Universo Sefarad No. 5

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Sefarad Universo

ANO 2 Nº. 5 - EDIÇÃO DE CHANUKÁ - DEZEMBRO 2019

Dom Quixote:

UM GIGANTE NA LITERATURA JUDAICA 1


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Diretor/Editor Executivo Elias Salgado Editora Executiva Regina Igel Diretor de Arte e Design Eddy Zlotnitzki Correspondente Internacional Henrique Cymerman Benarroch Literatura Cristina Konder Conselho Editorial HOMENAGEM ESPECIAL: Prof. Samuel Isaac Benchimol z”l Andre de Lemos Freixo Fernando Lattman-Weltman Heliete Vaitsman Henrique Cymerman Benarroch Ilana Feldman Isaac Dahan Jeffrey Lesser Michel Gherman Monica Grin Monique Sochaczewski Goldfeld Regina Igel Renato Athias Wagner Bentes Lins Editor Elias Salgado Projeto gráfico e arte diagramação Eddy Zlotnitzki Revisão Regina Igel Colaboram neste número Anne Benzecry Benchimol Mônica Grin Esther de Goldberg Paloma Díaz-Mas Isaac Dahan Incluí o Suplemento Amazônia Judaica

Universo Sefarad é uma publicação da Talu Cultural

www.talucultural.com.br www.portalamazoniajudaica.com.br Email: contato@talucultural.com.br universosefarad@gmail.com Facebook Universo Sefarad

EDITORIAL

Regina Igel, Editora Executiva

Sem modéstia, este número da nossa revista está maravilhoso, está iluminado! Pelas páginas que você tem em mãos, viajamos aos séculos passados por documentação e também de ônibus (e de camelo)! Vamos ver como fizemos isto: Leiam o ensaio “Dom Quixote e os judeus”, um pequeno e profundo tratado (traduzido do espanhol por Elias Salgado), a respeito das traduções em ídiche e em hebraico da obra prima de Cervantes, incluindo certas sugestões que teoricamente aproximam o célebre cavaleiro mítico às vicissitudes judaicas pelo mundo. Amplo saber é divulgado por Paloma Díaz-Mas no seu bem documentado “Como chegamos a conhecer o Romanceiro Sefardita”, também em tradução do espanhol por Salgado, sobre uma intrigante herança cultural na história dos judeus hispano falantes. Se estes ensaios nos levam ao passado por livro e por documentos, há dois escritos aqui que nos colocam no presente, por viagens carregadas de nostalgia. Uma delas é narrada na crônica de Cymerman, que conta de seu retorno ao Porto, sua cidade natal. Como o fazia quando era criança, voltou a saborear as famosas castanhas assadas que lhe foram entregues pelo mesmo vendedor que as vendia na rua (foi mesmo?) da sua infância. E o presente se finca também no Marrocos, de onde o passado foi visitado por 35 brasileiros, quase todos de ascendência sefardita, agora morando em vários países. Reuniram-se numa excursão coordenada por David e Simone Salgado para ir buscar (e encontrar!) informações que complementaram seus respectivos conhecimentos sobre suas raízes marroquinas. A capa do suplemento Universo Amazônia Judaica mostra uma das fotos do grupo que percorreu em 9 dias, pelas modernas rodovias do país, as cidades de Casablanca, Tetuan, Tânger, Fez, Meknes e Marrakesh, onde visitou sinagogas, centros culturais, museus e cemitérios. Nesses lugares se registra, de várias formas, a vivência dos judeus expulsos ou fugidos da Península Ibérica durante a Inquisição, que encontraram guarida no Marrocos, e de seus descendentes, que lá se desenvolveram por séculos, até sua partida para outros locais, principalmente para o Brasil do século XIX. Outros lugares também foram visitados, estes de importância para a história do Marrocos, que tem um povo acolhedor, carinhoso, muito especialmente quando descobriram que o grupo se constituía de brasileiros e de judeus! A viagem foi divertida, instrutiva, muito bem conduzida entre aspectos culturais e entretenimento – pois até pudemos andar um pouco de camelo e vestidos ‘a caráter’, como os bérberes! (Havia também um punhado de não judeus e não sefarditas no nosso convívio e como pertenço a este último grupo, faço uma breve nota no interior deste número, do ponto de vista de uma asquenasita – descendente de judeus da Europa Oriental.) Enquanto estávamos no Marrocos, teve lugar a celebração dos dez anos do NIEJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos), no Rio de Janeiro acadêmico, com palestras de alcance nacional e internacional. Uma descrição completa você vai ler aqui sobre planos para o futuro, as realizações e até sobre as frustrações de um grupo de abnegados professores, pesquisadores, estudantes e acadêmicos em geral que estão levando avante estudos relativos à História dos judeus em diversos níveis do ensino no Brasil. Os textos inseridos nesta (e em todos os números da nossa revista) ampliam nosso conhecimento do mundo sefardita e também de outras esferas judaicas. É um privilégio contar com sua atenção a seu conteúdo. Bom proveito das suas leituras e até as próximas! Chag Chanuká Sameach!


ÍNDICE

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LEGADO O Romanceiro Sefardita

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CRÔNICA ESPECIAL Henrique Cymerman em viagem ao passado

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LITERATURA Dom Quixote na literatura hebraica

DO NOSSO LEITOR

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MENSAGENS

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SUPLEMENTO UNIVERSO AMAZÔNIA JUDAICA

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MARCOS NIEJ aos 10 anos

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LEGADO

Como chegamos a conhecer o Romanceiro Sefardita Paloma Díaz-Mas Instituto de la Lengua Española del CSIC.

Um dos ramos mais ricos e fecundos do romanceiro é o sefardita. Quer dizer, aquele que os judeus descendentes dos expulsos da Península Ibérica mantiveram vivo durante séculos

E

stabelecidos num entorno não hispanofalante (como o Oriente Mediterrâneo ou o Norte da África), os sefarditas conservaram o uso do espanhol como língua de comunicação e literária até as primeiras décadas do século XX. Sua literatura era composta por uma variedade de gêneros, que vão desde as traduções da Bíblia até a poesia estrófica, os comentários bíblicos, tratados de moral, a novela, o teatro

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e o jornalismo. E também, como não, pela literatura de transmissão majoritariamente oral: contos, canções, romances, gêneros que já existiam na Espanha medieval. Entre os sefarditas se conservavam temas antigos que vinham incorporando ao longo dos séculos, com tópicos e novos motivos de criação própria ou tomados da literatura dos povos com os quais conviviam. É significativo, por exemplo, que vários romances sefarditas da Macedônia sejam, na realidade, traduções ou adaptações em judeo-espanhol de baladas gregas ou temas balcânicos. Refletir sobre como chegamos a conhecer o romanceiro sefardita das distintas épocas equivale a refletir por quais vias e em quais âmbitos se transmitiram os romances, quem eram os usuários deste tipo de poesia tradicional e que função possuíam os romances em suas vidas. Através da

história e dos modos de transmissão deste gênero podemos entrever a história interna e a evolução social e cultural das próprias comunidades sefarditas e a relação do mundo ocidental e em especial da Espanha, com eles.

O primeiro conhecimento que teve o mundo ocidental do romanceiro sefardita foi através de duas vias: A) o material recolhido em pesquisas de campo por filólogos, B) as mostras publicadas por alguns homens de letras sefarditas, conhecedores em primeira mão dessa tradição oral As primeiras pesquisas de campo da tradição sefardita foram realizadas por filólogos 7


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LEGADO

romanistas e levadas por um interesse mais linguístico do que literário. O que os atraía era o estudo de uma variante linguística românica – o judeo-espanhol – que se manteve viva e evoluída no meio de línguas não românicas (turco, árabe, grego, sérvio-croata, romeno, etc.), desenvolvendo traços específicos tanto do espanhol peninsular, insular e americano, como de outras línguas românicas. No curso das investigações linguísticas foi feito um trabalho de coleta de materiais que às vezes incluía textos da literatura escrita, mas que basicamente se nutriu de transcrições de manifestações orais: narrativas espontâneas e amostras da literatura de transmissão oral, como contos, romances e canções. Assim, recolheram e publicaram romances sefarditas dos mais prestigiados romancistas como Leo Wiener (1903-1904) e Max Leonardo Wagner (1914 a 1930), ou Cynthia Crews (1935 e 1979).

