifestar sobre um assunto que lhe afeta diretamente? É preciso relembrar as irrepreensíveis palavras de Goffredo Telles Jr., que se aplicam a este insistente status quo antidemocrático vigente na prática política brasileira: O que dá sentido ao desenvolvimento nacional, o que confere legitimidade às reformas sociais, o que dá autenticidade às renovações do Direito, são as livres manifestações do Povo, em seus órgãos de classe nos diversos ambientes da vida. Quem deve propulsionar o desenvolvimento é o Povo organizado, mas livre, porque ele é que tem competência, mais do que ninguém, para defender seus interesses e seus direitos. Sustentamos que uma Nação desenvolvida é uma Nação que pode manifestar e fazer sentir a sua vontade. É uma Nação com organização popular, com sindicatos autônomos, com centros de debate, com partidos autênticos, com veículos de livre informação. É uma Nação em que o Povo escolhe seus dirigentes, e tem meios de introduzir sua vontade nas deliberações governamentais. É uma Nação em que se acham abertos os amplos e francos canais de comunicação entre a Sociedade Civil e o Governo7.

Vejamos. Conforme análise dos vídeos das sessões ordinária e extraordinária do dia 17/11/2011, disponíveis no site da Câmara Municipal de Maringá8, e dos arquivos dos Projetos de Lei n.º 12.184/2011 e n.º 12.185/2011, pode-se verificar que os Vereadores de Maringá, em uma demonstração de eficiência e velocidade supersônica, apresentaram (no dia 16/11/2011 em proposição feita pela Comissão de Finanças e Orçamento) e votaram (em 17/11/2011) os mencionados projetos. Não bastasse essa impressionante demonstração de trabalho duro por parte dos Vereadores, viu-se ainda que a votação do PL 12.184/2011 (que trata do aumento dos subsídios dos Vereadores em específico) em primeiro turno durou

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Disponível em: http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?id_pg=30#um. Disponível em: http://www.cmm.pr.gov.br/?acao=sessoesonline.


exatos 45 segundos (48:45 – 49:30 do video da sessão ordinária do dia 17/11/2011), sem qualquer discussão ou orador para falar sobre o projeto, e a discussão em segundo turno mais 50 segundos (12:30 – 13-20 do video da sessão extraordinária do dia 17/11/2011) . Com toda a certeza, é um espaço de tempo claramente suficiente – tanto para a duração das discussões, quanto para a falta de um intervalo razoável entre os turnos – para tratar de uma matéria que no próprio corpo da proposição vinha como “Matéria Polêmica”. Falando ainda de matérias polêmicas, duas observações se fazem importantes. A primeira diz respeito ao outro Projeto de Lei n.º 12.185/2011, que trata dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e auxiliares, que embora tenha aumentado os vencimentos de tais personalidades em mais de 40%, com o salário do prefeito chegando aos seus R$ 25.000,00 (comparável ao da Presidenta da República e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que atingem a marca de R$ 26.700,00), foi considerada matéria NÃO POLÊMICA. Ora, em que mundo os vereadores estavam quando pensaram que tais aumentos não eram polêmicos? Talvez nem Freud saberia explicar. A segunda diz respeito ao modo em que as duas proposições foram colocadas em pauta para votação, no chamado Regime de Urgência Especial, que é definido no art. 202, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de Maringá: Art. 202. A urgência especial é a dispensa de exigências regimentais, salvo as de quorum para aprovação e de parecer, quando assim exigido, para que determinada matéria seja prioritariamente submetida à deliberação plenária. §1º. A urgência especial só poderá ser proposta para matérias que, examinadas objetivamente, demonstrem necessidade premente de aprovação, resultando em grave prejuízo a falta de sua deliberação imediata.

Será que nós não entendemos o que é o “devido processo legislativo” ou são os Vereadores de Maringá que não possuem a necessária ciência do que são propostas legislativas de “necessidade premente de aprovação”, cuja falta de deliberação imediata posso resultar em “grave prejuízo”? Se for resposta afirmativa à primeira questão, pedimos sinceras desculpas aos Excelentíssimos Vereadores. Entretanto, não nos parece que os mencionados aumentos se encaixam como urgentes, ainda quando se lê o art. 56 da Lei Orgânica do Município de Maringá: Art. 56. Os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos Secretários Municipais ou equivalentes e dos Vereadores serão fixados pela Câmara Municipal no último ano da legislatura, até trinta (30) dias antes das eleições municipais, vigorando para a seguinte, observado o disposto na Constituição Federal.


