More cinema

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PERFIL

Descendente de japonês nascido no interior paulista, que trabalhou na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, e se mudou para Maringá em 1970, virou caixa de supermercado na cidade, mas continua aficionado pela sétima arte, colecionando filmes e sempre disposto a trocar ideias com quem se interessar pelo assunto

More ao lado de sua coleção de filme, cujo número ele diz ter perdido a conta, mas passa de dois mil exemplares

Por AIRTON DONIZETE Fotos ARQUIVO PESSOAL E AD

T

oddy e Lili passam pela sala em idas e vinda com o rabo levantado. Alisam minhas pernas e parecem querer participar do bate-papo. São os gatos do More. Naquela noite chuvosa terminávamos uma entrevista que começara num boteco na Avenida Cerro Azul. O papo, claro, era

cinema. Meu interlocutor se diz um rato de cinema. Apaixonado mesmo. “Cinema é meu oxigênio por excelência”, repete ele durante a entrevista. Em Novos Cravinhos, distrito de Pompéia (SP), um menino brincava pelas ruas de chão batido. Filho único, os pais o levavam para assistir a filmes em preto e branco. Opção de lazer que o governo brasileiro oferecia aos imigrantes japoneses, inclusive, na zona rural, onde eram exibidos em barracões improvisados. More pouco se recorda dos antigos filmes japoneses, mas foi ali no


Com o jornalista Manoel Cabral, na Folha do Norte

Destaque no Caderno Cultural do Jornal do Brasil

meio da plateia sentada no chão que começou a tomar gosto pelo cinema. O menino cresceu e, mais tarde, começou a frequentar as matinês do Cine Dracena. No final da década de 1950, ele se deliciava com “La Violeteira”, estrelado por Sarita Montiel e “Amor na tarde”, com Gary Cooper. Apreciava também os bangue-bangues com Durango Kid e Rocky Lane. Antes das sessões, ele se punha a admirar os cartazes dos filmes. Queria descobrir como eram feitos. “Fazer uma foto desse tamanho não deve ser nada fácil”, imaginava. Para Morimassa Miyazato, nascido em 8 de outubro de 1945, nada foi fácil. A vida lhe apresentou em estado bruto; ele teve de lapidá-la. Missão espinhosa. Ainda mais quando se tem um sonho. No caso dele, trabalhar com cinema. Não queria ser ator ou diretor, More, como é conhecido, se define como um estudioso da sétima arte. Tanto que sua trajetória pelo meio o levou a trabalhar

Sandra Bréa (segunda à dir.) na 1ª Amostra de Cinema de Maringá,em 1978

na Cinemateca do Museu de Arte Morderna (MAM), no Rio de Janeiro. Antes de chegar lá, ouve idas e vindas, inclusive, para o Japão, onde morou quatro vezes. Os pais dele tinham parentes em Maringá e para cá vieram em 1970. Na cidade, More conheceu sua mulher, Aurora Tereza, 62, com quem se casou em 1973; um ano depois da inauguração da Catedral Nossa Senhora da Glória. O casal tem três filhos e seis netos. Sobre os quais recaiu seu gosto cinéfilo. Sua filha Breezy, advogada, é uma homenagem ao filme “Interlúdio de amor”, em que Kay Lenz interpreta “Breezy”. Uma adolescente hippie que se apaixona por um divorciado cuja idade é o dobro da dela. Marlon, diretor-executivo de uma empresa, claro, se refere a Marlon Brando, um dos atores preferidos do pai; Sarina, comissária de bordo, uma homenagem as Sara do cinema. “Minha cabeça é cinema e não poderia ser


PERFIL diferente ao escolher o nome dos filhos”, afirma. “O cinema está no meu DNA”. Em Maringá a paixão pelo cinema encontrou respaldo. More, a convite do jornalista Joel Cardoso, assinava uma coluna na antiga Folha do Norte, na qual fazia um resumo do que era exibido durante a semana nos cines Maringá, Plaza, Paraná e Horizonte. Depois exerceu a mesma função em O Diário do Norte do Paraná, no qual tinha uma coluna semanal de duas páginas. Mas More voltou para Dracena. Lá, apresentado por um amigo conseguiu emprego de gerente de um cinema. Ficou pouco mais de um ano na cidade paulista e retornou a Maringá. Aí idealizou a 1ª Mostra de Cinema de Maringá, em 1978. Na época, o poder público prometeu ajudá-lo, mas não cumpriu, e ele teve de bancar o evento. “Vendi um terreno e um carro e mesmo assim fiquei devendo”. Sem ter como pagar os compromissos assumidos, negociou com os credores. “Procurei um a um e disse que iria ganhar dinheiro e voltaria para pagar as dívidas”, conta. A família ficou em Maringá; ele foi para o Rio de Janeiro. Por indicação de um amigo de Maringá procurou uma pessoa da diretoria do MAM. Começou a trabalhar de pesquisador no dia seguinte na Cinemateca do

