ARTE & CULTURA
JUNHO 2019 | No.1
Arte urbana no mundo
O Brasil na Vanguarda
NO PRELO
Lanรงamento no 2o. semestre
Editorial
Staff
Conforme nossos anúncios pelas redes sociais e as conversas trocadas entre muita gente, SAGAZ é uma realidade. Uma revista nova e uma nova revista! Vamos lembrar da regrinha gramatical quando se aplica o mesmo adjetivo antes e depois do substantivo? Antes: NOVA REVISTA – sim, no sentido de inovação e renovação, no sentido de abertura para mil e um temas ou tópicos, numa visão arrojada, autêntica e equilibrada. Todos os assuntos são passíveis de ser incluídos em nossos ensaios, reportagens, artigos, crônicas e contos. A SAGAZ não vai informar, provocar, perturbar! Sim, isto mesmo. Sua nova revista é ativa, desafiando parâmetros ultrapassados e ainda se esgueirando por aí, revolvendo um conservadorismo social mofado, como indica esta lista de assuntos que terão ingresso livre nas nossas páginas: Humanidades, Artes, Ciências, Assuntos de Controvérsias, Debates, Participação dos Leitores (entendo-se a inclusão de Leitoras), Humor e até ‘papo furado’, ‘conversa pra se jogar fora’, coisas assim, que serão de valia para todos os momentos de sua, da nossa vida! Posição de ‘NOVA’ depois do substantivo: REVISTA NOVA. Pois é, acaba de nascer, novinha em folha (ahahahah, as folhas por enquanto estão no vidrinho do seu computador, mas logo vão estar no papel também)! Esta SAGAZ já está andando, saltou a fase do engatinhamento, desde que recebeu ainda antes de vir à luz, a experiência de suas irmâs, todas elas da Edições Talu (Amazônia
Diretor Editorial Elias Salgado Diretora e Editora Executiva Regina Igel Diretor de Art Design Eddy Zlotnitzki Projeto Gráfico e Arte Diagramação Eddy Zlotnitzki Revisão Regina Igel Colunistas Henrique Cymerman Regina Igel Fernando Lattman-Weltman Alexandre Antabi Colaboram neste número Bianca Dias Sheyla Baumworcel Nelson Nisenbaum Fábio Silva Sagaz Arte & Cultura é uma publicação da Talu Cultural
Judaica sendo a mais velha, que ensinou muito!). SAGAZ – Nova Revista, Revista Nova – promete lhe trazer leituras repletas de vida! É criativa, exuberante, polifacética, tem a experiência aprendida em outras publicações e a SAGACIDADE da juventude! Sim, SAGAZ é de tudo isto, capaz! Vamos a ela, agora e já! Relaxe e leia. Depois nos diga o que achou. Vamos apostar... acho que você vai gostar!
www.talucultural.com.br contato@talucultural.com.br
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CAPA
Street Art no Brasil
7 PALPITE FELIZ 14 LITERATURA 26 CINEMA 34 TODOS OS GÊNEROS 36 TECNOLOGIAS 42 NO MUNDO
Jornalista Henrique Cymerman entrevista escritor Yuval Noah Harari Ideológicos são os outros
Ensaio: Strange Fruit / Resenha: A travessia da Terra Vermelha, de Lucius Mello / Indicações Sagazes Em análise: A Alma Imoral - o filme / Indicações Sagazes “Tá difícil de entender ou quer que eu desenhe?” Inteligência Artificial x Moral Cultural / Brinquedos são coisa séria
A pintura é só alegria e cores, mas o quadro já não é o mesmo.
Fabio Sombra, “Inauguração do Museu”. (Acervo do MIAN - Museu Internacional de Arte Naif do Brasil)
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NO MUNDO/Henrique Cymerman/Tradução: Elias Salgado
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Henrique Cymerman entrevista Yuval Noah Harari (Kiryat Atta, 1976), historiador e escritor israelense, professor na Universidade Hebraica de Jerusalém, se tornou popular graças à publicação de Sapiens: De animais a deuses. Uma breve história da humanidade e Homo Deus: Breve história do amanhã. Recebe a La Vanguardia em sua casa de Tel Aviv para analisar seu último livro: 21 lições para o século 21
Quem é Yuval Harari, como ele se apresenta? Sou um historiador que entende a história não como o estudo do passado, se não , como o estudo da mudança. Nasci em Kiryat Atta, onde residi até os 17 anos. Estudei na Universidade de Jerusalém, e em Oxford fiz meu doutorado. Dois ou três meses de serviço militar em Israel e entendi que não era minha vibe.
Em Homo Deus você faz uma referência à filosofia do futuro. O que oferece agora em sua nova obra, 21 lições para o século XXI? Um livro sobre o presente. Em temas como imigração, aquecimento global, terrorismo ou “fake news”, ao final as percepções do passado e do futuro devem refletir-se em como nós pensamos e atuamos no presente. Grande parte do livro contém crítica sobre a
É a grande revolução? Sim, e a ela se relacionam muitas revoluções econômicas, sociais e políticas. Ninguém sabe como será o mercado de trabalho em 20 ou 30 anos. É por sua vez, uma revolução política: todos os modelos políticos que herdamos do século XX já não funcionam e não está claro que modelos políticos novos vão substituí-los.
Você estudou na universidade dos anos 80 E naquela época diziam que cada sete anos o conhecimento humano, em cada área se duplica. Hoje dizemos que é a cada dois anos e meio. Como confrontar? Como se pode trabalhar numa profissão quando a informação se duplica a si mesma? Temos que seguir estudando a todo momento...O modelo em que alguém ia à universidade, estudava uma profissão e desde os 25 anos até a aposentadoria vivia da informação acumulada, é totalmente não efetivo. Agora, mesmo que você tenha a mesma profissão durante 50 anos, você se atualiza. Você nunca está parado no mesmo lugar.
Inclusive a própria profissão Um jornalista de 2018 não será o mesmo como jornalista em 2050. Terá que confrontar-se com mudanças mais extremas nas
8 quais não haverá trabalho como jornalista. Se alguém quer trabalho terá que ir para outra área ou reinventar-se a si mesmo novamente em algo diferente.
E a organização política? Os partidos não mudaram tanto nos últimos 100 anos comparando com outras áreas da vida. Estamos vendo que os partidos ao redor do mundo estão colapsando, cada vez têm menos relevância, a maioria desaparece ou enfraqueceu muito. Há novas forças. Acontece em Israel. Os partidos aparecem por pouco tempo e desaparecem. Não está claro se vão necessitar fazer mudanças nos próprios partidos, ou reorganizá-los. E ao invés de trabalhistas e conservadores na Grã Bretanha, que foi o modelo de partidos políticos nos últimos 100 ou 200 anos, haverá um modelo que mudará ou desaparecerá totalmente. Na Idade Média e na Antiguidade não havia partidos.
Hoje em dia existem sistemas como internet e outros que talvez permitam o retorno à democracia direta de Atenas. Não está claro. No caso de Atenas Antiga, um número reduzido de pessoas privilegiadas se sentava junto e decidia o que aconteceria, algo muito distante da visão que temos hoje de uma democracia aberta. Há muitos riscos na democracia aberta para todos, numa área na qual os grandes problemas necessitam de conhecimentos científicos profundos que a maioria da população não tem. Por exemplo, não está claro se a democracia direta funcionará bem sem mediação dos especialistas quando a questão sobre a mesa é o aquecimento global ou como frear a evolução da inteligência artificial. Levar cada resolução de um problema importante a nível internacional e baseá-lo na decisão de pessoas que não conhecem a problemática em profundidade não é uma boa ideia.
Seu novo livro começa com a surpreendente frase “no mundo cheio de informação não relevante, a clareza é força”. A maioria das pessoas não é capaz de entender o que acontece no mundo, não por falta de informação, mas sim ao contrário: por inundação de informação. A capacidade de diferenciar entre o que é relevante e o que não, está em um momento crítico. O problema não são as “fake news”, sempre existiram. É entender quais são os principais processos e conflitos com os quais nos confrontamos. A atenção das pessoas se desvia e há que saber distinguir. Ninguém tem a menor ideia de como será o mundo em 2100, ou mesmo em 2050. Nós podemos planejar diferentes possibilidades.
