colaboradores
Alex SilvA + Aline FAnju + Andr MArtinelli + Ari FliAkoS + ArM Ary FrAnçA + Bráulio MAnt MArçAl + CACo CioCler + CAetA QiAnG + CAMilA BiondAn + C CArloS roChA + CArolinA M kiSte + dr. MorriS + eliSABeth MontAnheiro + ÉrikA puGA + F. CAStro + FAuSto roiM + GAl opp GiovAni FerreirA + GuilherMe FiorAtti + GuStAvo hAddAd + G AnGelkorte + jArAM lee + joã CAldAS + kAte vAlk + kiko Ber pAnnunzio + leAndro nuneS + FernAndo rAMoS + luiz Guilh pAivA + luizA leMMertz + luiz pAnnunzio + MAriA lúCiA pupo MAriA tereSA Cruz + MikA linS olintho MAlAQuiAS + ori GerS pAulo verlinGS + rAChel ripAn renAtA ForAto + renAtto So rAMory + roGÉrio toSCAno + SCott Shepherd + SÉrGio luíS MArtinS + SilviA FernAndeS + thiAGo AMArAl + yArA
reA SilvA + Antônio MAndo FernAndeS tovAni + Bruno Ano vilelA + CAi GuoCArlA CAndiotto MâniCA + ClAriSSA h leCoMpte + ÉriCA A. uChôA + FABríCio pido + Gero CAMilo GorSki + GuStAvo Guto Muniz + iGor ão BrAnCo + joão rtholini + lAvíniA + líGiA jArdiM + luiz herMe MendeS de zA novAeS + luizA o + MAriA MAnoelA S + odArA CArvAlho Sht + pAulA Cohen ni + renAtA AdMirAl ouzzA + riCArdo + SABrinA Greve S oliveirA + Sidnei + teCA MAGAlhãeS A de novAeS
agradecimentos José Sampaio Adriana Londoño Juliana Galdino Adriane Perin Juliana Mesquita Alex Gruli Lárcio Benedetti Ana Carolina Leandro Knopfholz Marinho Lenise Pinheiro Ana Paula (Fest. Lucas Arantes Curitiba) Lucia Camargo André Vaillant Lúcio Agberto Angélica (Sesc Luísa Valente Santana) Márcia Abujamra Arieta Correa Marco Antonio Astrid Fontenelle Pamio Bárbara Paz Margarida Maria Bel Kowarick Krohling Kunsch Bete Coelho Mariana Lima Bob Souza Marina Pereira Bruno Autran Michele Matalon Bruno Stierli Monique Camila Gama Gardenberg Cássio Brasil Nagy Enikő Cássio Scapin Otávio Martins Celso Curi Pant Bó Daniel Ortega Pascoal da Daniel Tavares Conceição Danielle Cabral Patolino Drica Moraes Paula Posani Edison Melo Pedro Henrique Elisabete Moutinho Machado Rafael Primot Erom Cordeiro Régis Dudena Esmir Filho Renata Calmon Evil Rebouças Renato Livera Fábio Assunção Ricardo Fraya Fernanda Edson Secco Valencio Roberta Koyama Frame Boy Roberto Alvim Franz Kepler Roberto Audio Galeria Leme Roberto Setton Galeria Zipper Rodrigo Bolzan Geondes Antônio Rodrigo Eloi Georgette Fadel Ruy Cortez Germano Melo Sandra Pestana Gustavo Sandro Borelli Machado Sarah Oliveira Helena Byington SESC SP Helena Cerello Taísa Rodrigues Henrique Mariano Tuca Andrada Intérprete JaRam Tuca Notarnicola Lee Valmir Martins Irineu Franco Veronika Perpétuo Szandtner Ismael Caneppele Wesley Kawaai Jessica (Fest. Willian (Fest. Curitiba) Curitiba) John Neschling Zed Nesti Jorge Veloso
editorial
E
xperimentar-se ao risco. Preferimos assim. Sem desvios. Sem simplificações. Invertendo a lógica, as 200 páginas tor-
nam esta a maior de todas as sete publicações. Muito? Possivelmente. Mas, some a elas as 120
ruy filho
outras do caderno sobre o Festival de Curitiba. Nosso primeiro especial. 320 páginas devem, então, ser suficientes. Provavelmente. Contudo, deixemos isso ao futuro. Você não deve reconhecer a capa. Então, conheça-a por aqui.
patrícia cividanes
Garanto-lhe a surpresa. Não bastasse o risco dessa escolha, é também nossa primeira capa internacional. E absolutamente exclusiva. Porque somente a Antro+ a entrevistou. Porque nos apaixonamos por essa artista singular. E, como é impossível não correr riscos quando se está apaixonado, fizemos diferente de todo mundo. Fazer. O risco pode se dar também no não fazer. A cada edição lançamos uma nova campanha. Nesta não. Optamos por pertencer a um dos movimentos mais importantes da nossa história recente. Nós e muitos outros e outras. Só beijar, porém, seria pouco. E convidamos Alex Silva para elevar os beijos ao sabor de verdadeiros ensaios fotográficos. Beijamo-nos. Beijaram-se. Confundiram-se. Arriscaram-se. Como deve ser, quando se fala em arte. Por isso, não poderia ser outro o nosso homenageado. O Club Noir se coloca hoje como o mais fundamental risco da cena brasileira. E como discutir apenas o nosso risco aqui seria pouco, a revista realizou uma conversa exclusiva com The Wooster Group, um dos mais importantes grupos de teatro experimental da história. Experimentar o risco. Arriscar-se ao experimento. Nada é mais importante em tempos confusos. Beije. Ame. Seja. Tenha. Crie. Faça. Exija. Nesta edição, trouxemos nossa parte de um pouco de tudo isso.
Abril de 2013
SP / BR
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liBerdAde POr caco ciocler + gero camilo
nA vidA nA Arte
eStA É uMA CAMpAnhA
foto Alex SilvA . assistente Bruno MArçAl . Beauty renAtto SouzzA Coordenação de estúdio AndreA SilvA . tratamento de img GiovAni FerreirA
POSITIVO
VISITANDO The Wooster Group CONTAçãO por Bráulio Mantovani DIáLOGO x2 Fã Clube FOTO PALCO Guto Muniz POLíTICA DA CuLTuRA por Luiz Guilherme Mendes VISITANDO Maria Lúcia Pupo POR Aí Trafó Budapeste POR AquI Cit Ecum DIáLOGO x2 Marca da água CAPA JaRam Lee IDA/VOLTA Paulo Verlings OBS por Ruy Filho HOMENAGEM Club Noir CONVOCATóRIA F. A. uchôa CARTA ABERTA para Roberto Carlos VISITANDO Carla Candiotto VERTICAL por Ruy Filho TODO OuVIDO Dr Morris PONTE AéREA Cabo Verde DIáLOGO x2 Dueto para um CIRCuNFERêNCIAS VISITANDO Sesc SP OuTROS TEMPOS por Ruy Filho CALENDáRIO SELF-PORTRAIT INFINITO Cleyde Yáconis :(
nos encontre também no face+twitter
08 20 26 32 62 66 74 78 82 90 102 106 110 142 144 148 156 162 164 168 174 176 184 190 196 198
www.antropositivo.blogspot.co
sumário
expediente editores
Ruy Filho Patrícia Cividanes realização
antroexposto.blogspot.com
Antro poSitivo é uma publicação trimestral, com acesso virtual e livre, voltada às discussões sobre teatro e política cultural. Para comentar, sugerir pautas, reclamar, colaborar, alertar algum erro ou apenas enviar um devaneio:
antropositivo@gmail.com AquI ANONIMATO NãO TEM VEZ. quEM TEM VOZ, TEM TAMBéM NOME E é SEMPRE BEM-VINDO
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the wo groost up er visitando
O encontro entre tecnologia e o existir teatro por
ruy filho fotos sp
gal oppido fotos cena
mihaela marin franck beloncle paula court intĂŠrprete
kiko bertholini
r m se pode vos s a t i s ti it os ar os defin preuant d o a r d ide ão cons resentaç ca aprepo ep , na r ente da é ? Ca , certam anee t n s se rm algun o s pe senta m todo ade d ne ualid sso a q s a a i m éd a . Por pois tante Por isso cem, s n i a . d o p ca icos, o tem ou retór ro a t a u r o e er cons viv os nte s m sobre , estétic udanças e s s o e d r e p m e sos s m ldad ida u qual iscur es a u v t d c ú n fi s d i e o d n o d em perti teatr deza npés gran locam ter Grou osição do ircunstâ o c c e s p s o s o a lpão pr Wo que ssam s. no ga the pela a . p s m a e a orr o t r ult tan ent ista a op onqu lores que dos mom tivemos c e sobre s qu , va lenco , exdade ão Paulo i am, e r z i a l o l a d e re rticu a, em s arte eidad e pa i om p oran c p mpé cias r m o a e P t rs EsC , con onve óprio do s oção de c te pr em n m e a . e d t s i s a , tunid cnologia muito ma arte no in plica te te im grupo, e o n , m o e e s o t m r c e s a do a li pr as enta gem coloc ensar o ediad ngua p m i perim teatro se l , s a o a ainda taçã eira rativ se o resen que man ções nar sentada, p a a u repre da su ender de a constr , ação . n e e r à mpte c p s em com LeCo dor osta e a e p t h d n e t c r ú e e o re sp ad sob sab que limit m o e ntro, Eli logia es o o o õ c s n ç u c a a o c e o cri s a por t ca dialéti osso enc a sobre n os e sse n lo ad Fliak ouve i h r se co antes do foi indag e A u , qualmq , isso Dias vens TWG adas”, se . Sobre o a j o s d do uso d vas iqu ora re o s tirem diret gias “ant ões às no b n r o t e s s ou a ão aç são olo m z n n i n o l e c c a e m e r t p ca do atu ação expli e na com onversan ntes limit d a r e a rece c d h vi o, e shep culda avia, s, ha nas efeit scott po de difi stão. tod petáculo e ti er ap es ue gia s quer em q alos dos o telas l a o i n g olo tec res e quiterv a o n i s i tecn e s v r . le se as no o sob conceito s, te o do e pesso ndiment jeçõe a inclusã claro qu é, o a r e p t o t n d , É a e s f o . e ém or a m no de o víd po vai al continua nteri ue omo a c m o , , s c o a u q , r nã neira elo g nográfico mento, m imbólica s a ma riados p a Seja ce n o . fi ã l o e ç a p h o r ion cep pro sen a c r a i e e d d o p o s a lizaã r s teria á na va t os no mete o u i t a t t s n a e m r e enb so nar pam como sdobram ca su cia no u entar à a i j t e a é s e t sc od io, nên ial n a es renc perti dem acre imaginár pliar e f a m e r a r , za a de isso s po ento do ainda rtificiali mo ade r d e i agen t c a m s m a i a co oo ap de br as arrar esdo É a c torna o W ata mais n d do . o a o i r ç com ue sen cípio e tr próp q e n s i r r o o p r o p ã a ã e aç ogi sn onta eo ção d epresent . Poi la tecnol desd aram o c a e o n d r â n e to da ntempor dobrar p esso advi transform . s c co e e o d r u a Gray P q n s ce ding ica. icas , ma l l g a a ó r v p b i ú s t t m a r narra tação si dram as po fes uisas ivo, criad i q n s a e m at sp Elisabeth LeCompte, form o, da grup cesso per após a conversa da ro em p revista com os atores.
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O melhor para se alcançar um resultado Ê permitir a interferência
Estamos mais acostumados ao histriôfala, nico, e não apenas na manifestação da tiva. narra a ruir const de também na maneira s outra por m segue ter Woos Os trabalhos do do e lidad litera a com em estratégias, romp naturalismo e se afastam da perspectiva da emoção. O que não significa dizer que os espetáculos sejam frios. ao contrário. Constroem o contexto não mais pela emotividade cabível nas estruturas dramáticas. apoiam-se me partituras físicas para chegarem a acessos mais interessantes de representação e leitura, explicam. Kate Valk cita o eslovênio Slavoj Žižek em sua analise sobre o Totalitarismo, pela qual conclui necessitar a tragédia da ironia para ser percebida hoje. Configurar a representação da subjetividade primeiro por partituras físicas, implica destituir do texto a carga dramática, permitindo-lhe surgir como estado de presença narrativa, por vias mais abertas à ironia. É preciso deixar o espectador se acostumar com o espetáculo, para depois trazê-lo à emoção possível. se for diretamenÀ esquerda ari Fliakos e Kate Valk. Nesta página, scott shepherd.
te, continua a atriz, não se emociona o outro, limita-se a representar aquilo que deveria ser o próprio sentir, e isso, para quem assiste, basta como identificação de emoção, permanecendo vazio e inatingível. Portanto, o primeiro momento dos espetáculos do tWG são propositadamente mais difíceis, pelos quais se traz concomitantemente a narrativa e a própria revelação de sua argumentação cênica. apreendido isso, tudo pode ser construído e alcançado. a suposta estranheza de parte dos espectadores brasileiros, talvez se explique pela dificuldade em se afastar da emoção como primeiro acesso ao discursos artístico. Partimos, independentemente dos desejos originais de seus criadores, para uma relação emotiva sobre o assistido, atribuindo uma espécie de particularização das emoções, do mais ou menos disponíveis, dependendo ldade dificu s nível de empatia prévia. Temo rso em nos colocarmos neutros frente ao discu ser de nto do outro, portanto. Pelo entendime ima algum a o outro alguém a quem se relev nessa e ment portância. O problema está exata importância. na verdade, lidamos com o outro de forma igualmente totalitária, compreen-
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Cenas de trabalhos do TWG e fotos de Gal Oppido durante a entrevista exclusiva Ă revista Antro Positivo.