O filólogo espanhol Ramón Menéndez Pidal

Por volta da mesma época em que os linguistas começaram a se interessar pelo judeo-espanhol, jornalistas sefarditas passaram a publicar no âmbito acadêmico. Abraham Danon publicou, em 1896, uma coleção de romances da Turquia e Abraham Galante, outros quatorze textos, em 1903.

com caracteres árabes). Galante foi um jornalista com formação ocidental, diretor de vários jornais aljamiados em judeo-espanhol, editor e dramaturgo em língua sefardita e autor de vários trabalhos históricos em francês sobre as comunidades sefarditas do Oriente. Enfim, representam um tipo de sefardi muito característico da segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX. Por outro lado, gente como Galante e Danon conhecem em primeira mão, via transmissão oral no âmbito familiar de sua infância, a literatura tradicional de romances e canções.

Danon recebeu formação rabínica, foi diretor da Alliance Israélite Universelle de Istambul, tradutor para o hebraico de obras da cultura ocidental (de Virgílio a Victor Hugo), participou do Congresso de Orientalistas de 1897 e fundou, em Edirne, o periódico El Progreso, publicado em turco, hebraico e judeo-espanhol aljamiado (textos transcritos em espanhol

Os primeiros sefarditas que publicaram romances nos oferecem uma radiografia das transformações culturais ocorridas no mundo sefardita desde a metade do século XIX, quando do estabelecimento de escolas ocidentais, em especial as francesas da Alliance no Oriente e Norte da África, abrindo acesso para a incipiente burguesia.

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O trabalho de investigação filológica linguística e literária na Espanha deve muito a Ramón Menéndez Pidal, com seu interesse pelo romanceiro como manifestação da épica hispânica É provável que seu interesse pela tradição sefardita tivesse influência na campanha em prol dos judeus de origem hispânica, promovida a partir de 1904 pelo senador Ángel Pulido Fernández que, numa viagem pelos Balcãs, conheceu Enrique Bejarano, um sefardita de Bucareste, professor de espanhol. O contato com ele e a descoberta de que no Oriente havia cidadãos de origem hispânica que falavam uma variante do espanhol apesar de terem sido expulsos da Espanha quatro séculos atrás, comoveu Pulido, que desde então empreendeu uma apaixonada campanha de aproximação da Espanha aos sefarditas. Em pouco mais de um ano, Pulido se correspondeu com quase 150 sefarditas das mais diversas partes do mundo. Nas cartas que recebeu (as quais, em grande parte, ele reproduziu em livro, em 1905), encontramos um retrato de uma parte do mundo sefardita daquela época: profissionais liberais, comerciantes, banqueiros, jovens educados em escolas francesas e italianas. Muitos eram poliglotas e haviam vivido em diferentes países, desde a Turquia até a Inglaterra, do Marrocos à Romênia, do México ou Argentina à Itália, enfim, um panorama dos lugares

de assentamento sefardita em princípios do século XX, quando ainda existiam comunidades tradicionais (hoje, quase todas desaparecidas) como na Turquia, Grécia, nos Balcãs e no Norte da África. Mas já se havia iniciado a chamada diáspora secundária, ou seja, a emigração massiva rumo a países europeus e americanos, que alcançaria seu pico entre 1912 e a década de 50.

Outro grande colaborador de Menéndez Pidal foi José Benoliel, um sefardita de Tânger e residente em Lisboa. Ele enviou a Menéndez Pidal mais de 150 romances e canções que conhecia por tradição própria ou das pessoas de seu círculo mais próximo Ele mesmo publicou um longo artigo sobre a haquetia, judeu-espanhol do Marrocos, no qual inseriu vários romances e canções. Não só a coleta de textos em pesquisas de campo e a elaboração de um primeiro catálogo da tradição sefardita (1906) tem importância no trabalho de Pidal. Mais importante ainda foi que levou em conta, em todos seus estudos sobre o romanceiro dos sefarditas como em sua obra fundamentel, o livro de 1953. Este critério foi seguido por todos seus discípulos e seguidores, de maneira que hoje em dia é inconcebível abordar um estudo sobre o romanceiro hispânico sem levar em consideração o ramo sefardita. 9


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LEGADO

Os sefarditas também imprimiram literatura para seu próprio uso, principalmente em edições aljamiadas, entre eles livros de cordel contendo romances. No começo, tais impressos não receberam atenção dos estudiosos, pois desconheciam o hebraico e os hebraistas tampouco se interessaram, por não ser literatura hebraica. A situação mudou na década de 1970 com os trabalhos de Samuel G. Armistead e Joseph H. Silverman que começaram a editar e estudar os romances dos livretos aljamiados de cordel, impressos em várias cidades do Oriente. Não podemos esquecer que os romances são poemas narrativos cantáveis, que eram entoados mais que recitados. Eram transmitidos pelo canto e se aprendia de ouvir cantar. Estes romances tiveram um papel importante na vida tradicional sefardita. Além de seu uso puramente lúdico e de entretenimento, foram utilizados para acompanhar momentos vitais, desde os mais triviais e cotidianos (como ninar crianças ou marcar o ritmo das tarefas artesanais ou domésticas), até os mais festivos, como casamentos ou circuncisão.

A presença de versos de romances em coleções de piutim hebraicos (poemas litúrgicos, geralmente cantados) nos indica a profunda imbricação do romanceiro na cultura sefardita. Não só alguns cantos litúrgicos se cantavam 10 | USf | ANO 2 - Nº5 | CHANUKÁ 2019

O senador Ángel Pulido Fernández


com música de romances conhecidos, mas muitos piutim hebraicos foram criados pelo padrão de romances No entanto, a cópia de manuscritos de uso pessoal, nos quais muitas vezes se incluem romances, não foi prática exclusiva dos chazanim (cantores na sinagoga). Temos documentada a existência de manuscritos pessoais com romances e canções entre a primeira metade do século XVIII e os anos de 1980. Sua importância é especial para se conhecer a literatura dos sefarditas norteafricanos, já que no Marroocos não existiu imprensa judaica, como existia nos países do Império Otomano desde o século XVI. Nos séculos XVIII e XIX, as compilações são feitas por homens e a predominância é de textos religiosos. Porém, a partir das primeiras décadas do século XX e até próximo ao século XXI, se dá um fenômeno interessante: os manuscritos de uso pessoal compilados por mulheres, que mesmo contendo coplas paralitúrgicas ou traduções de piutim em ladino, também conterão romances, canções e outros cantos tradicionais ou não: muitos incluem, junto com castíssimas versões de velhos romances, letras de tangos, de cuplês ou de copla folclórica espanhola. Em outras palavras: nesses manuscritos pessoais entraram o que cantavam as mulheres sefarditas do século XX, que incorporavam ao seu repertório de cantares (assim se denominava no Marrocos todo poema cantado, tradicional ou não), tanto os velhos romances aprendidos de suas mães ou avós,

como as novas letras da moda que chegavam através de espetáculos teatrais, do rádio ou das primeiras gravações em disco. Desde a década de 1980 passaram a editar e estudar vários destes manuscritos sefarditas de mulheres, sobretudo do Marrocos. Em 1988, Oro Anahory editou alguns destes manuscritos compilados por mulheres de Tetuan (Luna Bennaim e Esther Benchimol). Quase todos esses manuscritos compartilham algumas características: estão escritos em cadernos escolares e copiados em caracteres latinos; foram elaborados ao longo de uma série de anos, às vezes décadas, por mulheres que gostavam, especialmente, de cantar os velhos romances e canções que haviam aprendido de suas mães; em algumas ocasiões, vários membros da família se incorporaram na sua elaboração, como é o caso dos manuscritos de Luna Bennaim; foram encontrados em manuscritos da diáspora secundária (Espanha, Canadá ou Estados Unidos e países da América hispanofalante). No esforço destas mulheres por recompilar cadernos de cantares se reflete uma consciência da própria identidade cultural e uma postura ativa de conservação do que se sente como parte de um patrimônio cultural em vias de extinção.

