Biofilia e paisagismo - relação e significado para o usuário

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BIOFILIA E PAISAGISMO RELAÇÃO E SIGNIFICADO PARA O USUÁRIO



BIOFILIA E PAISAGISMO RELAÇÃO E SIGNIFICADO PARA O USUÁRIO

Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ensaio teórico 2/2018 ALUNA Anna Clara Barros de Sousa Lopes ORIENTADORA Raquel Naves Blumenshein



RESUMO

O trabalho de pesquisa, intitulado “Biofilia e paisagismo – relação e significado para o usu-

ário” corresponde ao trabalho final de conclusão da cadeia de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

A Biofilia consiste em uma tendência natural do ser humano de voltar-se às demais espé-

cies naturais. Manifesta-se nos processos corporais de cada pessoa, em suas emoções, em seus pensamentos e em suas ações, expressando-se principalmente na vontade que todos têm de se sentirem vivos.

Esse ensaio teórico compreende o estudo da relação entre o paisagismo interno do Instituto

Central de Ciências Norte – UnB e os conceitos da biofilia. Busca-se analisar o significado da paisagem para o usuário e sua interação com a natureza no campus. O presente trabalho tem como intuito compreender essa conexão entre a afetividade emocional dos seres humanos e as demais espécies naturais para, desta forma, chegar à diretrizes gerais para o projeto de paisagismo como vetor de fortalecimento da biofilia.

Palavras chaves: Biofilia, Paisagismo, Pertencimento, Psicologia Ambiental, Sustentabilidade.


SUMÁRIO 1.

INTRODUÇÃO

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2. PERTENCIMENTO

10

3.

BIOFILIA

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4.

PADRÕES E USOS

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5.

JARDINS DO ICC

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6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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7.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1.INTRODUÇÃO

O contato com a natureza ainda continua sendo um elo muito forte para os seres

humanos. Percebe-se na prática como esse contato pode ser benéfico e fortalecer a resiliência humana frente aos desafios modernos presentes em uma sociedade cada vez mais individualista.

De acordo com Edward O. Wilson (1984), os benefícios do contato com a natureza

dependem de cada experiência. Apesar da nossa inclinação a nos relacionarmos com os elementos naturais, essa tendência biológica precisa ser desenvolvida e nutrida para que se torne funcional. No caso da biofilia, pode-se optar por vivenciar a paisagem de uma forma mais profunda e se conectar à natureza ou pode-se optar pela separação e enfraquecimento desses laços. Infelizmente, a sociedade moderna criou muitos obstáculos que dificultam a relação dos indivíduos com a natureza. Essa separação crescente é refletida por vários fatores como a agricultura moderna, o sistema educacional, desenvolvimento urbano, políticas públicas e até mesmo a própria arquitetura. A falta de contato com às demais espécies vivas, ambientes com altos níveis de desconforto e espaços apáticos que não traduzem mais o sentimento de pertencimento de cada um são algumas das problemáticas encontradas no contexto atual. 8


O design biofílico tem como principal característica o uso de elementos da natureza a

favor da construção dos espaços. Assim sendo, sua aplicação é ampla e variada, podendo causar efeitos restauradores e de bem-estar aos usuários do espaço. Stephen Kellert e Elizabeth Calabrese (2015) esclarecem que o design biofílico busca sustentar a produtividade, o funcionamento e a resiliência dos sistemas naturais ao longo do tempo. A alteração de sistemas naturais inevitavelmente ocorre como resultado de grandes construções e desenvolvimentos de edifícios. Além disso, todos os organismos biológicos transformam o ambiente natural no processo de sua habitação. A questão não é se a mudança ecológica ocorre, mas se resultado líquido ao longo do tempo propicia um ambiente natural mais produtivo e resiliente medido por indicadores como níveis de diversidade biológica, biomassa, ciclagem de nutrientes, regulação hidrológica, decomposição, polinização e outros serviços ecossistêmicos essenciais. A aplicação do design biofílico pode alterar as condições ambientais de uma paisagem a curto prazo, mas a longo prazo, deve apoiar uma comunidade sustentável.

O ambiente da Universidade de Brasília apresenta grande potencial em relação à

abordagem do paisagismo como vetor de fortalecimento da biofilia. Por meio dos extensos jardins internos do Instituto Central de Ciências – ICC, cria-se uma possibilidade dos frequentadores terem maior contato com a natureza e sentirem-se mais humanos. A composição de diferentes cores, texturas e formas da vegetação, transforma a percepção do espaço e desperta diferentes sentimentos em relação à paisagem.