Tornar a cena a qualidade de uma experiência complexa, onde a emoção não seja a estratégia narrativa
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Cena do espetáculo Hamlet. dendo sua relevância a partir de sua capaci dade em ampliar e projetar a nossa. Por isso a emoção está sem pre em primeiro plano, pois é por ela qu e construímos a interf ace de diálogo com o outro. Quanto mais no s emocionamos, então , mais identificamos no outro as qualidade s daquilo que nos rep resenta. visto que só podemos nos emocion ar com uma cena que atue a partir daquilo que compreendemos fundamentais aos nosso s próprios desejos. Em outras palavras, no ssa cultura condicion a o entendimento de uma manifestação art ística não por aquilo a que ela se propõe, mas pela capacidade em ser nosso espelham ento e certificação de ansiedades. seria, em certo modo, a fac e totalitarista de Žižek revelando nossa identidade artística. the Wooster Group se particulariza, oferece-s e original e rompe a necessidade imed iatista de aceitação. Por isso não justificariam trabalhos susten tados pelas emoções. Ao rom per com tal procedimento, afasta -se também do contex to dra má tic o próprio do consumo temporár io para sua ampliaçã o irônica. ou, como explicaria o filosofo, trágica. O grupo não discursa, portanto, sobre propriedades da história teatral ocide ntal moderna, mas sobre como se estrutura visões outras, sobrepost as, conflituosas e sinestésicas do repres entar estar ali. Meno s o fazer teatro e mais o ser teatro. O qu e faz, ao fim, toda dif ere nça . o fato de estarem sed iados em uma megal ópole com nova iorque oferece o aco mpanhamento de um a das cenas teatrais mais atualizadas das últimas décadas. Muito s dos maiores grupos e diretores estão ou passam sistematicam ente por lá. Perguntado sobre como ob servam a produção atu al nova-iorquina, descrevem como um espaço mais apropria do à performance, com mais artistas em atividades e dinheiro circulando, porém com menos espaços pa ra atividades que não sejam tão especificas, ainda que dois festivais anuais agrup em as figuras mais importantes. Faltam, então, lugares para a exposição do pequeno, do inicio. Essa dificuldade torna as mi sturas de linguagens diferente das oco rridas na década de 70. o Wooster surgiu em um a época em que ser dif erente era a qualidade necessária para ser validado. Se o ambiente passa a ser restrito a fazere s específicos e ao do mínio de poucas linguagens, os investim entos não serão suficie ntemente producentes. O mesmo qu e se observa ocorrer po r aqui, com o agravamento de não haver tanto recurso ass im para sustentar a produção que se apresenta. O problema, então, está na observação qu e trazem de que, por haver meno s espaço, causou-se um afunilamento da expressão. os EU a vivem um momento paradoxal
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A desconfiança daquilo que se revela exige, principalmente, o interesse em desafiá-la ao novo
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Ao centro, Kate, durante o encontro no interior do espaço expositivo no SESC Pompéia.
desconhecido das gerações mais novas. Enquanto Obama representa uma nova compreensão politica e humana, o pais vive uma das suas maiores crises financeiras modernas. E a arte responde a isso também. Kate explica que hoje o teatro acaba sendo mais didático e político, preferencialmente às propostas de Obama. Como se coubesse à arte o serviço de mandar mensagens. Algo, ao seu ver, indevido. Usa a arte para o âmbito da explicação ou ideologização de argumentos políticos, ainda que motivados pela vontade de torná-los cada vez mais profundos e enraizados, limita a própria condição da arte em ser ordinariamente o olhar de indagação e dúvida sobre o seu tempo. A politização da arte em NY não alcança os mesmos ideais dos anos 60, colocam os atores. E, ao se fazer apenas panfletária, a pesquisa no construir outras proposições sobre o sujeito e a realidade se perde em importância.
Por fim, pergunto sobre como se estrutura a companhia, já que circulou a informação de passarem por dificuldades. São duas partes, uma é advinda de recursos governamentais e doações de instituições privadas e pessoas físicas; a outra, conquistada através de bilheteria e viagens. O interessante é o fato de que a menor é a de participação governamental e institucional, mais insegura, explicam, e que alcança apenas 40% das necessidades reais do grupo. trazendo para nossa realidade, está na condição dessa parcela oferecer minimamente a subsistência do grupo, e não seu financiamento completo, como se faz por aqui. Cabe ao grupo encontrar a maior parte através do próprio traba-
lho. E este se mantém interessante ao público pela fidelidade aos seus preceitos de experimentações. dessa maneira, o grupo necessita produzir para se manter, continuar, inventar... Por isso prepara novos trabalhos para breve, enquanto intercala viagens e apresentações no exterior com os ensaios. o the Wooster Group assiste novamente a cena teatral americana mudar, e continua. Presencia o homem se revelar diferente às condições de um outro presente. E permanece inquieto, vivo e fundamental. o que lhes agradeço, igualmente disponível, e com olhos sempre interessados.
cOntaçãO por Bráulio Mantovani
ilustração luiza pannunzio
O
lhou em volta sem saber o que procurava até se deter nas botas jogadas no chão, junto à parede, na penumbra do quarto, desconhecidas. Irritou-se. Pensou em chamar o criado para colocar ordem nas coisas. Ele o teria chamado se não tivesse se aproximado das botas – para olhá-las mais de perto – enquanto tentava se lembrar do nome do criado. Sorriu ao se recordar, com extrema precisão, do quanto apreciava aquelas botas, agora perfeitamente reconhecíveis. Eram as botas que ele deveria usar no encontro, mais tarde, pensou ao vê-las. Eram botas de um outro lugar que teriam custado muito caro se tivessem sido compradas em seu país na época em que foram compradas por ele. Não teria comprado as botas em seu país mesmo que tivesse dinheiro sobrando naquela ocasião quando ele, ainda, não podia tudo. Não por acaso – pois a vida lhe ensinara a não crer no acaso, disso ele não se esqueceria – estava ele no país daquelas botas e ali pôde comprá-las pensando – ele se lembrava bem disso – serem, aquelas, botas dignas de um príncipe. Evocou a lembrança do encanto provocado pela mescla de preto e branco nos cordões, da composição geométrica dos cordões, da adequação da composição às vestes
de um monarca, da impossibilidade de saber – naquele momento – o destino que lhe seria revelado no dia seguinte. Comprou as botas e usou-as na mesma noite em uma celebração no mesmo país das botas. E sentiu-se digno. Ele conseguia se lembrar perfeitamente da festa na noite antes do dia em que ele regressou ao seu país e por isso pensou serem aquelas as botas perfeitas para o compromisso daquele dia. Deveria – pensou sem nenhuma hesitação – calçá-las para se reencontrar com elas. Abaixou-se – com uma dor inesperada nas pernas – para pegar as botas. O gesto – com as botas a poucos centímetros de sua mão – suspendeu-se sem ele entender por quê. Quanto do tempo havia passado por ele desde o momento em que interrompera o movimento da mão em direção às botas até o instante em que recolheu a mesma mão – incerto sobre a real necessidade de calçar as botas naquele dia – tornou-se uma dúvida tão inescrutável quanto a que o tinha feito, antes, deter-se no gesto de pegar as botas. Pareceu-lhe haver uma vastidão exasperante entre o olhar para aquelas botas na penumbra e aquelas mesmas botas atiradas ao chão, junto à parede. Sentia uma irresistível vontade de calçá-las por serem aquelas as botas perfeitas para a ocasião. Mas quando se encontrariam
novamente? No trovão, no raio ou na chuva? Elas ainda não teriam dito ou ele já não teria como se lembrar? Arrebatou uma das botas como se o calçado pudesse lhe dar a resposta. Viu então a mancha escura, tão anciã e conspícua que para ele tornou-se inevitável pensar como era possível reconhecer as botas sem conhecer a mancha. Segurou o calçado perto do rosto e cuspiu nele. Esfregou a manga do camisolão no couro murmurando com um misto de desespero e ódio: “Sai, maldita mancha. Sai, eu te ordeno”. A inutilidade do esforço fez com que ele perdesse novamente a noção do tempo enquanto produzia em seu espírito um perturbador estado de inadequação, como se o que acabara de dizer não fosse exatamente o que deveria ser dito ou dito por ele. Bastou-lhe essa constatação para, finalmente, arremessar a bota com toda a força que lhe restara. Uma sensação remotamente próxima ao contentamento possuiu-lhe no instante em que bota chocou-se contra a parede de pedra do quarto, cheia de som e fúria, e caiu ao chão, ao lado de seu par. Talvez tenha sido aquela sensação a causa de seu súbito movimento em direção à lacuna entre as pedras da parede por onde entrava toda a pouca luz que iluminava seu quarto. A poucos passos da janela pensou em como estaria verde a floresta de Birman se, a julgar pelas roupas que vestia, fosse mesmo verão. Bastou apoiar-se no peitoril, porém, para per-
ceber que o céu cinza do inverno pairava sobre uma imensa muralha de pedra, fortemente patrulhada pelos soldados que lhe serviam e protegiam. Se não havia dúvida de antes existir ali uma floresta, aonde teriam ido as árvores quando a muralha foi erguida? “Ninguém nascido de uma mulher pode desvendar tal mistério”, disse à muralha enquanto levava a mão ao peito, como se o tato pudesse definir o aperto que lhe pareceu pleno de sentido, ainda que tão imotivado e inexplicável quanto o destino da floresta. Uma ausência imprecisa pareceu-lhe possuir o cérebro. Um vazio arrevesado, alheio à argúcia com que, em um distante dia, ele elucidara as oblíquas profecias e assim evitara a fulminante tragédia anunciada para engendrar uma outra, mais insidiosa, enclaustrada, agônica, sempre presente. Pensou ver, muito além da muralha, algo que poderia ser um raio a desenhar uma fratura no céu. Tão longínquo que certamente não se ouviria dali – do peitoril da janela do monarca do castelo da colina de Dunsinane, onde sequer chovia – o trovão. Sentiu um alívio ao perceber-se protegido pela muralha de Birmam. Acariciou a longa e branca barba, apto a desempenhar seu papel e a cumprir seu destino. Virou-se para dentro do quarto e olhou em volta sem saber o que procurava até se deter nas botas, junto à parede, jogadas no chão, na penumbra irreconhecíveis.
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libErdadE por aline fanju + camila biondan
na vida na artE
Esta ĂŠ uma campanha
foto alEx silva . assistente Bruno marçal . Beauty rEnatto souzza
positivo
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libErdadE por kiko bertholini + gustavo haddad
na vida na artE
Esta é uma campanha
Coordenação de estúdio andrEa silva . tratamento de img Giovani FErrEira
positivo
diรกlogo. x2
por maria teresa cruz e gustavo fioratti
f
fã
clube O quanto cabe de sentimento em uma relação idealizada?
maria teresa cruz: o nome fã clube, claro, remete ao enredo, ao fato de os personagens justificarem um sequestro com idolatria, admiração. mas fiquei pensando, que, ser atriz era apenas uma profissão da personagem principal. na verdade, o personagem era obcecado pela mulher, não pela atriz. e isso responde muitas das indagações dela própria ao longo da peça, quando passa por privações... gustavo fioratti: Acho que a peça, nos próprios diálogos, procura esclarecer o assunto em pauta: a representação, o simulacro, as diversas camadas de signos que existem em torno de uma suposta realidade. Nesse sentido, acho faz sentido apresentar uma atriz (interpretada por uma atriz) como personagem. Eu pensei um pouco sobre o título “Fã Clube” e, no final das contas, preferi ignorá-lo.
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mtc: fez bem. no contexto todo, ele não é importante. Mesmo porque, no fim das contas, a peça fala dos amores que cultivamos.
Nesse caso, tem o aspecto da obsessão pela figura. Claro que o personagem carregava aspectos do passado muito incutidos, teve uma criação que favoreceu a criação dessa necessidade, mas fiquei pensando que também a relação que ele estabelece é de apego. E em menor ou maior grau, todos temos que lidar com isso. O ser humano não sabe lidar com perdas e, na ânsia de fazê-la muito mais que objeto, mas eternizar a companhia dela, o afeto criado por ele, ele decidiu empalhá-la. A relação que eles tentam estabelecer entre humanos e animais, com relação a facilidade/dificuldade de desapegar, achei bonito isso, mas não sei se é muito real... a história do beija flor, por exemplo... o beija flor, de certa forma, acredita no que vê, mas não vai se certificar. É fiel à imagem, por menos verdadeira que ela possa parecer. Os seres humanos também idealizam. gf: Sim, a ideia de fã clube, considero, está numa esfera mais rasa do que esta que
a peça propõe. Sendo um pouquinho sacana com os autores da montagem, acho que, a partir de agora, intimamente, eu vou passar a chamá-la de “Amor” ou mesmo de “Desejo”. Acho maravilhoso o mito criado em torno do beija-flor. É um achado. Gosto muito do momento em que o personagem troca as flores de plástico por ralos de metal, para testar se o beija-flor se sente mesmo atraído por algo artificialmente belo, ou se a água adoçada é o que faz com que ele se aproxime. No fim, o personagem arma uma estrutura para atrair o beija-flor muito mais interessante do que a flor em si, como um desdobramento de sua essência em uma beleza inesperada. O artificial tem sim capacidade de ser belo, uma vez que tudo é representado, uma vez que cada movimento é pensado para compor um jogo de sedução. Embora esse ato de pensar sobre a sedução seja permanentemente afrontado com a falta de controle sobre nossa própria imagem.
Dramaturgia: Keli Freitas. Direção artística: Renato Livera. Atuação e argumento dramatúrgico: Camila Gama, Igor Angelkorte e Renato Livera.
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é desenhar a obsessão doentia, porque eu particularmente acho doentio o processo de empalhar. É, a certa feita, um pouco de arrogância nossa, do ser humano, achar que podemos ter controle de tudo né? gf: É talvez algo que nos fuja totalmente o controle. A peça se enterra cada vez mais profundamente em sua própria linguagem, não aponta para fora; o controle como representação do
próprio controle. Sim, obsessão, histeria. E a sensação de fracasso contínuo. Tem uma música do Radiohead que ouço muito, e é sobre isso. Chama-se “Nude”. Uma estrofe diz: “Now that you’ve found it/ it’s gone/Now that you feel it, you don’t/You’ve gone off the rails. mtc: Não conheço a música, mas nossa, me arrepiei... pensando na nossa busca. No caso da obsessão, pela mesma coisa. No caso da
dúvida, pelo ideal, que, invariavelmente não existe. E o fracasso é latente no personagem, quando ele, de fato, percebe que aquela figura idealizada que ele tomou para si, não existe em plenitude, porque nós somos repletos de nuances... e ele se desagrada e ele vai tentar manter a figura idealizada. E a busca não acaba nunca. Também vejo um movimento mais internalizado, mas, fazendo uma pequena reflexão, você sê
fOTOS: AlVARO RIVEROS E DIVUlGAçãO
mtc: Vou compartilhar da sacanagem, pode? risos... Esteticamente a peça tem muitos acertos, de fato. A escolha de marcar os elementos do teatro físico (que é do grupo) dá um resultado final interessante. Me agrada a cena do jogo de cartas e depois das xícaras: é a concretude dessa perspectiva que você assinalou, sobre o jogo da sedução. a gente acaba aceitando o jogo e se coloca nele, mas nem sempre tem o controle. Ir ao extremo
cenas do espetáculo construído a partir de argumentos dos atores.
colocaria em algum dos personagens da peça? Já idealizou? Já quis ser idealizado? Já teve que se relacionar com a obsessão sua ou de outra pessoa? gf: Sim, acho que existe um trânsito de identificação por todos os personagens e, inclusive, pelos objetos, pela faca, pelo bebedor dos beijaflores. Neste sentido achei a peça bastante potente. Você acha que ela se resolveria com dois atores?
Digo, a formação de um triângulo é fundamental? fundamental para alguma leitura? mtc: é engraçado, porque acho que às vezes a gente se coloca numa postura meio passiva e, claro, nunca é bom... eu pensei isso e não quis dizer, mas você levantou uma questão fundamental. A terceira voz não tem razão de ser a não ser a de provocar, já que os outros dois personagens, que julgo os principais,
seguem para a linha de uma loucura consentida. Ela se rebela, mas não provoca. É uma rebeldia circular, quase como um menina mimada que não tem seus anseios atendidos. O antagonista é o empalhador. E não estabelece uma relação de confronto e sim de controle. Por isso, acho que, com exceção dessa perspectiva de provocar, de trazer para fora, o terceiro elemento não tem função. Talvez ele vá se perdendo mesmo ao longo da peça. Talvez
seja mesmo até uma peça para o jogo criado pelo obcecado. O amor descrito na peça é permeado pelo egoísmo, pela obsessão, justificada pelo medo de ser só, de ficar só. Por isso é doentio. Mas quantos são os que conseguem puramente viver um amor sem nenhuma dose, pequena que seja, disso? não é saudável, é insano, mas é humano. Mas terêncio já dizia que “tudo que é humano não me é estranho” - então que seja...
foto.palco
Muniz guto
O reconhecimento do belo pelo tratamento especial de uma lente fotogrรกfica
Cena do espetรกculo Sempre Alegre Miguilim, do Programa Valores de Minas, de 2008.
o
teatro é passageiro, efêmero como quem o cria. Mas, mais do que fazendo mala-
bares ou gangorrando em lembranças, ele transita no tempo através de recônditos sentimentos de quem um dia, no contato direto, surpreendeu-se com seu poder ou poesia. E o deflagrador dessa memória-afetiva é, por excelência e muitas vezes, fruto de um simples ato : o click de um fotógrafo que, aproveitando do clima “noir” de intimidade da sala, ultrapassa a materialidade cênica do que está à sua frente e capta a alma do espetáculo. Conheci GUTO MUNIZ no início de 1987, no exato momento que ele faria sua primeira incursão fotográfica. E se ele se comportou como um típico e tímido estudante de comunicação ao pedir autorização para fotografar o espetáculo ANTÍGONA – uma montagem minimalista que eu realizava junto à Cia. Sonho e Drama, em Belo Horizonte – no momento seguinte, quando veio mostrar suas fotos, ele já demonstrava cabalmente no olhar, o que, a partir dali, faria da vida. E desde então, ele vem carregando a missão de revelar com suas loquazes imagens, parte substancial da história de mais de duas décadas da cena mineira – hoje disponível à visitação através do site Foco in Cena, que abriga seu incrível acervo de mais de mil espetáculos fotografados.