Ora, conforme o site do Tribunal Superior Eleitoral9, as eleições municipais de 2012 ocorrerão no dia 07 de outubro de 2012. Portanto, a “matéria urgente”, poderia ser votada até o dia 07 de setembro de 2012, sem que tal fato acarretasse em qualquer “grave prejuízo”. Diga-se de passagem: prejuízo a quem? Claro, prejuízo para os Excelentíssimos Vereadores que, com tanto medo de suportar este ônus, contrariaram texto expresso do art. 56 (supra) da Lei Orgânica. Afinal, os subsídios serão (cientificamente falando, deverão ser) fixados no ÚLTIMO ANO DA LEGISLATURA, qual seja, em 2012! Quanta pressa, não? Esta lei perde completamente sua validade apenas neste aspecto procedimental, por desrespeito frontal ao devido processo legislativo: O respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas é um dogma corolário à observância do princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente, uma vez que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder competente [...] (MORAES, 2010, p. 650).

Além de todos os apontamentos feitos, algo ainda resta patentemente injusto aos olhos destes autores e de toda a sociedade: a porcentagem do referido aumento, de 90,51% para os Vereadores (de R$ 6.312,63 para R$ 12.025,40) e de 44,1% para o Prefeito (de R$ 17.300,00 para R$ 25.000,00). Por que injusto? Primeiro, porque o salário mínimo nacional vigente é de R$ 545,00 e para 2012 sofrerá um reajuste de 13,6%, atingindo a “bolada” de R$ 619,2110; segundo, porque desde o começo deste ano, em parte para não sofrer do mesmo mal que assusta os Estados do Velho Continente e em parte para manter a oikos (casa) em ordem, o Estado brasileiro vem contendo seus próprios gastos, com cortes e mais cortes no orçamento, tanto do Governo Federal com cortes que chegaram a R$ 50 bilhões11, quanto do Governo do Estado do Paraná, em sua meta de cortar em 15% suas despesas12. Caso a situação se mantenha, cada vereador receberá anualmente R$ 144,300,00 (exceção ao vereador presidente da casa legislativa que como ganhará R$ 18.038,11, por ano ganhará R$ 216,456,00), o que se contarmos os 4 (quatro) anos de mandado eletivo, representarão R$ 577.200,00; por ano, conforme tabela anexa ao Projeto de Lei n.º 12.184/2011, a Câmara Municipal custará a partir de 2013 aos cofres públicos R$

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Disponível em: http://www.tse.jus.br/internet/eleicoes/2012/calendario.html#1_1_2012. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/politica/2011/08/31/orcamento-fixa-salario-minimo-em-r-61921para-2012.jhtm e http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/08/orcamento-para-2012-preve-salariominimo-de-r-61921.html. 11 Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/economia/governo-anuncia-corte-de-gastos-de-r-50-bi-em2011/ e http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/02/governo-anuncia-corte-de-r-50-bilhoes-noorcamento-de-2011.html. 12 Disponível em: http://www.administracao.pr.gov.br/modules/noticias/makepdf.php?storyid=1201. 10


2.236,725,14, um gasto de R$ 1.060.670,30 a mais ao erário por ano (o custo atual por ano é de R$ 1.176.054,84). Já o prefeito receberá por ano o valor de R$ 300.000,00 que, considerando um mandato integralmente cumprido, representará um ganho R$ 1.200,000,00 – algo completamente distorcido da realidade socioeconômica brasileira.