Este ensaio teórico compreende o estudo da relação entre o paisagismo no Instituto

Central de Ciências Norte – UnB e os conceitos da biofilia. Por meio de análise morfológica, documentações orais e registros físicos, busca-se analisar o significado da paisagem para o usuário e sua interação com a natureza no campus. O intuito é compreender essa conexão entre a afetividade emocional dos seres humanos e as demais espécies naturais para, desta forma, identificar os padrões de projeto de paisagismo que favoreçam e contribuam para o bem-estar humano e das outras espécies. Através da identificação de formas e parâmetros que se relacionem com os elementos naturais do ambiente, busca-se chegar ao fortalecimento da Biofilia no Campus Darcy Ribeiro, favorecendo o sentimento de pertencimento e a criação de espaços mais sustentáveis.

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2. PERTENCIMENTO

Segundo o sociólogo Max Weber (1864), pertencimento, ou o sentimento de per-

tencimento, pode ser entendido como uma ideia ou crença que une as pessoas e é expressa por símbolos e valores sociais, morais, estéticos, religiosos, políticos, entre outros. É sentir-se pertencente a um lugar e também sentir que tal lugar nos pertence. Esse conceito se faz presente em toda a discussão de como criar espaços mais humanos e resilientes.

No contexto atual, encontram-se obras arquitetônicas e paisagísticas mal fundamen-

tadas no que diz à respeito às reais necessidades dos usuários. É importante que os projetistas compreendam as reais necessidades dos ocupantes, para que assim consigam identificar os agentes que interferem diretamente na constante evolução do espaço e entender como é possível fortalecer a relação de cada frequentador com a paisagem. Sendo assim, o conceito de pertencimento revela-se peça chave para relacionar o comportamento humano, o seu bem-estar e o acolhimento do espaço construído, formando uma relação simbiótica de construção e transformação.

Segundo Heiddeger (1951), a essência de construir é deixar-habitar. A plenitude da

essência é o edificar lugares mediante a articulação de seus espaços. Somente em sendo capazes de habitar é que podemos construir. A palavra “habitar” – ou “habitação” – não concerne propriamente à moradia, ou à casa – mas diz respeito a um fenômeno anterior a qualquer consideração sobre as diferentes formas de abrigo criadas pelo homem. Nesse sentido, a compreensão da conexão entre o usuário e a paisagem revela-se importante para que se tenha uma noção mais ampla de como melhorar a construção dos espaços. Por meio desse conceito, pode-se criar ambientes que estimulam a permanência das pessoas, uma vez que se sentem pertencentes a ele.

O movimento modernista, em sua grande parte, reduziu a ideia de lar a uma resi-

dência estetizada e funcional, sem levar em consideração os significados pré-conscientes do ato de habitar. O conceito filosófico por traz da obra não foi abandonado, mas foi tratado apenas nas dimensões de espaço, estrutura e ordem, e não no sentido mais emocional e psicológico do que é realmente um lar. A expressão da identidade local, padrões de vida e o cotidiano começaram a desaparecer no processo projetual. O paisagismo e a arquitetura não são apenas uma prática estetizante, precisam ser espontâneos e sensíveis em relação ao meio que se encontram. Na obra “O fenômeno do lugar”, o arquiteto norueguês Christian Norbeg-Shutz (Pallasmaa, 1994) traz a definição de “stimmung”, como a atmosfera, o espírito e identidade de cada lugar. Esse conceito nos direciona a conhecer os desejos conscientes e inconscientes de cada um e permite criar um diálogo entre os espaços projetados e a memória dos usuários.

Stephen Kellert e Elizabeth Calabrese (2015) afirmam que os seres humanos evo-

luíram como uma criatura territorial, uma vez que isso promovia o melhor controle dos recursos, melhorava a segurança e facilitava a mobilidade. Uma afinidade por lugares familiares é reflexo 10


dessa inclinação à territorialidade, que pode ser acentuada por fatores culturais e ecológicos. Designs que são culturalmente relevantes promovem uma conexão ao lugar e o sentimento de que o ambiente possui uma identidade humana distinta. Conexões ecológicas podem similarmente fomentar um apego emocional a uma certa área, especialmente uma consciência a respeito das paisagens locais, flora e fauna indígenas e condições meteorológicas características. Dar um significado cultural e ecológico ao lugar, muitas vezes estimula as pessoas a conservarem e sustentarem os ambientes naturais e construídos.

