Spartan Frost - Mythos Academy

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Eu sou Logan Quinn, o guerreiro espartano mais mortal da Academia Mythos. Pelo menos eu era... até o dia em que quase matei Gwen Frost. A professora Metis e Nickamedes dizem que estou bem, que Loki e os Ceifadores não me controlam mais, mas não posso arriscar. Não posso arriscar machucar Gwen de novo. Então estou saindo da Mythos e indo para algum lugar distante, muito longe. Eu sei que Gwen se pergunta o que está acontecendo comigo, se eu estou seguro. Não posso contar a ela, mas esta é a minha história...


1 Eu ia matá-la. Eu queria matá-la, mais do que qualquer outra coisa. — Logan. Pare! Sou eu! Sua garota Cigana! Gwen Frost disse essas palavras uma e outra vez. Pedindo. Implorando. Suplicando. Ela afastou seu cabelo castanho ondulado do rosto, então esticou a mão como se pudesse me parar apenas me tocando. Fiz uma careta e pausei o forte ataque que eu estava prestes a dar. Talvez ela pudesse, dada sua magia de psicometria, o estranho poder que ela tinha de aprender sobre pessoas e objetos simplesmente tocandoos. Talvez tudo que precisasse para me libertar dessa agonia horrível e pungente na minha cabeça fosse um mero toque de seus dedos em mim. Um rosnado irritado subiu na parte de trás da garganta e meus dedos apertaram o punho da minha espada, minha mão envolveu o metal tão fortemente que era como se estivesse cavando na minha palma. Bem, eu não ia descobrir. Não queria descobrir. Tudo o que eu queria era matála. Os lábios de Gwen ergueram-se em um sorriso suave, como se o meu ataque não imediato fosse um sinal de que seus pedidos bobos, estúpidos e lágrimas estavam realmente funcionando. Eu me obriguei a


sorrir para ela, embora eu pudesse sentir o quão terrivelmente torcido era o meu rosto, como se usasse uma máscara de borracha esticada em minha própria pele. Gwen se aproximou um pouco mais... e então um pouco mais perto ainda... As sapatilhas chiaram e o chão de madeira do palco cintilou enquanto ela continuava inclinando-se para mim, um passo pequeno e cuidadoso de cada vez. Por um momento, eu olhei por ela, olhando para as fileiras de assentos acolchoados em frente ao palco e me perguntei por que o auditório estava vazio. Havia muitas pessoas aqui anteriormente. Meu pai. Meu tio Nickamedes. Treinador Ajax. Oliver. Kenzie. Carson. Daphne. Professora Metis. Estudantes que eram membros da banda Mythos Academy. Lembrei-me de ver todas essas pessoas e muito mais. Meus olhos varreram os assentos mais uma vez, mas eles estavam tão

vazios

quanto

antes.

Por

algum

motivo,

todos

os

outros

desapareceram, deixando-me em paz com ela. — Logan, — Gwen disse; tanto amor, tanta simpatia, tanta esperança nesse sussurro suave. Meu olhar voltou para ela. Ela me deu outro sorriso fraco, então esticou a mão em minha direção novamente... Balancei minha espada para ela, tentando cortar sua cabeça com um único golpe. Gwen se afastou no último segundo, a lâmina mal errando em seu pescoço e ombros. O sorriso esperançoso saiu do seu rosto, e a tristeza surgiu em seus olhos violetas. Por um momento, quase senti o que ela fez. Quase senti sua decepção. Quase senti sua profunda e dolorosa tristeza. Eu quase senti o quanto isso foi errado. Mas as emoções pareciam sussurros esfumaçados que eu não conseguia ouvir, e quanto mais me concentrava neles, mais suaves e mais indistintos se tornavam até que desapareciam completamente. Então, a coisa dentro de mim levantou-se mais uma vez, arrastando o caminho para a superfície da minha mente, rasgando e


destruindo toda a minha luta, toda a minha resistência, todas as minhas tentativas para detê-la. Não, não, não uma coisa... Loki. O malvado deus nórdico do caos. O ser poderoso cuja alma estava invadindo meu próprio corpo. Corrompendo minha própria alma e comendo tudo o que eu era. Substituindo cada coisa que eu era por todas as coisas sujas que eram ele. Esse foi o último pensamento coerente que tive antes que a raiva assumisse. Raiva desta.... Esta menina ainda estava viva, apesar de todas as minhas muitas tentativas de matá-la, de matar sua mãe e sua avó, para limpar todos os seus antepassados da face da terra. Mas não importava o que eu fazia, não importava o que eu ordenava aos meus Ceifadores, não importava como eu planejava e traçava planos e manipulava, a família Frost sempre conseguia sobreviver. Ela sempre conseguia sobreviver, juntamente com essa estúpida deusa que ela servia – Nike, a deusa grega da vitória. Minha inimiga. A raiva surgiu em mim novamente, fervendo e borbulhando como lava no meu peito. Tudo no meu campo de visão lentamente adquiriu um tom vermelho irritado, como se uma neblina sangrenta estivesse varrendo o auditório. As fileiras de assentos vazios. O palco de madeira debaixo dos meus pés. A espada na minha mão. Até mesmo as roupas de Gwen, o jeans e camiseta se transformaram nessa sombra gloriosa. Seus olhos ainda ficaram com a mesma cor violeta – essa sombra suave e crepuscular que eu odiava mais do que qualquer outra coisa no mundo. — Logan. Pare! Sou eu! Sua garota Cigana! — Gwen repetiu suas palavras lamentáveis. Seu apelo fraco fez meus dedos se apertarem lentamente em torno do punho da minha espada. Antecipação me atravessou; mais quente e mais poderosa que a raiva, e meu coração vibrou em um ritmo rápido e familiar. Os espartanos não eram conhecidos por serem gentis com seus


inimigos, e eu não tinha simpatia nem piedade neste momento, especialmente não para ela. Soltei um grito feroz e ataquei-a novamente, mas, mais uma vez, ela conseguiu evitar meu ataque, cortando golpes, todos os quais foram projetados para matá-la onde ela estava. Gwen abaixou-se no meu último golpe e girou ao redor, levantando sua própria espada em uma posição defensiva em um movimento suave. Eu deixe-me admirar sua técnica por um momento. Havia ficado muito melhor na luta nesses últimos meses. Mas não a salvaria – nada poderia. Não de mim. — Ele não é Logan agora, — disse outra voz, essa baixa, áspera e pontuada por um sotaque inglês. — E ele não vai parar até que um de vocês esteja morto. Faça o favor ao Espartano, Gwen. Tire-o de sua miséria. Reconheci a voz como pertencente à Vic, a espada falante de Gwen, a arma que ela empunhava agora. Acenei com a cabeça em aprovação. Vic tinha a ideia certa. Ele sempre tinha ideia certa, pois a espada sanguinária gostava de matar Ceifadores mais do que qualquer outra coisa. E agora, eu era o maior e mais malévolo Ceifador de todos – o próprio Loki. Pensar no deus nórdico fez a coisa dentro de mim entrar um pouco mais profundamente no meu coração, e me afastar cada vez mais de mim mesmo, como se eu estivesse sendo carbonizado em cinzas de dentro para fora. Suor escorria pelo meu rosto e pescoço, e eu podia ouvir o som gotejando das gotas salgadas conforme elas caíam sobre o colar cintilando em volta do meu pescoço. O círculo de ouro estava apertado, mas, mais do que isso, estava quente, tão terrivelmente quente, como se pudesse explodir-me e me engolir em chamas em um segundo. De alguma forma, eu sabia que só havia uma coisa que pararia o calor, a dor, a agonia – matar Gwen. Então levantei minha espada e voltei a atacar. E desta vez, eu não parei.


Persegui Gwen ao redor do palco, balançando minha espada nela repetidamente. Clash-clash-clang! Clash-clash-clang! Clash-clash-clang! Por um tempo, ela esquivou de meus golpes, e nós nos movemos para frente e para trás, pisoteando o palco, cada um dos golpes mais fortes e mais severos do que o anterior, até que a madeira ameaçou se estilhaçar debaixo dos nossos pés. Mas enquanto meus golpes ficavam cada vez mais rápidos, mais firmes e mais fortes, alimentados pela minha fúria e por aquele insuportável ardor dentro de mim, ela ficou mais devagar, mais fraca e mais suave, até que quase não conseguia parar meus ataques. Ela olhou para mim, seus olhos violetas arregalados. A tristeza desapareceu, substituída por choque, surpresa, e o mais importante, pelo medo. Isso é o que eu amava – esse olhar de completo desespero, quando meu inimigo finalmente concluía que não estava ganhando essa luta – e não havia chance de impedir sua própria morte. Bati minha espada em Gwen, afastando a espada dela. A lâmina deslizou pelo palco, enviando um banho de faíscas roxas antes de chegar à borda e cair no chão do auditório. Eu podia ouvir Vic gritando com ela e comigo também, mas eu não me importava. Rapidamente girei a arma na minha mão, depois a levantei, em seguida a empurrei no coração dela. Por um momento, tudo o que eu senti foi... satisfação. Satisfação fria, cruel e triunfante de que finalmente havia matado minha inimiga mortal, aquela que me impediu repetidamente, aquela que foi uma ameaça para mim. Então, Gwen estendeu a mão, sua mão sangrenta escovando a minha, embora seus dedos já estivessem com frio como a morte. Seu toque era tão suave como um floco de neve caindo na minha pele, mas as palavras que acompanhavam isso eram qualquer coisa, menos isso. Sua tristeza, sua agonia e seu coração se abriram, me cortando no centro, assim como minha espada fez em seu coração.