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LITERATURA/CAPA

DOM QUIXOTE E OS JUDEUS Fonte: https://www.sfarad.es

A obra máxima da literatura universal, escrita por um converso, sempre teve muito eco na literatura judaica – tanto em hebraico como em íidiche e em judeu-espanhol – com grande número de traduções e versões

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LITERATURA/CAPA

A

primeira menção a Dom Quixote encontrada no vasto oceano da literatura hebraica data de 1792 e se encontra no diário de viagem de Shlomo Romanelli, Massá BeArav (Viagem ao Ocidente). Romaneli, como figura intelectual do movimento da Haskalá – o Iluminismo judaico –, propunha a figura quixotesca como metáfora da aventura judaica: tirar a cultura judaica do gueto, tanto do geográfico como do mental, para enfrentar e conquistar intelectualmente este moinho gigante chamado Ocidente que, às vezes, é Dulcinéia e outras, Aldonza Lorenzo. Esta comparação também foi feita por outro maskil (membro da Haskalá), Lilenblum, em 1876, em sua obra Het Neurim (Pecado da Juventude). Não é à toa que, como Quixote, ele passava as noites e os dias lendo. Isso é algo que o judaísmo conhece muito bem, aferrado a um livro que carrega consigo numerosas vicissitudes sofridas. No entanto, a chegada propriamente dita da obra cervantesca a “ficar em vigília pelas armas na venda’ ao hebraico é um tanto estranha: em 1871, Nachman Frenkl publicou uma adaptação da obra sob o estranho título de Livro de Avinoam o galileu ou o néscio messias, no qual transporta o personagem manchego à Jerusalém do Segundo Templo. Em 1894, David Iudilevich publica Don Quishot min La Mansha, outra adaptação selecionada.. Até que chegou Bialik. Chaim Nachman Bialik (1873-1934), o poeta nacional de Israel por excelência. Foi ele que teve a honra de haver sido o melhor e mais influente tradutor de Dom Quixote ao hebraico, com duas edições: Don Quishot Ish La Mansha, em Odessa, 1912 e depois em Berlim, em 1923. 14 | USf | ANO 2 - Nº5 | CHANUKÁ 2019

Imagem da edição da tradução de Bialik

Edição em hebraico de Dom Quixote de La Mancha

Tradução de Bialik, edição Berlim, 1923


Porém – coisas da vida - não traduziu diretamente do espanhol, mas sim do russo (e dizem que também se apoiou, em muitas ocasiões, em uma versão em alemão). Seja como seja, não é pouco trabalho traduzir uma obra como a de Cervantes, seja em qual língua for. No Prólogo de sua famosa tradução, Bialik explica que se trata de uma edição destinada à juventude. Talvez por isso – coisa que não explica – tenha tantas imagens de paisagens, supressão de sarcasmos e ironias, etc. Porém, do ponto de vista linguístico, é uma joia, apesar de ser uma edição, digamos, “reduzida”. Algo parecido, se bem que sem o nível do hebraico de Bialik, acontece numa edição anônima de Varsóvia, Chaiav Vekorotav Shel haatzil hanifla Don Quihot ish La Mancha (“Vida e história do maravilhoso nobre Dom Quixote da Mancha”). Foi necessário esperar até 1955 para encontrar uma tradução quase completa - a Primeira Parte – e confiável: a de Itzhak Ravikov, na qual se encontra o famoso prólogo da glória judaica do romanticismo alemão, Heinrich Heine, e as ilustrações não menos célebres de Dorè. A nível artístico, talvez seja a melhor das edições em hebraico. Três anos mais tarde aparecia a tradução completa, a de Nathan Bistritzki, destinada a resolver um dos maiores problemas do hebraico para a tradução de textos medievais: criar um registro que mantivesse a distância linguística do hebraico moderno como a que há entre o espanhol do século XVII e o espanhol atual. O empenho de alcançar esse tom é tamanho que

o leitor do hebraico atual pode ter dificuldade em interpretar o registro arcaico. Em 1994, Beatriz e Luis Landau conseguem uma tradução completa – a parte lírica é tradução de Tal Nitzan Keren. É uma versão tão fabulosa que conseguiu reavivar o interesse israelense não só por “Dom Quixote” mas por todas as obras de Cervantes, propiciando traduções de outras novelas suas. Mas Dom Quixote não chegava aos judeus somente através do hebraico. No final do século XIX, chegava também através do judeu-espanhol, apesar de que não fosse de maneira completa e em um só volume, mas por publicações semanais parciais do jornal “El Tiempo”. Chamado “O amigo da família”, o periódico era publicado em Constantinopla - que ainda não havia recebido o nome de Istambul - entre os anos 1881 e 1886. Seu editor chefe, um grande jornalista daquela época, foi David Fresco (1853-1933). E também chegava através do íidiche, pela escrita de Mendele Mocher Sfarim, que publicou, em 1878, um livro que retomava As Viagens de Benjamin de Tudela, no século XIII, para escrever As viagens de Benjamin III, paródia quixotesca que teve tanto êxito que logo surgiria em hebraico como Massaot Biniamin Hashlishi. Também há que mencionar que a grande obra cervantina que inaugura no mundo a novela moderna teve também suas réplicas no mundo da dramaturgia. Em Israel, e em hebraico por exemplo, se destaca O Homem da Mancha, de Guiora Gudik, encenada no Eihal Hatarbut de Tel Aviv, em 1967.

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CRÔNICA ESPECIAL

O FORTE CHEIRO DA MEMÓRIA Eu tinha 16 anos quando meu pai sumiu da minha vida e ele só tinha 56 anos. Mesmo agora que sou mais velho do que ele quando faleceu, eu o sinto ao meu lado. Assim como quando ele foi escolhido para ser o chazan na sinagoga Mekor Chaim, no Porto (Portugal), minha cidade natal. É uma das sinagogas mais lindas da Europa. É um lugar que uniu pessoas como Max Gozal, de Tânger, e meu avô, Meir Cymerman, de Ludsk, Polônia. Cada um com as suas melodias e o seu sotaque único. Eu ficava de pé ao lado do meu pai e quase explodia de orgulho HENRIQUE CYMERMAN – Correspondente Internacional

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epois do meu bar mitzvah, nos meus últimos dois anos no Porto antes de eu fazer aliá para Israel sozinho, me pediram para tocar o shofar em Rosh Hashaná porque todo mundo já era muito velho e sem forças para aquela mitzvá. Ainda tremo pelo eco da sinagoga construída pela família Kadoorie. Há um tempo atrás, fui ao Porto com Yael, minha esposa, numa espécie de viagem de volta às raízes. Quando estávamos de pé em frente ao grande shopping onde o meu pai e meu avô possuíam uma fábrica de fechos, contei-lhe que ia ao jardim de infância do outro lado da fábrica todos os dias e um vendedor de castanhas, que ficava na frente da fábrica, costumava atravessar comigo a estrada, me dar umas castanhas na mão e me mandar para o escritório do meu pai. Quando caminhamos por sete minutos da fábrica até a Praça


de Mouzinho de Albuquerque, onde meus avós viviam e para onde eu vinha todos os dias depois da escola, não pude acreditar quando, de repente, senti o cheiro das castanhas do vendedor que tanto conhecia e as memórias penetraram por minhas narinas. “Castanhas!”, eu disse e peguei Yael pela mão. Corremos em direção ao vendedor que ainda ficava na mesma esquina da rua perto do vovô. Para nossa surpresa, o homem, com as mãos sujas de fuligem, olha para mim e diz: “Onde você esteve? Eu estava te esperando.” Era o senhor José, o mesmo vendedor de castanhas que atravessava a rua comigo quando eu era criança. Já naquela época ele me parecia bem velhinho, mas provavelmente era um jovem então. “Sabes, ando a seguir-te na TV há anos e estava a perguntar-me quando virias visitarme. Eu sabia que isso ia acontecer. Todos os dias eu passo pela fábrica do teu avô e do teu

pai e lembro o quanto me ajudaram quando casei e tive os meus filhos. Lembro-me do dia em que você pegou o trem para Lisboa para ir para Israel. E depois, que você decidiu ficar lá. Seu pai contava a todos, orgulhosamente, que seu filho vivia em Israel e que ele estava estudando hebraico num internato e fazia guarda noturna com uma arma, ele enfatizava”. Yael e eu nos emocionamos tanto, pegamos as castanhas e, quase sem palavras, o abraçamos e nos fomos. De tanta emoção e surpresa nos esquecemos de tirar uma foto. De tempo em tempo nos lembramos do homem das castanhas, quando o cheiro de castanhas sobe às nossas narinas. Mas às vezes nos perguntamos se aquilo realmente aconteceu ou se foi um sonho?