CArlos roChA
ร esquerda, cena de Um pouco de Inferno. Nesta pรกgina, Guilherme Marques em cena de Josefina, a Cantora, da Cia. Absurda, de Minas Gerais, 1989.
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DĂŠbora Falabella e luiz Athur em cena de Noites Brancas, da odeon Companhia Teatral, durante o FIT Bh de 2004.
Uma mãe coragem e seus Filho no Purgatório, do Teatro del silencio e Karlik Danza, uma produção da França, Espanha e Chile, apresentada em Belo horizonte em 2006.
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o espetĂĄculo Bivouac, da companhia francesa GenĂŠrik Vapeur, 1997.
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32
Um Pouco de Inferno, apresentado no Festival de Cenas Curtas Galpão Cine horto, 2011. Na página ao lado, Eduardo Moreira e Wanda Fernandes na primeira montagem de Romeu e Julieta, do Grupo Galpão, em 1992.
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Cenas da trilogia do Teatro da Vertigem, Apocalipse 1,11, Para铆so Perdido, com Mirian rinaldi, e O Livro de J贸, com roberto Audio,respectivamente.
40
À esquerca, Tangentes, da companhia francesa les Mains, les Pieds et la Tête Aussi, 2008. Nesta página, Outro Lado, do Projeto Arte no Centro Espanca!, de 2011.
Nesta página, de cima para baixo, Mãe Coragem e seus Filho, do Armazém Companhia de Teatro; Happy Days, da companhia italiana Change Performing Arts, apresentada no FIT Bh de 2011; Escravo - A Canção de um Imigrante, trazido também a Belo horizonte pela companhia Farm in the Cave, da república Tcheca, 2008. À direita, Donka - Uma Carta a Tchekhov, da suiça Teatro sunil, 2010.
The Spheres, da companhia australiana strange Fruit, 2004.
32
hygiene, do Grupo XIX de Teatro, 2012. Na pテ。gina ao lado, samira テ(la em Fala Comigo como a Chuva, da Companhia Teatro Adulto, de Minas Gerais, 2009.
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À esquerda, Ana Prado em Afinal, uma mulher de Negócios, do studio hamdan, 1992 e Amauri reis em Dorotéia vai a Guerra, 1993. Nesta página, Meu Destino é Pecar, da Cia. dos Atores, 2002.
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Woyzeck, da companhia sul-coreana sadari Movement laboratory, 2010.
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No Pirex, dos mineiros do Grupo Artatrux, durante o FIT Bh de 2010.
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libErdadE por maria manoela + lavínia pannunzio
na vida na artE
Esta é uma campanha
foto alEx silva . assistente Bruno marçal . Beauty rEnatto souzza
positivo
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libErdadE por ary frança + igor angelkorte
na vida na artE
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Coordenação de estúdio andrEa silva . tratamento de img Giovani FErrEira
positivo
polĂtica da cultura por Luiz GuiLherme mendes de Paiva
cultura desafios e potencialidades
E
m 27 de dezembro de 2012, a
blicação do decreto presidencial que tornará
Presidenta da República sancio-
possível o início do Programa.
nou a Lei nº 12.761, que cria o
Para o Ministério, os desafios são mui-
Programa de Cultura do Traba-
tos: operacionais, logísticos e políticos.
lhador. Nele, está previsto o for-
Trata-se de criar a estrutura interna - de
necimento do Vale-Cultura, um ambicioso
pessoal, TI, comunicação etc. - para gerir
programa de renúncia fiscal que pretende
um programa de enormes proporções e
dar acesso a bens e produtos culturais aos
consideravelmente complexo, envolvendo
trabalhadores que recebam prioritaria-
operadores financeiros, grandes empre-
mente até cinco salários mínimos.
sas, trabalhadores e a classe artística. E é
A ideia é simples: as empresas aderem ao Programa e fornecem a seus funcioná-
preciso estruturar o Programa mantendo o foco nos objetivos almejados.
rios um cartão, no qual se credita R$ 50,00
E quais são esses objetivos? A lei não
todo mês, que somente poderão ser gastos
deixa dúvidas: possibilitar o acesso e a
em produtos e serviços culturais. O valor
fruição dos produtos e serviços culturais;
gasto pela empresa que for tributada com
estimular a visitação a estabelecimentos
base no lucro real poderá ser deduzido até
culturais e artísticos; e incentivar o acesso
o limite de 1% do imposto de renda devido,
a eventos e espetáculos culturais e artís-
num modelo bem parecido com o já con-
ticos. Em outras palavras, trata-se de ga-
solidado Programa de Alimentação do Tra-
rantir o exercício dos direitos culturais - o
balhador (PAT) e o seu Vale-Alimentação.
foco é no usuário, na introdução de um
A aprovação da lei deu início a debates in-
novo consumidor no mercado da cultura, o
teressantes sobre a natureza do benefício, o
que abre uma série de possibilidades trans-
foco do Programa e o seu alcance. Os oposi-
formadoras na política cultural brasileira.
tores a programas de renúncia fiscal e de re-
Cito, aqui, algumas delas.
distribuição de renda foram, naturalmente,
Em primeiro lugar, teremos a possibili-
contrários à sua criação, da mesma forma
dade de conhecer, com detalhes, o perfil
que se denunciou, a priori, a possibilidade
de consumo cultural desse novo usuário.
de canalização dos recursos para as cadeias
E não se trata de um consumo tradicio-
produtivas culturais mais consolidadas. Além
nal, pois os recursos desse público, hoje,
disso, a definição de quais produtos e ser-
competem com outros gastos essenciais
viços culturais poderão ser adquiridos com
(alimentação, moradia, educação). Os re-
Vale-Cultura já movimentou a classe artísti-
cursos do Vale-Cultura somente poderão
ca e a opinião pública, antes mesmo da pu-
ser gastos com serviços e produtos
3
6
política da cultura
culturais, e será fascinante acompanhar
ções coletivas. É preciso que os produtores
quais serão as escolhas dos consumidores.
culturais se organizem para receber o car-
Como a Ministra Marta Suplicy tem afirma-
tão, o que, por força de lei, exigirá que se
do nas audiências públicas que realiza em
constituam em pessoas jurídicas. Também
todo o país, não temos como antecipar
é fundamental que os usuários pressionem
qual serão tais escolhas, mas podemos ter
o poder público e a iniciativa privada para
certeza que serão surpreendentes.
aumentar a oferta de equipamentos cultu-
Em segundo lugar, o Programa tem o
rais, cuja distribuição assimétrica no país é
efeito de dinamizar o mercado cultural
um dos principais indicadores de exclusão,
por meio do estímulo ao consumo, de ma-
como demonstrou estudo recente publicado
neira distinta, portanto, da política de in-
pela Fundação Perseu Abramo.
centivo direto à produção. É evidente que
Importante, aqui, compreender que se
deve haver um esforço por parte do minis-
trata de um instrumento novo na política
tério da Cultura para que as áreas cultu-
cultural, cujas consequências ainda não
rais menos consolidadas e os setores mais
podemos prever com precisão. será uma
vulneráveis, ou não convencionais, sejam
injeção inédita de recursos que só pode-
alcançados pelo Programa, de forma que
rão ser gastos na economia da cultura, nas
os recursos não sejam totalmente absor-
mãos de um público consumidor novo. O
vidos pelos grandes produtores. mas, no
sucesso desse instrumento dependerá de
fim, quem vai escolher o destino final des-
todos nós – governo, empresários, pro-
ses recursos é o consumidor, cuja atenção
dutores e usuários – e o esforço valerá a
deverá ser disputada pelos empreendi-
pena, pois os enormes desafios envolvidos
mentos culturais em todas as áreas.
na execução do Programa estão à altura
Em suma, o sucesso do Programa depen-
dos ganhos potenciais na democratização
derá de uma série de fatores, nem todos
do acesso a bens e serviços culturais, na
sob o controle do governo. É preciso que as
indução à criação de novos equipamentos
empresas sejam convencidas a aderir, e isso
culturais e na valorização do patrimônio
passa também pela demanda do trabalha-
cultural brasileiro.
dor, que poderá – a exemplo do que ocorre com o Vale-Alimentação – pleitear o fornecimento do Vale-Cultura nas conven-
LINks
Luiz GuiLherme mendes de Paiva ChEFE dE GAbINETE dA sECRETARIA ExECuTIVA dO ministério da CuLtura
Lei nº 12.761/12: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12761.htm ReLAtóRio CuLtuRA em NúmeRos 2010: http://culturadigital.br/ecocultminc/files/2010/06/Cultura-em-Números-web.pdf “exCLusão Nos equipAmeNtos CuLtuRAis e poteNCiAL do VALe CuLtuRA No BRAsiL” – FuNdAção peRseu ABRAmo: http://www.fpabramo.org.br/uploads/FPA-Comunica-ValeCultura.pdf
o primeiro festival a gente nunca esquece nem o primeiro especial
EspEcial
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por
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Maria Lúcia Pupo durante ensaio exclusivo em sua residência.
N
ão faltam salas de aula para estudantes de teatro. Universidades federais e estaduais, faculdades de todas as qualidades, cursos profissionalizantes... As ofertas são muitas, paradoxalmente ao desinteresse do público por trabalhos mais investigativos e autorais. Para pensarmos melhor sobre a relação entre o ensino e o estudante de teatro, fui à Ead/ECa na UsP, em são Paulo, conversar com a professora Maria Lúcia Pupo, estudiosa em arte/Educação no departamento de artes Cênicas. Começo trazendo-lhe uma inquietação: o desnível crescente na educação de base, formando jovens cada vez menos preparados aos estudos mais profundos. Para Maria Lúcia, a metodologia da seleção na universidade oferece certo controle sobre isso. o vestibular requer melhor perspectiva do candidato, e os calouros iniciam sabendo mais claramente o que almejam. Esse querer, continua, situa-se no reconhecimento de ser a universidade o espaço para uma formação mais aprofundada, ou seja, destinada ao aprimoramento do artista que visa inserções não mercadológicas. Atingir a fama desfigurou-se no contemporâneo pela caricatura da celebrização do artista. Por isso, a formação necessita firmar cada vez mais a noção de processo, e não de resultados, diz. O que não é nada simples. Afinal, os jovens crescem preparados por sistemas escolares cujo entendimento de sucesso se confunde com o de resultados. O problema está no conduzir o futuro artista também ao entendimento de suas relações com os pares ocorrerem por competições. Processo intensificado pelos editais e premiações, quase as únicas possibilidades de inclusão ao iniciante. Maria Lúcia afirma estar na maneira como o professor se relaciona com o aluno a questão fundamental. Para ela, é preciso entender que o conhecimento não se formaliza como antes, não é mais o mesmo e implica uma velocidade de pensar simultaneamente as informações, frente a necessidade de lidar com naturalidade as instabilidades e paralelismos. O controverso filósofo e pragmatista estadunidense Richard Rorty, trouxe ao centro reflexões que sugerem outros caminhos para entendermos o processo de formação. ao entender ser o conhecimento, na forma de agregação de representações acuradas, antes uma noção optativa, propõe o filósofo que o discutamos a partir da linguagem e não da representação e experiência. Logo, reconhecer as peculiaridades constituintes na escolha pelo estudo em artes, torna-se fundamental. o que desdobra a observação para como se compreende a comunicação no ambiente da arte, e de que maneira se a ensina e digere. tornar o professor uma espécie de antropólogo, sugere Maria Lúcia, compreendendo o existir do aluno, a partir de outras formas de estar no mundo e perceber o outro. Mas não aleatoriamente. o ensino de arte, por permitir muitas licenças poéticas, acaba
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sendo tratado com demasiada inflexibilidade no processo acadêmico, como meio de proteger-se contra um pseudo “vale tudo”. o problema, ao seu ver, precisa ser objetivo. Menos sobre como e o quê oferecer, e mais sobre qual a qualidade do formador. interessante inversão lógica, propondo estarem no docente a profundidade e relevância, e não apenas no suposto conteúdo. todavia, encontrar disponibilidade para isso não é fácil. O mercado do ensino fez do professor serviço, ao invés de acesso, sobretudo nas escolas e cursos particulares e menos comprometidos, como desejo de agradar o consumidor. E não só isso também. Para Maria Lúcia, por questões culturais, transbordamos afetividade, barateando as relações, inclusive em sala de aula. o desafio é manter o afeto sem abaixar o nível de exigência, cobrando ao aprendiz, sobretudo, esforço e persistência. E como exigir tais posturas, se a escola e a educação se encontram desacreditadas? não apenas sobre a qualidade, mas pela capacidade de oferecer experiências abrangentes. Com o crescimento exponencial das ações culturais, as melhores não se dão mais na esfera escolar, explica. Hoje, exigir da escola uma função orgânica eficiente, incluindo o experienciar como atribuição de formação e desenvolvimento, é inviável. Voltando à Rorty, então, para quem todas as pessoas geram resultados criativos simplesmente vivendo, talvez a questão esteja exatamente na tentativa de construir pela escola um espaço de experiência e não de construção de linguagens singulares. a experiência implica atribuir importância ao reconhecimento daquilo que se experiencia. Entretanto, ao se fazer espelho da realidade, acaba por colocar o aluno sob o limite da representação dessa mesma “verdade”; pouco lhe oferece para desvios. seguindo o argumento do filosofo, ao não ser disponibilizado o conhecimento ou reconhecimento, mas a perspectiva de criação de linguagens, afirmar-se-á processos pelos quais a inventividade e ressignificação passam a lidar com a realidade de modo crítico
“As melhores experiências não se dão mais na escola” e desafiador. O que, tratando-se de formação em artes, é essencial. durante décadas, acreditou-se, por argumentos válidos, na arte como sendo igualmente disciplina no ambiente escolar. Conceitualmente, ela levaria o aluno a desenvolver sua criatividade de forma lúdica. só que nada adianta se esse conhecimento não servir aos requisitos dos modelos reais, nos quais dominam as informações técnicas, tornadas cada vez mais instrumentos de memorização para usos específicos. a tal arte-educação não chegou ao seu destino. Viu-se, ao fim, exemplo para a desnecessidade de disciplinas não diretamente aplicáveis ao conhecimento técnico, e foi expulsa das salas de aula. a informação aplicativa e o conhecimento especifico pertencem a mesma qualidade de categoria da setorização da educação por disciplinas. E a arte não escaparia a isso. É preciso subverter a ordem das coisas para se alcançar o desejo inicial. Fazer da arte parte integrante da naturalidade do indivíduo. Parece óbvio, mas não é. Pois a inversão implica na excelência do formador, reconhecendo relevância à transitoriedade do conhecimento. Mas com aspectos mais profundos que fujam da ideia de formar alguém, e ofereça ao outro a problematização daquilo que a sociedade e as regras entendem por corretos. Como se pudesse o aluno de artes cênicas entrar na sala de aula não para estudar realismo ou Artaud ou ter aula de voz, mas processos abertos ao reconhecimento de suas especificidades, sua maneira de olhar o mundo e o outro, para que os conhecimentos históricos, técnicos e formais fossem agregados como verticalização ou contraposição.