Muito tarde, eu percebi o que eu fizera – que acabei de matar a garota que eu amava. Finalmente, Gwen gritou, e eu gritei junto com ela.... Rolei uma e outra vez, batendo nos lençóis suaves e cobertores que cobriam a cama king-size. Por um momento, fiquei lutando contra o ar vazio, meus punhos atacando arcos fortes e ferozes, combatendo inimigos que realmente não estavam lá. Um segundo depois, eu caí no chão. A batida brusca do meu ombro esquerdo e do quadril contra a madeira dura me sacudiu do sonho. Fiquei no chão por alguns segundos, meu rosto esmagado contra a madeira, esperando a batida do meu coração diminuir, que minha respiração voltasse ao normal e que os tremores deixassem o meu corpo. Quando me senti capaz, eu me levantei e inclinei de costas contra a lateral da cama. Soltei um longo e cansado suspiro e passei as mãos através dos meus cabelos pretos, fazendo as mechas suadas ficarem retas. Não, não um sonho – um pesadelo. Tudo era muito real. Porque eu não apenas atacara Gwen em meus sonhos – eu também fiz isso na vida real. Tudo aconteceu há algumas semanas, durante o show da banda de inverno no Auditório Aoide, quando minha madrasta, Agrona Quinn, finalmente revelou ser a chefe dos Ceifadores do caos, guerreiros do mal que serviram a Loki. Antes de me dar conta do que acontecia, Agrona prendeu um colar de ouro ao redor do meu pescoço, um que estava cheio de joias de Apate, o nome da deusa grega do engano. Com a ajuda das joias, um livro e alguma outra mágica horrível, Agrona e os Ceifadores tentaram colocar a alma de Loki em mim, então o deus teria um corpo jovem, forte e saudável, em vez de seu próprio corpo torcido, quebrado. Mas Gwen usou sua psicometria para atravessar a magia dos Ceifadores e a terrível posse que Loki teve sobre mim, me lembrando de quem eu realmente era com ela... Logan Pirado Quinn, feroz guerreiro


espartano, o cara que ela amava o suficiente para sacrificar-se para me salvar. Sim, minha garota cigana esteve lá quando mais precisei dela. E em troca, eu a apunhalei no peito com a minha espada, assim como Agrona me ordenara. Gwen me salvou, e eu quase a matei. Eu a teria matado, se a professora Metis e Daphne não estivessem lá. Eu ainda podia ver a horrível cena como se tivesse acontecido um segundo atrás. Gwen caída no palco, o sangue em todo o peito e ainda mais se acumulando debaixo do seu corpo, os olhos fechados, o peito imóvel, a bainha de Vic pendurada ao redor de sua cintura. Eu, Oliver, e todos os outros se juntaram ao redor dela. Eu gritava para Metis e Daphne fazerem algo, para ajudá-la, para salvá-la. Os brilhos dourados e rosados da magia de cura de Metis e Daphne concentraram-se no coração de Gwen e na ferida profunda e feia que eu deixara lá. Os minutos passando, cada um mais longo e mais insuportável do que o último. E então, finalmente, felizmente, ouvi o pequeno suspiro que Gwen deu enquanto respirava, e percebi que ela não ia morrer, que eu não a matara depois de tudo. Mas as horríveis lembranças não pararam ali. Porque eu me lembrei de algo mais daquele dia – o jeito que os outros estudantes se apressaram para se afastarem de mim, olhando-me com olhos assustados, como se eu fosse me tornar um Ceifador e atacá-los novamente a qualquer momento... Esfreguei o meu rosto, tentando bloquear as lembranças horríveis, tentando esquecer a coisa horrível que eu fiz com a garota que eu amava... Uma batida forte soou na porta do quarto. — Logan? — A voz do meu pai atravessou a espessa madeira. — Você está bem? Pensei ter ouvido um barulho. Levou-me um momento para afastar o resto das memórias e encontrar minha voz.


— Sim, estou bem, — gritei, esperando que ele não percebesse o quão baixas, ásperas e estranguladas soaram minhas palavras. — Eu apenas, ah, deixei cair uma coisa. Silêncio. — Bem, tudo bem, — ele respondeu. — O café da manhã deve estar pronto em breve. Desça quando quiser. Depois de um momento, ele se afastou da porta, seus passos lentos e estáveis, como se estivesse escutando e pronto para entrar correndo aqui ao menor som ou sinal de que eu estava com problemas. Mas eu não estava com problemas – eu era o problema. Eu não queria café da manhã. Não queria comer, e certamente não queria voltar a dormir e ter outro pesadelo. Eu não queria fazer nada além de sentar no escuro e tentar esquecer tudo o que fiz. Mas era a única coisa que eu não podia fazer. Porque, gostando ou não, a vida continua, especialmente para os guerreiros como eu. Você trava a batalha, mata tantos Ceifadores como você pode, lambe suas feridas e depois se prepara para a próxima luta. Além disso, meu pai estava tentando melhorar as coisas entre nós, finalmente tentando corrigir nossos problemas, e eu achava que devia a ele tentar mais. Por isso, embora não quisesse, eu me separei dos lençóis, fiquei de pé e fui ao banheiro para tomar banho e encarar o dia.


2 Tomei um longo banho quente e coloquei um jeans, juntamente com uma camiseta branca, um suéter azul escuro, e algumas meias de lã e botas grossas. Olhei para o meu reflexo no espelho sobre a cômoda enquanto penteava meu cabelo. Cabelo preto, olhos azuis, sorriso agradável, músculos em todos os lugares certos. Mais de uma menina me disse que eu era fofo, bonito e sonhador, e usei isso para minha vantagem. Um sorriso lento, um olhar malicioso, uma risada baixa, um elogio sussurrado, e a maioria das meninas derreteram em meus braços – com exceção de Gwen. Ela me disse para superar a mim mesmo. Seu sarcasmo descarado foi a primeira coisa que percebi – e gostava – nela. Mas eu não parecia mais bonito. Não bonito, e especialmente não sonhador. Não, a não ser que furioso assassino psicótico fosse sua ideia do cara perfeito. Eu bufei e joguei o pente em cima da cômoda. Tenho certeza que minhas características eram as mesmas de sempre, até o canto curvo da minha boca e o obstinado topete que eu nunca conseguia arrumar o bastante. Mas não pude deixar de me inclinar e olhar para o espelho, tentando ver se uma ameaçadora faíca vermelha brilhava no meu olhar.


Oliver Hector, um dos meus melhores amigos, me disse como meus olhos ficaram completamente vermelhos quando estive conectado a Loki no auditório. Procurei e procurei por qualquer brilho de cor que não devesse estar lá, mas meus olhos eram do mesmo azul claro que sempre foram. Ainda assim, a visão não me fazia sentir melhor. Sempre gostei do fato de que as meninas achavam que eu era fofo. Que cara não gostaria? Mas agora, eu apenas me sentia feio – dentro e fora. Sujo. Infectado. Corrompido. — Logan. — A voz do meu pai atravessou um interfone na parede perto da porta. — O café da manhã está quase pronto. Avancei e apertei o botão para poder responder. — Estarei aí em um minuto. Abri a porta, saí do quarto, caminhei até o final do corredor e desci as escadas até o primeiro andar. A madeira rangendo sob meu peso me lembrou de como o palco fizera o mesmo som no meu sonho – meu pesadelo. Eu estremeci e acelerei meu ritmo, agarrando o corrimão e saltando os últimos três degraus. Eu deixei a Academia Mythos, deixei a Montanha Ciprestre, Carolina do Norte, na noite em que ataquei Gwen. Meu pai me levou até Ashland, depois fomos para Bigtime em seu avião particular, antes de entrarmos em outro carro e dirigir para o nosso destino final – a mansão de verão dos Quinn nas Montanhas Adirondack, em Nova York. A casa não estava muito longe da filial de Nova York da Academia Mythos, que era onde meu pai passava a maior parte do tempo. A mansão era sua base de operações desde que ele se tornou chefe do protetorado, a força policial para o mundo mitológico que rastreava os Ceifadores e os colocava na prisão, onde pertenciam. Mas, mais importante, a mansão não era o lugar onde minha mãe, Larenta e minha irmã mais velha, Larissa, foram assassinadas por Agrona e seus Ceifadores quando eu tinha cinco anos. Não havia lembranças ruins aqui. Não havia sangue manchando os pisos de madeira. Sem arranhões nos grossos muros de pedra onde as armas deixaram sua marca ao atingir a pedra ao invés da cabeça de alguém.


Nenhum grito imaginário me assombrando sobre eu não conseguir proteger minha família, como não consegui ter coragem e lutar com minha mãe e irmã contra os Ceifadores. Nenhum sussurro sarcástico para me lembrar de como meu pai estava desapontado comigo por causa disso – porque não atuei como um verdadeiro Espartano teria feito nesse dia. Por me esconder como minha mãe e minha irmã me disseram para fazer em vez de lutar – e morrer – com elas. Bufei novamente. Talvez estive perto de Gwen por muito tempo. Porque eu quase começava a pensar que eu poderia ouvir e ver coisas que não estavam realmente lá, e pegar lembranças e sentimentos como ela fazia com sua psicometria. Continuei, passando de um corredor para outro. A mansão era toda madeira polida, vidro reluzente e pedra cinzenta, mais como uma grande cabana rústica de caça do que qualquer outra coisa. Mas em vez de estar cheia de imagens de cabeças de Lobos Fenrir, Gatuno de Nemean e Rocas Negras, as armas cobriam muitas das paredes –machados, clavas, punhais, arcos com aljavas cheios de flechas penduradas ao lado deles. Algumas das armas eram para decoração, mas a maioria era para o caso de um ataque Ceifador. Uma ameaça que era ainda maior agora que Loki estava livre da prisão de Helheim e seus Ceifadores a ponto de declarar uma segunda Guerra do Caos. Passei por uma série de janelas do chão ao teto que davam para o quintal e os montanhosos cumes arborizados que cercavam a mansão. Lá fora, grossos flocos de neve caíam lentamente do céu cinzento, adicionando outra camada ao que já havia caído durante a noite. Estava nevando há muito tempo, desde que chegamos aqui, cerca de duas semanas atrás. Mais de um pé cobria o chão no momento, e não mostrava sinais de parar tão cedo. Por mim tudo bem. O frio congelante combinava com meu humor. Um

relógio

antigo

ornamentado

com

um

grifo

dourado

empoleirado em cima de sua cúpula de madeira começou a soar quando passei por uma das salas de estar do primeiro andar. O rosto dourado do relógio tinha a forma de grifo, completo com dois olhos de