Você citou a biotecnologia. Viveremos até os 200 anos? É possível. A melhor parte de nós viverá até os 200, porém a raça humana se dividirá em castas biológicas. Grandes diferenças não só na expectativa de vida – uns viverão até 200 e outros que até 50 – mas também, diferenças em suas capacidades. Capacidades físicas, mentais e emocionais. No momento que podemos decifrar a biologia humana, os tipos de manipulações que podemos fazer com isto são quase ilimitadas. Podemos ficar no nível do corpo e mudar a carga genética, mudar os sistemas orgânicos do corpo, podemos
9 juntar o corpo orgânico a partes não orgânicas e criar ciborgs, desde mãos biônicas até sistemas imunológicos de milhões de micro robôs, que circulam pelo corpo e reforçam o sistema imunológico orgânico. Até conexões diretas entre o cérebro e o computador, navegar na internet com a consciência, armazenar parte da memória em um armazenamento externo. Usar diferentes capacidades que estão colocadas na nuvem, não em você ou alguma rede. No momento que se abre a porta na qual nós sabemos como conectar o cérebro a um computador, o que há atrás da porta ninguém tem a mais remota ideia.
“A biotecnologia e a informação darão a possibilidade de criar a vida de novo”, afirma o pensador israelense Quando se dará a conexão entre o cérebro e o computador: 5, 50, 100 anos? Em cinco anos é bastante improvável, porém um dia acontecerá. Em 40, 80 ou 200 anos, ninguém sabe. É típico das revoluções científicas deste século é que algo que parece muito próximo nunca acontece e sempre há problemas técnicos. E acontece que é muito mais complicado do que havíamos pensado. Porém, então, de repente, algo acontece muito mais rápido do que se havia pensado. Acontece na genética. O projeto do genoma humano foi decifrado no início dos anos 2000, porém, muitas características, físicas e humanas, não estão dominadas por só um gen. Parece que a revolução genética tardará muito mais tempo do que havíamos pensado. Porém, ao mesmo tempo, haverá um salto adiante na inteligência artificial, muito mais rápido do que pensamos. Há dez anos, a ideia de carro autônomo ou que um computador venceria a um ser humano nos jogos do GO! Soava impossível, ficção científica.
Abordando a crise das democracias liberais clássicas e a ascensão do nacionalismo e populismo. O liberalismo tradicional está em risco de extinção? O que nutre a onda de populismo que arrasa muitos países?
O liberalismo já passou por pelo menos três grandes crises no século XX: a I Guerra Mundial, a ascensão do fascismo e a luta contra o comunismo. A crise atual é menos grave que as anteriores. Não é necessariamente o fim da democracia liberal, mas sim uma crise séria. Na minha opinião isto acontece porque o sistema liberal não tem respostas aos grandes problemas do século XXI. As pessoas têm medo do desconhecido, temem as mudanças radicais que estão acontecendo agora e que vão acontecer ainda mais nas próximas décadas. As pessoas buscam algo estável e seguro a que possam se agarrar, que seja eterno e que esteja acima das coisas que mudam sem parar. Isto é o que oferecem o nacionalismo e a religião. Obviamente, são promessas falsas. Nem o nacionalismo nem a religião têm respostas às grandes perguntas do século XXI. Não há respostas na Bíblia do que fazer com o aquecimento global, com a inteligência artificial ou a engenharia genética.
O Papa Francisco considera que todo o caos geopolítico no Oriente Médio é como uma III Guerra Mundial, pela intervenção de muitas potências. É uma afirmação exagerada. Não é uma guerra mundial, mas é definitivamente, uma crise regional sem precedentes. Existiu um Oriente Médio relativamente estável durante décadas, desde o final da II Guerra Mundial. As fronteiras, a mesa de xadrez do Oriente Médio, se moviam todo o tempo. Havia guerras, porém, as regras básicas eram mais ou menos conhecidas. Nos últimos sete anos houve um colapso do sistema. Não está claro que tipo de sistema novo vai substituí-lo.
Na Síria e Iraque o Estado Islâmico foi vencido, porém, os jihadistas se dispersaram por outros países e ameaçam agora causar danos ao Ocidente com ataques à facada e atropelamentos. É psicologia, é o mais recente divertimento. Morrem mais europeus por causa de relâmpagos ou por alergia a nozes que por terrorismo. Não sei o que acontecerá no futuro. É possível que de repente consigam armas nucleares e façam Londres
10 voar pelos ares, e então a história será totalmente diferente. Desde o 11 de setembro, o terrorismo é um problema menor que se converteu em um problema super central que muda o mundo por razões psicológicas. No aspecto material, o dano à vida humana e no tecido da vida é quase nulo. A força do terror é a força do espetáculo teatral. Imponho medo sobre centenas de milhões de pessoas quando mato dezenas. A nível psicológico isso é um êxito espetacular.
Os meios de comunicação colaboram com isso? Há uma aliança estreita entre os meios de comunicação e o terror. Dão lucro um ao outro. Os meios levam a mensagem dos terroristas e os terroristas ajudam os meios vender e conseguir espectadores, assistir a TV e escutar o rádio. Eles não fazem de propósito, porém, é o que acontece. Suponho que quando há um atentado terrorista, prefiram colocar uma notícia na página 4. Quando há um atentado com atropelamento se referem a um atropelamento, não a um atentado. No momento que não derem tanta repercussão aos atentados terroristas, eles diminuirão muito. Todo o objetivo do terrorismo é chamar atenção.
Você disse que sua ideia está por todos os lados, mas qual é sua ideia? Na minha opinião, causar medo ao Ocidente e deixar a jihad ganhar com mais e mais territórios.
Em quais território ganham? No momento no Oriente Médio perderam, porém estão em outros lugares, seguem a luta. Podem causar muitos danos de diferentes maneiras, podem desestabilizar o sistema político, porém não têm um plano construtivo para um cenário diferente sobre como controlar o mundo. O Oriente Médio enfrenta problemas da economia mundial, aquecimento global ou revoluções tecnológicas. Eles têm muita influência e é totalmente negativa, porém não têm um plano alternativo positivo.
Prevê que nos próximos anos o mundo livre vencerá os jihadistas? Os jihadistas não são o problema. Os jihadistas são como um mosquito ou uma mosca, eles podem causar muito dano ao mundo quando entram na orelha de um elefante e o elefante fica louco e começa a destruir tudo o que há ao seu redor. Porém por si mesmos, sua força é marginal. Os problemas do mundo não são com os jihadistas. Os problemas do mundo estão no nível geopolítico, são as tensões do Ocidente com a Rússia ou China. A importância da jihad é quase exclusivamente psicológica.
Vivemos na era das “fake news”, a informação que eu chamo de “ jornalismo McDonald’s”. O que acontecerá no mundo da comunicação que ainda goza de muita influência na opinião pública global? A situação é menos grave do que se crê. Sempre houve mentiras e “fake news” na história, em escala ainda maior que a atual. Todas as religiões,
11 exceto uma, são “fake news”. Qual é essa religião? Tua religião. Se você pergunta a um judeu, te dirá que o cristianismo é “fake news”. Se você pergunta a um muçulmano te dirá: “que nada, nós somos os verdadeiros, os demais são falsos”. O jornal comunista central na União Soviética se chamava “Pravda” (verdade) e todos sabemos que o que estava escrito no “Pravda” era tudo menos verdade. Se você compara Putin com Stalin, Putin é uma criança pequena com a desinformação que é capaz de gerar. Stalin escondeu com muito êxito o assassinato de dezenas de milhões de pessoas. Pessoas na Espanha ou Israel pensavam que Stalin era o maior messias da humanidade, enquanto assassinava milhões e elas não sabiam. Hoje em dia ninguém pode ocultar o assassinato de milhões de seres humanos.
Outro exemplo? Putin pode tentar ocultar que na Ucrânia morrem milhares e de alguma forma tenta ocultar que, efetivamente, a Rússia está por trás.. Se conecto com o que você disse, o jornalismo McDonald’s, teremos um problema com o modelo da indústria da informação. O modelo dominante hoje no mundo das notícias é o de notícias grátis, em troca da sua atenção. O produto real na indústria de notícias já não são as notícias, se não a atenção do público. A maioria das pessoas, lamentavelmente, não é consciente
disso. Recebem um produto de baixíssima qualidade e o que o caracteriza é atrair sua atenção. Inventam notícias sensacionalistas, fabricam manchetes que quase de forma inconsciente conseguem atrair um clique. Este é o truque.
Como proteger a humanidade disso? A solução ideal é mudar o modelo da indústria de notícias, passar para notícias de qualidade, que custam muito dinheiro e não explorem mais nossa atenção nem a dos espectadores. A ideia de que não temos que pagar pelas notícias, que são grátis, é algo terrível. As pessoas estão dispostas a pagar muito dinheiro por boa comida, roupa de qualidade, bons carros, etc. Por quê não pagariam por notícias de qualidade?