Encontrar no afeto a pertinência por um ensino que conduza o aluno a não se subestimar
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As tentativas de personalizar o contexto das disciplinas levou à contradição dos professores adequarem suas técnicas artísticas às exigências curriculares. Consequência ao movimento de trazer artistas para as salas, e conhecimentos com qualidades inquestionáveis. todavia, artista ou não, para chegarmos a outra qualidade de ensino, faz-se necessário que o ministrante seja um tanto quanto filósofo, oferecendo uma visão singular, independentemente de quais caminhos e técnicas opta por construir seu discurso estético. Enquanto o ensino em arte se organiza compartimentado, o artista se forma por experiências refletidas na observação da realidade, a colocação de Maria Lúcia sobre esforço e persistência é pertinente ao entregar ao aluno a ação de superar os limites acadêmicos. Basta descobrir, contudo, como fazer para que ele não almeje, desde o início, o próximo edital, prêmio ou novela. Mudou o mundo. E as circunstâncias. agora é preciso mudar a sala de aula. sem isso, teremos os mesmos artistas, as mesmas questões, as mesmas referências, os mesmos valores... E a arte se configura relevante ao seu tempo exatamente na contraposição a tudo isso. Ensinar, pode ser traduzido como a ação de dar ao outro a experiência precisa daquilo que se configura por correto. Formar, a de treiná-lo capaz de assumir e evoluir parâmetros pertencentes a uma tradição. Deseducar, fica como sugestão, então. Como qualidade de desconstruir o correto e duvidar das proposições trazidas por experiências terceiras. Conduzir o aluno ao encontro de sua arte, da naturalidade de sua própria linguagem. E, então, torna-lo o próprio invento. Quem sabe, um dia...
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libErdadE POR sabrina greve + Patrícia cividanes
na vida na artE
Esta é uma campanha
foto alEx silva . assistente Bruno marçal . Beauty rEnatto souzza Coordenação de estúdio andrEa silva . tratamento de img Giovani FErrEira
Positivo
por a铆
1 22
onde Traf贸 BudapesTe / hu
arte o
360 Próximo ao rio Danúbio, o encontro com a arte contemporânea e artistas de todos os lugares
trafó >> 1094 Budapest, Liliom u. 41. (+36-1) 215 1600 www.trafo.hu
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acima, o espaço revitalizado e transformado na galeria, teatro e café. em branco e preto, fotos do abandono após seu uso como espaço industrial. Na página ao lado, vista da sala de espetáculos.
B
udapeste, capital da Hungria, é uma das cidades mais interessantes para se conhecer. Entre a presença do que restou da influência comunista e as conquistas democráticas, ambos os aspectos coexistem na maneira como a cidade se revela. Não poderia ser mais coerente, já que a sua origem está na junçao entre os dois lados da ponte que corta o Danúbio. Com uma forte cena clássica e tradicional, a cidade oferece es-
paço também ao contemporâneo e às manifestações experimetais. A Trafó House of Contemporary Arts, sure em 1998, ocupando uma antiga estação elétrica, como local para a reunião de diversas linguagens artísticas, como teatro, dança, performance, artes visuais, música... Artistas alternativos locais e nomes consagrados da vanguarda convivem com o objeto de trazer, através da curadoria própria, outras perspectivas do
fazer artístico e de compreensão sobre o presente. Se você estiver passando por Budapeste, vale ficar de olho e flagrar coisas do tipo uma apresentacao underground de Maguy Marin, ou se entregar ao descobrimento de novos artistas. Trafó se coloca no percurso obrigatório a todos que buscam na arte mais do que um passatempo, mas a possibilidade de ser surpreendido.
por aqui onde cit-ecum são paulo
CiT ECUM
O resumo definitivo da qualidade no teatro paulistano
q
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uando sair da Avenida Paulista em direção ao centro de São Paulo, descendo a Avenida da Consolação, você verá um espaço de fachada colorida, despojada. Estacione. Entre. O que de melhor ocorreu nos últimos tempos na programação teatral da cidade está de volta exatamente ali. E muito mais. O novo espaço recria o antigo Teatro Coletivo, e traz de Belo Horizonte o Ecum Fórum e Ecum Centro Internacional de Pesquisa sobre a Formação em Artes Cênicas, agora reunidos como uma coisa só. O Centro Internacional de Teatro Ecum surge para suprir o vácuo da cena paulistana mais impiedoso: a falta de espaços para que espetáculos continuem seus processos, temporadas, histórias..., através do excelente trabalho de seu diretor artístico-pedagógico Ruy Cortez, e das preciosas
consultorias dos diretores Antonio Araújo e Maria Thais. A relevância de abrigar em um só lugar o melhor da produção recente e olhares pedagógicos amplia a investigação sobre a prática teatral, oferecendo percepção crítica de modo significativo. Faltava em São Paulo uma casa onde o viéz fosse, de fato, o encontro com o teatro em sua perspectiva mais dialética e plural. O CIT-Ecum abre as portas convidandos os artistas ao reencontro, e nada é mais significativo a todos do que essa concretude. O espaço contempla, ainda, um recém aberto café no andar superior. Nasce em São Paulo o espaço que será, certamente, referência sobre a produção paulistana. Evoé! Os artistas e apaixonados por teatro, agradecem.
Cit-ECUM >> Rua da Consolação, 1623 / SP-SP Tel.: (11) 3255-5922
http://citecum.com.br
À esquerda, detalhe sala de espetáculo em formato de galpão. acima, foto maior, sala destinada a shows , eventos e espetáculos não convencionais. Nas fotos menores, detalhes do bar e entrada.
diรกlogo. x2
a marca da
por renata admiral e leandro nunes
รกgua Os riscos de se afogar pelas facilidades quando se domina a linguagem
a
renata admiral: pode começar..
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leandro nunes: Bom, posso dizer que momentos antes de começar o espetáculo, eu estava um pouco desconcentrado. Umas pessoas atrás de mim conversavam muito, davam risadas e tudo mais. Quando enfim começou, tive que ouvir ainda mais um
pouco de comentários e risadinhas. Demoraram para parar. E eu demorei pra mergulhar. ra: Acho que todos nós, de cara o que me chamou a atenção foi o cenário, aquela piscina no palco....uma mimese que eu nunca tinha visto ao vivo.... e depois é claro...o peixe...rs... achei sutil, iluminação, cenário, a
composição musical, a presença da música ali, as projeções....uma expansão do teatro... pq eu digo isso....pq vc mencionou a dificuldade de embarcar....tinham tantos elementos que chamavam mais atenção do que a história ln: O peixe. Perdi um bom tempo olhando para ele. Essas imagens todas me puxaram
mais que a história. O texto me incomodava o tempo todo. Acho que fiquei desejando brincar naquela piscina junto com eles. Eles conseguiram isso nas cenas de delírio disparadas com a música. Quando voltava ao texto eu ficava tão deprimido quanto a mulher rsrs ra: rsrsrs muito bom!!! poxa, eu adorei
Colagem a partir de cenas do espetáculo.
o peixe.... também quis estar ali, isso é bom, elementos que nos fizeram também entrar numa viagem. mas, o que me incomodou não foi o texto... e sim o texto que não cabia na boca dos atores. para mim a dificuldade de embarcar foi a não credibilidade na existência daqueles personagens. acreditei
na Laura. somente o texto eu gostei, me trouxe lembranças, pensamentos, possibilidades, dores....junto com Laura... ln: Sim! O texto não cabia mesmo. E eles sabiam disso haha ra: é, a impressão é que eles se debatiam com o texto em cena
ln: Sabe uma coisa interessante? Nas cenas da família, as crianças eram racionais e o adultos sonhadores e ilógicos ra: acho que ser adulto é um grande problema. a família está totalmente desconfigurada, exausta de suas tarefas, apelando para o ilógico, para uma
fuga da sua realidade tão dolorida ln: Sim, dá um medo de que isso esteja acontecendo. A realidade tem endurecido as crianças e tornado os adultos molengas e idealistas. ra: não acha? a questão da família está sempre em pauta... pq?? o que há de
ln: Hmm, entendi. Foi um doce aviso. Parece que a família está menos presente fisicamente, e quando a morte leva um parente, essa pessoa passa a habitar a memória reivindicando atenção e cuidados. Alguém que te leva pra mais longe do mundo aqui de baixo. ra: adorei sua reflexão, não tinha visto por esse ângulo....
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ln: Mas a grande beleza está em que a saída de Laura me convence e me atiça a tratar a vida como ela. Aí retorna o conceito da água. O elemento ambíguo, que se transmuta em tantos estados é o que compõe o nosso corpo. Somos
água. Isso me traz paz, mas também me apavora! haha ra: a impressão que dá, que eles mencionam até, é a melancolia das pessoas... a impressão de que todas as pessoas do mundo estão melancólicas, dopadas, dormentes... e daí eu entro no que vc acaba de mencionar... a beleza do sentir... sermos maleáveis como a água... a água que nos salva da sede, que nos afoga... temos este dom... nos salvar ou nos afundar... gosto da água, gosto do sintoma, prefiro ficar fora da apatia.... ln: Isso é demais! ra: minha tia morreu afogada. ela tinha uma doença que enchia o pulmão dela de água ln: Nossa! Faz muito tempo? ra: ela tinha que ficar medicada para que a água não tomasse conta do seu corpo. eu tinha uns 4 anos. eu estava no apartamento dela, na praia... acordei e ela já tinha sido levada para o hospital. ela se recusava a tomar a medicação, dizia que não queria depender disso. então ela não tomou de novo naquela noite
ln: Que triste, não sei mais o que falar hehe ra: e a água tomou conta. eu falo pq foi a mesma decisão da Laura ln: foi mesmo ra: então, o texto podia não caber na boca dos atores, poderia não fazer parte deles, mas fez parte de mim e das minhas lembranças naquela noite.... a água. foi bom ter conhecido a Laura. desculpa, ficou pesado?? rsrsrs imagina ln: hehe tudo bem. E eu descubro que eu não estava muito para ouvir aquele dia. A minha recusa com o texto partiu desde o início da peça e seguiu até o final. Não sei se foi as pessoas conversando ou outra coisa. Foi um dia para contemplar, só. ... e querer pular na piscininha ra: eu queria ter tocado no peixe!! acho que ficamos por aqui então, tomara que façamos outros juntos ln: O peeeiixe! Aqueles submarinos eram bem bonitos também! Fechamos, vou aguardar os próximos!
FOtOS: DANIEL ISOLANI
tão errado para termos que rever este conceito exaustivamente? nos palcos, nas novelas, nos jornais...isso me pegou... em que momento vc é verdadeiro ou está verdadeiramente presente com a sua família.... além de aparências, das formalidades e no caso da personagem Laura adulta, a ponto de querer o sintoma, sentir algo de verdade, do que a inércia de um cérebro dormente, que já não sente....
ElEncO: Patrícia Selonk Ricardo Martins Marcos Martins Marcelo Guerra lisa E. Fávero DIREÇÃO: Paulo de Moraes DRAMATURGIA: Maurício Arruda Mendonça Paulo de Moraes DIREÇÃO MUSIcAl: Ricco Viana
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capa
a r am J Lee O teatro como forma pura de expressĂŁo de uma alma jovem e jĂĄ eternizada por fotos sp
ruy filho
patricia cividanes
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O
impossível. Talvez devesse começar por isso. Mas, por ser ainda pouco, o melhor seria permanecer em silêncio. Só que não dá. É preciso falar. É preciso repetir. Tentar traduzir em palavras o estado de absoluta rendição. Uma epifania, verdadeiramente. Sem qualquer exagero em definí-lo assim. Pois, se o termo se refere ao encontro com uma manifestação do sublime, então nada pode ser mais direto do que ele. Era apenas uma peça de teatro, pode-se alegar. Só que, certamente, quem argumentar por esse artifício, não esteve lá. Não assistiu a sublimação do impossível. E ficou decidido ali, ainda no intervalo entre os dois atos de Pansori Brecht Ukchuk-ga que, na semana seguinte em Curitiba, tentaríamos a conversa. Mas é da ordem do sublime transcender. E não nos preparamos o suficiente para o que encontraríamos. JaRam Lee aguardava no saguão do hotel onde foi acomodada. Identificamo-nos. Entramos. E... Como descrever? Conversa? Não, isso não dimensiona o que ali se revelou. A ternura nos olhos, a delicadeza em cada sorriso espontâneo achando graça das perguntas difíceis, a timidez de menina aos elogios e agradecimentos. Sim, estava lá para entrevistá-la à revista. Isso também. Entretanto, no fundo, tudo não passava de um pretexto torto para lhe agradecer pelo o que assisti no Sesc Vila Mariana. A vontade era novamente o silêncio. Apenas deixar um abraço empregnado com o instante e partir. Mas abraços são costumes brasileiros. Ela, por ser coreana, certamente estranharia demasiadamente. Sem falar na incongruência em marcar o encontro para nada dizer. Então era preciso dizer. Era fundamental conseguir dizer algo. E nem bem a conversa havia começado e o pensamento já definia, sim, ela não pode ser uma conversa perdida entre duas páginas, ela é a própria capa que meu coração exige ter. Curiosamente, JaRam Lee não foi escolhida por nenhum outro veículo. Jornais, revistas, programas televisivos deixaram-na escapar feito a nuvem que surge e some sem ser percebida. Só que as nuvens, ainda que passageiras, deixam àqueles que as notam infinitas formas de olhar o tempo. Desenham a infinitude a partir da imaginação de quem as colhe. Permeiam o instante com a sabedoria da
Registros de JaRam Lee durante entrevista para a antro positivo.
cena do espetรกculo Pansori Brecht Ukchuk-ga, inspirado em Mรฃe coragem.