topázio e um bico de ébano. A boca da criatura estava aberta em um grunhido assustador, como se quisesse usar seu bico afiado para se libertar da caixa de vidro que o abrigava. Olhei para os ponteiros do relógio, que se assemelhavam a duas espadas de prata esfaqueando o rosto do grifo. Sete horas em ponto. Gwen deveria estar no ginásio agora para o treinamento de armas com Oliver e Kenzie Tanaka, outro dos meus melhores amigos. Daphne Cruz, a melhor amiga de Gwen, e Carson Callahan, o namorado de Daphne, provavelmente estavam lá também. Eu teria que escrever mais tarde para Oliver e ver como Gwen estava, como fiz todos os dias desde que deixei a academia. Oh, eu sabia que ela estava bem – fisicamente, pelo menos, já que sua ferida foi curada – e que todos os nossos amigos estavam cuidando dela. Mas Oliver havia dito mais de uma vez que Gwen estava silenciosa ultimamente – e que perguntou sobre mim todos os dias. Gwen me enviou mensagens e me deixou várias mensagens de voz nas últimas duas semanas, mas eu não respondi a nenhuma delas. Na verdade, eu sempre desligava meu telefone quando ela me ligava, então eu não atenderia a uma de suas ligações por engano. Ainda assim, repetia as gravações que ela deixava novamente, examinando atentamente todas as palavras e tentando descobrir se ela estava bem ou não, de acordo com sua voz. Entretanto, eu não podia suportar falar com ela. Apenas pensar nisso apertava meu peito e meu estômago chutava com culpa. Ainda assim, mais de uma vez, eu encontrei-me olhando para meu telefone, tentando criar coragem para, pelo menos, lhe enviar uma mensagem dizendo que ela não deveria se preocupar comigo. Que eu não merecia um único segundo de seu tempo. Não mais. Mas não consegui fazer isso. Ainda não. Talvez nunca conseguisse. Não depois do que eu fiz com ela. O

relógio

tocou

uma

última

vez,

tirando-me

dos

meus

pensamentos obscuros, e segui em frente. Finalmente, cheguei à cozinha, que era um dos maiores cômodos de toda a mansão. Mais madeira e pedras no chão e nas paredes, enquanto várias claraboias quadradas


estavam colocadas no teto, embora o vidro estivesse coberto de neve, assim como todo o resto. Uma ilha de mármore longa e estreita dividia a parte da frente da cozinha em duas grandes metades, com brilhantes aparelhos de cromo flanqueando as paredes de cada lado. Uma mesa retangular de jantar estava na parte de trás, as quatro pernas de madeira esculpidas para parecerem gárgulas em pé. O tampo de vidro em si descansava sobre as pernas dianteiras das gárgulas, como se estivessem realmente sendo seguradas pelas patas. Um conjunto de portas duplas de vidro estava atrás da mesa, revelando ainda mais o frio e a neve. Um homem estava em um dos fogões ao longo da parede à direita, mexendo algo na frigideira. Cabelo louro, olhos azuis claros, alto e magro. Linus Quinn, meu pai, e o chefe do Protetorado. Ele vestia um jeans, botas e um suéter escuro como eu, embora sua longa túnica cinza do Protetorado estivesse jogada sobre a cadeira na cabeceira da mesa e sua espada estava apoiada em um assento próximo. O seu celular também estava na superfície de madeira, juntamente com seu laptop aberto, várias pastas e três espessas pilhas de papéis. Seus óculos de leitura pretos estavam empoleirados em cima de uma pilha de fotos, junto com uma lupa. Pastas, papéis, canetas e muito mais que desordenavam aquela parte da mesa há tanto tempo quanto eu conseguia me lembrar. Meu pai sempre trabalhava em algo. Mesmo quando eu era criança, e nós vinhamos aqui para relaxar e passar as férias, ele ainda trazia trabalhos e pilhas de relatórios sobre o que os Ceifadores poderiam estar fazendo e onde poderiam atacar a seguir. Sua dedicação ao seu trabalho para parar Ceifadores e manter os membros do Panteão tão seguros quanto possível, era uma das coisas que eu mais admirava nele – e o que eu mais odiava ao mesmo tempo. Porque papai conseguiu se enterrar em seus deveres do Protetorado depois que mamãe e Larissa foram mortas. Tudo o que eu consegui fazer foi sentir falta delas. Meu pai virou ao ouvir o som das minhas botas no chão. — Você veio, — ele disse. — Eu começava a pensar que você havia se perdido.


Ele soltou uma pequena risada, tentando fazer uma piada, e eu forcei-me a sorrir para ele. — Sim. A casa é maior do que eu me lembrava. Virei à esquerda em vez da direita. Ele assentiu com a cabeça e colocou os ovos da panela quente em um prato branco. — Bem, você chegou a tempo. Venha e pegue um prato. Fui até o balcão ao lado do fogão. Os ovos estavam ao lado de um prato ainda maior de bacon, salsicha defumada e presunto frito. Panquecas de trigo mourisco, biscoitos de soro de leite integral, carne ao molho de blackpepper completaram o cardápio, juntamente com jarros de laranja, maçã e suco de toranja recém-espremido. Os cheiros da carne, ovos esponjosos e batatas fritas fizeram meu estômago rosnar. Eu não estava comendo muito ultimamente. Levantei uma sobrancelha. — Você realmente foi com tudo esta manhã. — O que é que eles dizem? O café da manhã é a refeição mais importante do dia. — Papai soltou outra pequena piada. Desta vez, não sorri. Estava muito interessado na comida. Em vez disso, peguei um prato, enchi-o, fui até a mesa e sentei no meu lugar regular, três assentos de distância do ninho de trabalho do meu pai no final da mesa. Papai encheu o próprio prato e voltou para a mesa. Ele começou a sentar-se em sua cadeira na cabeceira da mesa, mas depois hesitou e olhou para mim, como se estivesse pensando em dar a volta à mesa e ficar perto de mim. Mantive meu olhar fixo no prato e empurrei outro pedaço de ovo na boca. Depois de um momento, ele se sentou no seu lugar habitual, movendo o laptop para um lado para abrir espaço para o prato. Não sabia se eu estava desapontado por ele não escolher se sentar mais perto de mim ou feliz por não ter feito. Depois de um momento, eu decidi por feliz, ou pelo menos, aliviado, já que ele sentar lá era manter seu status quo. Era o que éramos, e assim fomos por muito tempo – tão


distantes e impessoais quanto os estranhos que compartilham uma refeição. Essa foi a única maneira pela qual conseguimos evitar de gritar um com o outro nos últimos anos. Sendo educado, comendo rapidamente e ficando longe um do outro, indo para diferentes partes da mansão e fazendo as nossas coisas separadas assim que podíamos. Por vários minutos, nos concentramos em nossa comida, e os únicos sons eram o titilintar de nossas facas e garfos nos pratos e o barulho de nossos copos. Meu pai não era um cozinheiro gourmet, não como os chefs da Mythos, que faziam omeletes de lagosta, salsichas espirais e outras misturas elaboradas diariamente, mas a comida estava quente, saborosa e farta. As panquecas estavam leves e macias, enquanto o xarope de mirtilo selvagem que despejei sobre elas era grosso, picante e doce, tudo ao mesmo tempo. Os ovos mexidos caseiros estavam excelentes assim como o presunto ligeiramente salgado, biscoitos de soro de leite integral, molho de blackpepper e as bastatas fritas. E, hey, bacon sempre deixava tudo melhor. Após terminarmos nosso café da manhã e arrumarmos tudo, meu pai limpou a garganta. Cauteloso, eu olhei para ele. Ele só fazia isso quando queria falar comigo, geralmente sobre algo que eu não gostaria. Na verdade, nunca conversamos sobre qualquer coisa que eu gostasse. — Então, — ele disse; lutando para sorrir exatamente como eu fizera anteriormente. — O que está em sua agenda para hoje? Encolhi os ombros. — Não sei. Talvez alguns exercícios de treinamento na academia. Eu deveria trabalhar no meu tiro ao alvo. Estive afrouxando nisso ultimamente. Além disso, arcos e flechas não lembravam imediatamente o que fiz com Gwen. Não como todas as espadas penduradas nas paredes. Meu pai franziu a testa. — Isso é tudo o que você fez desde que chegamos. Eu sou a favor de treinar, ficar forte e preparado para o jogo, mas acho que você está levando as coisas um pouco longe, Logan. Você passou pelo menos três horas no ginásio todos os dias desde que estivemos aqui – às vezes ainda mais. Então, depois de treinar, você faz


caminhadas pela floresta por mais duas horas, e não volta até que esteja escuro. Encolhi de ombros novamente. Eu não ia dizer a ele que o fato de me levar ao ponto de exaustão absoluta era a única maneira que eu poderia evitar de sonhar com apunhalar Gwen de novo, e que assim eu poderia, pelo menos, adiar alguns dos pesadelos. E certamente não direi a ele a outra razão pela qual eu treinava tanto – para que eu pudesse matar Agrona na próxima vez que a visse. Uma parte de mim ainda não podia acreditar que ela era a chefe dos Ceifadores, a pessoa que liderou o ataque contra minha mãe e minha irmã na esperança de matá-las e me sequestrar todos aqueles anos atrás. Agrona era boa, na medida em que as madrastas eram. Ela sempre foi gentil comigo, e certamente não tentou tomar o lugar da minha mãe ou qualquer coisa. Ela não mandava em mim ou ficou irritada com o quanto meu quarto estava bagunçado. Ela até mesmo ouvia quando eu reclamava com ela sobre meu pai, e sempre encorajava que nós dois tentássemos conversar. Na verdade, Agrona foi praticamente o único motivo pelo qual meu pai e eu fomos civilizados um com o outro nos últimos anos. Mas o tempo todo – todo o maldito tempo – ela nos usava. Espiando o Protetorado através do meu pai e seus amigos, secretamente sabotando as missões quando ia com eles, mantendo-se perto de mim para que pudesse tentar colocar a alma de Loki em meu corpo quando o deus maligno finalmente se livrasse de Helheim. — Bem, eu pensei que nós poderíamos ir até a academia hoje, — meu pai disse quando ficou evidente que eu não diria mais nada sobre as minhas razões para o treinamento tão duro. — Você tem que se preparar para as aulas na próxima semana. — Pensei que você já havia feito isso, — murmurei. Eu não queria voltar para a academia da Carolina do Norte, mas também não queria me transferir para New York, ou qualquer uma das outras ao redor do mundo. Mas meu pai era um seguidor das regras, e insistiu que eu voltasse para uma das academias e recuperasse todo o


