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3) objeto da chancela da paisagem cultural brasileira
from A Chancela da Paisagem Cultural Brasileira. Subsidios para a integração da Paisagem no Território
3) objeto da chancela da paisagem cultural brasileira
O apartado V do art. 216 não deixa claro se esses valores podem acontecer de forma separada ou necessariamente conjunta:
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“V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” Por isso deveríamos falar de dominância. Os valores convivem, e as vezes demoram para serem reconhecidos, mas acabam sendo identificados. Só o conceito de “ecologia” introduz uma complexidade enorme dentro dos bens introduzindo dimensões não só ambiental, mas também econômica e social, no reconhecimento dos valores dos bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro, e, sobretudo, a incorporação dos elementos e processos caraterísticos do meio ambiente.
A paisagem (tiramos o conceito de cultural) é, portanto, constituída dos elementos que expressam esses valores, sejam eles materiais, com as configurações físicas do meio ambiente ou elementos construídos pelo homem; ou imateriais, como as práticas sociais que acontecem no espaço, e os significados culturais e percepções que o constituem como um território conformador de identidades (IPHAN, Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional, 2019).
Dessa forma, a definição proposta (sem o atributo de cultural) deveria ser aplicado a todo patrimônio cultural, e em todo caso ou contexto. O Patrimônio Material deveria reconhecer os elementos materiais, e imateriais (e suas conexões e processos de interação), assim como o vazio, o patrimônio natural, com reconhecimento cultural (patrimoniais), ou não (valores complementares de ambiência, contexto ou entorno)
“As práticas cotidianas” constroem todas as paisagens culturais, em minoria ou maioria, da elite ou dos povos minoritários, ou dos grupos sociais maioritários, no geral. Igualmente, existe sempre uma relação indissociável entre território e práticas culturais. Mesmo assim, essa pode ser a única diferencia clara das paisagens culturais, e seu verdadeiro sentido, em relação a qualquer outro tipo de patrimônio cultural, a “permanência” das práticas culturais, em certa maneira, poderíamos falar de autenticidade e integridade, mas também, sobretudo, de permanência.
A apropriação do patrimônio cultural deve estar unida a vontade manifesta dos grupos motivadores/produtores na perpetuação dos bens, a partir da verificação do empenho na transmissão geracional e em sua salvaguarda. Em Cabedelo, João Pessoa, um grupo de vizinhos está preservando o bem. As práticas, atividades e usos (turismo, cultura, comercio...) não são os mesmos dos que o formaram (defesa), mas os valores podem ser preservados com seu apoio. Nesse caso poderia ser paisagem cultural, de acordo com a Chancela, mas sempre patrimônio cultural. Não devemos reduzir o conceito nem as bases sobre as quais é aplicado excluindo os outros bens.
Quando a proposta da Chancela fala dos
“Territórios cujos valores tenham suporte em aspectos físicos e práticas culturais vigentes reconhecidas pelos atores sociais que vivenciam o espaço, ainda que os valores sejam contraditórios e ensejem conflitos”
Podemos afirmar que essa é a escala, o território. Na verdade, a principal diferencia está na escala, no tamanho, e na ligação da “sociedade”, não dos “indivíduos” como grupo, mas sim como sociedade, com uma forte identidade associada ao bem. Mas uma vez, sugerimos criar o nome de “territórios culturais” associados a um sistema territorial patrimonial que expressa uma ou várias práticas culturais concretas (sucedidas separadamente, ou complementares). Esses territórios culturais poderiam considerarse:
“unidades de paisagem que fazem parte de porções territoriais muito abrangentes ou complexas” Essa caraterística entra dentro da definição de sistema territorial, no sentido que por cima e por baixo podem existir subunidades, p.e. os engenhos de Jacarepaguá, ou cariocas, ou da baixada fluminense (baia de Guanabara e entorno) ou do Brasil conformariam entre todos eles um Sistema Territorial de interesse federal, com diferentes manifestações, ou agrupações, subsistemas, mas, ao mesmo tempo, subsistemas e subunidades independentes.
-Paisagens associativas, quando fazem parte de um sistema de valores mais abrangente, considerando significações culturais, históricas e cosmológicas que fundam as identidades dos grupos.
No caso de UNESCO existem unas categorias com características similares. Mais uma vez o conceito de território, que implica a apropriação, identidade e significação social, seria o conceito, a nosso modo de ver, mais conveniente.
Contextos em que a configuração paisagística abrigue comunidades tradicionais ou grupos em situação de vulnerabilidade, entendendo que o instrumento pode potencializar a garantia de direitos e a efetividade de políticas públicas
Sendo essa indicação uma necessidade explicita, não deve ser separada de outras situações ou configurações dos bens de interesse cultural de outras naturezas, e ou contextos.