A qualidade supera os séculos do Pansori e o revive genial singularidade de uma epifania poética. Aquela menina, magica, linda, cuja dimensão é incompatível aos maiores palcos, estava ali, disponível, esgotada, feliz e aberta a encontros. Nós fomos. Os outros, preferiram se proteger do viver tudo isso. Particularmente, eu consigo entender. Interessante só pode ser aquilo que estamos disponíveis a encontrar. É fundamental estarmos abertos ao imprevisível, ao impossível. E poucos estão. Aprisionados no pragmatismo de suas rotinas. Mantenho-me aberto. E corro riscos com isso. Desta vez, em espetáculo e conversa, vi minha alma ser acarinhada com respeito e atenção. Pansori Brecht Ukchuk-ga monta Mãe Coragem utilizando dois diferenciais. O primeiro, Pansori, é um estilo narrativo de cantar/contar surgido na Coréia do século 17, distante da ópera chinesa ao se propor percussivo, normalmente executado por um cantor e um músico, quando não pelo mesmo, modernizado pelo Pansori Projects ZA, ao ser apresentado pelo acompanhamento de 3 instrumentistas. O segundo, a ambientação da peça não mais na Guerra dos 30 anos, como propôs o autor,
mas na Batalha dos 3 Reinos, no século 2, travada pelos reinos chineses nos territórios onde, séculos depois, existira a Coréia. Nada pode ser mais próximo ao presente que Mãe Coragem. Após a morte do ditador Kim Jong-il e a sucessão por seu filho Kim Jong-un, a Coréia do Norte deu fim ao armistício de 1953, oficializado na Guerra da Coréia. Brecht narra a trajetória de uma mulher que perde seus filhos durante um período de guerras e, desiludida, passa a atuar como mascate, como meio de se lucrar com o estado de exceção. Portanto, não haveria de ser outro, o assunto. JaRam responde sobre como é montar essa história e viver os 15 personagens sozinha em cena, na atual conjuntura de seu país, Coréia do Sul, com a descrença de haver consequências. Sempre tiveram ameaças e nunca deu em nada, diz. E explica que, para sua geração, a guerra não é uma questão clara. Com seus trinta e três anos, a cantora de uma banda consagrada e atriz, não teria mesmo como vivenciar tal experiência. Poucos anos após seu nascimento, a Coréia do Sul deixava para trás algumas ditaduras e golpes e conquistava sua eleição e democracia. Todavia, percebe indiretamente a dor permanente nas figuras dos pais, e lida com o sentimento de observação através da ilusão do que venha a ser o universo da peça. Para ela, o mais importante é transpor o cenário da fabula ao sentimento apreendido na família criando algo
Dois trabalhos. O suficiente para que o teatro possa ser modificado
novo. Fugindo de Brecht, para encontrar outras possibilidades de atuar sobre o texto. Se para JaRam Lee a proximidade com o passado é menos palpável, compreendendo se tratarem de experiências não vividas, a escolha por representar pelo Pansori demonstra a vontade de recuperar as boas tradições de sua cultura, e atribuir, por novos caminhos estéticos, outras compreensões. Por isso a escolha em ressaltar mais a esperança, algo não existente originalmente na peça. E também o humor. O Pansori estava abandonado, explica. Os jovens o viam como um gênero chato, longo. JaRam Lee prova exatamente o contrário. Faz da linguagem algo único e especial, entorpecedor, físico, forte, denso todo o tempo. Como se chegasse ao limite possível ao corpo em um minuto. E novamente no seguinte. E no próximo. E assim por horas. Assistir, desafia o espectador a se manter passivo. A respiração acompanha o fôlego indescritível das infinitas nuances musicadas. Durante a conversa, revela: para este trabalho peço que deixem uma ambulância na porta. O risco do limite máximo, da entrega plena, das últimas forças à serviço da voz e corpo. E tudo isso está visível ao espectador. E nada disso é feito como se fosse uma exibição atlética. Pansori Brecht Ukchuk-ga é apenas seu segundo trabalho. É difícil entender a dimensão da impossibilidade contida nessa informação. Antes, montou o também brechitiniano A Alma Boa de Setsuan.
Poucas vezes pude assistir a uma atriz tão excepcional em cena. Poucas vezes fui arrebatado de maneira tão definitiva. Transformado como artista e pessoa. Há mais na sua voz do que a palavra. Uma espécie de sopro continuo de calor atinge o corpo do ouvinte. E o conduz por horas esquecido da realidade, entregue, simplesmente, ao existir íntimo puro e agressivo. JaRam Lee se interessou pela dança moderna na universidade, onde aprendeu a trabalhar o peso do corpo nas partes inferiores. Mas não são esses os seus focos. Prefere observar as pessoas, explica. Encontrar no outro a essência da construção de sua arte. Não fala sobre teatro, não se importa com isso. Fala do viver. De estar no palco. E do querer estar. Do precisar fazer. E está. Como poucas atrizes se pode encontrar mundo afora. Mundo esse que se apaixona por sua arte cada vez mais. Na Coréia do Sul a situação cultural evoluiu bastante, conta. O entendimento sobre a importância da arte e do teatro ainda é controverso e se constrói pouco a pouco. Muito se efetua a partir do reconhecimento do artista, do quanto é capaz de se destacar, trazendo um personalismo no interesse. Ao seu ver, esse ainda é o aspecto mais precário da cena teatral local. Os depoimentos dos que a assistiram são unânimes. Algo mágico acontece com JaRam Lee em cena. Para ela, não há diferença entre ser sul-coreana. Nada muda na receptividade ao seu trabalho. As pessoas vivem iguais, conclui. Tudo, no fundo, é sempre o mesmo. Diz isso como se se divertisse com o viver. Escondendo no sorriso um verniz lúdico de como encontra no ser humano o seu caminho. Aos poucos, a menina deixa escapar seu cansaço. Não manifesta um pedido pelo fim do encontro. São seus olhos que traduzem com o mais profundo pedido de desculpas a necessidade em terminarmos. E como dizer não? Tantas perguntas ainda, tantas outras artimanhas para permanecer ali, ao seu lado, encontrando a artista, descobrindo a menina. Verdadeiramente se permitindo apaixonar. Mas os olhos insistem. É preciso mesmo deixá-la ir. As últimas palavras são declarações. As perguntas ficaram desnecessárias. Gostaria ainda de lhe dar um abraço, e novamente me contenho. Por que não fui, antes, descobrir se isso seria realmente uma questão para ela? Digo-lhe o quanto sua arte mudou minha maneira de ver a arte.
cena do espetáculo pansori Brecht Sacheon-ga, inspirado em a alma boa de Testuan
Digo-lhe o quanto sua delicadeza me tornou eternamente agradecido por me receber. Digo-lhe que não tem como explicar os sentimentos. É possível falar saudade em coreano? É possível sentir saudade de alguém com que se esteve durante pouco mais de trinta minutos? Então é isso o tal sublime? Talvez... O impossível? Talvez... Nos cinco minutos seguintes, enquanto organizávamos com sua produção os contatos, a menina voou. ao lado, encolhida como uma criança, semblante doce dando face à respiração lenta e profunda, ocupando pouco mais de uma poltrona, ela dormia esgotada. apenas isso. Sair do hotel não foi fácil. A vontade era ficar, assistir ao sono. cuidar, para que nada lhe acontecesse, e ter assim a certeza de que permaneceria para sempre como é. De volta à rua, após instantes de silêncio não planejados, um diálogo absolutamente improvável entre eu e patrícia. Quem é essa menina? Não sei. Quero levar para casa. É, eu também. pois é. É, pois é. Naquela noite gelada de curitiba, o céu estava preenchido por nuvens. Elas passariam em breve. Olhar o céu, foi um pouco mais doce, lírico e fundamental do que já foi em tantos outros dias.
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ida / volta
por Paulo Verlings
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Rio de Janeiro 02 de Abril Cidade Maravilhosa. Aeroporto do galeão algo em torno de 18:30h. Espera. Gente. Espera. Ansiedade. Lembremo-nos do dia de amanhã, conversamos, falamos sobre a estreia, rimos um pouco, comemos pão de queijo. Avião, amendoim e Coca-Cola. Reparo no rosto dos meus companheiros e vejo alegria do encontro, da viagem, do trabalho. Partimos rumo a nossa estreia.
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Curitiba 03 de Abril algo em torno de 20:30h. Aeroporto, malas, fotografias para o instagram, saída e o encontro com a nossa recepcionista.
Van, estrada, jantar e encontro com os amigos de outros estados, conversas, reencontros, mas o pensamento lá no dia 03. Em fim hotel. Cama, chuveiro, friozinho e edredom... Só para alguns.
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Algo em torno de 01:30h do dia 03 de Abril, chegada no Teatro Bom Jesus o primeiro contato visual com o espaço. Um teatro de 658 lugares. O MEDO tomou conta do meu ser! Alguns minutos atônitos... Mas precisávamos iniciar os trabalhos. 02:00h do dia 03 de Abril. Inicio da montagem. 5 montadores de cenário 4 montadores de luz dispensamos o montador de Som para que alguém daquele grupo pudesse dormir um pouco. E varamos a noite até as 09:00h.
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10:00h Nosso montador de Som chega ao Teatro e em fim o Som se fez! 11:00h Elenco, direção e dramaturgo partem para a coletiva de imprensa. Lá: Perguntas, conjecturas, anseios, desejos, diálogos, encontros e perguntas muitas perguntas e respostas... Muitas respostas! 12:30h Almoço, troca, dialogo e doces! 14:00h Teatro Bom Jesus ensaio de Luz. Estresse discussão enfim chegamos ao dia da estreia!
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19:00h Camarim, café, aquecimento, música, respiração. 21:00h Palco. Toda a equipe reunida Inez, Diogo, Carolina, Felipe, Debora, Marcio, Dani, Artur, Tuninho, Dominique, Belquer, Luiz e Eu uma grande roda. Pé direto na frente em forma de oração repetimos um poema de Fernando Pessoa.
21:05h Eis o PÚBLICO. Tudo passa pela cabeça, os meses de ensaio, a dificuldade de produção, mas ali nesse encontro mais sublime que o teatro nos proporciona “Obra e Público” todos os problemas desaparecem e só fica a arte do encontro.
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Curitiba nos deixa a sensação de que estrear fora de sua cidade não há dor!
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23:00h Jantares, pessoas, café do teatro, brindes e a despedida da cidade.
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22:30h O momento mais esperado por alguns. O pós estreia! Onde toda a aflição e preocupação já se foram. Onde podemos olhar para aquele momento e registar sua importância.
Eis o Público. E tudo corre bem!
05 de Abril voo de volta para o Rio de Janeiro.
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Rio, meu Rio, nosso Rio que nos fez.
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A plateia recebe o espetáculo com um calor familiar! Deixando-nos literalmente em casa.
04 de Abril 21:00h o Segundo Dia. Fomos presenteados pelos Deuses do Teatro.
Obrigado.
Paulo Verlings apresentou no Festival de Curitiba 2013 o espetáculo Maravilhoso. Baseado em fatos reais.
obs
acabou
por ruy filho
acabou o
P
or mais que insista o Governo Federal, a inflação voltou. E de um jeito perigoso, já que nada mostra que poderá ser controlada rapidamente. Não sou economista, nem estudioso sobre o assunto. Mas vou ao supermercado, utilizo gasolina, consumo uma série incontável de produtos necessários e inúteis, e posso dizer com bastante segurança não serem os mesmos os preços de hoje e ontem; e certamente não serão iguais amanhã também. A diferença entre os três últimos governantes, quando se pensa a economia, é simples. Fernando Henrique não tinha escolha, precisa resolver as coisas, ou era morte súbita. Lula, por sua vez, recebeu a casa em ordem e pode explorar o melhor disso. Dilma, no entanto, desde sempre me pareceu reticente às ações menos populares; ao menos, quando se trata de economia, visto que, em tantas outras áreas, as necessidades eram enfrentadas sem nenhum pudor. O que foi ótimo. Só que a face sorridente dessas conquistas escondia a verdadeira expressão de suas preocupações. O crescimento continua diminuindo, o pais perdeu anos preciosos de investimentos em infraestrutura, e todos os dias somos avisados da nova meta inflacionária (sempre revista para mais) ter sido ultrapassada, surpreendendo os governantes, mas não os economistas. Contudo, não é exatamente o tempo do crescimento/desenvolvimento que acabou. Falo de outro. Aquele que poderia ter trazido a Cultura à suíte principal. Enquanto a nova classe média surgia para ficar, com todos os direitos tardios, os incentivos governamentais se limitaram ao consumo primário das necessidades básicas. Evidente ser ele reflexo de tantas décadas de descaso e roubalheira. O tempo que não se recuperará é o instante seguinte. Resolvida a primeira onda de consumo, poderia ter sido a Cultura o investimento público para gerar emprego, circulação financeira e, diferentemente de geladeiras e carros, também conhecimento e desenvolvimento humano. Afinal, não faltam referências e estudos que comprovem o quanto a cultura é capaz de desenvolver econômica e socialmente. Talvez não seja tão rápida quanto aquilo que se pode conquistar
em 36 prestações. O que certamente não ajuda muito a angariar votos. Agora, a retração enterra de vez a possibilidade da Cultura entrar para o dia-a-dia do brasileiro. Não serão nas salas de teatro, cinemas, museus, concertos ou livros que a população endividada irá aplicar os recursos extras. Exemplo contundente da atual condição dos nossos ávidos consumidores, foi o evento realizado em São Paulo para os paulistanos limparem seus nomes e encontrarem caminhos para as dividas. Se, em anos anteriores, as instituições participantes ofereciam até 75% de abatimento, desta vez os descontos chegaram aos 90. E muito pouco disso se refere ao consumo cultural, mesmo que indiretamente. Depois de dois exemplos antagônicos e fundamentais sobre como gestar o Ministério da Cultura - a controversa e propositiva administração de Gilberto Gil e a confusa e incipiente de Ana de Hollanda -, Dilma parece não ter apreendido muita coisa sobre como utilizar a pasta para o bem do próprio brasileiro. A Cultura continua como o lugar do entretenimento vazio. Ao menos para a população. Os artistas recebem suas migalhas aqui e ali, mas essa é outra discussão. Aqui, trato do tempo que não teremos mais para construir o desejo pelas manifestações culturais. E não adianta os Governos criarem eventos seguidos, oferecendo-os gratuitamente, como se isso consolidasse alguma importância e reconhecimento às manifestações culturais e artísticas. Pelo contrário. Feito como tem sido, só intensifica a percepção de caber ao poder público e empresariado os custos da Cultura. Por não reconhecer seu valor, as pessoas continuam apenas público, longe de se confirmarem potencialmente consumidores. Muitos argumentarão não ser a Cultura um produto. Eu mesmo penso assim. Mas não se trata de valorizar a manifestação artística por sua capacidade em ser vendida. O ângulo a ser observado é outro. Toda produção cultural implica em centenas ou milhares de ramificações, entre necessidades e desdobramentos. É a tal da economia criativa. Essas demandas poderiam, ou melhor, deveriam servir como instrumento do Governo para re-
pme
O ócio criativo destruído pelo tecnicismo
avaliar a potência do país em áreas que o mundo todo luta por alcançar, como diversidade cultural, turismo e economia verde. Mas parece que só interessa mesmo a próxima eleição. Tanto para quem está dentro, quanto aos que permanecem fora do poder. A política tomou a política da pior maneira possível. Os poderes legislativos e judiciários se estapeiam como crianças no parquinho particular, abandonando o pais aos seus delírios e idiossincrasias. Até quando seremos obrigados a aceitar a preguiça ideológica que parece se tornar preceito ao poder? Até quando a Cultura será a moeda de troca entre partidos, personalidades e jogos de interesses discutíveis? Até quando a Cultura viverá ao limite de sua subsistência ética e estrutural? O paradoxo que vive a Cultura parece não ter resolução. Aos políticos, não interessa. Ao povo, igualmente não. Cabe aos artista resolverem o enigma. E talvez esse seja o maior problema. A urgência da atitude para conduzir a Cultura ao lugar de relevância no consumo brasileiro, depende do artista compreender também o quanto é fundamental valorizar seu trabalho. Não apenas no aumento dos próprios salários, mas no oferecer dignidade aos universos circunscritos. Por enquanto, por necessidade e costume, tudo aquilo que se faz útil acaba sendo tratado como subemprego e menor. Sem que se valorize a estrutura básica de efetivação da arte, como é possível esperar que mudanças aconteçam na compreensão da cultura?