trabalho que perdi nas últimas semanas. Como se nada tivesse acontecido. Como se eu não tivesse estado conectado a Loki. Como se eu não tivesse tentado matar Gwen. E, sobretudo, como se todos não soubessem sobre as coisas horríveis que eu fiz. Oh, eu sabia que era toda a conversa no mundo mitológico. Como Logan Pirado Quinn virou Ceifador e quase matou a Campeã de Nike e um monte de outros estudantes no Auditório Aoide. Oliver e Kenzie me contaram sobre todas as ligações, mensagens e perguntas que eles receberam dos outros na academia. Para não mencionar os rumores loucos que passavam pelo campus – tudo, desde Gwen me matando, eu me juntando voluntariamente e fugindo com os Ceifadores, ao meu corpo estando armazenado no necrotério no fundo do edifício de ciênciamatemática. Aparentemente, Kenzie começou a desligar o telefone para não ver todas as perguntas bobas e mensagens sutis. Ninguém foi corajoso o suficiente para falar comigo ou me ligar, no entanto. Supus que eles estavam com medo de mim. Ninguém, exceto Gwen. Ela me enviou uma carta, me contando como ela viu exatamente o que Loki havia feito comigo, como ele me impedia de dentro para fora, e quão forte eu lutava contra ele. Ela também disse que me perdoava por tudo o que fizera, por como a machuquei. Talvez ela tenha feito, mas eu não pude me perdoar. Mas perguntas, rumores e minha culpa de lado, todos estariam me olhando no segundo que eu coloasse um pé no campus da Mythos, em qualquer lugar do mundo. E agora mesmo eu não queria lidar com todos os pensamentos, sussurros e fofocas idiotas. Era difícil lidar com o que realmente aconteceu. — Logan? — Papai perguntou com uma voz suave. — Você está bem? — Ótimo, — murmurei, empurrando meus ovos mexidos de um lado do meu prato para o outro em vez de comê-los. — Simplesmente fantástico.


— Olha, eu sei que é difícil, mas eu realmente acho que retornar à escola e voltar a algum tipo de rotina normal irá ajudá-lo... a lidar com as coisas, — ele disse. — Você não pode simplesmente ficar aqui o dia todo e não fazer nada. — Não estou não fazendo nada. Estou treinando. Assim como um verdadeiro espartano, certo? — Não me incomodei em esconder o sarcasmo na minha voz, mas não consegui esconder a dor que acompanhou minhas palavras. Papai suspirou e começou a abrir a boca, provavelmente para me dar um sermão sobre voltar para escola... Uma batida forte soou na porta da frente, cortando-o antes que ele pudesse começar. Um segundo depois, a porta estremeceu. Eu fiquei tenso e me sentei reto na minha cadeira, meus dedos reposicionando a faca e garfo em minhas mãos para que eu pudesse atacar com eles. Como todos os espartanos, eu não precisava de uma arma para lutar. Graças ao meu instinto assassino, eu sabia que podia enfiar a faca no pescoço de alguém ou arrancar um de seus globos oculares com o garfo. Se o pior acontecesse, eu sempre poderia quebrar um dos pratos e usar os fragmentos como punhais, ou empurrar a cabeça de alguém através da parte superior da mesa de vidro... Papai acenou com a mão para mim em um gesto apaziguador. — Relaxe, Logan. Estou esperando companhia. Está na hora das instruções da manhã, lembra-se? Todas as manhãs, pelo menos dois membros do Protetorado passavam na casa para atualizar meu pai sobre os últimos movimentos dos Ceifadores, crimes e atividades suspeitas. Era a rotina de papai há tanto tempo quanto eu poderia me lembrar, e eu me sentia estúpido por me esquecer disso hoje. — Oh. Sim. Certo. Dei-lhe um rápido aceno de cabeça, mas ainda me levou um momento para abrir minhas mãos em torno dos utensílios e colocá-los no prato. Eu já estava tenso desde aquele dia no auditório, esperando Agrona aparecer a qualquer momento, colocar outro colar com joias


Apate ao redor do meu pescoço, e tentar terminar o ritual que começou. Ou pior, que Loki de repente voltasse à minha mente, e tentasse me controlar mais uma vez, me fazendo assassinar todos ao meu redor. Nickamedes e a Professora Metis me disseram que isso não aconteceria, que eu não estava mais conectado ao Deus do mal, que ele não podia me controlar assim nunca mais, mas eu não sabia se acreditava neles. Não sabia no que acreditar mais, especialmente não sobre mim. Passos fortes soaram, e dois homens apareceram na entrada da cozinha. Um dos homens era baixo e forte, com um corpo forte e musculoso, enquanto o outro era alto e esbelto. Sergei Sokolov e Inari Sato, dois dos melhores amigos do meu pai e importantes membros do Protetorado. Normalmente, no início da manhã, Sergei e Inari estariam em jeans, botas e sueters, como eu e papai, mas hoje, eles já haviam colocado suas túnicas cinza sobre suas roupas regulares, e suas espadas estavam nas bainhas em suas cinturas, os punhos de metal piscando para mim como olhos maliciosos e conhecedores. Algo aconteceu. — Linus, Logan, — Sergei disse; seu sotaque russo um pouco mais pronunciado do que o habitual. Ambos assentimos para ele. Inari estava ao lado de seu amigo, imóvel e silencioso como sempre. O Ninja nunca falava muito. Papai fez um gesto para as bandejas de comida no balcão. — Sente-se e coma o café da manhã. Fiz o suficiente para todos nós. Sergei balançou a cabeça. — Sem tempo. Odeio interromper sua refeição, mas temos um relato de que alguns Ceifadores estão usando um prédio próximo como uma base de operações, — ele resmungou; seus olhos castanhos escuros e graves. — De acordo com a nossa fonte, há pelo

menos

meia

dúzia

de

Ceifadores

agora.

Talvez

mais.

Nós achamos que é a mesma equipe que tem roubado artefatos de alguns dos museus locais. O olhar de papai foi para as fotos em cima da mesa. Ele as espalhou e eu me inclinei para poder ver melhor. Elas eram todas lustrosas e brilhantes, o tipo de coisa que você pode ver em um folheto do museu, fotos ampliadas que mostravam os itens com a melhor


luz possível. Uma lança, um escudo, alguns anéis e uma vela meio usada estavam entre os artefatos apresentados nas fotos. Meu pai estava trabalhando neste caso sem parar desde que chegamos em Nova York. Um grupo de Ceifadores, todos com túnicas pretas e máscaras de borracha com o rosto de Loki, andavam por aí, entrando em museus e roubando artefatos – armas, armaduras, roupas e tudo mais que pertenciam a deuses e deusas, guerreiros e criaturas que os serviram ao longo dos séculos. Esfreguei meu pescoço, que de repente estava tenso, rígido e quente, como se esse colar de ouro ainda estivesse apertando minha garganta. Os Ceifadores também estavam roubando joias, algumas delas semelhantes às de Apate, a qual Agrona usou para ajudar a me controlar. Até agora, papai não conseguiu descobrir o que os Ceifadores queriam com os artefatos, pois alguns deles eram bastante obscuros e pareciam ter pouco magia, mas isso realmente não importava. Pelo menos, não para mim. Tudo o que importava era pará-los – permanentemente. — Pedimos reforços, mas devido ao tempo, eles não estarão aqui por pelo menos duas horas, — Sergei disse. Inari assentiu, seus cabelos escuros brilhavam sob as luzes da cozinha. — E não sabemos quanto tempo os Ceifadores podem ficar em sua localização atual. Papai olhou para mim, o arrependimento e a resignação piscando em seus olhos, juntamente com a teimosa determinação. Sua expressão sombria era muito familiar, já que seu trabalho sempre venha primeiro – especialmente antes de mim. — Acho que essa viagem para a academia terá que esperar, hein? — Eu disse. Ele colocou o garfo em cima de seu prato, afastou-se da mesa e ficou de pé. — Desculpe, filho, mas preciso verificar isso. Você sabe o quanto é importante que não deixemos que nenhum outro artefato caia nas mãos dos Ceifadores. Eu sabia – melhor do que ele, já que Agrona usou alguns desses artefatos roubados em mim. Esta não foi a primeira vez que o meu pai já


foi chamado no meio de uma refeição, e não seria a última. Na verdade, eu não conseguia me lembrar de um momento em que realmente conseguimos terminar o jantar sem que ele fizesse um telefonema, verificasse o e-mail ou conversasse com os membros do Protetorado que vieram em casa para falar pessoalmente com ele sobre um assunto urgente. Costumava me irritar, que ele não podia esquecer o trabalho por uma hora pelo menos, mas não mais. Não, desde que Loki esteve na minha mente. Não, desde que eu senti todo o ódio intenso e incansável do deus para com os membros do Panteão. Não, desde que eu soube exatamente quais os horrores que meu pai e os outros membros do Protetorado enfrentavam. Eu também me levantei. — Eu também vou. Papai já balançava a cabeça antes de eu terminar de falar. — Não. Absolutamente não. Joguei minhas mãos para os meus lados. — O que mais eu vou fazer aqui o dia todo? Como você disse, não vou começar as aulas na academia até a semana que vem. Até mesmo eu só posso jogar videogame por um tempo limitado por dia. Vamos. Deixe-me ir com você – por favor. Eu quero fazer algo, qualquer coisa, para ajudar. Você sabe disso. Por que você acha que eu tenho treinado tanto? Não era exatamente a verdade, mas estava perto o suficiente. Eu não achava que Agrona estaria neste edifício, não tendo em conta o quão perto era da nossa mansão, mas se ela estivesse lá, então eu queria ser aquele a lidar com ela – eu queria ser aquele que a mataria. E se ela não estivesse lá, bem, eu me contentaria com os Ceifadores que estavam. Sergei se aproximou e me deu um tapa no ombro, aprovando. — Bem, eu digo que é uma boa ideia. Nós sempre podemos usar um par extra de olhos e ouvidos, para não mencionar outra espada, certo, Linus? Inari moveu-se para ficar ao meu lado também, oferecendo silenciosamente seu apoio. Papai olhou para seus amigos antes de seu olhar azul se focar em mim de novo. Levantei o queixo e olhei para ele. — Tudo bem, — papai disse, suspirando um pouco. — Tudo bem. Você pode vir. Mas certifique-se de pegar algumas armas antes de sair.