O que aconteceu até agora? Que todas as coisas estão de pernas pro ar. As previsões otimistas dos anos 90, que afirmavam que internet e conexão entre pessoas criariam um mundo muito mais harmônico, pacífico e livre, não se materializaram, absolutamente. Muitas destas novas tecnologias servem para aumentar o ódio, os temores, de modo que já não se pode conseguir um diálogo racional e normal sobre temas de imigração ou terrorismo. Parte das pessoas se fecham em si mesmas numa bolha em que só gente que pensa
12 como elas se encontra dentro dela.
A crise econômica mundial, provavelmente a maior da história e o terrorismo e a imigração de forma geral, criaram movimentos de extrema direita nacionalista na Europa. Na Itália chegaram ao poder e fecharam as fronteiras aos imigrantes. Seguirá morrendo gente que tenta chegar à Europa? Não podemos prever o futuro com tanta exatidão, isso depende das escolhas que as pessoas fizerem. A imigração é um tema político, os dois lados possuem bons argumentos e o sistema democrático foi construído para confrontar estas questões. Há uma tentativa dos dois lados de apresentar o conflito da imigração como o bem contra o mal. Por um lado, representa que aquele que se opões a imigração é um fascista racista e por outro se apresenta os favoráveis como completos idiotas. Se pode e se deve tratar o discurso sobre a imigração como qualquer outro discurso central num país democrático. Há outras perguntas muito mais difíceis neste momento. O que acontecerá? Depende da decisão das pessoas. A princípio não é negativo que um país como a Itália absorva milhões de imigrantes da África e que se incorporem à sociedade italiana. Houve muitos casos similares ao longo da história. Não há nenhuma razão biológica para negar que isso acontecerá outra vez. E naõ há razão para negar que a Itália decidirá “ eu não quero, eu não quero, absorver milhões de estrangeiros e fecharei minhas fronteiras”. Existem países que fecharam com êxito suas fronteiras por dezenas de anos e ainda estão aí. Não há forma de prever o que vai acontecer. Existem na Europa dezenas de milhões de muçulmanos. Há quem diga que a Europa passará a ser “Eurábia” no futuro. Me parece totalmente absurdo. Quando se olha os verdadeiros números vemos que aqui há 4% de muçulmanos e ali 8%. Quando se pergunta as pessoas em enquetes, elas pensam que 40% dos habitantes da França são mulçumanos. É bobagem. A grande maioria desta gente não quer construir califados islâmicos na Europa. Eles vieram para a Europa para viver em uma região desenvolvida, liberal e democrática. Para cada jovem argelino francês que viaja para a Síria para fazer parte do Estado Islâmico, há pelo menos 100 pessoas na Síria que gostariam de fazer a viagem contrária. A última coisa que desejam na vida é um califado islâmico, eles querem uma democracia liberal. As previsões de criação de um califado islâmico na Europa é parte do combustível que se joga para aumentar os medos e os ódios irracionais e assim desviar a atenção das perguntas realmente importantes.
Seus antepassados foram sobreviventes da Shoá? Parte da família ficou no leste europeu e foi assassinada na Shoá. Porém meus avós chegaram a Israel antes do Holocausto, no final dos anos 20 e 30. Até onde seu judaísmo e sua identidade israelense influenciam sobre o que escreve? Tem muita influência o fato de que vivo em Israel e portanto, vejo o mundo diferente de se eu vivesse em São Francisco. Porém, as ideias básicas,
13 a compreensão do mundo é muito diferente da compreensão do mundo judaico. É, definitivamente, diferente das opiniões dominantes hoje em dia em Israel, que vão em direção antiglobalista, muito fechada, muito nacionalista. Só nos importa nós mesmos e se o resto do mundo explodir não nos interessa. Penso exatamente o contrário e não me parece importante o que acontece aqui, eu penso que o destino de todos vai ser decidido em processos à nível global, que estão muito acima da capacidade de qualquer país ou governo manejar e dominar de forma unilateral.
Do que você viu até hoje, como percebe o futuro do Estado de Israel? Se olhamos para trás, não há dúvida que este é um dos projetos que tiveram mais êxito, tomando em conta as condições iniciais. Pense onde estava o movimento sionista 100 ou 120 atrás durante o congresso da Basiléia, e o que conseguiu conquistar nestes 120 anos. Se Hertzl se levanta-se de seu túmulo e visse o que foi conseguido, está muito acima de seus melhores sonhos.
Haverá paz em Israel? Quanto mais focada é a pergunta, mais variantes se deve tomar em conta. Não há nenhuma possibilidade de prever isso de forma lógica. É possível que Israel prospere, é possível que desapareça, é possível que se converta numa teocracia militar ou é possível que se converta na Coréia do Norte do Mediterrâneo.
O êxito global dos seus livros o surpreendeu? Hoje não mais. Porque já tenho esta idade. Porém, no começo sim, totalmente. O primeiro livro “Sapiens. Breve história da Humanidade”, foi escrito unicamente para o público de Israel. Somente depois de seu grande sucesso aqui, pensamos na possibilidade de traduzi-lo. Fomos a diferentes editoras e nenhuma queria e eu tampouco possuía talento na área de promoção. È um talento escrever livros, mas comercializá-los é outro bem distinto. Não tínhamos êxito em nenhum eco no mundo, e então meu marido decidiu tomar as rédeas. Ele é um homem de marketing, muito melhor que eu e conseguiu encontrar agentes e ir às editoras e convencer e eu tive muita confiança que este livro podia conquistar o
mundo. E tinha razão.
Se estivesse em meu lugar, o que perguntaria a si mesmo? Boa pergunta. Eu me perguntaria o que me preocupa mais em minha própria escrita. Que perigo há em uma leitura incorreta. Quando comecei este projeto de escrever o livro, me vi numa posição muito conflitiva. Um livro assim, por um lado, fala da ordem que ainda existe no mundo, a ordem liberal, a ordem mundial sobre a qual falamos no início. Para confrontar os desafios do século XXI estamos obrigados a caminhar por cima da ordem liberal que nós conhecemos e criar algo novo. Para isso, necessitamos também, destruir parte da ordem liberal. Se nos agarramos ao sistema e negamos transformá-lo, não seremos capazes de encarar os desafios, especialmente, os desafios das novas tecnologias, a inteligência artificial e a biotecnologia. Por outro lado, o que acontece na ordem política no mundo, a ordem liberal é atacada não por gente que quer melhorá-la e seguir adiante, e sim por diferentes fantasias nostálgicas, nacionalismos e religião, que querem destruir a ordem liberal para dar marcha ré. Meu medo é que cada vez que se diga algo contra a ordem liberal, quando se está descobrindo parte de seus alicerces instáveis, isso fortaleça as forças nostálgicas, nacionalistas e religiosas. Uma breve apresentação a quem já não necessita ser apresentado: Henrique Cymerman, dispensa apresentações. Correspondente internacional da SIC (Portugal), La Vanguardia (Espanha) e colaborador da Globo News, entre outros veículos de comunicação, o jornalista e escritor poertuguês/israelense, é na atualidade, um dos mais prestigiados e premiados profissionais de imprensa do mundo. Em seu currículo jornalístico se destacam duas entrevistas: uma realizada com Itzhak Rabin, 24 horas antes do seu assassinato e a outra com o Papa Francisco. Profissional premiadíssimo, destacamos aqui algumas das inúmeras distinções que já recebeu: a máxima condecoração de Portugal, a de “Comendador da Ordem do Infante D. Henrique”, A “Ordem do Mérito Civil” concedida por Juan Carlos I; foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, em 2015; e apelidado de “anjo da paz” pelo Papa Francisco, foi presenteado com uma de um anjo da paz a derrotar o demónio da guerra pela sua ajuda em ter tornado possível o encontro entre Abbas e Peres no Vaticano. Para nós da SAGAZ, é uma honra imensa ter Henrique Cymerman entre nossos colaboradores, assinando uma Coluna Internacional.