Figura 2 - Edifício do The NY Times, Nova York por Renzo Piano. Fonte: Hubert J. Steed.

Figura 3 - Fonte: The Practice of Biophilic Design.

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3. BIOFILIA

Para que seja possível definir as diretrizes gerais para o projeto de paisagismo, se

faz necessária a compreensão do conceito de biofilia. O termo “biophilia” foi cunhado pelo psicólogo social Eric Fromm (The Heart of Man, 1964) e mais tarde popularizado pelo biólogo Edward Wilson (Biophilia,1984). As diversas denotações - que evoluíram dentro dos campos da biologia e da psicologia e foram adaptadas aos campos da medicina e da arquitetura - se relacionam com a necessidade de uma (re) conexão com a natureza e os sistemas naturais. Gordon Orians e Judith Heerwagen (1986) sugerem que devemos estar geneticamente predispostos a preferir certos tipos de ambientes naturais e paisagens naturais.

Antes e mesmo depois da Revolução Industrial, a grande maioria dos humanos habi-

tava em uma escala agrária, vivendo grande parcela de suas vidas entre a natureza. Conforme a população urbana foi crescendo, aumentou-se a preocupação com as questões de saúde e saneamento. A criação de grandes parques públicos tornou-se uma estratégia para melhorar a saúde e reduzir o estresse da vida nas cidades. De acordo com Olmsted (1865), o contato com a natureza resulta em uma mente sem fadiga e ainda exerce, tranquiliza e aviva; e assim, através da influência da mente sobre o corpo, dá o efeito de descanso refrescante e revigoramento de todo o nosso sistema.

Estudos científicos comprovam cada vez mais que a maioria das nossas tendências

à nos afiliarmos à natureza continuam exercendo um papel significativo na nossa saúde física e mental. Apesar dos dados serem limitados e as pesquisas ainda serem consideradas fracas, as descobertas que abrangem uma ampla variedade de setores – trabalho, educação, saúde, recreação, residência e social – sustentam que o contato com a natureza ainda tem um grande impacto na qualidade de vida humana (Kellert 2012, Browning 2014).

No entanto, a busca por uma maior conexão com a natureza tornou-se extremamente

desafiadora no mundo atual. A arquitetura e o paisagismo passaram a adotar uma abordagem mais estetizada e funcional, a qual compreende a natureza como um obstáculo, ou como um elemento trivial e irrelevante. Esse distanciamento também é refletido por outros fatores como a agricultura moderna, o sistema educacional, desenvolvimento urbano e políticas públicas. O resultado dessa separação crescente entre as pessoas e a natureza pode ser observado no ambiente construído, que muitas vezes não faz o uso adequado da iluminação natural, ventilação, materiais, vegetação, paisagem e outros aspectos relacionados à natureza.

Segundo Kellert (2012), uma grande parcela dos ambientes que são construídos atu-

almente é privada do campo sensorial. Em muitos projetos paisagísticos, desconsidera-se que a variação de cores, texturas e portes da vegetação podem despertar diferentes reações e ter um impacto positivo no campo físico e emocional do usuário. 12


A conexão biológica inata das pessoas com a natureza nos ajuda a compreender por

que uma paisagem natural pode despertar a nossa criatividade; por que as sombras e as alturas instigam fascínio e medo; e por que passear através de um parque e ruas arborizadas têm efeitos curativos. Biofilia também pode ajudar a explicar por que alguns parques e prédios urbanos são preferidos sobre outros.

O escritor Timothy Beatley (2010) defende que são consideradas cidades biofílicas aquelas

que, através de um desenho urbano adequado, permitem que seus habitantes desenvolvam atividades e um estilo de vida diretamente ligados à natureza, seu aprendizado e cuidado. Algumas cidades já foram classificadas como biofílicas, como: São Francisco, Nova Iorque, Seattle, Wellington, Oslo e Birmingham.

O design biofílico busca recuperar vários aspectos – diversidade biológica, resiliência dos

sistemas naturais, características sócio-culturais, significado e percepção da paisagem para o usuário, saúde e bem-estar - para criar espaços que sejam inspiradores, sustentáveis e que integrem a funcionalidade do local e do ecossistema. Acima de tudo, o design biofílico deve nutrir o sentimento de pertencimento do usuário e fortalecer sua relação com o meio-ambiente.