Se os Ceifadores estão usando esse edifício como um esconderijo, não sabemos o que poderemos encontrar lá.


3 Papai colocou sua túnica de Protetorado enquanto eu voltei ao meu quarto e coloquei um pesado casaco de neve preto por cima da minha roupa de inverno. Antes de sair pela porta da frente, peguei uma espada de uma das paredes. Sergei e Inari já estavam lá fora esperando no Range Rover de Sergei. Papai e eu subimos no banco trás do veículo e saímos. Sergei

dirigiu

por

cerca

de

trinta

minutos,

torcendo

e

serpenteando pelas montanhas antes de desacelerar em uma seção remota da estrada e parando o carro no acostamento. Sergei alcançou o porta-luvas, titou uma máscara preta e puxou-a sobre a cabeça, escondendo seus cabelos castanhos. Ele pegou outra máscara e me entregou. Puxei o tecido sobre meus ouvidos, grato pelo calor extra que forneceu. — Agora, caminhamos, — Sergei disse com um grande sorriso e uma piscadela. Eu sorri para ele. Nós deixamos o carro e atravessamos o bosque cheio de ávores, com Sergei criando um caminho através da neve e o resto de nós seguindo seu

rastro.

A

floresta

estava

completamente

silenciosa,


exceto pelos sons de nossa respiração áspera e gelada, e até mesmo os pássaros ainda estavam quietos em suas casas escondidas nos galhos acima de nossas cabeças. Tudo cheirava puro, cristalino, frio e limpo, e respirei profundamente, desfrutando da queimação gelada do ar do inverno nos meus pulmões. Finalmente nós chegamos ao topo da colina que escalamos nos últimos dez minutos e chegamos à costa lateral da propriedade que servia como o esconderijo dos Ceifadores. Nós abaixamos nas profundas nevascas à beira das árvores e observamos. Um enorme edifício estava na clareira diante de nós, que era ainda maior do que a mansão da minha família. Também era feita de madeira, vidro e pedra, e tinha três alas que se juntavam, cada uma das quais com o próprio telhado da linha A. Embora fosse meio da manhã, luzes ainda brilhavam dentro da estrutura, lutando uma batalha perdida contra a luz implacável

do

dia,

mas

não

vi

ninguém

se movendo através da parede de vidro que estava na parte de trás do edíficio. — Que lugar é esse? — Sussurrei. — Parte de uma estação de esqui abandonada. — Sergei sussurrou. — O banco executou a hipoteca antes que a temporada começasse, então está tudo vazio durante todo o outono e o inverno. — Tudo o que tornava um lugar perfeito para os Ceifadores invadirem e usarem, — Inari acrescentou; seus olhos escuros fixos na estrutura. — Bem, parece ser a casa de alguém, com todas essas luzes acesas, — meu pai murmurou. — Então, o que estamos esperando? — Perguntei. — Vamos dizer oi. Minha voz era sombria, áspera e feia, tão sombria, áspera e feia como eu não sentia desde aquele dia no auditório. Eu não queria falar com os Ceifadores – eu só queria matá-los. Não, apague isso. Eu não queria realmente matá-los. Na verdade, não. Eu queria fazê-los sofrer,


como eu quando feri Gwen. Mais do que qualquer outra coisa, queria fazê-los sofrer. Especialmente Agrona. E também Vivian Holler, se ela estivesse aqui. Papai deve ter percebido meus sentimentos porque ele franziu a testa para mim, e seu olhar caiu para a espada na minha mão. Apesar do frio, eu não usava luvas, e meus dedos estavam brancos de onde eu tinha um aperto forte na arma. Levantei o queixo e olhei para ele. Eu não era mais uma criança. Não era há muito tempo, e não pretendia ser outra coisa senão o que eu era – um espartano atrás de sangue. Ele suspirou de novo, mas depois de um momento, ele assentiu. — Ok. Logan está certo. Vamos ver o que os Ceifadores estão fazendo. *** Papai, Sergei e eu ficamos onde estávamos, escondidos pela neve e as árvores, mas Inari escapou por trás da linha de pinheiros e se arrastou até a estação de esqui. Embora eu estivesse olhando para ele, nunca o vi se afastar. Em um momento, ele estava agachado ao meu lado na neve. No próximo, ele estava na porta traseira do edíficio, alcançando a maçaneta. Ninjas tinham essa magia furtiva, uma incrível habilidade de se misturarem nas sombras e no fundo tão bem que as pessoas simplesmente passavam por eles sem realmente vê-los – até que fosse tarde demais. Inari tentou a maçaneta. Devia estar destrancada, porque ele abriu cautelosamente a porta. Ele colocou a cabeça dentro por um segundo antes de gesticular para que nos aproximássemos. Sergei, papai e eu deixamos nosso esconderijo na floresta, atravessamos a neve e o quintal, e entramos pela porta aberta. Inari também entrou e fechou silenciosamente a porta. Ficamos ali, espadas levantadas, os corpos tensos, os músculos apertados, olhando e ouvindo qualquer sinal de Ceifadores. Nada – não vimos ou ouvimos nada.


Inari deu um passo à frente mais uma vez e dirigiu-se para a direita, no longo corredor que estávamos. Sergei o seguiu, então eu, com o meu pai fechando a retaguarda e observando nossas costas. O corredor parecia seguir por todo o comprimento das três alas do edifício, com toda a parte direita da parede sendo feita de vidro e os cômodos se ramificando em nossa esquerda. Paramos, vigiamos e espiamos cada cômodo que passamos, mas ainda não vimos ou ouvimos ninguém se mover pela estrutura. Mas alguém precisava estar aqui. Não só as luzes estavam acesas, mas eu podia ouvir um aquecedor que zumbia levemente, e o ar estava quente e confortável. Até pensei que cheirava a bacon, mas isso provavelmente era apenas pelo fato de não ter terminado o café da manhã. Estudei cuidadosamente cada um dos cômodos, mas os móveis eram o que eu esperaria encontrar em um resort de esqui. Muitas lareiras de pedra, muitas cadeiras e sofás estofados, muitos tapetes coloridos que cobriam os brilhantes pisos de madeira. Mas havia outras coisas aqui também – coisas que me diziam que esse era definitivamente um esconderijo dos Ceifadores. Como as máscaras Loki que decoravam a parede. Nós as achamos perto de uma das entradas laterais. Mais de uma dúzia de máscaras de borracha de Loki estavam sobre uma série de cabides que se erguiam da parede, os olhos bem abertos e as bocas caídas, como se os rostos vazios estivessem prestes a gritar e alertar os Ceifadores que estávamos aqui. As longas túnicas pretas também estavam ao lado dos pedaços de borracha, como se fosse um conjunto legal e não algo muito mais sinistro. Estremeci e afastei meu olhar das máscaras. Eu não conseguia sentir nada dos objetos, não como Gwen, mas olhar para os pedaços de borracha retorcidos me deixou nauseado. Loki esteve dentro da minha cabeça, seu olho azul e o outro vermelho queimando meu cérebro. Eu não precisava de nenhum relato de como ele parecia, de como um lado de seu rosto era tão suave e perfeito e o outro estava tão arruinado e derretido. Nunca esquecerei a imagem terrível de seu rosto se


aproximando em minha mente, uma e outra vez, ou especialmente como o deus maligno me fez sentir – como se pegasse tudo dentro de mim e substituísse pelo seu próprio eu podre. E rindo o tempo todo. Essa foi uma das piores partes – ter que ouvi-lo rir de mim e saber que não havia nada que eu pudesse fazer para impedi-lo de tomar o meu controle. Mesmo agora, eu podia ouvir o leve eco de suas risadas baixas e sombrias na minha cabeça, tocando repetidamente da mesma forma que o relógio do meu avô fez hoje de manhã... A mão do pai tocou meu ombro, fazendo-me pular de surpresa e seus olhos azuis se encontraram com os meus. — Você está bem, Logan? Apertei meus dentes para ajudar a engolir a bile subindo na parte de trás da minha garganta. Eu sabia que ele estava preocupado comigo, que estava apenas tentando ajudar, mas ainda me afastei de seu toque. — Estou bem, — murmurei. Inari e Sergei também me olharam, seus olhos escuros pensativos e um pouco desconfiados. Eu quase conseguia senti-los prendendo a respiração, como se a visão de todas as túnicas negras e máscaras de Loki pudessem apertar um interruptor dentro de mim e eu viraria um Ceifador sobre eles. Raiva brotou dentro mim no momento em que percebi que eles realmente não confiavam em mim – não mais – não importando o quanto alegassem o contrário. Outra parte de mim também estava contente por serem tão cautelosos e desconfiados comigo – porque eu tinha medo de mim mesmo. Loki, Agrona e o resto dos Ceifadores me fizeram atacar e quase matar Gwen. Quem sabia que outras magias podem ter trabalhado em mim? Quem sabia quais outras coisas malignas eles poderiam ter implantado dentro de mim? Quem sabia quais outras coisas horríveis eles poderiam me obrigar a fazer a qualquer momento? Os outros estavam certos em não confiar em mim – porque eu não confiava em mim mesmo.


Mas uma raiva surgiu em mim, queimando os últimos ecos do riso de Loki e tudo mais, menos o meu desejo de ferir cada um dos Ceifadores presentes em toda a estação de esqui. — Logan? — Papai chamou novamente. — Vamos, — eu disse; minha voz ainda mais dura do que antes. — Vamos seguir em frente. Passei por ele, Inari e Sergei e comecei a avançar novamente. — Logan, espere... — meu pai disse com uma voz suave. Mas era muito tarde. Por que três Ceifadores saíram do cômodo, bem na minha frente.