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PALPITE FELIZ/Fernando Lattman-Weltman
Ideológicos são os outros Existem poucos conceitos mais controversos, polissêmicos e escorregadios na filosofia política e nas ciências sociais do que a famigerada “ideologia”. De modos que não serei eu, aqui, nestas poucas e mal traçadas linhas, que vou me aventurar a defini-lo, de modo mais ou menos unívoco, muito menos em caráter pretensamente definitivo. Na base da galhofa – mas nem tanto –, diria inicialmente apenas que há poucos temas mais ideológicos do que o interminável debate, teórico ou político, sobre “ideologias”. Desde a fórmula inicial – e hoje praticamente esquecida – que compreendia “ideologia” como ciência das ideias, passando pelas teorias críticas que denunciavam ideologia como justificação naturalizada para a dominação, até interpretações, digamos, mais condescendentes do fenômeno – tido como representação coletiva mais ou menos precária e inevitável que necessariamente dá sentido à realidade social e histórica concreta (um sentido que talvez só exista aí, ou assim formulado) –, o debate relativo já rendeu vastíssima bibliografia e parece mesmo insuperável. No uso corriqueiro da luta política e partidária nacional contemporânea (e de antanho), porém, há um significado evidente – e pejorativo – com que o termo tem sido largamente empregado, à esquerda ou à direita: algo como uma formulação abstrata, mas não
neutra ou desinteressada, que falseia a realidade, enfatizando exageradamente determinados traços da mesma, mas sempre a serviço de interesses escusos e inconfessáveis. Um meio de manipulação intelectual e desvirtuamento de algo mais puro, verdadeiro e digno de valor e veneração. E como tal, utilizado deliberadamente por atores mal-intencionados – de forma clara ou dissimulada – e reproduzido de modo inconsciente por muitos mais, “inocentes úteis”. Nesse registro, a ideologia é maligna, por definição, e seu contrário inevitável pode ser tanto de caráter ético – os valores morais autênticos – quanto cognitivo: o conhecimento factual, técnico e científico objetivo da realidade (e é claro também, que frequentemente ambos os imperativos, o ético e o cognitivo, caminham juntos). De qualquer maneira, o que importa é que aquele que sinceramente denuncia no discurso dos outros o seu suposto caráter ideológico, se considera possuidor da (ou possuído pela) verdade. Daí também a superioridade auto-atribuída de sua posição e da legitimação de sua ação em prol da mesma verdade (quanto aos que se servem de tal denúncia sem, de fato, acreditar nela, não valem sequer nosso tempo ou esforço de interpretação; deixemo-los de lado). De qualquer maneira, um dos problemas dessa espécie de compreensão e utilização (sincera) do termo “ideologia” é que ela não apenas pode ser obviamente útil na luta partidária – rotulando
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e deslegitimando adversários –, mas, como de hábito na política, também serve ao contra-ataque do inimigo. E tudo aquilo que um lado considera de mais inquestionável, verdadeiro ou sagrado, passa a ser, também, passível de desconstrução e deslegitimação pelo outro, como “ideologia”. De modos que, de ataque em contra-ataque, de denúncia em denúncia, não reste mais nada além do que uma simplificação mais ou menos grosseira e caricatural de visões de mundo concorrentes, ou, se preferir, é claro, uma “ideologia” contra outra. Em suma: caracterizar e condenar o discurso e a visão de mundo do outro como “ideologia”, à vera, não somente expõe o acusador ao ônus da prova da inverdade ou mistificação alheia, mas também sujeita muito facilmente as suas próprias convicções ao mesmo tipo de ataque e desmistificação. Assim, não há dúvida de que como arma de combate e propaganda tem sua serventia e eficácia. Por vezes até desastrosa. Mas muito facilmente também se volta contra o usuário original. Principalmente quando é a própria realidade histórica, seu desenrolar, contradições e variações quem desmente a pretensa coerência das ideologias. Deste ou daquele lado. Até aí, claro, nada de muito surpreendente ou incomum. O que realmente me impressiona e, creio, distingue o contexto atual de tantos outros em que a palavra “ideologia” serviu ao confronto intelectual, político e partidário, não é sequer a virulência ou frequência com que o termo é utilizado hoje, e o recorrente desleixo com relação às possíveis (boas) razões sociológicas e políticas que explicariam e dariam sentido ao fenômeno (caso se quisesse, realmente, compreendê-lo).
Mas sim a impressionante ingenuidade (seria essa mesmo a melhor caracterização?) com que se brande a arma traiçoeira – diria eu, radioativa – da denúncia ideológica. Com, aparentemente, total ignorância – ou descaso – diante da ambiguidade e do caráter intelectual problemático do “conceito”, e, ainda mais, de sua fragilidade e instabilidade como arma política. Como se seus sentidos fossem sempre claros e unidimensionais, e não houvesse risco nenhum em manipulá-los. Sinal dos tempos. NOSSO COLUNISTA: FERNANDO LATTMAN - WELTMAN Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987), mestrado em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ (2000). Atualmente é professor e pesquisador do Departamento de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da UERJ. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Atitude e Ideologias Políticas, atuando principalmente nos seguintes temas: mídia, história política, democracia, cidadania e teoria política.
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TODAS AS ARTES/Artes plásticas/Redação
Street Art no Brasil A arte do grafite brasileiro é considerada a vertente mais significativa de um movimento de arte urbana global O STREET ART, OU ARTE URBANA, são intervenções urbanas artísticas com temas variados como política, religião, protestos e problemas sociais. A arte urbana é uma arte marginal, e não está atrelada a nenhum padrão estético, ela é livre, sendo a expressão máxima da sociedade e do ser cidadão. É a forma como a sociedade mostra sentir-se em relação a tudo o que está à volta. É a linguagem da sociedade, uma das formas de comunicação dentro da sociedade. Uma grande parte da arte urbana vem em forma de protesto, por outro lado, existe a arte urbana
que apenas visa estimular a criatividade e a consciência artística na sociedade. Outra parte destas intervenções urbanas também ajudam a embelezar a cidade de uma maneira muito original. Em março de 2009 o governo brasileiro aprovou a lei 706/07 que descriminaliza a arte de rua e sua legalização também é realizada pelo consentimento dos proprietários de muros e fachadas grafitadas. Isso se torna um reflexo da paisagem evoluindo em arte nas ruas brasileiras.
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Eduardo Kobra é um artista brasileiro. Começou sua carreira como pichador artístico, depois se tornou grafiteiro e hoje considera-se um muralista. Também cria obras que simulam as dimensões. Kobra se tornou conhecido pelo projeto Muro das Memórias na cidade de São Paulo em 2007, onde retratou cenas antigas da cidade. (Fonte: Wikipedia)
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Os Gêmeos (também grafado ) são uma dupla de irmãos gêmeos grafiteiros de São Paulo, nascidos em 1974, cujos nomes reais são Otávio e Gustavo Pandolfo. Formados em desenho de comunicação pela Escola Técnica Estadual Carlos de Campos, começaram a pintar grafites em 1987 no bairro em que cresceram, o Cambuci, e gradualmente tornaram-se uma das influências mais importantes na cena paulistana, ajudando a definir um estilo brasileiro de grafite. Os trabalhos da dupla estão presentes em diferentes cidades dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Cuba, entre outros países. Os temas vão de retratos de família à crítica social e política; o estilo formou-se tanto pelo hip hop tradicional como pela pichação. Em 22 de maio de 2008, executaram a pintura da fachada da Tate Modern, de Londres, para a exposição Street Art, juntamente com o grafiteiro brasileiro Nunca, o grupo Faile, de Nova York; JR, de Paris; Blu, da Itália; e Sixeart, de Barcelona.
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Francisco Rodrigues da Silva também conhecido como “Nunca” é um artista brasileiro que usa uma técnica de graffiti para criar imagens que confrontam o Brasil urbano moderno com seu passado nativo. Seu nome Nunca é uma afirmação de sua determinação de não estar preso por restrições culturais ou psicológicas.
23 Arte urbana ou street art, como se queira chamar, é uma habilidade altamente valorizada nas esferas artísticas no Brasil e no Exterior, por intermédio de artistas brasileiros reconhecidos pelo mundo afora.
INDICAÇÕES SAGAZES/ ARTES PLÁSTICAS
* Rede Nami: www.redenami.com - ONG criada por
Panmela Castro para, através das artes, principalmente arte grafiteira, promover os direitos das mulheres. Está sediada na Comunidade Tavares Bastos, Zona Sul do Rio – Indicado por Patrícia Bragança. * Museu Afro Digital: www.museuafrorio.uerj.br – Indicado por Suzana Brito Silva.
* Exposição “Tarsila Popular” no MASP (SP) – Indicada por Frida Gerbati (até 23 de junho, 2019).
NOSSA REDAÇÃO GOSTARIA DE CONTRIBUIR COM UMA INDICAÇÃO: * MIAN – Museu Internacional de Arte Naif do Brasil e todo seu maravilhoso acervo. Mas, para nossa imensa tristeza, como muitos sabem, Arte e Cultura, em nosso país, há tempos que andam em baixa. Daí que o museu que contém o maior acervo de obras Naif do mundo encontra-se fechado desde 23/12/2016, por total falta de apoio financeiro para a sua manutenção. Mas a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), Rio de Janeiro, encontrou uma maneira de preencher este vácuo e amenizar nossa tristeza com a criação da exposição-manifesto “Arte Naïf – Nenhum museu a menos”, com curadoria de Ulisses Carrilho e patrocínio cultural de FURNAS. A mostra, que conta com mais de 300 obras da coleção Lucien Finkenlstein, que é parte do acervo do MIAN, marca a posição da EAV em favor das instituições culturais brasileiras e sua liberdade de expressão. Permanecerá aberta até 11 de julho de 2019.