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MARCOS

Pรกtio do IFCS/ UFRJ, onde estรก situado o NIEJ 18 | USf | ANO 2 - Nยบ5 | CHANUKร 2019


NIEJ:

10 ANOS FAZENDO A DIFERENÇA NO CAMPO DOS ESTUDOS JUDAICOS NO BRASIL Na noite de 25 de junho de 2008, a Profa. Dra. Monica Grin, e o Prof. Dr. Michel Gherman do IFCS/UFRJ reuniram um grupo de estudiosos e acadêmicos na sede do Hillel Rio para dar partida a um projeto que se tornaria um marco na história dos Estudos Judaicos, no Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo, que foi a criação do NIEJ – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos

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MARCOS

Publicamos aqui, um trecho da ata original daquela reunião, elaborada por Monica e enviada aos participantes:

UM SONHO SONHADO Participantes da 1a. reunião para criação do NIEJ., na sede do Hillel Rio, 25 de junho de 2008 (Veja a lista dos nomes dos participantes no texto da Ata, a seguir)

Pontos da reunião do comitê de professores e pesquisadores associados para a concepção do futuro Núcleo de Estudos de Judaísmo Contemporâneo da UFRJ. Realizada no dia 25 de junho de 2008, às 20:00h, na sede do Hillel – Rio de Janeiro. Compareceram à reunião: Bruno Bondarovsky (Diretor do Hillel), Michel Gherman (Coordenador acadêmico do Hillel), Marcelo Gruman (antropólogo, Funarte), Keila Grinberg (historiadora/ UNIRIO), Flávio Limoncic (historiador/UNIRIO), Elias Salgado (Diretor do CCMA), Henrique Samet (historiador e professor de hebraico da UFRJ), Rosana Bines (Letras/PUC-Rio) Paula Ribeiro (antropóloga/Estácio de Sá), Joelle Rouchou (jornalista/Fundação Casa de Rui Barbosa e UniverCidade), Lucca Myara (estudante de comunicação da UFRJ e bolsista do Núcleo de Estudos de Judaísmo Contemporâneo), Kátia Lerner (antropóloga/ Fiocruz), Igor (historiador/UNIRIO), Luis Edmundo (historiador/UFRRJ), Tatiana Salem (escritora), Diana Lima (antropóloga/Iuperj) e Monica Grin (cientista social/ Departamento de História UFRJ). 20 | USf | ANO 2 - Nº5 | CHANUKÁ 2019

Não puderam comparecer: Renata Rosental Sancovsky (historiadora/ UGF e LEI-USP), Beatriz Kushnir (historiadora/Arquivo Geral da Cidade), André Freixo de Lemos (historiador e doutorando de história da UFRJ), Fábio Koifman (historiador/ Estácio de Sá), Jacqueline Hermann (historiadora/UFRJ) e Carlos Ziller (historiador/UFRJ). Vários aspectos relevantes foram tratados nessa primeira reunião:

Por que o Núcleo pode vir a ser um bom projeto? Somos um time de professores e pesquisadores do campo das ciências humanas que, ao longo dos anos, em esforço quase isolado, vimos nos dedicando a pesquisar e a ensinar temas na área de judaísmo, especialmente em suas interfaces com os grandes temas e desafios da modernidade (e mesmo da pré-modernidade, como é o caso da Renata Sancovsky, que estuda judaísmo medieval). Professores que, além de eventualmente oferecer cursos em estudos judaicos ou questões correlatas (Holocausto, identidade, comunidade, diáspora, nazismo, neonazismo, Oriente Médio, estigma, racismo, antissemitismo, etc) quase nada ou muito pouco podemos assegurar aos nossos estudantes a fim de que eles sigam pesquisando, com densidade, questões nessas áreas. Temos envidado esforços no sentido de garantir legitimidade acadêmica no interior da universidade brasileira para temas na área de judaísmo ou na fronteira. Temos promovido, para este fim, reflexão ampla, aberta e universalista, em diálogo com outras disciplinas e com outras experiências relevantes na modernidade. Falta-nos, contudo, uma estrutura que permita o diálogo interinstitucional e interdisciplinar (em níveis de graduação e


pós-graduação), que nos garanta uma estrutura centralizada de informações, fontes, dados, meios de divulgação de nossas pesquisas e cursos; estrutura que nos link(e) com centros acadêmicos do mundo todo; que nos mobilize a formular projetos dentro e fora do espaço acadêmico; que nos forneça, de forma atualizada, um mapeamento completo dos acadêmicos, pesquisadores e estudantes que se dedicam ao tema do judaísmo no Brasil, bem como de tudo que está sendo produzido; informações sobre bancos de dados, fontes de pesquisa e instituições acadêmicas que já abrigam recursos humanos, materiais e de fontes na área de judaísmo; igualmente, informações sobre todas essas questões fora do Brasil; que nos forneça estrutura para realizar seminários, congressos, workshops, pagos ou não, com certificados para estudantes e demais interessados. O Núcleo viria suprir esta ausência de estrutura no Rio de Janeiro, cidade que reúne um conjunto relevante de universidades públicas – principalmente as federais – e privadas. Seria um Núcleo de referência para o ensino e a pesquisa de temas da área de judaísmo, sediado na UFRJ, mas linkado a várias outras universidades no Rio. Seria, portanto, um centro de referência que geraria recursos humanos e

materiais para levar adiante e de forma sistemática o projeto de consolidação da legitimidade acadêmica do ensino na área de estudos judaicos. Para tanto, será necessário que o Núcleo garanta espaços de excelência para que estudantes das universidades do Rio de Janeiro pesquisem, para suas monografias, dissertações e teses, as fontes de que dispomos ou iremos dispor ou que simplesmente saibam em quais instituições podem ser encontradas fontes na área de judaísmo. Poderá sugerir orientações e co-orientações dos professores associados ao Núcleo aos estudantes, conforme a especialidade do professor e das demandas do estudante. Será um centro capaz de gerar projetos para formação de professores de ensino fundamental, médio e universitário, projetos de elaboração de livros didáticos ou de ensino à distância, de cursos de extensão e lato senso e, por fim, garantir excelente orientação ao estudante associado ao Núcleo. Para que a pesquisa na área de judaísmo possa ser desenvolvida com densidade, será necessário e conveniente que o estudante tenha acesso a cursos de língua instrumental (hebraico, iídiche, alemão e árabe) que permita a leitura de fontes originais. 21


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MARCOS

DO SONHO À REALIDADE:

O NIEJ 10 ANOS DEPOIS Pela PhD, Professora Monica Grin

O Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ (NIEJ) foi criado em 2009 por mim e por Michel Gherman, como uma iniciativa estritamente acadêmica mobilizada pelas demandas de alunos que queriam frequentar cursos e disciplinas sobre diversos temas no campo mais amplo dos estudos judaicos. Inicialmente, elaboramos cursos sobre Holocausto, Conflito no Oriente Médio e sobre Judeus no Brasil Os professores Monica Grin e Michel Gherman, fundadoires e coordenadores do NIEJ – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos

Logo conseguimos que essas disciplinas valessem créditos na UFRJ e criamos laboratórios sobre estes temas, que também valiam créditos para os alunos. A chancela da UFRJ aos cursos em Estudos Judaicos foi fundamental para que esta área, sobretudo no Instituto de História e no Programa de Pós-graduação em História Social, tivesse legitimidade acadêmica e um alcance cada vez maior junto aos estudantes da UFRJ. É um Núcleo do Instituto de História da UFRJ associado principalmente, mas não exclusivamente, à área de História Contemporânea. É formado por professores universitários que lecionam e pesquisam nas áreas de História, Ciências Sociais, Filosofia e Letras. Possui um Conselho Interna22 | USf | ANO 2 - Nº5 | CHANUKÁ 2019

cional composto de importantes especialistas na área de Estudos Judaicos no Brasil e no exterior, além de um criativo time de estudantes de graduação e pós-graduação. Nos últimos dez anos já formamos três doutores; 5 mestres e diversos graduados em História com ênfase em temas do campo mais amplo de estudos judaicos. Todos os nossos alunos de Mestrado e Doutorado tiveram e têm bolsas do CNPq ou da Capes. Os nossos três doutores já estão devidamente empregados em universidades públicas. A procura aos nossos cursos no NIEJ não se restringe a estudantes de origem judaica. Muito pelo contrário. Os alunos são majoritariamente não judeus. A agenda de atividades do NIEJ dedica-se fundamentalmente: 1) à oferta de disciplinas na grade curricular do Instituto de História e à oferta de laboratórios semestrais; 2) à organização de palestras, simpósios, colóquios e workshops nacionais e internacionais; 3) à orientação de teses, dissertações e monografias, tanto na pós-graduação, quanto na graduação; 4) à publicação semestral, desde 2009, de uma revis-


ta digital, a Revista Eletrônica do NIEJ, contendo artigos acadêmicos (atualmente interrompida no seu nono número, por falta de verba). O NIEJ é um núcleo completamente autônomo e não está na órbita das instituições da comunidade judaica do Rio de Janeiro. É uma instituição estritamente acadêmica. Isto não significa que não haja um diálogo muito interessante, especialmente com as escolas judaicas, através de cursos de extensão oferecidos pelo NIEJ aos professores da área de História Judaica dessas escolas. Temos também um interessante diálogo com a Conib, através do qual oferecemos cursos de extensão, com a chancela da UFRJ, para professores de escolas judaicas em todo o Brasil. O NIEJ está filiado ao Latin American Jewish Studies Association (LAJSA), que vem abrigando nossos trabalhos de pesquisa em seus congressos regulares. Temos contatos e convênios com a Hebrew University, com a Universidade de Haifa e a Ben Gurion University of the Negev, em Israel. Nos EUA, temos tido contato mais estreito com a Brown University. Com a entrada do Prof. Vinicius Liebel como pesquisador do NIEJ, muito provavelmente teremos um maior diálogo com a Universidade Livre de Berlim. O NIEJ conta hoje com os seguintes professores/ pesquisadores/colaboradores: Monica Grin, Prof. de História Contemporânea da UFRJ e coordenadora do NIEJ; Michel Gherman, doutor pelo PPGHIS/NIEJ, pesquisador e professor visitante no PPGHIS e coordenador do NIEJ; Vinicius Liebel, Professor de História Contemporânea e pesquisador no NIEJ; Silvia Correia, Prof. de História Contemporânea da UFRJ e colaboradora do NIEJ; Leonardo Vichi, doutor pelo PPGHIS/NIEJ e pesquisador do NIEJ. Além desses professores,nosso Conselho é composto por vários colaboradores, especialistas nacionais e internacionais em estudos judaicos.

As expectativas em relação ao futuro do NIEJ é de que ele cresça e abrigue cada vez mais e com maior critério os alunos interessados em enfrentar este campo de conhecimento no Brasil. Que se torne uma instituição de referência nacional e internacional; que possa criar importantes redes com instituições dentro e fora do Brasil; que possa ser um núcleo que garanta visibilidade às pesquisas realizadas em estudos judaicos; que possa produzir sua revista sem sobressaltos e de acordo às normas que orientam as revistas acadêmicas no Brasil; que o NIEJ se torne um fórum de encontros, jornadas e workshops e que receba cada vez mais professores e pesquisadores, sobretudo de centros judaicos de fora do Brasil; que permaneça um núcleo independente de qualquer intervenção de natureza religiosa, política ou ideológica e que possa formar novas gerações de especialistas de excelência para dar continuidade a este projeto de consolidar os estudos judaicos no nosso país. Por fim, que forneça professores bem formados em História Judaica para as escolas judaicas ou para qualquer escola que adote temas como o Holocausto, tema obrigatório na BNCC (Base Nacional do Currículo Comum). Aliás, o NIEJ produziu o texto sobre a importância do Holocausto, apresentado pela CONIB no Conselho Nacional de Educação, em 2017. É também nosso desejo que, através da reunião de instituições universitárias no país, possamos criar, finalmente, uma Associação Brasileira de Estudos Judaicos (ABEJ) que agregue pesquisas, ensino, cursos de extensão e que seja uma referência importante para todos os que se dedicam à pesquisa e ao ensino em estudos judaicos; que se responsabilize também pela veiculação e pelo ensino do Holocausto em escolas públicas e particulares no ensino fundamental e no ensino médio em todo o Brasil. 23


Sefarad Universo

MARCOS

II JORNADA DE ESTUDOS JUDAICOS:

COMEMORANDO 10 ANOS EM GRANDE ESTILO Em relação à II Jornada do NIEJ, realizada nos dias 6 e 7 de novembro de 2019, ocasião em que comemoramos os 10 anos do NIEJ/UFRJ, pode-se dizer que foi um evento bem sucedido, que superou nossas expectativas pelo número de inscritos (mais de 100 pessoas entre estudantes, professores e pesquisadores), pelo alto nível dos debates e por nossa capacidade de superação de problemas de toda ordem: espaço físico precário, pouquíssimo dinheiro para organizar o evento (tivemos o apoio do Vaad Hachinuch - Conselho Central de Educação Judaica - através de seu presidente, Fernando Sigal, e também do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ que nos ajudou com verba, salas, computadores e datashow). A Jornada contou com a presença de professores da USP, da UFRGS, UFPR, UFRJ, FIOCRUZ, UNIRIO e da UFF, entre outras universidades. Tivemos até a participação da Prof. Emérita da USP, Dra. Eva Blay, que se inscreveu na Jornada como qualquer outro participante. Tivemos, na Abertura, uma palestra com o Prof. Arieh Saposnik, da Ben Gurion University, sobre sionismos e, no encerramento, nos foi dada uma palestra com o Prof. Wolfgang Heuer sobre Hannah Arendt. Por ocasião dos dez anos do NIEJ, fizemos uma homenagem à Professora Helena Lewin, com entrega de um placa ressaltando o seu pioneirismo na introdução de temas judaicos no âmbito universitário do Rio de Janeiro. Por fim, é importante ressaltar que a II Jornada só foi possível com o apoio voluntário de nossos alunos e a colaboração de vários professores da UFRJ e de outras universidades, que prontamente aceitaram participar 24 | USf | ANO 2 - Nº5 | CHANUKÁ 2019

como mediadores das 18 sessões que compuseram a II Jornada de Estudos Judaicos do NIEJ/UFRJ. É nossa expectativa que possamos realizar ao menos de dois em dois anos essas Jornadas, como um fórum regular de debates importantes para que estudantes e especialistas possam apresentar suas pesquisas em Estudos Judaicos.

Destacamos, também, que o IBI (Instituto BrasilIsrael) tem sido um grande parceiro do NIEJ. Em relação à II Jornada, o IBI promoveu a vinda do Prof. Arieh Saposnik, que garantiu o brilho da Abertura do evento. O IBI também fez uma doação para o coquetel da Abertura. No geral, o IBI tem sido fundamental para divulgar e apoiar eventos do NIEJ.