4 Por um momento, ficamos parados, todos nós surpresos por nos vermos. Talvez fosse a raiva que dominava o meu corpo, mas eu me recuperei mais rápido do que qualquer outra pessoa. Soltei um grito de batalha alto, levantei a minha espada e ataquei os Ceifadores. Slash-slash-slash. Os três homens eram guerreiros como eu, e o instinto assumiu o controle, fazendo com que eles desviassem do caminho da minha lâmina. — O Protetorado! — Gritou um dos homens. — O Protetorado violou o perímetro! Os homens se afastaram de mim enquanto tiravam suas próprias espadas das bainhas em volta da cintura. Nesse ponto, Inari, Sergei e papai estavam bem ao meu lado. Juntos, avançamos sobre os outros homens. — Abaixem suas armas e se rendam pacificamente, — papai disse com uma voz sombria, — E nós o levaremos sob custódia. Ninguém precisa se machucar, e ninguém tem que morrer hoje. Um dos Ceifadores bufou, um homem alto e musculoso, de cabelos loiros que foram cortados rente a cabeça.


Esqueça. Prefiro morrer a acabar em uma das prisões do

Protetorado. — Ele sorriu, seus olhos azuis brilharam com uma luz sinistra. — Na verdade, nós preferimos matar vocês, em vez disso. Eu fiquei tenso, pensando que ele poderia levantar sua espada e nos atacar, mas, em vez disso, o Ceifador colocou o dedo em seus lábios e soltou um forte assobio. Fiquei tenso novamente, minha cabeça virando para a esquerda e para a direita, meio esperando que uma Roca Negra, um gatuno de Nemean ou alguma outra criatura mitológica feroz viesse correndo de um dos cômodos, pelo corredor, ou quebrando a parede de vidro, e tentasse nos rasgar para seguir as ordens do Ceifador. Mas deve ter sido um sinal entre os três porque os homens se viraram e fugiram. Nós os perseguimos. Os homens correram quase até o final do corredor antes de virar para a esquerda em uma grande sala. — Logan! Espere! — Meu pai gritou atrás de mim. Por esse ponto, eu estava na liderança, e o ignorei, correndo atrás dos Ceifadores. Com bom impulso de velocidade eu poderia pegá-los – eu os pegaria. Eu não estava prestes a deixá-los fugir. E não apenas porque eram Ceifadores. Caso Agrona não estivesse aqui, talvez um dos Ceifadores soubesse onde ela estava escondida. Vivian Holler também. Eu não podia suportar encarar Gwen agora mesmo, mas eu poderia ajudá-la matando-as. Eu faria tudo o que pudesse para mantê-la segura – à distância. Então respirei fundo e aumentei a velocidade, invadindo a sala logo atrás dos três homens. Eu estava no centro da enorme área antes de perceber que era uma sala de jantar – uma que estava lotada de Ceifadores. Uma dúzia de Ceifadores estavam reunidos em torno de uma mesa, comendo um café da manhã tardio de presunto, ovos, panquecas, bacon e suco de laranja. Assim como papai e eu comemos naquela manhã. Não imaginei o cheiro de bacon afinal. — Vocês não ouviram meu grito? Ou o meu assobio? — O líder loiro dos Ceifadores sibilou. — Peguem-os, seus tolos!


Com um pensamento, os Ceifadores afastaram suas cadeiras da mesa, procuraram as bainhas da espada na cintura e vieram na minha direção. Virei a espada na minha mão, familiarizando-me com o peso e comprimento da arma. O punho se acalmou na minha palma e apertei meus dedos em torno do suave punho metálico do jeito que fiz mil vezes antes. Então sorri e ataquei os Ceifadores recém-chegados. Clash-clash-clang! Clash-clash-clang! Clash-clash-clang! Girei de um lado ao outro, me movendo cada vez mais profundamente na briga, minha espada entrando em qualquer Ceifador que eu podia alcançar. Gritos e gemidos rasgaram o ar, e o sangue se espalhou sobre o alimento fumegante sobre a mesa. Continuei sorrindo através de tudo isso. A sensação da espada na minha mão, o flash de prata quando a arma cortava o ar, a satisfação quando a lâmina ia exatamente onde eu queria. Era isso que os Espartanos faziam. Nós brigamos. Nós lutamos. Nós nos irritamos. E eu adorava cada segundo. Eu estava tão fraco, tão inútil, tão malditamente impotente quando Agrona acionou aquele colar com joias de Apate em volta do meu pescoço. Não importava o quanto eu tentasse, não importava o quanto eu lutasse, não conseguia impedir Loki de me controlar. Bem, o deus maligno não estava aqui agora, e eu tiraria o máximo disso. Um Ceifador caiu sob minha espada. Então outro, depois outro. Inari, Sergei e papai entraram na luta, e eu podia ouvi-los gritando de um lado ao outro, correndo para lá e para cá, protegendo as costas um do outro enquanto lutavam para chegar à minha localização no meio da sala de jantar. Sergei, em particular, atacou de um inimigo ao próximo, seus movimentos de absoluta graça, quase como se ele estivesse dançando através da luta, sua magia de Bogatyr trabalhando... Crack!


Um Ceifador veio no meu lado cego e acertou seu punho na lateral do meu rosto, fazendo-me ficar parado contra a mesa. Levantei a minha espada, mas ele bateu sua arma em mim, acertando minha mão e fazendo a arma escorregar pelo chão. Balancei a cabeça, tentando tirar as estrelas brancas piscando na minha visão. Através da névoa, eu podia ver o Ceifador avançando e levantando sua espada para o golpe de morte. Minha mão bateu contra algo na mesa. Instinto assumiu. Agarrei uma tigela cheia de ovos mexidos, levantei-a e esmaguei o rosto dele. O Ceifador gritou de dor e surpresa, mas seguiu com seu golpe. Eu rolei para um lado, e a espada afundou no topo da mesa de madeira em vez de escorrer pelo meu crânio. O Ceifador grunhiu e tentou tirar a sua arma, mas avancei e bati o prato na lateral da sua cabeça. Desta vez, a tigela se quebrou em minhas mãos e agarrei uma peça pontiaguda e curva em forma de torta antes dele cair no chão com o resto da bagunça. O Ceifador virou e atacou com o punho, mas peguei sua mão. Nós balançamos para frente e para trás por um momento antes de eu erguer o pedaço da tigela e esfaqueá-lo na garganta. O Ceifador morreu com um barulho sangrento. Afastei-o, arranquei a espada dele da mesa e virei para encarar o próximo Ceifador, mas não havia mais ninguém para lutar. Inari, Sergei e papai estavam envolvidos com um Ceifador cada, enquanto todos os outros estavam no chão, morrendo ou sangrando pelas feridas que receberam. Pelo canto do meu olho eu vi um último Ceifador – o loiro que assobiou e mandou nos outros – fugindo por uma porta aberta do outro lado da sala. Dirigi-me imediatamente naquela direção. — Não, Logan! — Ouvi meu pai gritar. — Espere! Mas eu não queria esperar, e não estava prestes a deixar o último Ceifador fugir. Então aumentei meu aperto na espada e o persegui. ****


O Ceifador ziguezagueou pela estação de esqui, correndo de um corredor e cômodo para o próximo. Ele deveria ser um romano, considerando o quão rápido ele se movia, e correr era tudo o que eu podia fazer para mantê-lo à vista. Os sons da luta no refeitório rapidamente desapareceram, e eu não tinha ideia de onde estávamos no resort. Mas eu não me importava. Perguntaria ao Ceifador quando o alcançasse – se eu o deixasse viver por muito tempo. Finalmente, o Ceifador chegou ao final do corredor que entramos e entrou num quarto, desaparecendo da minha linha de visão. Tomei outra respiração e me forcei a me mover ainda mais rápido. Porque se houvesse outra saída daquela sala, e ele saísse dela antes de eu ver de que jeito, ele poderia desaparecer em alguma outra parte do resort – ou pior, voltar e atacar papai, Sergei e Inari. Então eu corri para a sala, minha espada levantada e pronta para combater qualquer ataque que o Ceifador pudesse fazer. Mas ele não estava lá. Virei de um lado para o outro, mas não vi o Ceifador em lugar nenhum. Depois de um momento, meu olhar caiu em uma porta aberta na parte de trás da sala. Escutei, mas não ouvi nenhum som de passos. Ele deve ter passado por lá e seguido pelo corredor, o que significava que eu perderia tudo. Soltei uma forte maldição e me virei, pronto para tentar encontrar meu caminho de volta a sala de jantar e avisar aos outros que o Ceifador fugiu. Dei cinco passos para a porta pela qual entrei antes de perceber que eu estava em um grande escritório – um cheio de artefatos. Eles estavam todos alinhados em uma mesa no lado direito do escritório. Uma lança, um escudo, uma vela meio usada, até alguns anéis e pulseiras. Reconheci os itens como os que foram roubados de vários museus na área. Eles eram os mesmos objetos que estavam nas fotos que papai tinha na mesa da cozinha esta manhã. Mas o estranho era que eles estavam todos lá, alguns deles com suas etiquetas de identificação ainda presas, como se alguém os tivesse colocado na mesa e logo se esquecido deles.