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“Strange Fruit”, livro escrito pelo jornalista David Margolick, abre uma fresta para a realidade dos Estados Unidos nos anos 30 e 40: um país dividido entre negros e brancos. O livro - uma biografia da música - gira ao redor da estrondosa canção, cuja versão mais famosa é a de Billie Holiday que, com imensa ousadia, levou o tema do linchamento para dentro dos cafés e boates.
27 TODAS AS ARTES/Literatura/Bianca Dias
“Strange Fruit” “Strange Fruit” é uma poética canção de protesto contra o racismo. Na voz de Billie Holiday, a canção adquiriu imensa força expressiva, afetando profundamente todos que a ouviam
Composta como um poema, foi escrita por Abel Meeropol (um professor judeu de colégio do Bronx), sobre o linchamento de dois homens negros. Ele a publicou sob o pseudônimo de Lewis Allan e é uma música que confronta os Estados Unidos com seus fantasmas mais cruéis. A menção aos linchamentos é contundente e a música é um documento histórico. O crítico de jazz Leonard Feather afirma que foi “o primeiro protesto relevante em letra e música, o primeiro clamor não emudecido contra o racismo”. A própria Billie Holiday, em sua autobiografia, registrou o impacto ao relatar que, quando terminou de cantar a música pela primeira vez, se seguiu um silêncio total. Então, diz ela, “uma pessoa começou a aplaudir nervosamente e, de repente, todo mundo estava aplaudindo”. “Fruta estranha” a que se referem título e letra é o corpo dos negros linchados e enforcados em alguma árvore, sangrando e balançando ao vento. Na tradução da letra, o verso final se apresenta assim: “Eis uma estranha e amarga fruta”, o que parece nos ensinar sobre a ideia de segregação como uma via de eliminar o insuportável. Silenciar o negro é uma tentativa desesperada de aniquilação de algo que evoca a diferença. Na “Proposição
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de 1967”, Lacan pontua que a destituição do sujeito é cruel, pois ela o reduz ao silêncio. É o que se observa: o segregado não se pronuncia, ele se torna vítima da máquina da discriminação. Máquina que o induz a não dizer de si mas, a ser dito pelo Outro. A voz de Billie Holiday é um grito, que ressoa e produz restos ruidosos. O negro não fala de sua miséria, ele a vive na pele, na dificuldade de se assumir, na recusa perante o real do corpo. É vítima da segregação racial instalada pela abjeção de um
“coletivo” diante de um real que não suporta encarar. Aqui se dá a entrada da psicanálise como função ética de abordar a vida naquilo que ela possui de complexo e desconcertante e fazer barra aos discursos de ódio que escolhem uma verdade totalitária e sem brechas para o sujeito. Função que consiste numa lenta ruptura, sempre renovada, contra tudo aquilo que embarca e se fixa num discurso universal de valores. A psicanálise surge nessa cena, como portadora de um simbólico, que faz borda ao pior, sem negar-lhe porém, a existência. E, como discurso que abriga a diferença e o dissenso, pode nos salvar de nos tornarmos bestas feras aniquiladoras de qualquer traço de alteridade.
Em outubro de 1939, Samuel Grafton do The New York Post assim descreveu “Strange Fruit”: “Se a ira dos explorados já foi além do suportável no Sul, agora há a sua Marseillaise.” Ainda hoje ficamos perplexos diante da “estranha e amarga fruta”. A tentativa de domesticação da diferença pela violência nos arremessa ao ponto abissal e é um chamado à responsabilidade ética em escutar essa monstruosidade que vive à espreita, e com ela aprender.
Edição original em inglês:David Margolick, Harcourt, 2001
Billie Holiday ao cantar “ Strange Fruit”, nos ensina que a dimensão imaginária pode aparecer como algo sem saída, excesso que mata. No discurso racista e higienista o que aparece é uma posição no mundo hermética ao outro- tentativa de controle de um resto não incorporável, disso que não entra na imagem especular e é causa de extrema angústia. Esse resto é um objeto que escapa à imagem: nem branco, nem negro.
29 “Strange fruit” O que os discursos de segregação trazem em seu bojo é o medo de se reconhecer como um outro de si, um estranho de si mesmo. O negro encarna, então, o lugar insuportável de portador de uma cor, que vem denunciar o traumático do corpo, a dimensão do outro. Como na poesia de Rainer Maria Rilke em seu “The Notebooks of Malte Laurids Brigge”: “Há uma criatura que é perfeitamente inofensiva; quando ela passa diante de seus olhos, você dificilmente a nota e imediatamente a esquece de novo. Mas, tão logo ela, de alguma maneira, invisivelmente, penetra seus ouvidos, ela começa a se desenvolver, ela choca, e são conhecidos casos em que ela penetrou no cérebro e floresceu devastadoramente, como os pneumococos nos cães nos conseguem entrar através do nariz. Essa criatura é o seu próximo.” Bianca Dias - psicanalista, ensaísta, crítica de arte e autora do livro “Névoa e assobio”
https://www.youtube.com/watch?v=Web007rzSOI
LETRA Southern trees bear strange fruit Blood on the leaves and blood at the root Black bodies swinging in the southern breeze Strange fruit hanging from the poplar trees Pastoral scene of the gallant south The bulging eyes and the twisted mouth Scent of magnolias, sweet and fresh Then the sudden smell of burning flesh Here is fruit for the crows to pluck For the rain to gather, for the wind to suck For the sun to rot, for the trees to drop Here is a strange and bitter crop TRADUÇÃO Estranho Fruto As árvores do Sul estão carregadas com um estranho fruto, Sangue nas folhas e sangue na raiz, Um corpo negro balançando na brisa sulista Um estranho fruto pendurado nos álamos. Uma cena pastoral no galante Sul, Os olhos esbugalhados e a boca torcida, Perfume de magnólia doce e fresca, Então o repentino cheiro de carne queimada! Aqui está o fruto para os corvos arrancarem, Para a chuva recolher, para o vento sugar, Para o sol apodrecer, para as árvores fazer cair, Aqui está uma estranha e amarga colheita.
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TODAS AS ARTES/Literatura-Resenha/Regina Igel
No momento histórico que estamos vivendo, com manchetes sobre refugiados implorando abrigo por todas partes do mundo, esta obra vem nos trazer várias lições
A travessia da Terra Vermelha – Uma saga dos refugiados judeus no Brasil. Lucius de Mello. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2017. 352 páginas
Uma delas é que a questão de refugiados vem de longe, não é situação nova. Podemos pensar até nos andarilhos guiados por Moisés, os primeiros a procurar refúgio numa terra que eles sabiam ser a Terra Prometida, que alcançaram depois de 40 anos de vagar pelo deserto. Desde então, nenhuma terra terá sido ‘prometida’, mas países, nações, até ilhas poderiam servir de refúgio, abrigo, hospitalidade para esses que, por motivos variados, atualmente têm de sair de seus países e procurar abrigo em outros. Infelizmente, a verdade é que poucos lhes abrem suas portas, como vemos nos noticiários impresso e televisivo, além de presenciarmos, em nosso território, muitos expatriados.