O artista, então, acaba sofrendo da mesma cegueira que o Governo, ao acreditar que foçar seus esforços na confirmação de seu valor é o suficiente. Agindo dessa maneira, ignorando toda a potência daquilo que justificaria sua importância, não há muita diferença entre entregar para o consumo uma geladeira ou peça de teatro. Semelhantes no propósito de suprir um espaço no cotidiano, ambos podem ser substituídos a qualquer momento, dependendo das necessidades e vontades do instante. A isso, ainda resta uma fresta de tempo. A questão é descobrir, no limite dessa possibilidade, se o artista prefere ser simplesmente o modelo mais moderno, passível de troca, ou a participação mais profunda e menos narcisista na evolução social. Se a escolha for a primeira, então estamos no caminho certo. O Governo se firma sob a ideologia do consumo imediatista de superficialidades, enquanto o pais explode em contradições, e a Cultura passa a ser uma mistura ideológica de entretenimento disfarçado de ideologia, cuja visão de mundo não se oferece como reflexão, mas como algo a ser imediatamente consumido. Se escolhida a segunda, cabe aos artistas evoluírem na proposição de trazerem ao outro experiências que não podem ser contabilizadas em ganhos reais, apenas pela modificação do observador frente ao convívio com outras camadas de conhecimento e percepção. Nessa escolha, qual o papel do Governo, então? Bom, duvido que ele se interesse verdadeiramente por esse caminho.
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libErdadE POR ruy filho + ricardo ramory
na vida na artE
Esta é uma campanha
foto alEx silva . assistente Bruno marçal . Beauty rEnatto souzza Coordenação de estúdio andrEa silva . tratamento de img Giovani FErrEira
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homenagem
CLUB
o teatro se realiza também em escuridão
Juliana Galdino em Pinokio, em foto de Edson Kumasaka.
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orque existe na sombra, a projeção de uma latência, o teatro também se realiza como escuridão. Duplamente. Aos versos. Um, feito palavra, tal qual a poesia. Outro, feito princípio, tal qual a poética. Está no vácuo entre poesia e poética, portanto, não a imagem, mas sua resposta; sombra. A imagem caminha à frente, faz-se representação. E é apenas isso mesmo. Fingimento. Assim nasce o teatro. Ou deveria. Pela compreensão de ser o visível apenas a consolidação do imponderável. Não é o homem, então, a essencialidade da cena. Tampouco o exercício por torná-lo plausível. O homem qual se revela é somente espectro do imponderável. Não lhe cabe ser verdade alguma, salvo quando esta é sua própria condição de potência de existência. O teatro é a potencialização do ser, então. Não do sujeito. Mas daquilo que lhe antecede ao reconhecimento. Assistir ao Club Noir é o optar por vagar solitário às infinitas dobras da sombra implícita na mais profunda permanência da poesia. Permanece-se, mais do que assiste-se. E cabe muito nessa transferência ao talento de Roberto Alvim e sua particular observação sobre aquilo que a sombra esconde revelar. Mas é preciso dar corpo. Tonar a poesia verso, e este fala. E falar. Não como quem diz, ou meramente devolve palavras. É preciso esquecer as tentativas de corporificar o sujeito, e avançar sobre a subjetividade que o permeia. E ninguém melhor que Juliana Galdino na arte de representar a subjetividade. Salta-se ao abismo no Club Noir, para descobrir que o infinito final é simplesmente o retorno ao início do trajeto. Surge ali um outro. Que não importa ser identificado. Que não importa ser nomeado. Revelado em outra dramaturgia, em outra interpretação, em outros pensamentos. Outro. Talvez seja esse o maior valor desse teatro. Não no sentido de somar ao todo mais um. Mas pela singularidade que torna o entorno desconexo, cansativo e pouco inventivo. O Club Noir estrutura novos labirintos no percurso da queda pelo abismo. E se entregar a eles são desdobramentos sem volta ao reconhecimento do prórpio ser. Uma vez ali, deixa-se de ser alguém. O espectador torna-se sombra de sua realidade. E manifesta na verborragia provocada sobre sua imaginação os mais fundantes atributos de outra poética. O ser passa a ser, então, a mais brilhante e inequívoca escuridão de seu próprio tempo. E o teatro o meio de fazer do homem sua melhor e irrecusável poesia. Ruy Filho
Cena do espetรกculo Prometheu.
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Ensaio fotogrรกfico de Edson Kumasaka para a peรงa Pinokio. 47
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o espetรกculo Pinokio, em fotos de Bob Sousa.
“A aliança de Juliana Galdino e Roberto Alvim radicaliza uma das tradições mais fortes do teatro, a do simbolismo e da antiteatralidade. Ao dar prioridade ao texto em detrimento do espetacular os artistas atualizam a relação orgânica com a palavra enquanto matéria e corpo que respira, tem ritmo, força, peso e volume. É a escuridão característica do teatro noir que permite a proliferação dessa cena de palavras em movimento e “personagens rítmicas” dançadas pelo ator.” Silvia FERnandES pesquisadora
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Cena de o Fim da Realidade. na outra página, orestéia ii.
“Acompanho o trabalho deste grande amigo desde o inicio em São Paulo, em 2006. Trabalhamos juntos algumas vezes no Sesc Paulista, e com isso pude acompanhar de perto a intensidade e os limites que testa em seus processos de montagem. Com o tempo, em um pontual mas longo convivio com ele e com a Juliana Galdino, me dei conta de que uma necessidade furiosa de liberdade está presente em tudo que os permeia. E esta coerência na vida, nas crenças e em sua obra demonstram sua fé. Roberto Alvim é, para mim, e antes de tudo, um homem de fé. O centro de sua obra é o homem, e Alvim está à serviço deste ser que é puro milagre, sem contornos definidos e sem qualquer possibilidade de resposta ou de verdade. Sua obra não trata da busca de uma humanidade possível – homem/sociedade, homem/ indivíduo - mas das possibilidades de reinvenção do sujeito. Um homem, ao fim e ao cabo, indomesticável e inconformado em sua condição de animal. Como Alvim, como Juliana.” tECa maGalhãES
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Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo
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Cena de Cominicação a uma academia.
“Lugar comum dizer que o teatro de Roberto Alvim e Juliana Galdino sempre me trouxe o sombrio, a penumbra, o medo. Mas noto que nesse teatro clube Noir a luz nunca revelará o mesmo que a mandíbula. Nele, sinto como que sentado ao lado de Tirésias, assoprando histórias sobre a falta de sentido do eu, do homem contemporâneo. Esse teatro que nos coloca em permanente estado de aporia desistiu da imagem do homem concebida e desgastada pela história, a psicanálise e a retórica. O que interessa para eles é o ser humano inventado, construído, moldado. E não reinventado, reconstruído ou remodulado. Esse [re] traria de volta o outro homem, aquele que já foi submerso e enterrado por psicologismos ou hexegeses. Suas narrativas – oníricas e de poder imagético único de paisagens estranhas – apresentam outros homens sem rumo, noutro tempo, no qual tampouco parece haver destino. Há seduções e ameaças, mas todos sem explicações. Em tempos de cegos, Roberto Alvim nos faz enxergar um homem em via nova, mas que fareja no rastro círculo de um homem velho e morto algum possível resignificado de seus medos e suas tragédias, pois como novo homem também cisca as pistas de um mundo escravo, também submerso e destruído, como o nosso. A palavra, o som, a luz e a forma desse homem é outra e o mais assustador é que ela continua sendo um espelho convexo de nós, restos de homens presentes na plateia e assustados com a imagem opaca e ameaçadora que vemos. Pois, mesmo que remotamente, ao mirar a lente nos distinguimos e nos perfilhamos, mas em outro lugar de reconhecimento. Quando se menos espera, o novo homem reamarra a corda em nosso pescoço e nós próprios damos o toquinho no pé da nossa banqueta.” antonio maRtinEli
Coordenador do Pavilhão Brasileiro em Frankfurt 2013
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Espetรกculo amante com Juliana Galdino, Caco Ciocler e Bruno Ribeiro, em foto de Bob Sousa.
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Cenas do espetรกculo aqui, de martina Sohn Fisher.
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ao lado, foto de Bob Sousa de amante. nesta pรกgina, cena de happycinio.
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Cena de orestĂŠia i.
“Assistir a uma montagem da Cia Club Noir nunca é um experiência corriqueira. É se dispor a entrar em um mundo teatral novo, sem conseguir emitir ao final de uma montagem o nosso “ gosto ou não gosto “ tão protocolar. Um teatro que te devolve a palavra e te leva para um outro lugar , adoravelmente desestabilizador. “ miKa linS
atriz e diretora
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acima e à esquerda, cenas da peça Pinokio. abaixo, o espetáculo Procurado.
abaixo e Ă direita, cenas de o Fim da Realidade.
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“Estou ensaiando a peça INVASO(RES) com Roberto Alvim. É a minha primeira experiência prática com a linguagem dele. Embora já fosse, desde o começo do Noir, uma espectadora e admiradora do trabalho dos dois, pois sempre foi instigante para mim observar o caminho por onde trilhavam a investigação. A música, melodia do texto e as imagens de que forma se revelam a partir de como são desenhadas sobre o silêncio, sobre o vazio. Juliana é uma força da natureza, soma a técnica brilhante a uma pulsão latente raramente vista. O Teatro Noir é uma das grandes referências do teatro contemporâneo brasileiro, um lugar para vivenciar e pensar o teatro fora de qualquer zona de conforto.” Paula CohEn
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atriz
ร esquerda, cena de Fatia de Guerra, de andrew Knoll. nesta pรกgina, o espetรกculo Suplicantes.
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Cena do espetรกculo Burger King de Richard maxwell.
“O Club Noir representou na cena paulistana um resgate de experiências radicais com a linguagem cênica, isto em um momento em que se vivia uma maré redutora das formas teatrais a discursos engajados na luta ideológica de esquerda. A união de um dramaturgo, que tinha experimentado diversas dramáticas e buscava sua própria voz, com uma atriz tarimbada em processos inventivos de elocução gerou um somatório virtuoso de energias criativas. Calhou que essa parceria encontrasse um lugar adequado de preparação e exposição de seus frutos e iluminou-se a escuridão. “ luiz FERnando RamoS crítico
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“A experiência conceitual que o projeto do Club Noir constrói para friccionar o imaginário de uma cidade como São Paulo é, por suas dissonâncias e por seus constantes tensionamentos, uma proposição que trafega na contramão do discurso teatral dominante e ‘escova a contrapelo’ o instaurado campo de ações certeiras vigentes, nesta época em que o teatro de grupo tem necessitado profundamente de novos respiradouros. Tanto em um âmbito radicalmente artístico, quanto como proposição pedagógica em diversos níveis (do estudo da dramaturgia e da História do Teatro à experimentação concreta da cena e do trabalho do ator - em múltiplas montagens - estudos muito consistentes), o Club Noir elabora travessias que se desdobram em espetáculos sucessivos como naquela experiência articulada como ‘Tríptico’, a partir das obras escritas em fases distintas por um autor como Richard Maxwell. A crise do real manifesta-se em forma e
conteúdo, reverberando processos da filosofia contemporânea. Em ‘Pinókio’, as Dramáticas do Transumano (propostas como desarticulação de mecanismos formais convencionais ou mesmo como antimetodologia) ganharam sua inexata dimensão Poética. O espaço de exposições/ bar/teatro configurase como um espaço de materialização para o risco da invenção, da contravenção, da criação. Sobretudo, em seu veemente corte feito a contraluz, o teatro estático e em penumbra formulado por Roberto Alvim e Juliana Galdino (que bebe em fontes tão díspares e complexas como Ésquilo e Mark Rothko, nos andróides simbolistas e nas peçaspaisagem de fins do século XIX, nos manifestos de vanguarda e nos diálogos craiguinanos reverberados em releitura por melopéias à Antunes Filho) dá origem a um raro procedimento de coerência e contundência estética que nos assombra a todos.” RoGéRio toSCano dramaturgo 2
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Ă€ esquerda, cena de Burger King e nesta pĂĄgina, Procurado.
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“Uma fresta de luz que ilumina o que de melhor se produziu para o pensamento teatral brasileiro� CaEtano vilEla
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diretor e iluminador
Cena do espetรกculo O Fim da Realidade.
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convocatória
F. A. Uchôa por F. A. UChôA
Cartazes produzidos pelo designer gráfico F. A. Uchôa para os oito espetáculos que compuseram a Mostra Brasileira de Dramaturgia Contemporânea, realizada em 2012 e 2013 no Club Noir, em São Paulo. O resultado estético exemplifica como o material gráfico pode fazer parte do conceito da obra representada, e não ser apenas um meio dissociado de divulgação. Quando se assiste às peças, pode-se retornar aos cartazes e compreende-los como signo perfeito do que foi visto no palco, como mais uma extensão da obra.
E
laborar a identidade gráfica dos cartazes da Mostra Brasileira de Dramaturgia Contemporânea sediada pelo Club Noir não foi tarefa sim-
ples. Como criar unidade gráfica para peças tão específicas entre si, mas que guardam inegável cumplicidade por estarem majoritariamente encampadas pelo mesmo projeto estético? A resposta estava nas próprias peças, grande parte delas suplantadas pela habitação poética da linguagem. O empreendimento desses autores foi contemplado por mim na própria materialidade da tipografia, que assumiu formas imprevisíveis em cada cartaz. Novas formas de vida a partir de letras e pontuações, a tipografia como símbolo máximo de uma mudança paradigmática iniciada pela linguagem.