3.1. Paisagismo À luz da biofilia

O Paisagismo, em seu conceito mais básico, é uma ciência multidisciplinar que es-

tuda as paisagens naturais e de que forma pode-se interferir nessas paisagens. É embasada nos conhecimentos da Biologia, Agronomia e Ecologia e instrumentada com as técnicas da Morfologia, Fisiologia, Taxonomia e Patologia Vegetal, assim como Horticultura e Climatologia. Na década de 30, período de intenso nacionalismo e transformações sociais no Brasil, surgiu o paisagismo modernista, que apresentava como algumas de suas diretrizes o funcionalismo, o abandono de elementos decorativos de décadas anteriores e o uso de formas geométricas. Um dos grandes pioneiros desse “design” moderno foi Burle Marx e sua obra contribuiu por iniciar uma ruptura de paradigmas na prática do paisagismo no Brasil, principalmente ao que cabe a valorização da vegetação nativa brasileira.

Atualmente, apesar do Paisagismo Moderno Brasileiro ainda ser bastante presente

na produção paisagística nacional, existe um modo de projetar concorrente, o qual é denominado contemporâneo. Com uma nova visão de espaço, incorpora velhas tradições, velhos preceitos à novas técnicas, que indicam a mistura de figuras até então obsoletas aos conceitos mais avançados e que traz de vez os princípios ambientalistas para o espaço livre (MACEDO, 2003).

Recentemente, o paisagismo evoluiu ao adotar princípios da ecologia e compreensão

ambiental. O paisagismo, como prática socioambiental, reveste-se de caráter cultural e histórico. 13


Enquanto linguagem, expressa símbolos e valores da sociedade. Na medida em que adota elementos naturais como matéria-prima, o paisagismo submete-se também a ditames ecológicos. A combinação dessas características faz com que diferentes formas de interpretação, apropriação e recriação da paisagem expressem relações entre sociedade e natureza (CESAR, 2003).

Segundo Vieira (2004), as áreas verdes tendem a assumir diferentes papéis na sociedade e

suas funções devem estar inter-relacionadas no ambiente urbano, de acordo com o tipo de uso a que se destinam. Ao identificar as potenciais funções que podem ser exploradas pelo projeto paisagístico, criam-se maiores conexões do usuário com a paisagem. As funções destas áreas estariam relacionadas à: •

Função Social: possibilidade de lazer que essas áreas oferecem à população. Com relação

a este aspecto, deve-se considerar a necessidade de hierarquização; •

Função Estética: diversificação da paisagem construída e embelezamento da cidade. Rela-

cionada a este aspecto deve ser ressaltada a importância da vegetação; e •

Função Ecológica: provimento de melhorias no clima da cidade e na qualidade do ar, água e

solo, resultando no bem-estar dos habitantes, devido à presença da vegetação, do solo não impermeabilizado e de uma fauna mais diversificada nessas áreas. •

Função Educativa: possibilidade oferecida por tais espaços como ambiente para o desenvol-

vimento de atividades educativas, extra-classe e de programas de educação ambiental. •

Função Psicológica: possibilidade de realização de exercícios, de lazer e de recreação que

funcionam como atividades “anti-estresse” e relaxamento, uma vez que as pessoas entram em contato com os elementos naturais dessas áreas.

No contexto das unidades de ensino, por exemplo, é importante que a composição da vege-

tação adotada em cada projeto paisagístico valorize e potencialize o uso de áreas para atividades educativas e recreativas, além de contribuir para o conforto microclimático dos espaços internos e externos. Diversos Campus de grandes universidades brasileiras adotam suas áreas verdes como potenciais áreas para o desenvolvimento de sólidas pesquisas em vegetações nativas e paisagismo.

Figura 4 - Instituto Central de Ciências Norte - ICC Norte, Brasília. Fonte: acervo pessoal, 2018.

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4. PADRÕES E USOS

Diante da grande variedade de padrões e aplicações, é importante a compreensão

das múltiplas manifestações do design biofílico. De acordo com o grupo de pesquisa britânico Terrapin Bright Green, composto por William Browning, Catherine Ryan e Joseph Clancy (2014), o design biofílico pode ser dividido em três categorias – Natureza no espaço, analogia à natureza e natureza do espaço. Essa estrutura permite uma melhor compreensão e incorporação de diversas estratégias no ambiente construído. Para este ensaio, o foco será na análise e entendimento da categoria “natureza no espaço” e de que forma ela é traduzida no projeto paisagístico.