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Felizmente, no entanto, houve uma época, no Brasil, da República de Weimar (estes últimos não eram quando um grupo de judeus alemães encontraram judeus, mas a colônia que se formou entre eles era a abrigo e hospitalidade no nosso país, depois de mesma). Esta informação é obtida logo na primeira insultados, humilhados e proibidos de viver com página da Introdução feita pelo autor, Lucius Mello, dignidade na Alemanha, sua terra natal. Eles que a denominou “Sertão ilustrado”. Ele desenvolve chegaram ao Brasil por volta de 1935 e 1937, aos a instigante história daquele grupo de refugiados ao primeiros urros da barbárie nazista. Quando aquela longo de 54 capítulos. parte da Europa se tornou o reino de Hitler, já não Realmente, o sertão, rincão desconhecido pela maioria foi possível viver lá – só seria possível morrer. E dos brasileiros no interior do Paraná, foi o espaço os que escaparam da morte, como este grupo de físico que acolheu aquele grupo de pessoas ilustradas, homens, mulheres e crianças, tiveram a sorte de profissionais que tiveram de largar tudo para preservar poder cruzar o Oceano Atlântico e entrar em terras brasileiras, Vista parcial do centro de Rolândia, anos 30 ainda que fossem lotes cobertos por maciças florestas, adquiridos quando estavam na Europa, por intermédio de agências. Apesar de terem conhecimento do local para onde iam, por mapas da companhia que lhes vendera os terrenos, pela primeira vez pisavam uma terra estranha e vermelha - que alguns chamaram de ‘terra roxa’ porque os italianos diziam ‘rossa’ – do norte do Paraná. Ali deram continuidade a suas vidas, agora em padrões bem diferentes - e distantes, em vários sentidos – das atividades que tinham usufruído na sua amada Alemanha que os traiu. Instruídos, letrados e eruditos, muitos entre suas vidas. Nas terras destinadas a eles, refizeram eles se tinham formado em universidades de renome seus lares dentro do possível, já que toda a região em diversas profissões e eram hábeis em distintas era isenta de bibliotecas, laboratórios, livrarias, ocupações, como cientistas em várias áreas de universidades, teatros, hotéis, restaurantes ou salões pesquisa, agrônomos, botânicos, médicos. Havia de chá, a que eles estavam tão acostumados na sua também homens e mulheres dedicados à música terra natal, a traidora. No entanto, tinham trazido clássica, instrumental, operática e cantorial, assim seus livros, alguns aparelhos de pesquisa, tinham como juristas e um ex-ministro e um ex-deputado
32 até conseguido trazer um piano e a vida sofisticada da classe culta alemã-judaica e alemã-católica, rastejante a princípio, chegou a ter continuidade dentro dos limites impostos pela natureza ao redor e pelas circunstâncias políticas que se sucederam e influenciaram a trajetória brasileira daquele grupo. Apesar de tudo, orgulhavam-se daquela Alemanha que foi o berço deles e do seu passado histórico e, por isto, deram o nome de Rolândia à região onde se
movidas por saudades; os relatos dos descendentes e episódios de diários revelam paixões, amores furtivos, entusiasmos, decepções e ufanismos, que se multiplicavam pelos corações e cérebros daquela gente trabalhadora, determinada a vencer num meio físico e ambiente social tão misteriosos quanto desafiadores. Lucius de Mello passou cinco anos entrevistando os descendentes daquele pessoal indômito, corajoso, com seus problemas em comum e seus enigmas pessoais; viu fotos e recortes de jornais, leu cartas e cartões postais que iam e vinham daquele pedaço ignoto do mundo para e dos Estados Unidos e, antes que se fechassem suas portas, também da Alemanha e de outros países. O autor, consagrado por outras obras, aplicou sua prática jornalística na feitura deste volume, que se equilibra entre documentário e ficção. Ao estilo empregado por ele dá-se o nome, atualmente, de ‘jornalismo literário’. Centro de Rolândia, década de 50 Os fatos foram registrados, documentos foram estabeleceram com suas fazendas, em homenagem pesquisados, pessoas foram entrevistadas e seus a Roland (também conhecido como “Orlando”), relatos estão neste livro de extraordinárias dimensões. cavaleiro medieval que lutou pela liberdade do Nesta edição, encontram-se fotos dos seus primeiros seu povo junto a Carlos Magno, como lembrado na habitantes, reproduções de documentos e mapas Europa ocidental. Fazendas de propriedade dos judeus (estes foram incorporados à atual segunda edição, pois receberam nomes expressivos, tais como Fazenda estiveram ausentes da primeira, publicada em 2007). Toráh, Sarah e Canaã. Muitas informações, como Para ligar todos estes elementos, o jornalista fez uso esta, se encontram disseminadas pelas páginas deste da imaginação, principalmente ao descrever certas volume, como a anotação do choque sofrido pelos atmosferas das quais não participou, obviamente, judeus ao saberem da existência de conglomerados mas sobre as quais leu ou ouviu descrições. Por nazi-brasileiros no mesmo Estado do Paraná; também exemplo, a atmosfera certamente vivenciada nos seu desalento diante das restrições impostas pelo concertos de piano ou de ópera, oferecidos aos Estado Novo, em meio a descrições de sentimentos conterrâneos e outros expatriados, é descrita com a de pequenas e grandes alegrias, assim como tristezas habilidade de um jornalista apegado à realidade, fiel
33 aos fatos e o bastante imaginativo para nos envolver num ambiente musical imerso numa floresta, cortada por riachos que se tornavam caudalosos na época das chuvas, onde não faltavam insetos, cobras e bichos selvagens... Dentro deste mundo tão liberto dos horrores da guerra e preenchido pelos perigos inerentes à selva circundante, ouviam-se canções em alemão e italiano, operetas e composições clássicas... além da existência de uma escolinha de piano para as crianças da colônia. Quase nenhum dos primeiros habitantes de Rolândia foi esquecido no acervo de episódios lembrados por seus descendentes. Trata-se de um livro que ilumina uma parte da história dos imigrantes, a qual se confunde e se identifica com a História do Brasil. Hoje, Rolândia é um centro fabril e agrícola e não se pode duvidar que seu sucesso contemporâneo se deve à tenacidade e à determinação daquele punhado de pessoas que tiveram de se transformar de professores universitários ou juristas ou químicos ou físicos, em camponeses, cuidadores de gado, vendedores de gordura, fabricantes de manteiga e de queijo, entre tantas outras funções que lhes garantiram uma vida interessante, ainda que trabalhosa e cheia de altos e baixos, como toda vida digna tem. Recomendo este livro com paixão, pois ele informa, num estilo agradável e dinâmico, sobre uma parcela da nossa formação e uma dimensão do nosso passado. Outras obras, também informativas e bastante fidedignas, se ocuparam daquele mesmo grupo de imigrantes alemães em Rolândia, mas esta obra de Lucius de Mello, com seus relatos, fotos e mapas, arremata a história de um punhado de europeus judeus (na sua maioria) e não judeus, forçosamente extrincados dos seus países de origem e, felizmente, amparados nas brumas do inverno e no sol escaldante do verão no norte do Paraná. Para eles, tudo estava muito bom. Estavam vivos e isto foi graças ao refúgio encontrado no Brasil, num tempo em que isto foi possível, pouco antes da era de Getúlio Vargas e seu secretário simpático ao nazismo, Filinto Müller. Pela amostragem de quanto progresso houve na região com aquele número diminuto de imigrantes, pode-se calcular nossas perdas, devidas às proibições desumanas e fascistas que se seguiram na
era getulina. Uma bibliografia é incluída no volume, fartamente ilustrado por fotos dos tempos dos desbravamentos, onde se vêem crianças alegres, jovens casais, circunspectos senhores e adoráveis senhoras... nos mais diversos afazeres, aprendidos e praticados na sua sobrevivência difícil, mas otimista e, talvez por isto, também feliz.
INDICAÇÕES SAGAZES/LITERATURA * O Fim do Homem Soviético, de Svetlana Aleksiévitch, Indicado por Valquiria Gimenez * As Cartas do Rebe, de Rebe de Lubavitch. Indicado por Iria Ferreira Chocron * O construtor de pontes de Markus Suzak. Indicado por Sheyla Baumworcel * 12 regras pra vida: um antídoto para o caos, de Jordan B. Peterson. Indicado por Alexandre Strauch * Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Indicado por Gladys Chalom * As Cartas do Rebe, de Rebe de Lubavitch. Indicado por Iria Ferreira Chocron * O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe. Indicado por Elias Salgado * Marcha de Radetsky, de Joseph Roth. Indicado por Lilian Starobinas * Toda a obra de Amoz Oz. Indicado por Renata Miranda * Sapiens de Yuval Noah Harari. Indicado por Regina Igel
NOSSA EDITORA E COLUNISTA: REGINA IGEL PhD em Literatura Portuguesa. Coordena o Dpto. de Língua Portuguesa da Universidade de Maryland, USA. Autora do clássico “Imigrantes Judeus, escritores brasileiros”. Ed. Perspectiva, 1997. Regina nos honra no cargo de Editora Executiva da Editora Talu Cultural e edita a coluna de Literatura, da Sagaz Arte & Cultura.