Noite de Abertura da II JORNADA do NIEJ, na Escola Eliezer-Max, com homenagem especial à Professora Doutora Helena Lewin, fundadora do PEJ, Prtograma de Estudos Judaicos da UERJ e palestra do Prof. Dr. Arieh Saposnik da Ben Gurion University, Israel Participantes do painel Diáspora Marroquina

A Mesa de “Lugares e Afetos”

Secretaria da II JORNADA. O evento contou com apoio incondicional dos alunos do NIEJ Na foto, da direita para a esquerda: Prof. Dr. Arieh Saposnik, da Ben Gurion University; Prof. Dr. Michel Gherman, coordenador do NIEJ e Elias Salgado, Diretor do AHDAJ – Arquivo Histórico Digital Amazônia Judaica

Gostaríamos de destacar que, dentre as dezenas de painéis que compuseram a extensa, rica e diversificada programação da II JORNADA do NIEJ, foi realizado um painel específico sobre os judeus do Marrocos – DIÁSPORA MARROQUINA. O painel era formado pela Profa. Dra. Nancy Rozenchan (USP), Elias Salgado (AHDAJ) e Lucas Fernandes (Mestre pelo NIEJ/UFRJ), que contou com a Dra. Joëlle Rouchou (Casa de Rui Barbosa) como moderadora.

Painel Diáspora Judaica no Brasil

Painel Museus Judaicos

25


Sefarad Universo

DO NOSSO LEITOR

Grande nível querido Eli. A revista está excelente. Henrique Cymerman – Tel Aviv

Adoro essa revista. Adoro as pautas. Acho interessante e sofisticada. Cristina Konder – São Paulo

Obrigado Eli pela parte que me toca na mensagem. De coração eu agradeço Debbie Benchimol – Flórida

Li a revista. Está bonitinha e agradável. Obrigado a Cristina Konder Paulo Valadares – Campinas

Parabéns pela revista, Eli. Está muito profissional a diagramação e os títulos dos artigos convidam à leitura. Belo trabalhos! Yoel Bogdanski – São Paulo

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Sefarad Universo

MENSAGENS

CHAG CHANUKÁ SAMEACH LE KOL AM ISRAEL Anne, Jaime e José Benchimol Rebeca e Joshua Neman

FELIZ FESTA DAS LUZES A TODOS Sergio Benchimol e família

Chanuká Sameach são os votos de Alexandre Antabi e família

Vidinha Salgado e família deseja a todos

CHAG HAOROT SAMEACH 27


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Suplemento Universo

CHANUKÁ 5780 - DEZEMBRO 2019

MARROCOS

UM RETORNO ÀS ORIGENS 29


CAPA/RAÍZES – REDAÇÃO

Marrocos:

De volta às raízes

Capitaneados por David Salgado, fundador do Amazônia Judaica e por iniciativa e apoio do líder comunitário, o empresário Jaime Benchimol, os judeus de origem marroquina do Brasil, estão trilhando através de excursões ao país de seus antepassados, um verdadeiro retorno às suas origens

A

tentos ao fenômeno, nos aprofundamos no tema e apresentamos na II JORNADA DE ESTUDOS JUDAICOS DO NIEJ, em painel sobre a DIÁSPORA MARROQUINA, trabalho resultante de pesquisa sobre o referido assunto, que apresentamos a seguir.

30 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019


Marrocos - um retorno?

Judeus marroquinos brasileiros e o Marrocos na atualidade Por Elias Salgado

“Salgado, você possui material sobre os judeus do Marrocos no Brasil? O embaixador quer que organizemos uma exposição sobre o tema. Seria muito importante para nós a realização deste projeto.”

origens étnicas e culturais. No caso dos judeus do Marrocos, tais vínculos têm sido fortes na tentativa de preservação de ritos, tradições, memória e identidade. E o caso brasileiro não foge à tal regra. Nos primeiros anos da imigração, esses vínculos eram bastante intensos, principalmente devido a contatos familiares e à ida de filhos nascidos no Brasil para estudar nas escolas da Aliança Israelita Universal e adquirir formação técnica no Marrocos. Tomo como exemplar o caso de Rubem Salgado, enviado por seus pais para estudar no Marrocos em 1914 logo após seu

Era o rabino Isaac Benzaquen ao telefone, líder espiritual da Shel Guemilut Hassadim, a sinagoga dos judeus marroquinos do Rio de Janeiro, frequentada por minha família desde o século XIX. Trazemos aqui este trecho da nossa conversa pois ela, que pode parecer intrigante e curiosa, é exemplo de um processo histórico e sociológico que bem podemos designar como “retorno” às origens culturais e identitárias da referida comunidade. Tratase de um re-encontro com o país de seus antepassados e a constatação de que o referido processo se dá numa dinâmica de reciprocidade entre esses judeus e o governo do Marrocos. Nossa proposta no presente trabalho é tentar explicar por quê e como, em pleno século XXI, após quase 210 anos da chegada dos judeus do Marrocos ao Brasil, tal Tradicional peregrinação de judeus marroquinos aos túmulos dos seus tzadikim fenômeno está acontecendo. Após quase 210 anos de sua presença na Amazônia, bar mitzá. Após 5 anos de estudos, retornou ao Brasil aqueles imigrantes e seus descendentes passaram por formado como guarda-livros (contador). Nos anos um processo complexo de aculturação, adaptação 30, durante a Ditadura Vargas, Salgado é convidado e assimilação de sua identidade, sendo que parte por Álvaro Maia, interventor do Amazonas, a do grupo não tenha abandonado totalmente a sua assumir a Secretaria da Fazenda do Estado, o que ele fez, como Secretário de Estado de Economia originalidade. Sim que grupos migrantes, via de regra, mesmo e Finanças do Amazonas e Diretor Regional da se adaptando, se aculturando ou se assimilando SAVA – Superintendência de Abastecimento do Vale preservam diferentes níveis de laços com suas Amazônico - de 1940 a 1945.

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CAPA/RAÍZES – REDAÇÃO

Certamente, estudar e formar-se no Marrocos não era o único motivo destes contatos e de casos de retorno. Há circunstâncias que a historiografia referente ao tema desconhecia até bem pouco tempo, como as de centenas de imigrantes naturalizados brasileiros que retornaram ao seu país de origem. Uma delas tem a ver com o retorno, não somente ao Marrocos mas também a Portugal, de alguns judeus marroquinos que faliram com a crise da borracha. (Ver Benchimol, 1998.) Com o tempo, os laços familiares e pessoais com o Marrocos se veem esgarçados em consequência das diversas ondas migratórias de judeus do Marrocos. Tais vínculos chegam a se extinguirem de forma quase

que cresce a olhos vistos na atualidade, com excursões programadas e orientadas por brasileiros de origem marroquina, além de contarem com guias locais em português. São então visitadas cidades que deram origem aos marroquinos emigrados ao Brasil (como Casablanca, Tânger, Tetuan, Fez, entre outras), além dos túmulos dos sábios (tzadikim) venerados por gerações de marroquinos e seus descendentes no Brasil e em outras partes do mundo. Como se pode ver, os laços culturais, religiosos e a memória coletiva dos judeus de origem marroquina são fortes e têm um papel fundamental no processo de identificação com suas origens. Porém outros fatores contribuem para o fenômeno de aproximação e de “retorno”, no caso específico do Brasil. Vejamos.