CONCLUSÃO Após tudo isso e descontando o pequeno equívoco procedimental na aprovação da lei, alguém poderia objetar que os Excelentíssimos Vereadores não violaram qualquer princípio democrático. Inclusive, Celso Antônio Bandeira de Mello serviria de apoio doutrinário: [...] É que as leis se submetem a um trâmite graças ao qual é possível o conhecimento público das disposições que estejam em caminho de ser implantadas. Com isto, evidentemente, há uma fiscalização social, seja por meio da imprensa, de órgãos de classe, ou de quaisquer setores interessados, o que, sem dúvida, dificulta ou embarga eventuais direcionamentos incompatíveis com o interesse público em geral, ensejando a irrupção de tempestivas alterações e emendas para obstar, corrigir ou minimizar tanto decisões precipitadas quanto propósitos de favorecimento ou, reversamente, tratamento discriminatório, gravoso a grupos ou a segmentos sociais, econômicos ou políticos. Demais disto, proporciona, ante o necessário trâmite pelas Comissões e o reexame pela Casa Legislativa revisora, aperfeiçoar tecnicamente a normatização projetada, embargando a possibilidade de erros grosseiros, ilogismos ou inconveniências mais flagrantes. Finalmente, propicia um quadro normativo mais estável, a bem da segurança e certeza jurídicas, sem as quais é imposívelum planejamento razoável da atividade econômica das pessoas e empresas e até dos projetos individuais de cada qual. E, até mesmo para garantir o desfrute de todas as vantagens mencionadas, o constituinte brasileiro teve o cuidado de regular minuciosamente o processo legislativo, obstando a que, por disposições infraconstitucionais, se pudesse estabelecer um rito menos prudente na elaboração das leis (2011, p. 268) [grifo no original].

Realmente, pensando estritamente em termos jurídico-conceituais a afirmação de Celso de Mello está corretíssima e serve para o caso em questão. Entretanto, politicamente existe um verdadeiro abismo que separam mandantes e mandatários, cidadãos e agentes políticos, como falado acima. Isto ocorre por culpa e inércia de ambos os lados. Só que aqueles possuem uma causa de justificação – mas que não exclui por completo a responsabilidade: a massa dos cidadãos trabalha a maior parte do dia para se sustentar com ínfimos salários e sustentar todo este aparato estatal, além de estudar e cuidar da família... Isso consome tempo e o tempo que resta serve para o descanso e lazer, para a recuperação das energias desprendidas nesta intensa rotina. Assim, torna-se extremamente difícil acompanhar todos os assuntos – intrinsecamente numerosos e complexos – que envolvem a pólis, pois sobra cansaço mental para tanto. Por conseguinte, partindo dos princípios constitucional da


soberania popular, os mandatários – que recebem13 para se dedicar principalmente aos assuntos políticos – DEVERIAM estreitar os laços comunicativos com os cidadãos, ouvindoos e prestando contas do que faz ou deixa de fazer. Evidentemente, este ato parlamentar violou repentinamente tal princípio. Os princípios são os alicerces de toda e qualquer estrutura normativa, por definir a coerência lógica e a racionalidade do sistema e por encerrar as prescrições mais básicas que servirão de lastro para todas as normas derivadas: Eis porque: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” (MELLO, 2011, p. 54).

Portanto, a pretensa constitucionalidade deste ato parlamentar – defendida pelo referido vereador – padece da mais grave inconstitucionalidade porque mina o princípio e o fundamento político da própria Constituição Federal (art. 1º, parágrafo único). Cidadãos maringaenses: ficaremos passivos diante desta afronta?

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No âmbito democrático, existe o precedente histórico de Péricles que, quando governou Atenas (444 – 429 a. C.), concedeu “[...] uma indenização (mistoforia) a quem desempenhasse um cargo público, com o claro objetivo de permitir até aos menos abastados, então admitidos à magistratura por sorteio, a participação no Governo da Pólis” (BONINI in BOBBIO et al, 2007, p. 953). Ora, se os altos subsídios servem para que os mandatários se dediquem com o máximo de disponibilidade à regência da pólis e para evitar a corrupção; se, no Brasil, eles são indolentes e os níveis de corrupção são alarmentes, para que o aumento?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOBBIO, Norberto. Direito e Poder. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: UNESP, 2008. ______. Liberalismo e Democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2000. ______ et al. Dicionário de Política. 13ª ed. Tradução de João Ferreira (coord.). Brasília: UNB, 2007. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4ª ed. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; Ensaio sobre a Origem das Línguas; Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens; Discurso sobre as Ciências e as Artes. 3ª ed. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores). WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2006. ______. Conceitos Básicos de Sociologia. Tradução de Rubens Eduar Ferreira Frias e Gerard Georges Delaunay. São Paulo: Centauro, 2002.


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