ca r t a a b e r t a remetente destinatário
Ruy Filho
ima
via
it mar
Roberto Carlos
O
i Roberto, beleza, bicho? Rapaz, esperei a coisa toda dar um esfriada pra poder te escrever. Sei lá, você deve estar cansado de todo mundo te ligando, querendo uma palavra, um depoimento, uma explicação, essas coisas. Eu não quero nada disso. Até porque, se eu te conheço bem, você deve estar nesse instante indo do seu iate pra mais um cruzeiro, certo? Espera. Desse jeito, parece que nos conhecemos mesmo. Nunca fomos apresentados. Mas todo brasileiro te conhece. Entende o que quero dizer? Se bem que, quando eu tinha uns 7 anos, assisti teu show por cima do muro do Iate Clube, lá pelas redondezas de Itanhaém, sentado no ombro do meu pai. Cara, era aquele em que você terminava de palhaço. Puta, aquilo era demais. Aí, cresci. Fui pra um lado, você pra outro, e não sobrou oportunidade para sermos apresentados. Passei minha vida toda com o impacto daquela cena do palhaço. Agora, mais de trinta anos depois, a maquiagem mudou de lado, é isso mesmo? Sem ofender, porque a parada não é pra isso, mas eu virei o palhaço? Bicho, é o que parece, quando você manda proibir uma tese de mestrado sobre a Jovem Guarda. Não entendo mais nada, não. Primeiro, por que fazer uma
tese sobre isso hoje, haja paciência. Por isso que não tenho saco pra mestrado. É muita coisa pra sei lá o quê, fala sério. Segundo, logo você proibindo? E de novo? Tudo bem, o outro era um biografia não autorizada, vá lá. Acho que foi frescura tua, mas quem nunca acordou um dia de saco cheio e saiu cheio de frescura por aí, não é mesmo? Todo mundo sabe sobre aquele negócio lá que te aconteceu, e que você ficou sem, a coisa e tal... Enfim, deixa quieto. Mas não é mesma coisa que a tese da menina, figura. Poxa, Zunga, tenta entender. Seguinte. Deixa eu ver se consigo me explicar. Você é uma pessoa e é um artista, certo? Então... Aí tem a pessoa que se confunde com o artista e o artista que se confunde com a pessoa. E tem o cara que não dá mais pra saber quem é quem, porque as histórias são construídas juntas. Fica difícil separar. Só que você não é uma figura pública, mas o artista é. E, quando um se confunde ao outro, aí complica. Pensa comigo... Tem coisas que o artista fez, participou, que é mais do que a pessoa. Porque faz parte da vida de todo mundo, do imaginário popular, são mais do que suas histórias, são as histórias da nossa cultura, do nosso país. É do caralho, é massa. É muito bom! Mas é de todo mundo,
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no nono
não dá pra ter chilique por conta disso. A menina escreve e você não deixa, por que acha que é só seu? É meu também, é dela também. Se você continuar com isso, a saída vai ser, daqui pra frente, quando falarem sobre a Jovem Guarda, não citarem mais teu nome. É isso mesmo que você espera? Não quer ser lembrado como ícone, não quer ser associado ao estilo, não quer o quê? O que te incomoda tanto nisso? Qual o drama, bicho? Tá tudo em paz. Uma tese é uma homenagem. Nem li, pra saber que a menina foi super respeitosa com você. Se ela escolheu esse momento da história cultural brasileira é porque se identifica. Então, é claro que ela te curte, que você é um ídolo pra ela, essas coisas todas. Lembra... Amigo de fé, irmão camarada... Saca? É isso. Fé, camaradagem. Vamos lá! Libera essa porra e vamos curtir no karaokê da liberdade. Eu te ajudo se tiver escada. Falando sério. Você tá precisando de amigo. Sério mesmo. Bicho, é só ligar. Vamos pra Santos, sentir as curvas. Descer à 120 por hora. Como antes. Ou podemos descer a Augusta. Puta ideia. Você nunca foi na praça Roosevelt. Tem que ver, faz parte. Você começou muito de tudo isso que está rolando. Quando sair do iate, vamos percorrer o Baixo Augusta, quero ver você não lembrar do que é ser jovem! Vai pirar. Você ainda tem uma boa jaque-
ta de couro ou só tá usando mesmo aquelas de jeans azul? A juventude transviada surtou de vez. Tá tudo muito doido. Você anda pela tua Rua Augusta e tem puta com travesti, punk com mauricinho, nerd com clubber, emo com hippie peruano. Tá demais. Topa? Bicho, você é o tipo de cara que fez uma capa de disco com uma pena no cabelo. Revolução total. Vamos marcar um show teu na Loka pra acabar logo com isso? Como sei que você para o teu iate sempre perto, acho que não me resta muito tempo. Você já deve estar pra zarpar fora. Então, papo reto. Larga mão. Deixa rolar. O Brasil já tem censura demais, não precisa de mais uma. As pessoas estão se acostumando. Vão começar a achar normal. Você lembra onde tudo isso vai parar, não lembra? Nem todo mundo tinha caracol no cabelo, ou conseguiu voltar pra pisar a areia branca. Você sabe. Deu merda. Deu muita merda. Então, esquece. To te pedindo como irmão, na fé, na camaradagem mesmo. To latindo sorrindo pra ti, saca? De palhaço pra palhaço. Só que meu nariz tá errado. Quero usar o teu. Quer poder usar só o teu. Me ajuda nessa, irmão. Porra, ajuda aí. Me liga quando acabar o show. Passo pra te pegar e vamos dá uma volta pra ver a vida com o vidro do carro aberto. Sentir o vento, bicho. Sentir o vento...
visitando
alracca
o teatro feito para a crian莽a e o adulto como uma coisa s贸 por fotos
ruy filho
fausto roim
candiotto
L
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Carla Candiotto posando no parquinho da Praça Roosevelt.
embro-me de minha primeira peça, no Rio de Janeiro, aos 6 anos, quando, extremamente aterrorizado levei mais de dez minutos para abraçar o Pernalonga na porta da sala do teatro. todas as crianças já tinham ido. Eu não. Era um coelho imenso! E não me parecia alguém sincero, afinal, durante uma hora, o vi sacanear todos os outros sobre o palco. Por que não faria o mesmo comigo? Foi a maneira como sentou ao chão, colocando-se próximo a minha altura e, sem qualquer tentativa de me convencer a agilizar meus passos, me ofereceu uma mordida na cenoura. sentei ao seu lado, passamos alguns minutos quietos vendo as crianças irem embora, até que aceitei o pedaço. E descobri, na textura de uma espuma laranja, que ele não era bem um coelho, mas um rapaz. Conversamos, enquanto me explicava o teatro, e durante todo o tempo o chamei pelo nome humano. dei-lhe um abraço apertado de despedida e antes de sumir do saguão, gritei, tchau Pernalonga! O suficiente para ele fazer o ator ao seu lado tropeçar enquanto piscava sorrindo para mim. Quando, já bem mais velho, fui assistir pela primeira vez o Le Plat du Jour, em uma releitura de os 3 Porquinhos, não levava comigo nenhuma criança, apenas aquela escondida durante décadas. não havia outro motivo para estar ali, apenas a esperança de reencontrar aquela sensação de descoberta e liberdade. E foi exatamente o que encontrei. Um jeito de tratar o adulto como criança, a criança como adulta nos domínios de seu mundo. E, confesso, faltou pouco para procurar o
porquinho no final e sentar ao seu lado esperando surgir a conversa. até que, anos depois, convidada pela revista, Carla Candiotto topou dividir um café. Poucos são os grupos e trabalhos realmente dedicados aos estudos sobre essa linguagem. dentre os mais interessantes, o Le Plat du Jour, fundando por alexandra Golik e Carla, é referencia absoluta de ousadia e competência. não haveria melhor, então, para conversarmos. a descoberta pela linguagem infantil se deu nos trabalhos desenvolvidos na Franca, conta. Mas com a diferença de que lá fora, explica, não existe o teatro infantil e o adulto, apenas teatro. vivenciando a qualidade de uma outra percepção sobre a inclusão da criança como público, o Le Plat du Jour desenvolve espetáculos entendendo a plateia como ambiente para todas as idades. Quem pode dividir a experiência de assistir a uma das muitas montagens premiadas da companhia conhece a diferença de estar junto a crianças dividindo uma experiência. São trabalhos refinados em ironia, próprios ao deleite dos adultos, e extremamente inventivos. Por isso, os clássicos são escolhas recorrentes, quando observado o repertório da companhia. Para Carla, eles oferecem uma qualidade singular, a certeza da eficiência do material de base. não para que seja a segurança da aceitação, apenas, mas, sobretudo, por possibilitarem como poucos sobrepor uma linguagem de pesquisa. a história esta lá, diz, e é o ator quem vai acrescentar algo a mais. de modo geral, os respeitos demasiados pela dramaturgia clássica e pela
criança acabam tornando o espetáculo um dialogo infantilóide, pelo qual a redundância e o tom explicativo superam a escolha pela identidade do artista. É preciso encontrar o tempo do próprio universo qual se quer atingir, voltar a ser criança, deixar que os ensaios tragam tanto a ingenuidade como maledicência especificas da idade. Apenas assim, pode se chegar a um vocabulário de cenas suficiente para dosar o diálogo e encontrar o que pode estar para as crianças e para os adultos, sem tornar a obra enfadonha aos mais velhos ou incompreensível aos novos. Provocar o dialogo, portanto. Essa é a perspectiva inicial e final na construção de um novo trabalho. Carla coloca a importância de se trabalhar o teatro como acesso ao desenvolvi-
mento de seres pensantes, por isso a importância de ir além do tradicionalismo nas montagens, para reconstruir de forma pessoal aquilo que já se reconhece. o público é o critico, afirma. duas são as questões intrínsecas do nosso tempo: a construção no imaginário infantil do teatro se um lugar onde se configura sistematicamente o proibitivo e a relação dos pais com os filhos e o teatro. a primeira, refere-se à maneira como se introduz a criança ao próprio espaço físico. o teatro nada mais é do que o lugar onde não pode falar, não pode se levantar, não pode conversar, não pode ser, em última analise, criança. E a criança é sempre criança, afirma Carla. Para ela, não exite problema quando se coloca como tal, e confessa se deliciar quando
uma criança não gosta do que assiste e expressa o descontentamento em tempo real. Estar no palco é uma tarefa complexa que surge como resposta a tentativas de compreender o interesse do outro. ao se revelar insatisfeita, algo não deu certo. É preciso prestar atenção a isso, e não meramente entender como indisciplina. o problema, já passando aqui para a segunda questão, está na perda da autonomia da criança. os pais, muitas vezes, confundem o acompanhamento dos filhos com oportunidades para os mostrarem aos outros. Poucos estão ali pela vontade com eles dividirem um momento único que pode envolver experiências novas, descobertas e diversões. não ha, verdadeiramente a disposição ao outro. E o teatro passa a ser apenas o meio para se
chegar ao exibicionismo solitário e dominante. Portanto, aquela criança que grita e reage não é exatamente o melhor exemplo a ser oferecido. não bastasse a distorção absoluta dos motivos que levam o indivíduo a estar ali, muitas vezes se trata também de ampliar a coleção de celebridades assistidas. assistidas? nem um pouco. Estar é o suficiente para poder contar aos amigos. Como se o espetáculo fosse a pessoa sobre o palco ou ele próprio, e não a manifestação de uma narrativa como encontro com o imaginário. Muito se fala hoje na educação sobre a liberdade conviviver com a disciplina. todavia, a experiência de Carla argumenta encontrar apenas a primeira, enquanto devolve a inquietação indagando so-
“Sou o cavalo do bandido com muita dignidade” bre o que venha a ser essa tal liberdade. vivemos um momento na sociedade onde sequer uma reprimenda pública é possível. ao respiro de outras épocas, quando a disciplina dominava hierarquicamente a relação familiar e os processos educativos, a liberdade do outro passou a ser a interface de respeito. Quanto maior, portanto, mais se revela respeitar. surge assim, uma geração de absoluta desobediência, imposição de vontades e, até certo ponto, egoísta e narcisista. Lidar com essa criança como espectadora, não é tarefa simples. o artista passa a ser igualmente um instrumento para sua satisfação absoluta. Entretanto, um espetáculo se completa pela qualidade de suas inquietações e contradições. Está no conflito o desenho de uma observação ética sobre o convívio e o existir. sem levar em conta esses valores, pois significaria desagradar a urgência das vontades da criança, o teatro recai no limbo de total desnecessidade e entretenimento mais superficial. Daí que ir para encontrar o rosto famoso da novela é o grande argumento para se comprar os ingressos. Mas é preciso a criança para se sentar em uma plateia como essa. E o filho, sem muita escolha, vai lá exercer sua plena liberdade dominada pelos interesses dos pais em expô-lo à sociedade em toda sua perfeição. Parece exagerado colocar as coisas assim, mas Carla traz o pior dos exemplos. Conta que, nos lugares mais elitizados, o público age como se fizesse um favor aos artistas com sua presença. Receber as crianças no final se torna a obrigação daquele que esta ali para servir, e não mais
o encontro onírico entre o sonhador e a materialização de seus delírios. o ator é como qualquer animador de festa contratado, e não a possibilidade do abraço, da intimidade entre o personagem e a criança. Onde ficaria meu Pernalonga nisso? Para Carla, o teatro infantil é uma porta para a anarquia. É o lugar correto onde o artista pode subverter as regras do fazer teatral sem que a atitude seja levada às explicações intelectualizadas e grandes explicações. apenas pelo prazer da subversão. da cena, do instante e de como a verdade pode ser retorcida pela imaginação, recriando-a com sabores novos e olhares originais. Como última pergunta, provoco-a sobre um nome que gostaria de convidar ao universo infantil. os artistas surgem, as risadas contaminam a conversa, até definir: gostaria de fazer uma peça infantil com a Marília Pera, seria divertidíssimo colocá-la nessa confusão toda. típica resposta de quem ainda enxerga o teatro como brincadeira, como jogo, como fundo de quintal. Por isso o trabalho do Le Plat de Jour é tão diferente. não se faz apenas teatro. Cria-se mentirosos argumentos para se manter eternamente criança. E nada é mais lindo do que isso. PS.: um grupo de crianças surge durante o ensaio fotográfico. São convidados a participarem. E, entre um clique e outro, o garoto que possuía o olhar mais desconfiado me pergunta: ela é atriz não é? Sim, respondo. Eu sei. Já vi as peças dela. Ela é muito louca e engraçada. Sim, de um jeito muito especial, ela realmente é.
vertical
soBre o deslocamento da aÇÃo e a revisÃo em paralaxe na comPosiÇÃo da ideia de suJeito
OU
como inverter as verdades histÓricas por ruy filho
início
onde está a ação? aonde se desloca a ação? só é possível compreender a ação a partir do sujeito só é possível compreender o sujeito a partir da estabilidade só é possível compreender a estabilidade pela crença só é possível compreender a crença a partir da relação
tudo aquilo que é do seu conhecimento de fato é o necessário a se conhecer?
não. o conhecimento é limitado em seu alcance o conhecimento é principalmente ignorante se configura na interconexão entre tempo e acaso
a história que você conhece
só é possível compreender o relação pela construção da ambiência
é a maneira limitada como seu
só é possível compreender a ambiência a partir daquilo que se entende real
inclusão ao tempo
só é possível compreender o real pelo conhecimento então tem que se discutir o que se entende por conhecimento e como ele estrutura a percepção da realidade que determina as ambiências de convívio que constróem a noção de relação e firma a ideia de crença que determina a estabilidade e implica o entendimento de sujeito
conhecimento determina sua
a realidade que você conhece é a maneira limitada como seu conhecimento determina sua percepção ao acaso
não acessamos o real em si acessamos sígnos que representam o real
e confirma a própria ação
o que acessamos é semioticamente real
o que você conhece realmente é do seu conhecimento?
o real, como potência, manifesta-se como conhecimento tácito
é Preciso acordar com o outro
nada do que Pode ser falado Pode ser real
asPectos de reciProcidades Para
nada do que for exPressado Pode ser real
mas a reciprocidade
Pois sÃo manifestaÇões sígnicas
você desconhece mais do que conhece inclusive sobre tudo aquilo que conhece o pensamento está vinculado à realidade as representações representam algo do mundo objetivo
então não é possível compreender plenamente a realidade
a eficiência da estaBilidade
depende daquilo que se reconhece no outro e reconhecer é o movimento de compreender o próprio conhecimento inerente só que não se alcança a totalidade do conhecimento não se alcança a totalidade do outro não se realiza o princípio de reciprocidade em seu intuito absoluto
então se estabelecem acordos então não é possível conhecer plenamente a realidade
simpatias imparciais
então o real se faz por uma
então se lida com a verdade como afirmação de simpatias
espécie de convenção comum a vida social se confirma no campo das razões por operações cognitivas mas não é uma escolha voluntária
para se chegar ao convívio e dele surgir as relações as relações se dão em níveis programados denominados por crença
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é uma necessidade estabelecida por aceitação e conforto
a crença potencializa no sujeito
a vida social estaBelece os Parâmetros de estaBilidade ao suJeito
sua fixação no mundo a crença confirma aquilo que se acorda por real
qualquer tentativa de fuga da crença comum significa fugir da própria manifestação do real
fugir da realidade implica em ficcionalizar tudo aquilo que se configura ficcional transita para além da mera representação e se torna outro estado de existência pulsões de poéticas
a ficção, portanto, nada mais é
sensibilizar significa atingir a crença e tudo aquilo que confere segurança ao real
sem a crença o sujeito se torna instável então é preciso rever a ideia de sujeito mas todo sujeito implica a existência de um objeto então é preciso rever a ideia de objeto
ser sensível se traduz no mudar a percepção sobre o real
entende-se ser sujeito aquele que age sobre entende-se ser objeto aquele que sofre o movimento
ser sensível se traduz no mudar a representação do real
será?