4.1. A NATUREZA NO ESPAÇO

A natureza no espaço consiste na presença direta, física e efêmera da natureza em

um espaço ou lugar. Desta forma, corresponde ao uso da vegetação, água, animais, ventos, sons, cheiros e outros elementos naturais. Quando esses fatores são adotados no paisagismo, cria-se um projeto que pode fortalecer a relação bidirecional entre o usuário e a natureza. Como exemplos mais comuns dessa aplicação, pode-se citar o uso de fontes, espelhos d’água, jardins verticais, telhados verdes, borboletários e outros atrativos para as demais espécies animais. Através da diversidade de elementos adotados, criam-se ricas percepções e sentimentos em relação ao espaço. De acordo com o grupo de pesquisa britânico Terrapin Bright Green (2014), a natureza no espaço é resumida em sete padrões: 1. Conexão visual com a natureza: uma visão dos elementos naturais, sistemas vivos e processos naturais; 2. Conexão não-visual com a natureza: estímulos olfatórios, auditivos, de tato ou paladar, que representem uma positiva referência à natureza, sistemas vivos e processos naturais; 3. Estímulo sensorial não-rítmico: conexões efêmeras com a natureza que podem ser analisadas mas não podem ser precisamente previstas; 4. Variabilidade térmica e do ar: mudanças na temperatura, umidade relativa e o contato da pele com a corrente de ar; 5. Presença de água: a possibilidade de experenciar um lugar através do contato visual, auditivo e do toque na água; 6. Luz dinâmica e difusa: vivenciar as diferentes intensidades da luz natural ao longo do dia; e 7. Conexão com sistemas naturais: consciência dos processos naturais, especialmente as mudanças sazonais e de temperatura características de um ecossistema saudável. 15


4.2. USOS DA BIOFILIA: PARQUE ANDRÉ-CITROËN

Para a melhor compreensão da aplicação dos padrões da biofilia no paisagismo,

escolheu-se um projeto que apresenta alguns exemplos práticos do design biofílico: o Parque André-Citroën, em Paris. Este projeto traduz a importância da percepção do usuário em relação à natureza e como isso nutre seu sentimento de pertencimento em relação ao espaço. Para fins de estudo, optou-se por analisar os padrões para o Design Biofílico desenvolvido pelo grupo de pesquisa britânico Terrapin Bright Green, em relação à categoria “a natureza no espaço”.

Nos terrenos das antigas instalações da Citroën em Paris, na margem esquerda do

rio Sena, o Parque André-Citroën foi construído em 1992 e representa um dos grandes marcos do paisagismo europeu. O arquiteto paisagista Gilles Clément ficou responsável pela parte norte do parque, que incluía o jardim Branco, a série de 6 jardins dos Sentidos, o jardim do movimento e as duas grandes estufas.

A série de seis jardins de Gilles Clément ganham pela dupla visão que se pode ter dos

diferentes espaços, tanto se pode caminhar pelo jardim como ter uma visão aérea através da ponte que atravessa todos os jardins temáticos. Este posicionamento em relação aos jardins é importante pela maneira como podemos sentir o espaço de uma forma diferente, as proporções dos canteiros e volumes das plantações tornam-se mais evidentes, assim como as diferentes cores e texturas. Um dos seis jardins, o Jardim do Movimento, teve como objetivo valorizar o movimento das distintas vegetações com o passar do tempo e explorar o efeito que cada espécie tem na paisagem. Segundo Clément, o jardim engaja o indivíduo a uma visão feliz de futuro. Planta-se para já e para o amanhã: unem-se assim todas as escalas de tempo. Padrões biofílicos: contato visual com a natureza; contato não-visual com a natureza; variabilidade térmica e do ar; luz dinâmica e difusa e conexão com sistemas naturais.

Figura 5 - Parque André-Citroen. Fonte: Archdaily.

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5. JARDINS DO ICC norte

O principal e mais icônico prédio da Universidade de Brasília, que abriga a maioria

dos institutos, faculdades, salas de aula, laboratórios e anfiteatros, teve seu início em 1963. O Instituto Central de Ciências (ICC) era, inicialmente, a unificação dos cinco Institutos de Ciências (Matemática, Física, Química, Biologia e Geociências) previstos por Lúcio Costa no primeiro plano urbanístico da universidade. De Oscar Niemeyer partiu a decisão de unificá-los em um único prédio, destinado às “ciências puras”.