Fiz uma careta, me perguntando por que os Ceifadores deixariam os artefatos que encontraram ao redor daquele jeito, mas, pelo menos, os achamos, ainda que o último Ceifador tivesse fugido. Então, mais uma vez, fui em direção à porta para encontrar os outros. Desta vez, um brilho do outro lado do escritório chamou minha atenção. Fui nessa direção e vi uma mesa no canto cheia de livros. Mas o que realmente chamou minha atenção foi a mesa ao lado daquela – e o laboratório de química que foi instalado lá. Tubos de ensaio, béqueres e conta-gotas se aglomeravam sobre a mesa, juntamente com vários queimadores e pequenos sacos cheios de ervas e plantas verdes. Eu franzi a testa novamente, então caminhei até a mesa para que pudesse ver melhor as coisas. Os Ceifadores de repente desenvolveram algum fascínio com pós? Porque era isso que parecia que eles estavam fazendo aqui. Um dos béqueres armazenava um líquido verde escuro que ainda estava borbulhando, como se tivesse acabado de sair de um dos queimadores. O vapor escapou do topo e eu cautelosamente me inclinei sobre ele, cheirando rapidamente. O que quer que esteja dentro do copo, cheirava forte e ligeiramente picante, quase como uma espécie de seiva de pinheiro que foi fervida. Estranho. Mesmo para os Ceifadores. Eu começara a alcançar um dos livros abertos para ver se eu poderia descobrir o que era toda essa experiência de química quando ouvi um som fraco atrás de mim e senti um redemoinho de ar contra a minha nuca. Saltei para um lado, e a espada do Ceifador perdeu minha cabeça por um centímetro. Eu estava de pé na frente do composto químico, e a arma dele caiu no meio de todos os vidros, sacos e queimadores. Os vidros se quebraram, enviando líquido pelo ar, enquanto uma explosão ocorria de um queimador aceso. O Ceifador gritou. No começo, pensei que era de frustração, por não conseguir me matar. Mas então ele se virou, e percebi que algum tipo de líquido dos béqueres se espalhara pelo rosto dele. Não sabia o que era,


mas já havia provocado riscos e bolhas vermelhas na pele, inclusive em torno de seu nariz e boca. Perguntei se ele acidentalmente havia engolido algum líquido. Pior ainda, se penetrou em seus olhos, inchando-os e tornando-os quase tão vermelhos quanto os olhos queimados de Loki. O Ceifador gritou de novo. — Queima! Queima! Isso queima! Ele andou cegamente, sua espada chicotando de um lado para o outro enquanto tentava tirar o que estava queimando sua pele e olhos para que pudesse me atacar. Eu me afastei dele, não querendo pegar o que estava sobre ele também. Ele ergueu a espada, e eu me afastei mais uma vez. Mas em vez de tentar me matar, o Ceifador soltou um gemido engasgado e caiu no chão. Ele convulsionou por vários segundos antes de seu corpo ficar mole, e ainda, um pouco de espuma branca escorreu pelo canto de sua boca. Morto – o Ceifador estava morto. Eu me aproximei dele, minha espada pronta caso isso fosse algum tipo de truque, mas os olhos de Ceifador estavam sem vida. Inclinei-me sobre ele e cautelosamente tomei outra respiração. Aquele perfume afiado e picante parecia muito mais forte do que antes. Olhei para a mesa, mas a taça com o líquido verde borbulhante foi destruída, juntamente com todo o resto. Imaginei se era isso que se espalhou por todo o Ceifador, mas eu não tinha como saber. — Logan! — Ouvi meu pai chamar. — Onde você está? — Aqui! — Eu gritei. — Por aqui! Alguns segundos depois, papai encontrou a sala, seguido por Inari e Sergei. Eles pararam quando viram que eu estava de pé sobre o Ceifador morto. Eles olharam ao redor da sala, procurando por mais inimigos. Quando perceberam que eu estava sozinho, seus olhares tornaram-se mais especulativos, absorvendo os artefatos, os livros, os béqueres esmagados e todos os sacos de ervas e plantas verdes espalhadas no chão. Após um momento, papai se aproximou de mim e colocou a mão no meu ombro. — Você está bem?


Eu assenti. — Sim, estou bem. Um olhar severo brilhou em seus olhos, e papai abriu a boca como se fosse me dar um sermão, provavelmente sobre ser imprudente, correr e perseguir o último Ceifador do jeito que eu fiz. Eu suspirei e me preparei para que meus ouvidos fossem atingidos pelo seu habitual tom ácido. Gwen pensava que Nickamedes poderia dar um bom sermão, mas ele não era nada perto do meu pai. Mas no último segundo, papai apertou os lábios. — Bem, fico feliz que você esteja bem, — ele finalmente disse com uma voz clara. Olhei para ele com surpresa. Antes de tudo o que aconteceu no auditório, provavelmente teria feito algum comentário sarcástico sobre não dar um sermão. Mas eu poderia dizer que ele estava tentando, então, eu estava decidido a fazer o mesmo. Enquanto isso, Sergei dirigiu-se até a escrivaninha, seu olhar se movendo das armas para as joias e voltando novamente. Ele soltou um assobio baixo. — Bem, parece que esta era definitivamente a equipe dos Ceifadores que roubavam os artefatos. — Estou mais preocupado com tudo isso, — Inari disse, apontando para os restos do composto químico. — O que você acha que eles estavam fazendo aqui? Encolhi os ombros. — Não sei. Não tive tempo de dar uma boa olhada nisso antes do Ceifador me atacar. Pensei que ele tinha ido embora, mas ele deveria ter recuado e esperou eu baixar minha guarda. Balancei a cabeça para o homem morto. — O que quer que fosse, no entanto, ele não gostou de ser atingido por isso no rosto. Acho que ele pode ter engolido um pouco também. Foi isso que o matou. Não eu. — O que você acha, Linus? — Inari perguntou, olhando para o Ceifador morto. — Algum tipo de ácido, talvez? A boca de papai apertou. — Não tenho certeza, mas vou chamar alguns técnicos aqui para ver se eles conseguem descobrir. Enquanto isso, vamos nos afastar desse lado da sala. Só porque os Ceifadores estão mortos, não significa que eles não deixaram nenhuma surpresa desagradável para trás.


5 Investigamos o escritório, examinando cuidadosamente tudo, mas não encontramos armadilhas ou sinais de que os Ceifadores nos esperavam. Caso contrário, eles teriam tomado mais precauções para ocultar os artefatos. O vapor começou a sair dos béqueres quebrados e de vários líquidos que derramaram no chão, então Inari abriu uma das janelas de escritório, deixando um pouco de ar frio entrar para limpar a área e eliminar os vapores potencialmente perigosos. Depois disso, era apenas uma questão de esperar até que mais membros do Protetorado aparecessem para revistar o resto da casa e tentar identificar os Ceifadores mortos. Enquanto os outros continuavam examinando as ervas e outros detritos no chão, me mudei para os artefatos, olhando para todos os itens. Alguns dos quais eu já ouvi falar, como o escudo de Ares, o Deus grego da guerra, ou uma lança que pertencia a Sekhmet, uma deusa da guerra egípcia. Mas alguns dos itens eram bastante misteriosos, como um conjunto de pequenos anéis de diamantes que supostamente pertenciam a Aphrodite, a deusa grega do amor, ou uma vela meio usada que foi de Sol, a deusa nórdica do sol.


Fiz uma careta. Eu poderia entender roubar as armas, mas o que os Ceifadores queriam com anéis e uma vela? Balancei a cabeça. Seja o que for, não poderia ser nada bom. Na época, eu não pensara muito sobre os Ceifadores roubando as joias de Apate da Biblioteca das Antiguidades, e Agrona acabou por usar os rubis e outras gemas para tentar me transformar em uma casca para Loki. Ainda assim, apesar do meu desconforto de que os Ceifadores pudessem colocar as mãos em tantos artefatos, e minha preocupação com o que eles planejavam usá-los, não pude deixar de pensar em Gwen e como ela teria adorado isso. Ela pode resmungar sobre trabalhar para Nickamedes na biblioteca, mas eu sabia que ela secretamente gostava de estar cercada pelos livros e todos os estranhos e curiosos objetos, artefatos e, outras coisas que Nickamedes e os outros bibliotecários antes dele coletaram ao longo dos anos. Se estivesse aqui, Gwen passaria de um objeto ao outro, passando os dedos em cada um, seus olhos violetas brilhando de excitação enquanto usava sua psicometria para descobrir todos os segredos dos artefatos. Às vezes, ouvindo a conversa sobre livros, espadas e arcos, você pensaria que os objetos estavam realmente vivos, da maneira que ela retratava a história de todas as maneiras que eles foram usados ao longo dos anos. Claro, eu a teria provocado por estar tão entusiasmada com um monte de livros, armas e joias. Ela teria empinado o nariz daquela forma linda que ela fazia, revirado os olhos e batido no meu ombro, e me diria que eu estava sendo um grande idiota por arruinar sua diversão... — No que você está pensando? — Papai perguntou, vindo para ficar ao meu lado. — Nada. Somente... nada. Por que você pergunta? Ele hesitou. — Porque você estava sorrindo. Essa é a primeira vez que vejo você sorrir, bem, em um longo tempo agora. — Ah. Não fiquei surpreso. Pensar em Gwen sempre me fez sorrir... Até eu me lembrar do que eu fiz para ela.


Não disse mais nada. Eu esperava que papai se afastasse depois de alguns segundos, mas ele ficou ao meu lado. Ficamos diante da mesa, olhando as armas e outros objetos, um ao lado do outro. Finalmente papai limpou a garganta para quebrar o silêncio incômodo. — Você lutou bem hoje, — ele disse. — Embora não devesse ter fugido como fez. Você não sabia quantos Ceifadores poderiam estar no resort. Se houvesse mais deles, eles poderiam afastá-lo do resto de nós e te matar. Revirei os olhos. — Eu não sou criança, pai. Não sou há muito tempo. O que eu sou é um espartano, e os espartanos gostam de lutar. Você sabe disso porque você também é espartano. Vi o Ceifador, e eu sabia que não podia deixá-lo fugir. Não fui atrás dele para irritá-lo. Fiz isso porque você e os outros tinham o resto sob controle. Era a coisa certa a fazer, ir atrás do Ceifador, especialmente desde que ele me trouxe até os artefatos. Quem sabe quantas horas teria nos levado para encontrálos de outra forma? Além disso, você não daria a Sergei ou Inari este sermão caso eles tivessem feito o que eu fiz. Por um momento, raiva cintilou em seus olhos e sua mandíbula apertou. Eu estava tenso, pensando que íamos para mais uma luta, o que era tudo que sempre fazíamos. Que era tudo o que fizemos desde que minha mãe e minha irmã foram mortas. — Eu sei, — ele disse. — E você está certo. Eu não estaria questionando o julgamento de Sergei ou Inari caso eles tivessem feito o que você fez. Mas é porque eles são membros do Protetorado. Eles são treinados para situações assim, e conhecem os riscos. Não só isso, mas eles voluntariamente aceitaram esses riscos ao se juntarem ao Protetorado em primeiro lugar. Abri a boca para dizer que eu conhecia os riscos também, mas ele levantou a mão e engoli minhas palavras... por enquanto. — É apenas... já perdi sua mãe e sua irmã para os Ceifadores. Por causa de Agrona e... tudo o que ela fez. A voz de papai era áspera e rouca, como se fosse difícil dizer as palavras, para finalmente dar voz à cruel e má traição de Agrona. Apesar