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TODAS AS ARTES/Cinema/Nelson Nisenbaum
A ALMA IMORAL - O FILME Tive ontem a imensa satisfação de ver convertida em filme uma obra que marcou minha vida e meu pensamento, “A alma imoral”, do Rabino e escritor Nilton Bonder. Como conhecedor da obra escrita, mesmo tendo a lido há vários anos, pude reconhecer no filme cada tópico fundamental abordado no texto. Embora isto não seja pautado pelo autor, os leitores de Nietzsche reconhecerão em vários momentos as ideias do cáustico filósofo do século XIX, na medida em que Bonder reconhece e dá forma humana, demasiadamente humana (citando um dos títulos de Nietzsche) aos recônditos telúricos de nossas mentes, na medida em que se manifestam como forças motrizes da vida no seu sentido mais fundamental, ligado à existência, à identidade, à potência, à força da vida, colocando a transgressão como etapa fundamental de qualquer diferenciação e realização da pessoa. O conceito de alma trazido por Bonder passa um pouco longe do conceito abstrato e esotérico das doutrinas espiritualistas. A alma é abordada como o conjunto de sentimentos e necessidades espirituais que se opõem às regras do corpo, sempre ligadas às (legítimas) forças de conservação e preservação do indivíduo, da tribo e da espécie humana. O texto é contrastado com uma série de entrevistas com personagens fortíssimas, que desnudam suas narrativas de vida sem qualquer compaixão àqueles que não suportam as transgressões, que tornamse ainda mais audaciosas quando analisadas em relação ao tempo em que ocorreram. A sensação que temos ao ouvir as narrativas, na perspectiva atual, é a de estarmos diante de verdadeiros heróis (ou os “übermensch” de Nietzsche), aqueles que superaram a
tudo e principalmente a si mesmos em busca de vida e significado. Os temas contemporâneos são trazidos sucessivamente e de forma estonteante. Ecologia, trans-sexualidade, homossexualidade, ciência, fé, ateísmo, conflitos bélicos (no caso, o conflito Israel-Palestina), novas formas de organização familiar, até os abandonos mais radicais da tradição, como no caso do monge budista nascido judeu, e em alguns momentos, enriquecidos com a medida exata do humor. Mas a substância fundamental da análise de Bonder é justamente aquela que pode causar os maiores impactos: a Bíblia. Do Gênesis a Jesus ele analisa as narrativas na perspectiva do contraste entre conservação (ou preservação) e transgressão, de forma tão cristalina e desprovida de julgamentos (talvez algo parecido com a transvaloração proposta por Nietzsche) terminando por ressaltar que a transgressão é tradição no judaísmo, o que não seria nenhuma surpresa a quem conhece a história, a cultura e as personalidades marcantes que nos inspiram tanto. Sob o ponto de vista cinematográfico, o filme tem um cheiro de documentário, embora não o seja. As leituras que entremeiam as entrevistas são acompanhadas por belíssimas coreografias e trilha sonora que levam ao limite a expressividade humana. Não se trata, portanto, de um filme de enredos ou aventuras. É um filme que traduz uma obra filosófica e literária em linguagem visual muito enriquecida pelas pessoas que dele participam. A filosofia da obra tem poder curativo, e como médico, identifico isso com clareza, especialmente em uma cultura massacrada por repressões, culpas e hipocrisias distópicas e perversas. O filme deve ser oficialmente lançado em maio nas salas brasileiras. Espero que seja um sucesso arrebatador.
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INDICAÇÕES SAGAZES/CINEMA * UM ASSUNTO DE MULHERES, de Claude Chabrol. – Por: Antônio José Lopes Alves * CAFARNAUM de Nadine Labaki. Indiciado por: Mariza Blanco * OS EPISÓDIOS 9 E 10 DA 3ª. TEMPORADA DA SÉRIE PSI, DA HBO - Por: Rocio Hassan * ASSUNTO DE FAMÍLIA, de Hirokazu Koreeda. - Por: Elias Salgado * O CONFEITEIRO, de Ofir Raul Graizer - Por: Eduardo Camenietzki * A BALADA DE NARAYAMA, de Keisuke Kinoshita - Por: Paulo Rodrigues * ATÉ O ÚLTIMO HOMEM, de Mel Gibson - Por: Léris Oliveira * A VIDA DOS OUTROS, de Florian Henckel von Donnersmarck - Por: Aída Bárbara
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TODOS OS GÊNEROS/Luta LGBTI+/Fábio Silva
Tá difícil de entender ou quer que eu desenhe? Embora o Brasil tenha tido avanços únicos na pauta de Direitos humanos durante o governo Lula e Dilma, essas medidas foram tímidas frente ao cenário político favorável que existia na época. Era plenamente possível ter legalizado via legislativo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas isto só aconteceu devido uma decisão judicial. E a criminalização da homofobia não prosperou com a PL 122
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Os direitos civis LGBTI+ não é sobre com quem fazemos sexo, não se resume a isso. É sobre dar garantias a famílias, de que elas terão amparo legal como em qualquer outra situação comum: contrair matrimónio, direito a pensão, herança, nome social, adoção e demais amparos legais. Fora da esfera civil, é preciso reconhecer a necessidade de se legislar uma punição específica para crimes de ódio contra o LGBTI+, já que é fato internacionalmente conhecido que o Brasil é o pais que mais mata pessoas LGBTI+ justamente por serem LGBTI+. De forma equivocada, uma boa parcela da população não compreende o debate acerca dos direitos humanos e os direitos civis LGBTI+, pois foram levados a crer que se trata de uma parcela de pessoas que buscam ter privilégios as custas de toda uma sociedade, sendo isto uma mentira. A igualdade dos direitos de uma minoria não diminui os direitos dos demais, apenas gera o equilíbrio justo e necessário aos nossos tempos, pois provou-se necessário a separação do Estado e a instituição religiosa no que tange o desenvolvimento de políticas públicas equitativas. Por compreender os fatores expostos, é que em 2009 iniciei minha militância política no trato aos Direitos Humanos e os Direitos Civis da população LGBTI+, através da extinta entidade E-JOVEM, ONG fundada no intuito de acolher jovens e adolescentes LGBTI+, pude participar como um ativista da causa e lutar pela promoção dos direitos aqui já elencados.
O desafio de reunir jovens vulneráveis para debater política LGBTI+ foi superado ao se desenvolver um projeto que ganhou repercussão internacional: no ano de 2010, fundamos em Campinas-SP, a primeira escola LGBT do Brasil. A ideia nasceu a partir de um edital dos chamados Pontos de Cultura, do governo federal, do então presidente Lula, pelas mãos do historiador Célio Turino. Com os recursos provenientes do convênio entre Brasília e o governo de SP, os diretores da ONG, Deco Ribeiro e Chesller Moreira, idealizaram o projeto que tomou forma e fama: oficinas culturais com enfoque na cultura LGBTI+. As aulas eram variadas e ricas em conteúdo - fanzines, fotografia, cinema, webTV, balé, curso de drag, teatro, música, jornalismo, cidadania, informática e dança. Além de repercussão dos tradicionais veículos de comunicação (fizemos uma matéria para o Fantástico, em https://youtu.be/7RTg1kww5as) o projeto ajudou no desenvolvimento de várias teses de bacharéis, mestres e doutores. Se em 2010 o terreno estava fértil para o desenvolvimento de iniciativas como esta, os anos seguintes tornaram-se sombrios. O início desta década foi marcado pelo forte debate dos direitos LGBTI+, onde a comunidade religiosa e alguns de seus líderes protagonizaram ataques frontais aos direitos pleiteados. A falta do
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Fábio Silva participando de manifestação pelos direitos LGBTI+ em São Paulo
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Imagem: LĂĄzaro Ramos e LuĂs Miranda com os alunos da Escola Jovem LGBT
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debate honesto e ético começou a causar impactos severos nos poucos avanços já conquistados. O próprio processo eleitoral dos anos de 2010, 2014 e 2018 demonstraram isto: nenhum dos principais candidatos destes pleitos assumiram qualquer compromisso claro com a comunidade LGBTI+. O viés ideológico fundamentalista religioso foi capaz de obscurecer a pauta de Direitos Humanos, ao ponto que em 2018 o país elegeu um presidente declaradamente homofóbico. Os conservadores ampliaram sua influência no congresso. Bolsonaro indicou uma controversa e bizarra ministra para a pasta de Direitos Humanos. Extinguiu-se o plano nacional de promoção aos Direitos LGBTI+. Os casos de homofobia dispararam no ano de 2019, e ainda em janeiro deste novo ano, este cenário veio a culminar no exílio do deputado Jean Wyllys, que após receber inúmeras ameaças de morte, decidiu-se por sair do Brasil após investigações preliminares apontarem para o clã Bolsonaro como os recentes empregadores de familiares dos envolvidos com o assassinato da vereadora Marielle Franco. O que antes poderia parecer uma possibilidade remota, agora tornou-se palpável: os Contos de Aia tem demonstrado ser de possível materialização: nessa distopia, fundamentalistas tomam o governo, impõe uma lei bíblica e perseguem mulheres e LGBTI+. Nas palavras da carioca Aline Carneiro: “O Brasil tornou-se um Afeganistão dos Evangélicos”. A dificuldade dos fundamentalistas é de entender que essa guerra existe somente na imaginação deles. Os LGBTI+ não querem doutrinar seus filhos, tampouco destruir a tradicional família, ou obrigar casamento religioso entre pessoas do mesmo sexo. Também não pleiteamos criar uma ditadura gay. Queremos apenas garantir nosso direito de existir, de viver sem medo, de ter acesso aos mesmos espaços e direitos que todo mundo. A coexistência entre as diversidades é o que nos torna capazes de promover um mundo melhor, seja qual for sua etnia, religião, ou condição sexual. *Graduado em Direito através da bolsa integral do PROUNI pela FMU-SP. Foi presidente de grêmio estudantil da E.E Hedy Madalena Bocchi, fundador e presidente do DCE-ESAMC. Professor fundador da Escola Jovem LGBT. Foi conselheiro LGBT da pasta de Direitos Humanos do Gabinete da Presidência da República. Participou das ocupações dos estudantes contra a reorganização da rede pública de ensino de São Paulo. Foi presidente do Conselho de Juventude da cidade de São Paulo. Coordenou a criação do Plano Municipal de Políticas Públicas para Juventude da capital Paulista.