Os judeus constituem o único grupo originário do Marrocos no Brasil. Esta bem que poderia ser razão suficiente para explicar a atitude positiva do governo marroquino, através de seus diplomatas, para com a comunidade judaica marroquina local. Jantares com farta mesa marroquina, onde o convidado de honra é o embaixador e nos quais o rei Muhamed VI é homenageado, são comumente realizados por comunidades marroquinas no país. O Rei do Marrocos recebe um grão rabino

total com a criação do Estado de Israel, em 1948. Quase extintos os vínculos familiares e pessoais, permanecem, no entanto, os laços de tradições cultural, religiosa, identitária, manifestados no estilo litúrgico (nussach), no idioma (haquetía, arbía), na culinária, em costumes religiosos (minhaguim) e no hábito, muito arraigado entre os judeus marroquinos, de culto aos seus tzadikim, ou seja, o cultivo da memória de seus grandes sábios e rabinos, sepultados em vários cemitérios por todo o Marrocos. Estes locais se tornam centros de peregrinações e visitas de seus seguidores e de estudiosos. E há também o costume das hilulot (comemoração do aniversário de morte) destes tzadikim, que se caracterizam por grandes festas, nas diversas comunidades judaicomarroquinas de todo o mundo. O Marrocos ancestral recentemente voltou a ser um objeto de interesse dos judeus marroquinos brasileiros, 32 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

E, mais recentemente, a solicitação para realização de uma exposição sobre os judeus do Marrocos no Brasil, que citamos acima, pelo telefonema do rabino, constitui outra prova do elevado desejo do reino marroquino de estar presente na vida dos marroquinos e seus descendentes no nosso país. Porém, as razões desta atitude têm causas mais profundas, que dizem respeito a diversos momentos da longa história de mais de 2000 anos da presença judaica no Marrocos (apontá-las aqui se torna uma tarefa que demandaria longa pesquisa e densa obra resultante). É preciso dizer que a vida dos judeus no Marrocos não foi um mar de rosas por um longo período de tempo. Houve altos e baixos no decorrer dos dois milênios e alguns séculos de sua vivência no país. Entre as várias mudanças na atitude das diversas dinastias de governantes marroquinos e a população muçulmana, podemos afirmar que a situação dos judeus no Marrocos passou por momentos muito difíceis:


proibições injustas, mentiras difundidas como verdades, perseguições, assassinatos, emboscadas, massacres em massa e muitas outras adversidades. Felizmente, a partir do reinado de Mohamed V (entre 1927 e 1953 e também entre 1955 e 1961) da dinastia Alauíta (descendentes da Fátima, filha de Maomé) até nossos dias, o Marrocos mudou profundamente sua atitude para com os judeus. Foi Mohamed V (avô do atual rei Mohamed VI) que, na Segunda Guerra Mundial, recusou-se a aplicar as leis raciais do governo francês-nazista de Vichy, recusando deportar os judeus do território marroquino. Com o fim da Segunda Guerra e a criação do Estado de Israel, em 1948, a violência antijudaica torna-se frequente e faz com que 67 mil judeus emigrem para Israel, até 1956, ano em que o Marrocos se torna independente e a emigração para Israel é proibida. Neste interim, mais de 47 mil conseguiram fazer aliá, ou seja, a ida, ascensão ou “subida” ao Estado de Israel. Em 1961, quando o rei Hassan II (pai do atual) sobe ao trono, a situação dos judeus volta a ser mais confortável. Porém, com a Guerra dos Seis Dias, novamente são intensos os sentimentos antijudaicos. Naquele ponto, a maioria dos que ainda viviam no país decide partir de vez. Alguns vão para Israel, outros para a França, o Canadá e também para o Brasil. Hassan II foi, sem dúvida, o melhor amigo de Israel em todo o mundo árabe. Em 1986, o rei recebeu Shimon Peres num dos seus palácios, oficialmente. Depois do falecimento de Hassan II, em 1999, seu filho Mohamed VI assumiu o trono. Ele tem seguido a mesma política paterna em relação a Israel e aos judeus do Marrocos. Protegidos por leis ditadas pelo rei e pelo parlamento, cerca de 3 mil judeus vivem atualmente no Marrocos (e a ausência das massas judaicas antes vivendo no país é bastante ressentida pelo povo em geral, segundo depoimentos de viajantes judeus e não judeus). O Marrocos, desde o período colonial europeu, assumiu uma posição de importância no imaginário do Ocidente e, em consequência, tornou-se um destino turístico atrativo e concorrido. Boa parte dos judeus não originários do Marrocos também estaria classificada neste contexto. Já os de origem

marroquina, além disso e principalmente por isto, buscam aquele país por razões relacionadas às suas raízes ancestrais. E diante da postura positiva do governo marroquino em nossos dias, se veem ainda mais motivados. No caso específico dos judeus marroquinos no Brasil, além destas razões, uma causa pontual e fundamental está no trabalho que David Salgado, com o apoio das comunidades judaico-marroquinas brasileiras no país (Belém, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo) e contando com membros destas que imigraram para Israel e outros países, vem realizando, há quase uma década, excursões com o tema “Volta às raízes judaicas no Marrocos”. A mais recente foi no último mês de outubro (2019) e contou com 35 participantes, dos quais 27 eram judeus de origem marroquina, os demais, asquenasitas e alguns não-judeus.

O CASO DA EXCURSÃO “RAÍZES NO MARROCOS2018” Esta excursão tem uma importância fundamental neste contexto de viagens de volta às raízes. Em 2018, entre vários projetos culturais que a Amazônia Judaica propôs às comunidades marroquinas da Amazônia, apresentamos o projeto de uma excursão ao Marrocos. O empresário Jaime Benchimol, dirigente comunitário e grande apoiador do judaísmo de Manaus, se entusiasmou com a ideia e patrocinou a ida de 15 casais daquela comunidade para visitar os locais onde seus antepassados viveram. Benchimol acredita que excursões são uma espécie de revivência que muito contribui na preservação da identidade e da herança cultural judaico-marroquina, confirmando o pensamento dos membros daquela comunidade. Participaram da excursão líderes comunitários e diretores do Comitê Israelita do Amazonas e o atual Shahiach Tzibur, líder espiritual da comunidade, o chacham Isaac Dahan, há quase 50 anos no comando da vida religiosa daquela comunidade. Objetivando mostrar os resultados e o impacto desta singular experiência de retorno às raízes judaicomarroquinas, apresentamos a seguir três depoimentos de participantes. 33


CAPA/RAÍZES – REDAÇÃO

DEPOIMENTO 1: Esther de Goldberg “Fue un viaje muy emotivo y descubrir lugares nuevos que no conocia como Fez y Marrakech. Tanger, donde nací, está irreconocible! Preferia el Tanger de mi infancia y juventud donde quedaron tantos recuerdos. Estuvimos 5 generaciones alrededor de las tumbas de nuestros bisabuelos y hubo 17 hombres alrededor de la tumba de mi papá, diciendo Kadish! Wauuu, fué demasiado emocionante! La compañia de todos Uds. fue maravillosa! Un viaje Inolvidable.”

DEPOIMENTO 2: Anne Benchimol, ex- Presidente e atual Diretora Cultural do Comitê Israelita do Amazonas (CIAM). Anne escreveu um pequeno diário da viagem, do qual destacamos alguns trechos sobre o dia da visita do grupo a Tânger:

Dia 4 - 10/10/2018, quarta-feira “Tanger a cidade caiada de branco!! ... Aqui é uma viagem no túnel do tempo a olhos vistos. O ontem é vivido hoje...... Uma linda vista do encontro de dois mares, Atlântico e Mediterrâneo. O Farol ali construído tem 150 anos e possivelmente foi testemunha da partida de nossos avós rumando para a desconhecida Amazônia. No Cemitério Antigo dissemos um kadish na sepultura de Mordechai Bengio Z’L, um grande chacham. Esse kadish também foi para todos ali sepultados. No mellah judaico vimos as moradias e os lugares onde um dia vivemos. 34 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

Na “Calle de las Esnogas” estivemos na belíssima Sinagoga Nahon onde foram feitas algumas misheberot. Os olhos de todos não conseguiram conter a emoção que transbordava desde o coração. Dr. Dahan e David Salgado meldaram lindamente!! Mais uma vez nossa alma se alegrou!! Sem imaginar o que estava por vir, fomos ao Asilo LSB (Laredo Sabbá Benchimol). Encontramos Dona Cristina, enfermeira que trabalha nesse local há 70 anos. Um encontro muito emocionante com Esther de Goldberg e Dona Cristina - por intermédio do pai de Esther, a mãe de Dona Cristina virou cozinheira do Rei do Marrocos.