de tudo o que aconteceu no auditório, ele não mencionou o nome dela desde então. Pelo menos, não para mim, embora eu tivesse certeza de que ele falou com Sergei e Inari sobre ela, sobre a melhor maneira de encontrar Agrona e detê-la para sempre. Papai limpou a garganta novamente. — Também não quero perder você, Logan. Já perdi muito para os Ceifadores. Todos nós perdemos. Especialmente você. — Papai olhou para mim, dor e cansaço provocando fracas linhas em sua boca. Pela primeira vez eu notei os fios de cinza em torno de suas têmporas, o leve cair de seus ombros, e a maneira como ele segurava a espada sangrenta ao seu lado, como se o peso da arma fosse de repente demais para suportar. Por toda a minha vida, meu pai foi essa figura de autoridade maior do que a vida, que nada parecia tocar, nem mesmo os assassinatos de sua esposa e filha. Mas agora eu percebi que ele era mortal, simplesmente como o resto de nós – e que ele estava sofrendo, como eu. — Eu sei, e desculpe, — eu disse. — E também não quero perder você. Mas você é o chefe do Protetorado, e eu sou seu filho. Nós dois somos alvos para os Ceifadores. Mas, mais do que isso, nós somos dois guerreiros. Sempre estaremos no meio da luta. É apenas quem somos, e não há nada que possamos fazer para mudar isso. Mas que tal fazermos um acordo para ambos sermos um pouco mais cuidadosos no futuro. Ok? Ele me deu um forte aceno de cabeça e piscou algumas vezes, como se tivesse algo em seus olhos. Sim. Eu também. Coloquei minha própria espada sangrenta na mesa, dei um passo à frente e o abracei. Papai se endureceu e minha respiração parou na garganta, me perguntando se eu havia feito a coisa errada, pensando que ele não poderia retornar o gesto, que ele realmente poderia ter medo de mim, como todos os outros tinham no auditório, apesar de todas as suas palavras em contrário. Mas depois de um momento, ele estendeu a mão e me abraçou bem apertado.


Um abraço tão emotivo quanto meu pai e eu já permitimos um com o outro, e rapidamente afastamos os braços e recuamos. Papai acenou com a cabeça para mim, então foi falar com Sergei e Inari no outro lado do escritório. Eu acenei com a cabeça e o observei. Após um momento, eu percebi que sorria novamente – e me sentia melhor agora. **** Trinta minutos depois, vários membros do Protetorado chegaram, homens e mulheres vestindo os mesmos tipos de túnicas cinzentas que papai, Inari e Sergei. Havia também um casal que usava roupas esquisitas, já que meu pai lhes havia contado sobre os produtos químicos derramados e todos os sacos e plantas esquisitos do escritório. Fiquei de lado, fora do caminho, e assisti todos trabalharem. Papai ficou no meio de tudo, dirigindo os outros guerreiros, ouvindo o que lhe diziam e digitando notas e mais em seu smartphone. O orgulho me encheu enquanto eu o via trabalhar. Ele realmente era um bom cara e fazia o melhor para manter todos seguros dos Ceifadores. Eventualmente, os artefatos foram examinados, amostras foram retiradas dos béqueres quebrados, os corpos dos Ceifadores foram empacotados, e foi feito tudo o que poderia ser feito. Papai, Sergei, Inari e eu saímos do resort de esqui naquela noite e voltamos para a mansão. Por este ponto, o sol havia se posto, e a neve caía novamente, até parecer que vivíamos dentro de um gigantesco globo de neve. Paramos ao longo do caminho e pegamos várias pizzas, já que Sergei e Inari ficaram para o jantar. Então, todos nos lavamos e nos reunimos na cozinha. Papai e os outros falaram sobre alguns detalhes que eles planejavam terminar amanhã, mas eu estava morrendo de fome, então abri uma das caixas de pizza. Lutar sempre me deixou com fome. O vapor deixou a caixa, trazendo água na minha boca com o cheiro de mussarela derretida, pepperoni, presunto, salsicha e cebolas. Meu


estômago resmungou e rapidamente devorei um pedaço de pizza no balcão e alcancei outro, nem sequer me incomodando com o prato. Acabava de terminar meu segundo pedaço quando meu telefone tocou. Agarrei um guardanapo e enxuguei a mão antes de puxar o celular do meu bolso jeans. O que estava fazendo? A mensagem era de Oliver. Comendo pizza com o meu pai, S e I. Você? Enviei. Entrando na biblioteca com G. Olhei para o relógio na parede. Era depois das seis, o que significava que era hora de Gwen trabalhar na Biblioteca das Antiguidades. Eu hesitei, depois escrevi. Como ela está? Bem. Triste porque você não está aqui. Eu sei. Diga a ela que me desculpe. Mais uma vez. O telefone tocou alguns segundos depois. Venha dizer a ela você mesmo, Espartano. Suspirei. Não conseguia fazer isso, e Oliver sabia disso. Ainda assim, ele me perguntava quando eu voltaria para a academia toda vez que trocávamos mensagens de texto. Enviei uma resposta dizendo que eu precisava ir, depois coloquei meu telefone no bolso do jeans. Embora tivesse perdido muito do meu apetite, obriguei-me a comer outro pedaço de pizza, só assim papai e os outros não perceberiam que algo estava errado. Papai, Sergei e Inari pegaram alguns pratos, guardanapos e garfos, juntamente com as próprias fatias de pizza e alguns refrigerantes da geladeira. Sergei e Inari tomaram assentos no meio da longa mesa, e peguei uma quarta fatia, me sentando em frente a eles. Papai foi o último a vir, e ele hesitou, seus olhos novamente voltando para o seu assento habitual. Mas depois de um segundo, ele se virou e pegou a cadeira ao lado da minha. Ele me deu um sorriso fraco. Eu sorri para ele. O humor estava muito mais leve do que quando nós estivemos na cozinha esta manhã, e logo me encontrei relaxando, conversando e brincando com os outros. Todos sabíamos que nós vencemos os Ceifadores – por hoje, pelo menos.


Por uma vez, tudo parecia finalmente voltar ao normal – até que o telefone celular do meu pai tocou no meio do jantar. Então, novamente, isso também era muito normal. Ele se inclinou, pegou, olhou o número e franziu a testa. Ele olhou para mim e começou a apontar como se não fosse atender. — Está tudo bem, pai, — eu disse com voz tranquila. — Você provavelmente deveria atender isso. — Tem certeza? Pode esperar até depois do jantar. Nós estávamos nos.... Divertindo, e não quero interromper isso, — ele disse. — Não mais. Sergei e Inari continuaram comendo, embora olhassem entre nós dois. Assenti. — Sim, tenho certeza. E também estou bem com isso. O telefone continuou tocando, mas ele ainda não atendeu. — Atenda, pai, — eu disse. — Talvez os técnicos tenham alguma informação sobre o que os Ceifadores estavam fazendo no escritório. Ele me encarou um pouco mais antes de finalmente assentir e levantar o telefone para a orelha. — Sim? A pessoa do outro lado da linha começou a falar, as palavras afiadas, cortadas e apressadas. Tudo o que foi dito não poderia ter sido bom porque a boca do meu pai imediatamente se esticou na linha fina, e ele começou a bater seu dedo indicador na mesa, um sinal de que estava perturbado. Inari e Sergei lhe lançaram um olhar. Eles conheciam o olhar pertubado e preocupado em seu rosto tão bem quanto eu. — Quando? — Ele finalmente lamentou. — E como exatamente? Outra enxurrada de palavras. — Você pode impedir? — Ele perguntou. — Ou, pelo menos, atrasar? Qual é o seu plano de ataque? Silêncio. Então, mais palavras, mais lentas e baixas desta vez. — Tudo bem, — ele finalmente disse. — Ligue para alguns membros do Protetorado e verifique se há alguma pesquisa sobre isso. Se acharmos alguma coisa, informarei imediatamente. Mantenha-me informado. Ele finalmente desligou. Papai olhou para o telefone por alguns segundos antes de colocá-lo em um lado da mesa. Ele mal tirou os dedos


dele antes que meu próprio telefone começasse a zumbir. Eu o puxei do meu jeans e olhei para a tela. Oliver estava me ligando sobre algo, na verdade, ligando para falar comigo. Ele geralmente preferia enviar uma mensagem. — Quem é? — Meu pai perguntou; sua voz ainda era grave. — Oliver. Comecei a atender ao telefone, mas papai balançou a cabeça. — Eu sei sobre o que ele quer falar, — ele finalmente disse. — Algo aconteceu. Na Carolina do Norte. Na academia. Na biblioteca, na verdade. Oliver estava na biblioteca mais cedo – e Gwen também. — Com Gwen? — Um punho gelado apertou meu coração. — O quê? O que aconteceu? Ela está bem? — Não exatamente. Papai me disse o que aconteceu, com quem ele estava falando, e o que eles contaram sobre o incidente na academia. Cada palavra que ele disse apenas aumentou minha raiva sobre os Ceifadores, especialmente Agrona, que sem dúvida planejara tudo isso alegremente. Naquele momento, fiz uma promessa silenciosa para mim mesmo, de que eu encontraria a minha madrasta e a faria pagar por tudo que ela fez. Onde quer que ela esteja se escondendo, qualquer buraco profundo e escuro que ela estivesse, sem importar com quantos Ceifadores ela estivesse encondida, eu a rastrearia e mostraria como era um espartano real. Agrona não machucaria mais ninguém com quem eu me importava. Nunca mais, eu prometi, minhas mãos se curvando em punhos apertados. Ainda assim, a fúria que ardia em meu coração não era nada comparada a preocupação repentina, horrível e dolorosa que senti por Gwen e pelo resto dos meus amigos na Academia Mythos. Porque agora eles estavam em maior perigo do que nunca – e eu não sabia o que poderia fazer para salvá-los.


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