MAM. Meses depois buscou a família e permaneceu na função de 1979 a 1989. Mirando o copo de cerveja sobre a mesa, More se emociona ao lembrar os tempos em que trabalhava no MAM. “Foram os melhores anos da minha vida”, diz. “Conheci grandes feras do cinema nacional, entre elas, os diretores Lael Rodrigues e Nelson Pereira dos Santos; fiz amizades que valeram mais do que qualquer quantia de dinheiro que pudesse ganhar”. O cargo permitia que ele viajasse pelo Brasil com exposições cinematográficas, ampliando sua coleção de cartazes sobre o tema. Os filhos cresceram, e a vida no Rio de Janeiro começou a se tornar financeiramente difícil. More voltou para o Japão, onde trabalhou por mais alguns anos e retornou a Maringá para escrever e lançar o livro “More no Japão”. Um trocadilho que conta um pouco da história dele e revela costumes dos japoneses. Há seis anos ele é caixa de um supermercado na cidade, mas o cinema continua a ser o combustível de sua vida. Uma sala nos fundos do apartamento onde mora na Avenida Tiradentes está abarrotada de filmes em DVD. Pelos números, More já assistiu à maioria. De 2005 para trás, ele perdeu as anotações. Naquele ano, ele assistiu a 335 filmes. Em 2006,

“De madrugada, Grande Otelo fugiu do quarto do hotel e fomos a um boteco. Bebemos e batemos um longo e gostoso papo sobre cinema”

Cartaz da 1ª Mostra de Cinema de Maringá

More na Cinemateca do MAM, onde trabalhou por dez anos


Cine Alvorada anuncia “Interlúdio de Amor” , em Maringá

Crachá de trabalho na Cinemateca do MAM

Crachás do Festival de Brasília, do qual participou de várias edições

Sempre convidado dos grandes festivais nacionais, como aqui no Festival de Brasília

“Sandra Bréa substituiu Sônia Braga na 1ª Amostra de Cinema de Maringá, em 1978; a convidada seria Sônia Braga, que estava fora do Brasil quando eu a procurei”

418; 2007, 606; 2008, 549; 2009, 360; 2010, 377; 2011, 353; 2012, 383; 2013, 429; 2014, 443 e até outubro de 2015, 272. More fica até de madrugada vendo os filmes. “No outro dia pulo da cama às 7 horas para mais um dia de trabalho”, acrescenta. Escolher um filme deve ser complicado para quem assistiu a tantos, mas More não titubeia. Diz que seu filme predileto é “Lawrence da Arábia”, um épico de 1962 estrelado por Peter O´toole. Para ele, é o caso do filme feito especialmente para um ator. “Nenhuma outra atuação dele foi tão brilhante”, diz, elogiando também a obra do cineasta Eduardo Coutinho, autor, entre outros, de “Cabra marcado para morrer” e “Santo Forte”. Conheceu-o no Rio no dia do lançamento de “Cabra marcado para morrer”. Diz que foi emocionante porque estava presente a viúva de João Pedro Teixeira, que fora morto e retratado no filme de Coutinho. A história ocorreu em Sapé, na Paraíba, em 1962. Falando de um e outro filme, ele aponta para uma foto com Grande Otelo. Recorda-se

de um dos muitos festivais em que participou Brasil afora. Ao lado de Otelo havia uma mulher que, segundo More, era uma enfermeira que o acompanhava impedindo-o de consumir bebida alcoólica.“De madrugada, ele fugiu do quarto do hotel e fomos a um boteco”, conta. “Bebemos e batemos um longo e gostoso papo sobre cinema”. Os mais de mil cartazes de filme que guardava sumiram com as constantes mudanças. Sobraram fotos dos eventos em que participou. À 1ª Amostra de Cinema de Maringá, More trouxe, entre outros artistas, Sandra Bréa, na época, um símbolo sexual. A convidada seria Sônia Braga, que nasceu em Maringá, mas naquele ano ela estava fora do Brasil. Os gatinhos Toddy e Lili já estão dormindo. Lá fora, a chuva cai sem cessar. Hora de ir embora. A história de More é comprida. Se for para escrever mesmo daria um livro. É o que ele quer fazer: escrever a biografia destacando a relação dele com o cinema. Ah, More quitou as dívidas com credores da 1ª Mostra de Cinema de Maringá.


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