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TECNOLOGIAS/Alexandre Antabi
Inteligência artificial x moral cultural Na semana de carnaval estive lendo um artigo muito interessante da MIT Technology Review Magazine, disponível em: https://www.technologyreview.com/s/612341/ a-global-ethics-study-aims-to-help-ai-solve-theself-driving-trolley-problem/
Moral Machine, identificou que regras culturais têm um peso importantíssimo nas decisões autônomas. O que seria mais moralmente aceito? Atropelar uma pessoa, ou cinco? um senhor de idade ou um carrinho de bebê? machucar um pedestre ou o ocupante do carro? O estudo revela que aspectos culturais e econômicos dos países envolvidos podem tornar certos comportamentos mais ou menos tolerantes socialmente. Por exemplo, no Japão, entre a vida de um idoso e a de um jovem, o idoso teria prioridade. Na França, em Israel e no Reino Unido, a quantidade de vidas salvas importaria mais. Se nós pararmos um momento para pensar, a interpretação deste artigo do MIT pode servir para nossas vidas, nosso dia a dia. Porque a “nossa verdade” não é a “verdade” de todo o mundo. Claro que conceitos éticos e morais da nossa sociedade são mandatórios, mas o respeito à diversidade é fundamental.
Cada vez mais se comentam e se buscam soluções de veículos autônomos, dirigidos por software de Inteligência Artificial (IA). Um dos mais famosos exemplos de tais veículos é o Tesla, que oferece sistemas de autopilot (apesar de precisar manter atenção e mãos ao volante), de alertas para situações de risco e ações evasivas e também com frenagem automática. Há vários vídeos no Youtube sobre os acidentes que o sistema evitou ou reduziu em relação aos impactos por eles causados e também este aqui, que explica como o software funciona: https://www.youtube.com/ watch?v=mBDfzQFhh1U Mas e quando a Inteligência Artificial precisa decidir quem “vive” e quem “morre”? Um estudo realizado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), com mais de 2 milhões de pessoas e chamado de
Siga-nos em nossas redes sociais: Facebook: https://www.facebook.com/ machertecnologia/ LinkedIn: https://www.linkedin.com/company/ machertecnologia
NOSSO COLUNISTA: ALEXANDRE ANTABI Alexandre traz, em sua bagagem, uma experiência de 19 anos em multinacional de tecnologia, trabalhando com projetos globais para a Web e mindset Digital. Com sólida experiência em Gestão de Projetos, é certificado como PMP (Project Management) e CSM (Certified Scrum Master).
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44 TECNOLOGIAS/Sheyla Baumworcel
Brinquedos são coisa séria: Jogos de tabuleiro modernos – Os boardgames: os jogos como ferramenta do desenvolvimento infantil
Pesquisas em Neurologia mostram que os primeiros sete anos de vida são decisivos para o desenvolvimento da criança. O uso de jogos no contexto educacional favorece uma aprendizagem ativa, pois unifica e integra o conhecimento. Segundo o inglês Donald Winnicott, pediatra que desenvolveu sua psicanálise com base nas relações familiares entre a criança e o ambiente, é brincando que se adquire experiência de vida. A brincadeira é uma prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência.
O jogo é um recurso que desenvolve os esquemas do conhecimento como observar, identificar, comparar, classificar, analisar e estabelecer relações. Porém, precisamos contextualizar o jogo e o brincar nas escolas. Não é somente para transmitir noções de uma disciplina de forma mais atraente para os alunos. Também não é apenas por seu caráter recreativo. E sim, o jogo constitui recurso formativo, pois colabora para a aprendizagem mais ativa e agrega os valores do conteúdo programático de forma eficaz. A pedagoga italiana Maria Montessori, criadora do
45 método educativo que ainda é usado hoje em escolas públicas e privadas pelo mundo afora, destacou a importância da liberdade, da atividade e do estímulo para o desenvolvimento físico e mental das crianças. Para ela, liberdade e disciplina se equilibrariam, não sendo possível conquistar uma sem a outra. Adaptou o princípio da autoeducação, que consiste na interferência mínima dos professores, pois a aprendizagem teria como base o espaço escolar e o material didático. Montessori também destaca que a criança é um ser em criação. Cada ato é para ela uma ocasião de explorar e tomar posse de si mesma ou, para melhor dizer, a cada extensão de si mesma, a ampliação de si mesma.
“A importância decorre de conquista em conquista, uma vibração incessante”. As pesquisas em Neurologia mostram que os primeiros sete anos de vida são decisivos para o desenvolvimento da criança. Nestes anos, as pessoas sofrem diversas transformações próprias do crescimento, entre elas as físicas, em que o nosso corpo sofre diversas alterações e a dentição é mudada para sua forma definitiva. A nível emocional formamos, nesta idade, um sentimento básico em relação ao mundo, ou seja, aquele sentimento ou característica que nos vai acompanhar para sempre. Então, a criança vai desenvolver, através dos jogos em grupos, as bases para o seu futuro, as habilidades socioemocionais para a convivência em grupo, assim como concentração, raciocínio, foco, criatividade, agilidade. A primeira infância é um período fundamental no desenvolvimento cerebral. Nesta fase, as respostas são mais rápidas, mais intensas e mais duradouras, em contrapartida àquelas verificadas na juventude que são, por sua vez, relativamente mais lentas, menos intensas e menos duradouras. É uma etapa em que o cérebro se desenvolve em velocidade frenética e tem um enorme poder de absorção, como uma esponja maleável. As primeiras impressões e experiências na vida preparam o terreno sobre o qual o conhecimento e as emoções vão se desenvolver mais tarde. A ciência já confirma os benefícios dos jogos de regras como, por exemplo, o jogo de tabuleiro. Os jogos são muitas vezes subestimados em sua importância para o crescimento e desenvolvimento da
inteligência da criança, da intuição e da criatividade. A ciência já confirma os benefícios dos jogos de regras como, por exemplo, o jogo de tabuleiro. Os jogos de tabuleiro são importantes para exercitar a mente. Além de lúdicos e divertidos, levam a que as crianças estimulem várias habilidades fundamentais para o desenvolvimento da concentração, do raciocínio lógico e a estimulam a criar estratégias importantes para os desenvolvimentos cognitivo e emocional. A partir dos jogos, a criança é instigada a usar a imaginação, a concentração e a atenção além de descobrir coisas novas a partir de cada jogo. Outro fator importante, é que os jogadores aprendem a competir de forma saudável e criativa. As regras de cada jogo estimulam a criar o hábito de atenção a regras de modo geral. A partir desta forma lúdica, o aluno se torna mais propenso a cumprir regulamentos que são comuns a todos e a respeitar o direito do outro. Além dessas vantagens, a experiência com o jogo envolve uma mão dupla entre aluno e professor. O professor interage e se torna facilitador da aprendizagem deixando de estar no lugar de detentor do saber. A equipe de professores precisa estar segura dessa prática para que não seja vista como perda de tempo ou um simples recurso didático a mais. O uso dos jogos também é importante para uma avaliação em todas as fases do desenvolvimento cognitivo.
Sheyla Baumworcel Psicopedagoga com especialização em Neuroaprendizagem Artigo escrito para o Drayke´s Cave Pub. Se você ficou interessado(a) e gostaria de atividades de jogos de tabuleiro em sua escola, empresa, evento fechado, ou se quer nos conhecer nos eventos abertos, visite nosso website em https://draykescavepub.wixsite.com/home
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