REVISTA 22 13 - ESQUINA DO RICARDO

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EsqUina do ricardo

uma pracinha para calllado no rio Mortos ilustres são, em geral, homenageados com o espalhafato de barrocas citações ou de atos grandiloqüentes, sempre pouco convincentes, até soturnos. Isso quando seus honrados nomes não são pespegados, a torto e a direito, em placas de ruas e avenidas. Que, por sinal, muitas vezes apeiam do pedestal outros nomes que terão sido também ilustres em seu tempo. Mudar nomes de ruas é, quase sempre, perigosa aventura urbana. O escritor Antônio Callado nos deixou em 1997, há exatos dez anos, e até hoje todos nós, seus muitos amigos e admiradores, esperamos a homenagem, digna do Rio (é bom que se diga), ao cidadão tão destacado, ao ideólogo das causas mais generosas, ao cavalheiro mais exato, tanto no trato das letras quanto nos entrechoques da convivência social, hoje em dia cada vez mais áspera. Callado tinha o hábito de passear a pé pelo final do Leblon, bairro onde morava, para melhor sentir-lhe a atmosfera e vivenciar seus problemas. O fato é que, quando descia a caminho do mar, na esquina da Rua Gabriel Muffarej com a Visconde de Albuquerque, o escritor passava todos os dias por uma pequena área, ainda vazia, a única naquele cipoal de edifícios. Callado comentou com Ana Arruda, sua mulher, que aquele espaço deveria ser transformado em área comum, uma pracinha, talvez, que poderia representar um certo alívio, uma possível flor, no emparedamento de tantos prédios altos amontoados nos dois lados da rua. Contudo, a homenagem da cidade só se fará completa quando se instalar ali um mural, um extraordinário trabalho criado pelo pintor Glauco Rodrigues no mesmo ano em que Callado morreu. Em primeiro plano, está a doce figura do homenageado, na qual se realçam o olhar generoso e firme, o bigode aparado que lhe dava tanto caráter e a boca quase entreaberta em sorriso enigmático, que poderia ser de indignação ou de pura cordialidade. Aliás, o preito a Antônio Callado faz desfiar uma reflexão final. É a sobriedade, a discrição, a simplicidade da homenagem. Preito a um cidadão que sempre foi elegante na literatura, nas idéias e no convívio. Ou seja, uma praça discreta, distante dos alardes e da algaravia das chamadas “grandes obras”.


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