Os planos de gestão, ou cartas, ou contratos de custódia compartilhada, deveriam poder ser aplicados em muitas outras situações, e não deveriam definir a diferencia entre a Chancela e o Tombamento. Diversos níveis de aplicação desses instrumentos poderiam permitir a adaptação a esses diferentes contextos.
Um ponto que não encontrou consenso no debate do grupo foi o uso do instrumento da chancela para ressignificar as narrativas constituídas pelo tombamento ou registro. Por um lado, considerou-se que a chancela envolve a formulação de objetos diferentes do que os outros instrumentos colocam; e por outro, considerou-se oportuna a formulação de atualização das narrativas e criação de outros olhares sobre os bens já protegidos.
Acho que não deveriam ser diferentes as narrativas da Chancela, das narrativas do Tombamento, aliás, são a mesma coisa. Seja patrimônio cultural, ou natural, ou imaterial, a chancela reconhece os seus valores culturais. As narrativas podem estar em
permanente revisão, sim, mas isso não anula a importância, todo pelo contrário, da narrativa na construção do processo de preservação, mesmo que modificada no futuro.
Uma abordagem que envolve o conjunto de elementos e práticas culturais necessariamente atrelados ao território, materiais ou imateriais, é exatamente o posicionamento sugerido pela portaria 375. Por tanto deveria ser aplicado a todo o patrimônio cultural, independentemente de sua formação e/ou tipologia.
Os tombamentos, ou reconhecimentos do valor do patrimônio cultural acontecem até em quatro esferas: federal, estadual, municipal e planos especiais (tipo as APAC) como bens preservados. Esses quatro níveis deveriam permitir diferentes aproximações dependendo do impacto dos valores dos bens e da escala de sua representatividade, incluído assim a todas as paisagens de interesse. O objetivo final de todo tombamento deveria ser a ancoragem social, porque, como reconhece o texto constitucional, o patrimônio cultural é uma apropriação social, não uma imposição administrativa.
Territórios cujos valores se pautem em práticas culturais não vigentes, ou em elementos físicos desaparecidos, tais como Guararapes, que obedeceu a práticas e eventos históricos já esquecidos, também deveria poder fazer parte. Um posicionamento excludente impediria que lugares da memória foram reconhecidos. Eles poderiam e deveriam estar nesta categoria de proteção (paisagem ou território cultural).
Igualmente pensamos respeito as paisagens configuradas por ações danosas ou predatórias ao meio ambiente ou conflituosas com os direitos humanos. O foco do instrumento é a sustentabilidade das práticas e dos valores culturais. O sentido do reconhecimento de paisagens onde a ação do homem desqualifica o meio ambiente ou ameaça a dignidade humana poderia ser um mecanismo educativo e formativo orientado a atuar em sentido contrário. Auschwitz Birkenau, German Nazi Concentration and Extermination Camp (1940-1945), é patrimônio da humanidade desde 1979, por tanto, deveríamos considerar seus valores culturais, para a educação e para a difusão de fatos históricos, mesmo que contrários aos princípios fundamentais e aos nossos direitos, até para conseguir que situações similares não se repitam, e sejam conhecidos na sua inteira dimensão patrimonial, como expressão material de uma cultura específica que danou de forma irreparável a humanidade.
Certamente, a escolha do perfil dos “territórios culturais”, e seus sistemas componentes, deve ser uma opção que nasce da escolha social e de decisões participativas e compartilhadas. Guararapes tem várias narrativas (atributos), e várias perspectivas dessa narrativa (caraterísticas). A escolha deve se formalizar no momento da inscrição.
O esforço empreendido por uma rede de atores visando à incorporação efetiva dos valores culturais de uma paisagem, ou bem de interesse cultural, nas ações e atividades por eles desenvolvidas naquele território, com vista a sua preservação e gestão, deveria se aplicar para qualquer iniciativa que vise proteger, defender, difundir ou simplesmente reconhecer o patrimônio cultural brasileiro.
Para isso deveremos caracterizar o território e suas diferentes paisagens componentes, desde a perspectiva natural e cultural, e relacionar de forma explicita os valores,
atributos e caraterísticas nele contidos. Em segundo lugar deveríamos propor a conformação de pactos em prol da preservação assim como o comprometimento efetivo dos atores envolvidos com a execução de um plano de gestão coletivamente formulado. Esse posicionamento deveria ser aplicado em qualquer tipo de patrimônio cultural, de forma isolada, ou a través de sistemas territoriais ou de territórios culturais (paisagens em termos da Chancela).