Conforme expõe o professor Andrey Schlee (2007): “Em cada praça do Instituto Central de

Ciências (entradas Norte e Sul), Oscar Niemeyer colocou uma rampa em balanço como que assinando sua obra”. O especialista dedicado ao mestre modernista afirma que: “a força plástica de tais elementos, a curvatura do prédio, o ritmo proposto pelos pórticos estruturais aparentes e a variada vegetação do jardim interno garantem ao prédio uma surpreendente, diversificada e rica leitura. No ICC, ele obteve uma arquitetura imprevista e dinâmica, como a própria ciência”.

Os jardins internos são compostos por canteiros elevados e áreas gramadas, com

uma exuberante variedade de espécies. As áreas verdes se contrapõem às intensas atividades e fluxos de pessoas que ocorrem no espaço diariamente. O ambiente criado por esses jardins traz uma possibilidade de confraternização e refúgio aos frequentadores do campus, que apropriam-se do espaço e misturam-se à paisagem. Em meio a um contexto modernista, enxerga-se nos jardins internos do ICC uma forma de trazer a natureza mais para perto das pessoas e despertar uma consciência humana e sustentável contraposta à realidade de concreto.

O ICC Norte, comparado com as outras áreas do ICC, é o que apresenta menos mo-

vimento, sendo mais utilizado por aqueles que cursam alguma matéria em sua extensão e também como passagem para os pavilhões e faculdade de direito. Já a vegetação deste espaço é bem variada em cor, textura, tamanho e espécies, tanto no térreo quanto no subsolo. A maioria das árvores são de médio porte e isoladas, não trazendo a sombra desejada para os usuários e deixando o centro de seu jardim com pouco uso. Atualmente, observa-se pouca uniformidade e coerência na composição florística dos jardins, com a presença de espécies exóticas de alta demanda hídrica que não condizem com a realidade de Brasília.

Figura 6 - Colagem dos jardins do ICC Norte. Fonte: acervo pessoal.

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5.1. LEVANTAMENTO DOS JARDINS

O levantamento dos jardins é uma etapa metodológica do ensaio e se inicia com a

análise detalhada da estrutura atual dos jardins do ICC Norte, onde foi realizado um levantamento fotográfico, levantamento da vegetação, com o objetivo de inventariar todos os elementos que compõem o paisagismo presente: tipologia e quantidade de espécies, o que é nativo e o que é exótico e o levantamento do significado e importância dos jardins.

O levantamento da vegetação tem como objetivo a análise dos três principais tipos

mórficos, sendo eles: formações arbóreas, formações arbustivas e herbáceas. A partir deste estudo, busca-se compreender de que maneira esses estratos constroem o espaço e qual é a função que essa vegetação está exercendo, se delimita espaços, cria sombreamentos ou se apenas possui um apelo estético. Para a análise da composição dos jardins, é de extrema importância a observação das formas, texturas e cores predominantes das plantas presentes.

O levantamento do significado e importância dos jardins foi realizado a partir da apli-

cação de questionários aos frequentadores do ICC Norte. O objetivo deste levantamento é dar ênfase na experiência pessoal em relação ao paisagismo, valorizando as lembranças afetivas, imagens e sentidos.

5.1.1. LEVANTAMENTO Fotográfico

Para a análise do estado atual, foram tiradas fotografias de todos os canteiros do jar-

dim, com o intuito de utilizá-las na análise da composição de espécies e, com o resgate do projeto original e na comparação da evolução dos jardins ao longo do tempo. Este levantamento foi realizado no dia 25 de outubro de 2018, na região dos canteiros do ICC Norte. A documentação fotográfica foi essencial para verificar a qualidade da vegetação presente nos canteiros.

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Figura 7 – Levantamento fotográfico da vegetação do ICC Norte. Fonte: Ateliê Muda – Empresa Júnior de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

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5.1.2. LEVANTAMENTO de vegetação

Realizou-se a identificação e catalogação de todas as espécies que compõem os

jardins do ICC Norte, sejam elas herbáceas, arbustivas, arbóreas ou palmeiras. Para cada espécie encontrada, foi preenchida uma ficha com informações sobre morfologia, origem e hábito.

A partir do mapeamento das espécies, foi possível analisar se há a presença de prin-

cípios da biofilia no paisagismo e qual é a interação dessa vegetação com os usuários. Ao coletar dados de todas as espécies, foram coletadas informações sobre a composição dos jardins, o número de espécies nativas e exóticas, além de permitir a análise da utilização adequada das espécies.