DEPOIMENTO 3: Isaac Dahan, Shaliach Tzibur de Manaus “Fomos em busca de nossas raízes. Eu, particularmente, por ter convivido com muitos daqueles judeus marroquinos, quer de fala espanhola como os de Tânger e Tetuan (da parte da minha mãe), quanto os originalmente árabes (da parte do meu pai) Rabat, Salé, etc., escutava muitas histórias de como era a vida judaica em Marrocos, em tempos idos, como eram as Sinagogas (lembro que os “tanjáui” falavam de “la calle de las Esnogas” - várias Sinagogas em uma única rua de Tânger), como eram os cemitérios, as Hilulot que faziam, a Escola Israelita Universal, etc. Enfim, eu tinha tudo isso em mente, para quando fosse até lá, na forma de uma excursão específica, como a que foi montada pelo amigo David (Salgado). As histórias que eu ouvia se tornavam uma realidade, cada lugar que passávamos,


Sinagogas, cemitérios, museus, asilo, enfim, uma gama de lugares que eu ouvia falar, estava vendo ao vivo. Essas “raízes” que eu vi e senti, jamais esquecerei. Parecia, sinceramente, que eu já tinha estado ali (será que não tinha mesmo, em outras passagens?).

RETROSPECTIVA EM FOTOS Excursão 2018:

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Historicamente, a ida/volta temporária de judeus originários do Marrocos àquele país sempre se deu em maior ou menor escala e constância, principalmente por razões ligadas à tradição religiosa, especificamente àquela que diz respeito ao costume multicentenário de peregrinação daqueles judeus aos túmulos dos grandes sábios, “os tzadikim/ kedoshim”, eminentes rabinos cuja trajetória de vida transformou-os em verdadeiros “santos” aos quais são atribuídos vários milagres. No entanto, fica patente que o caso específico do “retorno” dos judeus brasileiros originários do Marrocos se insere num contexto mais amplo de um processo de busca/ encontro com raízes culturais, característico da pósmodernidade. Essas viagens não constituem um fenômeno particular dos judeus marroquinos que imigraram para o Brasil e sim algo que se dá em todas as comunidades de imigrantes e seus descendentes. Mas a circunstância específica dos judeus se reveste de particularidades múltiplas. No caso dos judeus marroquinos brasileiros é um fenômeno com características próprias sobre o qual nos debruçamos há mais de uma década e com o qual estamos ativamente envolvidos, nós da Amazônia Judaica e membros da comunidade judaica amazonense. E, por fim, visitamos o país para reforçar o papel fundamental dos governos/reinados recentes do Marrocos que, como país muçulmano tem mantido, exemplarmente, com seus cidadãos judeus, com Israel e os judeus marroquinos da Diáspora, uma relação amistosa e respeitosa, reciprocamente altamente positiva.

Foto da esquerda: Sepultura de Gimol Nahamias Benchimol, bisavô de Frank Benchimol e tataravô da grande ativista Anne Gimol Benzecry Benchimol. Na foto: Frank Benzecry, Denise Benchimol De Resende, Esther De Goldberg e Rafael Benzecry. Foto da direita: Sepultura de Aaron Benchimol, esposo de Gimol Nahamias Benchimol


CAPA/RAÍZES – REDAÇÃO

FOTOS Excursão 2019:

36 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019


Viagem ao Marrocos, do ponto de vista de uma não sefardita Foi minha segunda visita a esse país encantador, o Marrocos. A primeira vez que estive lá, o tempo limitou muito minhas andanças pelo país, pois participei de um congresso na cidade de Oujda, lá longe, cidade marroquina no norte da África. Foram quatro dias de palestras e três dias de roteiro turístico, que só deram para uma pincelada em algumas cidades (Casablanca e Marrakesh). Terra dos antecedentes de grandes amigos sefarditas, como a saudosa Dona Sultana Levy Rosenblatt (Z’L), que falava muito do Marrocos, dos costumes dos judeus marroquinos em Belém do Pará (onde ela nasceu e cresceu), dos equívocos e das graciosidades da língua haquetia (judeu espanhol falado pelos marroquinos)... Ela trouxe para sua casa, em McLean, na Virginia (foi casada com o sr. Martin Rosenblatt, Z`L, norte-americano), muitos dos costumes de sua família, como a Mimuna, a festa de reintrodução da farinha de trigo depois do Pesach, a dafina (um prato que

se serve no sábado, consistindo em um guisado de carne em que entram também arroz, batata, ovos e grâo-de-bico), o cuscuz... Em outubro último (2019) , fiz parte da excursão ao Marrocos liderada por David e Simone Salgado porque sabia que iria ter oportunidade de conhecer lugares que não tinha podido visitar na minha primeira viagem (pelos motivos expostos acima). E estava certa. O objetivo principal da viagem foi para que os sefarditas descendentes de marroquinos conhecessem os lugares onde seus antepassados viveram. E conheceram, em meio a muitas emoções e sentimentos nostálgicos. Quase tudo o que viam era fotografado, principalmente listas de nomes de fundadores de sinagogas, de doadores de objetos para museus e de nomes em lápides dos cemitérios que visitamos, pois descobriram avôs, bisavôs, tataravôs... Eu não tenho raízes no Marrocos, digo, vínculos familiares, mas 37


CAPA/RAÍZES – REDAÇÃO

de coração e de mente sim, compartilhei das emoções sentidas por todos. Os rituais marroquinos são um pouco diferentes dos rituais dos asquenasitas, judeus descendentes de europeus do Leste da Europa, grupo ao qual eu pertenço. (Como eu, havia mais asquenasitas: um casal de São Paulo, um senhor americano – casado com uma sefardita – , uma moça americana e talvez mais alguém, mas agora não estou lembrando.) Não vi diferença nenhuma entre nós e eles e nem havia disto, éramos todos “nós”, ou o “pessoal”, como o guia muçulmano, que falava um bom portunhol (mistura de espanhol e português), aprendeu a chamar por nossa atenção a suas explicações... Nos lugares visitados, contávamos com guias locais em portunhol e também um, pasmem! falando português perfeito (muçulmano, morou no Brasil). Também estivemos em restaurantes típicos, onde pudemos experimentar comida marroquina legítima! Meus pratos prediletos sempre foram sopa de harira, tagine de carneiro ou de outra carne e, como sobremesa, salada de frutas. Servem porções generosas e bem feitas. Nada como uma asquenasita se deliciando com comida sefardita, que é a comida comum dos marroquinos. E tomamos, num terraço com vista para as montanhas, um chá quente com folhas de hortelã. Que delícia tomar este chá naqueles copinhos de vidro com desenhos dourados... no Marrocos! Visitamos também lugares importantes na história do país, como os mausoléus dos antigos reis, todos muito bem guardados em suntuosos salões na área de mesquitas (que também visitamos – uma delas, deslumbrante!) E passamos uma tarde super deliciosa no Jardin Majorelle, que o famoso costureiro Yves Saint-Laurent construiu ao redor da sua casa (hoje é um museu), com plantas do 38 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

mundo inteiro (incluindo árvores brasileiras), na cidade de Marrakesh. Ainda houve tempo para dar um passeio em dromedários (não são camelos, pois têm um tipo específico de corcova). Não fiz o passeio, tenho medo de altura... (minha primeira tentativa de subir num camelo ou dromedário se deu no Egito – quando o camelo se levantou do chão sem avisar, soltei um grito que se ouviu na lua). Fui com espírito de pesquisa, assim como estavam envolvidas muitas pessoas da excursão, querendo saber mais do passado judaico naquele país – aprendi muito, tanto pelas leituras dos próprios locais visitados, quanto pelas informações compartilhadas por guardiães das sinagogas e dos centros culturais, por informações em museus e por relatos escritos por um brasileiro de origem marroquina judaica publicados anteriormente (pelo Dr. Yehuda Benguigui, natural do Pará, experto na cultura judaica marroquina, que foram lidos durante a viagem, para alegria de todos os participantes). Por gostar do Marrocos, por querer sempre saber mais da cultura judaica marroquina, me identifiquei plenamente com os participantes da excursão que, brasileiros como eu e também vivendo (parte deles) fora do Brasil a maior parte do tempo, refizemos uma antiga amizade que começou na viagem... e vai se prolongar para sempre. Vive le Maroc! (Como não sei árabe, nem amarigh, vai em francês!) Regina Igel


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