A Tabela 1 apresenta a classificação das espécies quanto a sua procedência, em: na-

tiva ou exótica. Foram identificadas no total 25 espécies, das quais apenas 6 espécies são nativas (21,7%). As 19 espécies exóticas (78,3%) são oriundas de regiões de clima semelhante e apresentam boa adaptação às condições dos jardins do ICC. Das 6 espécies nativas, apenas Euterpe edulis (Palmito-juçara) e Syagrus romanzoffiana (Jerivá) ocorrem naturalmente no Cerrado.

Quanto ao hábito, identificou-se 15 espécies herbáceas (65,2%), 5 espécies arbusti-

vas (13%), 1 espécie arbórea (4,3%) e 4 palmeiras (17,4%). As espécies arbustivas e arbóreas são as que estão em menor volume nos jardins, predominando a presença de herbáceas. Em relação à coloração, foi elaborado o Esquema 1 com a paleta de cores presente na pai-

sagem, de forma a analisar se a vegetação dos canteiros abrange uma extensa gama cromática ou não. A classificação foi realizada das cores mais frias às cores mais quentes. As cores frias tendem a transmitir maior sensação de tranquilidade ao ambiente e atuam como sedativas no ser humano, enquanto as mais quentes criam focos de atração visual na paisagem e atuam como excitantes. As espécies que apresentam colorações mais quentes, como laranja e amarelo, são as que estão em menor quantidade nos canteiros, seguidas pela vegetação de coloração roxa. Observou-se a predominancia de tons de verde, o que indica pouca dinamicidade de cores nos canteiros.

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Esquema 1 - Gama cromática da vegetação presente no ICC Norte.

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5.1.2. RELAÇÃO E SIGNIFICADO DOS JARDINS

Para a compreensão da relação e significado dos jardins foram realizadas entrevistas

em campo com os usuários que frequentam o Instituto Central de Ciências Norte – ICC Norte, no Campus Darcy Ribeiro, para assim identificar quais são as suas percepções e expectativas em relação ao espaço. O Ateliê Muda - Empresa Júnior de Arquitetura e Urbanismo da UnB auxiliou nesta pesquisa por meio da coleta de dados em entrevistas aos usuários do ICC Norte. As entrevistas foram individuais, uma vez que a forma como cada pessoa se relaciona com o projeto é distinta e depende da dinâmica local (Bonaiuto, Carrus, & Bonnes, 2005). As entrevistas foram analisadas de modo a permitirem simultaneamente identificar padrões de respostas comuns e posições individualizadas. Foram realizadas 34 entrevistas entre professores, funcionários/colaboradores e estudantes de semestres e cursos distintos. As entrevistas ocorreram nos espaços do ICC Norte, os quais costumam ser utilizados por 75,8% dos entrevistados, 15,8% os utilizam raramente e 9% não os utilizam. Os fatores mais criticados pelos entrevistados e que os mesmos sentem mais falta foram: mobiliário (93,4%), iluminação (57,6%), vegetação (45,5%), cor (42,4%) e falta de sombra (33,3%). As entrevistas realizadas demonstraram que a maioria dos entrevistados utilizam o espaço do ICC com os amigos (81,8%). As atividades mais exercidas são: passagem, espera, descanso, tomar sol, leitura e alimentação, respectivamente. 45,5% dos entrevistados avaliam o espaço analisado como bom, 33,3% como regular, 12,1% como ruim e 9,1% como ótimo. Foram ainda realizadas observações comportamentais para caracterizar os padrões de utilização de espaços públicos nas zonas dos jardins internos. Para realizar a descrição dos comportamentos sociais nesses espaços foram feitas visitas regulares aos locais. Este procedimento metodológico permitiu identificar quem utiliza e como são utilizados espaços públicos valorizados pelas pessoas.

Figura 8 - Frequência do uso dos jardins pelos usuários do Campus.

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Figura 9 - Classificação do nível de qualidade dos jardins pelos usuários do Campus.

Figura 10 - Atividades realizadas nos jardins pelos usuários do Campus.

Figura 11 - O que os usuários sentem mais falta nos jardins.

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6. ANÁLISE

O resultado das entrevistas mostrou como os jardins internos do ICC Norte ainda pos-

suem muito potencial a ser explorado, não só estético, mas também social, ecológico, educativo e psicológico.

Em relação ao levantamento de vegetação, observou-se a predominância de espé-

cies exóticas e apenas uma pequena parcela corresponde à vegetação nativa, em que duas espécies são do cerrado. Este resultado é sintomático, uma vez que o bioma cerrado está cada vez mais ameaçado e desvalorizado. O uso de espécies nativas no projeto paisagístico gera maior afinidade dos cidadãos com a flora e fauna locais e valoriza as riquezas naturais. É importante fortalecer a função ecológica do paisagismo e identificar quais diretrizes permitem uma maior conscientização sobre as questões ambientais e seus impactos. A criação e implementação de planos de ação para a proteção da biodiversidade local, como o uso de espécies do bioma cerrado e placas que indiquem os nomes das espécies para que todos possam conhecê-las e preservá-las são abordagens que valorizam o papel ambiental do projeto.

Quanto ao hábito, identificou-se que a maior parte das espécies identificadas são

herbáceas, ou seja, criam grandes maciços e ornamentam o espaço. A diferença de altura entre as herbáceas cria um efeito interessante no ambiente, mas só é explorada em alguns canteiros. As espécies arbustivas e arbóreas contribuem para essa dinamicidade de alturas, mas não exploram suas demais funções, como delimitar espaços e produzir sombras.

A análise da gama cromática das vegetações mostra como poderia haver maior va-

riedade de cores nos canteiros, o que também foi apontado nas entrevistas realizadas no campus. Uma maior diversidade de tons frios e quentes, volumes e texturas são essenciais para criar ambientes multissensoriais, adaptados para oferecer experiências visuais, sonoras e olfativas, por exemplo, relacionadas à natureza e à biodiversidade locais. A dinamicidade torna as longas caminhadas que a geografia do campus exige menos difíceis, cria um ambiente mais interessante e até mesmo aumenta a motivação.

A importância dos jardins pode ser comprovada pela análise dos resultados dos ques-

tionários, onde a maioria dos entrevistados afirma que utiliza com frequência os jardins do ICC. Do total de 34 entrevistados, 20 responderam que gostariam de usar o jardim para relaxar e 32 usuários apontaram a falta de mobiliário como uma problemática no espaço. Os jardins do ICC possuem muito potencial para atividades ao ar livre e em contato com a natureza. Desta forma, pode-se haver a interligação dos espaços de modo a promover e facilitar seu uso e acesso pela população, como a instalação de coberturas na passagens entre as alas dos jardins e mais mobiliários para estimular a ocupação do espaço. Através da criação de locais de permanência, estimula-se atividades como aulas abertas, cursos e atividades comunitárias. Outro fator crítico observado é a falta de iluminação dos jardins no período noturno, uma vez que a iluminação se concentra na edificação e não nas passagens entre os jardins. Consequentemente, o espaço é subutilizado à noite. 25


6. E NSAIO DE SOLUÇÕES

Figura 12 - Croquis de soluções para os jardins do ICC Norte.

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7. cONSIDERAÇÕES FINAIS

O design biofílico busca uma maior integração entre os usuários do espaço e a natu-

reza, por meio de investimentos em que o objetivo final seja a valorização dos espaços verdes e da biodiversidade local. É necessário que as cidades sofram essa transformação, mas principalmente que seus usuários percebam a importância de fazer parte de um novo conceito de habitar, onde haja mais interação entre as pessoas e a paisagem, formando uma relação simbiótica de construção e transformação.

Em meio ao contexto brutalista presente no Campus Darcy Ribeiro, os jardins do

ICC representam uma importante ponte de ligação dos usuários com a natureza. Nesse sentido, o projeto paisagístico surge como uma ferramenta para incentivar um estilo de vida mais natural e humano no Campus.

Ao longo da análise neste ensaio, foram identificados alguns pontos críticos nos jar-

dins do ICC Norte, como a falta de rampas de acesso às áreas elevadas, a carência de mobiliários e a pouca variedade de texturas e cores da vegetação. Recomenda-se a elaboração de um projeto paisagístico participativo, em que a opinião dos membros da UnB possa ser considerada, uma vez que a expressão da identidade local é essencial para o processo projetual. O paisagismo e a arquitetura não são apenas práticas estetizantes, precisam ser espontâneos e sensíveis ao meio que se encontram. Espaços que nutrem o sentimento de pertencimento e visam o bem-estar de cada usuário, estimulam as pessoas a conservarem e sustentarem os ambientes naturais e construídos. Considerando que grande parte da população mundial vive em centros urbanos, onde há uma carência de natureza, o design biofílico torna-se muito relevante para as cidades. Por meio da aproximação do projetista e da real necessidade do usuário, é possível desenvolver projetos paisagísticos que traduzam o verdadeiro significado cultural e ecológico do lugar e fortaleçam a resiliência do espaço.

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8. REFERÊNCIAS

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Acesso

em

25/10/2018.

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