do que a modificação do sensível
ser sensível se traduz no propor paisagens simbólicas divergentes ao real
a sensibilidade age sobre a confirmação da crença e a destrói paradigmaticamente e a eleva a igualmente ser uma ficção e a confirma como distorções de poder para a manutenção do convívio para a manutenção da ambiência para a manutenção do sujeito
sujeito é aquele que se sujeita se sujeita a... se sujeita à necessidade do agir se sujeitar quer dizer nao ser dele a escolha
então o sujeito não escolhe não parte dele o movimento inicial não está nele a centralidade narrativa do movimento não existe como vontade não se faz causa de nada o sujeito apenas serve ao desejo do objeto
o objeto é aquele que objeta se objeta a... se objeta a um proposito que o antecede se objetar quer dizer se opor ao determinado
em outra palavras, o sujeito é sempre passivo à oposição trazida pelo objeto em uma narrativa em outras palavras, o objeto é sempre ativo ao posicionamento do sujeito
a ação não está no sujeito a ação está no objeto a ação desloca o sujeito o sujeito tal qual conhecemos não faz sentido então o outro é a manifestação pura da identidade existente pela
então o objeto escolhe
necessidade atribuída por uma oposição
parte dele o movimento inicial
às simpatias imparciais
está nele a centralidade narrativa do movimento
o outro é sempre a
existe como vontade
manifestação da imparcialidade
se faz causa de tudo o outro é a existência do espelhamento da o objeto não precisa ser matéria, mas pode
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o sujeito não precisa ser alguém, mas pode
o objeto impõe movimento ao sujeito, portanto
própria imparcialidade de seu observador não existem dois sujeitos em uma relação apenas dois objetos duas existências em harmonia de suas oposições contradições que se anulam em conformidade ao convívio social
o sujeito tal qual representamos comumente não faz sentido então o personagem é a manifestação simbólica criada pela necessidade atribuída
romper a ideia de ação como movimento de desejo do sujeito romper a ideia de sujeito como centralidade romper a ideia de estabilidade dramática
por uma oposição às narrativas imparciais
romper a ideia de que a cena reflete a crença da realidade
o personagem é sempre a
romper a ideia de a percepção ocorre pelo
manifestação da desnarratividade
conhecimento reconhecível
o personagem é a existência do espelhamento da própria ausência de narrativa daquilo que lhe configura ação
não existe personagem em uma ação apenas o signo que se configura sujeito aquilo que se configura meio de existir à ação aquilo que se sujeita à ação
o teatro pode mais do que isso
o personagem tal qual identificamos dramaticamente não faz sentido
é a possibilidade de oferecer aquilo que não se reconhece
portanto, a ação não está
é a possibilidade de oferecer deslocamentos poéticos
no movimento propriamente se coloca na passividade do ser na necessidade de trazer o movimento e não no personagem que exerce o controle sobre a narrativa desdobrando a ação como sua consequência a ação se desloca na horizontalidade
é a possibilidade de oferecer aquilo que não se confirma
é a possibilidade de oferecer novas arquiteturas de conhecimento sobre si mesmo
da permanência e não no aprofundamento dramático de uma história
portanto, sobre o outro portanto, sobre a vida
tODO OuviDO
M
Morris dr
Do som que se relevela ambiência ao tratamento do ator como ressonância estética sonora. O teatro completo pela música
“A
ntes, ainda, de ser Dr, no inicio do Sec XXI, conheci o MORRIS e logo entendi que aquele sujeito falador e comunicativo seria um parceiro pra ninguém botar defeito. Apaixonado pelo mesmo teatro que eu, foi se tornando um dramaturgo musical, um ritmista da cena, um músico sortido e rigoroso, desses que a gente tem a bênção de ter ao lado. Mutante, serve-se do eletrônico, da marimba, de sinos, poemas e vozes , oboés e violões, guitarras e afins, para compor suas trilhas! Dr MORRIS é também um bom leitor, gosta de história, desenhos, cinema e bichos. Gosta dos amigos, de suas meninas, da roça e de cantar pra gente. É um tanto de coisa! É, para mim, indispensável! “ Yara De Novaes atriz e diretora mineira
Para conhecer uma das composições de Dr Morris, clique no botão ao lado 63
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ponte aérea por joão branco
Mindelo, a cidade
do teatro
S
e há algo que caracteriza a cidade do Mindelo, na ilha de S. Vicente, no arquipélago de Cabo Verde, situado bem no meio do Atlântico, é a diferença de todos os outros lugares que conheço: a sua capacidade de massagear o próprio ego. Há quem confunda isso com a natural e intrínseca vaidade do mindelense que, sendo por vezes contraproducente, é, na maioria dos casos, alavanca para uma elevada auto-estima que contribui para que projetos ousados, gente criativa, soluções inesperadas apareçam quando menos se espera. Com a mesma velocidade com que se fala da vida do vizinho na principal artéria da cidade, se inventa alguma ideia louca na qual só o cidadão do Mindelo acredita como viável. Esta postura, que pode ser criticada por muitos de forma justa, tem trazido, em abono da verdade, mais obra do que ruína. E a realidade teatral contemporânea só vem confirmar o que aqui se acaba de escrever. Cabo Verde é um arquipélago minúsculo, com pouco mais de quinhentos mil habitantes,
tantos quantos os candidatos a vereador que o Brasil conheceu na sua última eleição. Na cidade do Mindelo, a segunda maior do País, somos pouco mais de setenta mil habitantes. Destes, uma grande porcentagem são crianças e jovens. A maioria da população vive para sobreviver. E, no entanto, a cidade respira cultura, mesmo que falte quase tudo. Não existe nenhum cinema, as salas de espetáculo são escassas, os materiais técnicos raros, os especialistas quase nenhuns. No entanto, a arte cênica é hoje uma arte completamente socializada no Mindelo e, por extensão, em Cabo Verde. Em qualquer entrevista, seja um político, um intelectual, um engenheiro, um professor, é de bom tom dizer já ter feito teatro “na escola”, ou mesmo “em casa, para os familiares”. Isto é válido para o próprio Primeiro-Ministro de Cabo Verde, que numa recente homenagem a uma companhia de teatro da ilha de Santiago, fez questão de lembrar ter feito teatro nesse mesmo grupo, vinte anos atrás. Assim como é válido para o Presidente
5.080.61 km são paulo > mindelo
Cabo Verde da República, que escreve uma lúcida e apaixonada declaração no Dia Mundial do Teatro, que muito orgulhou toda a classe, declarando, entre outras coisas, que o teatro “é, sem dúvida, uma das formas de expressão artística mais populares e envolventes do nosso país”, dirigindo no final “uma saudação muito especial aos atores, dramaturgos, encenadores e demais fazedores de teatro que, cotidianamente, através da fantasia e da emoção, nos permitem mergulhar nas nossas realidades e desafios individuais e sociais, ser mais gente do mundo, ser mais cabo-verdiano.” O epicentro deste entusiasmo nacional sentido até nas mais altas instâncias políticas e institucionais do pais, está situado na cidade do Mindelo, onde, no início da década de noventa do século XX, nasceu um movimento teatral, agora comprovando ser muito mais do que isso: é um movimento social. Que despertou interesses, fomentou paixões, originou o aparecimento de múltiplas formações, o nascimento de dezenas de projetos teatrais (em
instituições nacionais e estrangeiras, nas escolas, nos bairros, nas paróquias, nas associações recreativas) e, como pilar de todo este alvoroço, um festival internacional de teatro, o Mindelact, referência no mundo inteiro, com dezoito anos de atividade ininterrupta, e um dos mais importantes eventos de arte cênica de todo o continente africano. Esta é uma cidade que festeja o seu dia mundial do teatro com um mês inteiro de intensas atividades, que passaram pela estreia de novas peças; pela apresentação simultânea de várias micropeças num dos edifícios mais nobres da cidade, arriscando, inovando, provocando um público cada dia mais sedento por novas propostas teatrais; pela homenagem feita por artistas a um grupo de teatro que trabalha na periferia para uma comunidade carente – e sedenta – de oferta cultural e que construiu o seu teatro improvisado no terraço de um centro social; onde um dos mais criativos diretores é também nadador-salvador na praia mais querida da cidade.
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Este mesmo diretor que escreveu recentemente num programa de peça que dedicava o seu trabalho “a quem faz teatro bebendo dos erros alheios. Muitos de nós fazemos teatro vivendo os erros. Ajudando os que erram porque o caminho é a perfeição. Para o esgoto da história, os silenciosos.” Esta é uma cidade que tem um teatro feito por “amadoristas”, aqueles que amam o que fazem e por isso o fazem. Apesar de, na outra vida, na sua vida “normal”, serem estudantes, desempregados, professores, economistas, vendedores, militares, mecânicos, animadores sociais, educadores de infância, vagabundos, pequenos comerciantes, carpinteiros ou eletricistas. Que se levantam muito cedo para trabalhar e, por vias dos ensaios e de um amor inusitado e misterioso pelo teatro que a sua cidade tanto acarinha, se deitam muito tarde, abdicando de tempos livres que poderiam ter com a família, o futebol, a novela, com a(o) namorada(o), as mil e uma possibilidades de entretenimento que os dias de hoje nos oferecem, mais como forma de alienação global do que como veiculo de alimentação espiritual. E não foi por acaso que neste pequeno e modesto texto, não se falou do nome próprio de ninguém. O protagonista desta revolução tranquila, que colocou a arte cênica na linha da frente de tantas pessoas, de todas as idades, de todas as camadas sociais, todas as crenças religiosas ou opções políticas, é a cidade do Mindelo. Melhor ainda, o povo da cidade do Mindelo. O melhor amante que a arte cênica podia ter.
joão branco, diretor de teatro e organizador do Festival Mindelact em cabo Verde.
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libErdadE POR odara carValho + erika puga
na vida na artE
Esta é uma campanha
foto alEx silva . assistente Bruno marçal . Beauty rEnatto souzza Coordenação de estúdio andrEa silva . tratamento de img Giovani FErrEira
positivo
diálogo. x2
por luiza novaes e rachel ripani
DUE rachel ripani: Eu já tinha ouvido falar muito do espetáculo, queria muito ver. luiza novaes: Eu já tinha visto no tuca, no arena. rr: E gostei muito.Você faz/fez terapia? Achei o Damigo ótimo, queria ter visto com o Suchara também. Equipe boa, tema interessante... ln: Já fiz terapia, hoje em dia faço retiros de palhaço para destruição do ego! rr: Kkk maravilha!A gente pode ver o espetáculo por vários ângulos, um deles seria o processo de qualquer paciente até confiar e empatizar com seu terapeuta de fato. Claro que nos colocamos no lugar dela também né? Um artista sem poder expressar sua arte se sente um aleijão, imagino. Horrorosa perspectiva. foto: roberto setton
ln: O espetáculo possui uma precisão de luz e de tempo. A dramaticidade afinada a ponto de trabalhar exatamente com a comicidade da existência humana, em especial, com tudo o que temos de lidar, em especial em ocasiões desesperadoras e aterradoras como a que a nossa protagonista passa. rr: Eu não tinha pensado na questão do humor de forma alguma. As marcas são precisas, a luz é lindíssima, a direção direta e não se esquiva dos silêncios ou nós na garganta. Acho a questão da relação terapeuta/analisado a mais interessante do texto. ln: A comédia se desvenda, ao percebermos que o sentimento da própria protagonista frente ao analista, desvenda características que dizem respeito a todos
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ETO PARA
A percepção revelada no espelhamento de cada um de nós
texto tom Kempinski trAdução Ana Saggese direção Mika Lins eLenco Bel Kowarick e Marcos damigo cenogrAfiA cassio Brasil figurino Mika Lins MúSicA originAL Marcelo Pellegrini
rr: Eu ri mais do que todos, especialmente na parte em que ela desafia o terapeuta, falando do catador de sucata e como não trocava de calcinha há uma semana. O público não, foi um desconforto crescente que adorei, na verdade. Trabalho sublime de embate entre os atores, fortalecido pelo cenário giratório, o figurino e trilha. Tudo muito bem escolhido.
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ln: Eu já fiz terapia. E no primeiro dia, realmente é uma situação estranha, estar na frente de um estranho tendo de relatar de forma quase artificial o que se pensa de si e dos outros tantos que estão ao seu redor. Sobre o que disse anteriormente creio que quando é verdadeiro, no sentido humano, só pode ser comédia, que nem Balzac, a realidade
é muito mais engraçada do que somos capazes de perceber...Mesmo quando tudo o que carrega de conteúdo é exatamente o oposto, na tragédia da situação que a peça desenha. rr: Eu também sempre fiz terapia e me identifiquei com os atos falhos, as coisas que você tenta esconder de si mesma. O desafio ao terapeuta novo também é normal, quem é você para achar que pode enfiar os dedos nas minhas feridas, tão expostas? Ser agressivo a respeito do que dói para fingir que não dói tanto assim... Mas mais que tudo o desespero de se imaginar um artista sem poder mais se expressar. Sem voz, sem ludicidade e beleza. Sem propósito na vida. Curiosamente, concordo com ela. ln: Interessante que a libertação da artista, é exatamente a aceitação, quando ela chega nesse ponto, percebe que ainda tem muito caminho a trilhar, mas o fato de enxergar
iLuMinAção caetano Vilela
em si, toda a dor, e todo o peso, já é uma caminhada para quem nem mais pode andar!
ASSiStente de direção Júlia Bobrow Produção roberta Koyama
rr: Sim, exatamente! Uma das belezas do texto mostrar isso. E a reação do terapeuta? Será que é crível ou apenas dramatúrgica? ln: A primeira montagem que vi, era de um contorno mais dramático e um ritmo menos desenhado, assisti antes no tucarena, agora percebo um contorno mais desenhado, do que o realismo anterior, uma forma quase caricata às vezes, e com isso a força do terapeuta ficava mais evidente, principalmente por conta da força da loucura da artista... rr: Achei interessante o tanto que prestamos atenção nele apenas ouvindo várias vezes. Como o diálogo realmente traz uma percepção própria diferente, mesmo se não há resposta verbal; não é nada igual a falar sozinha. Mas no começo a semelhança com
fOTO: lENISE pINHEIrO
nós, a cada um. Quando se revolta, a negação, ao passado sempre desenhado com olhos infantis, etc. No dia em que você assistiu a plateia não riu?
Bel Kowarick em cena.
uma sessão de terapia real me incomodou um pouco, como se eu pudesse ver de fora o “truque de mágica” que minha própria terapeuta usa em mim tantas vezes. Eu não gosto de saber qual o mecanismo porque tenho medo dele tirar a espontaneidade do resultado (falando de terapia mesmo).
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ln: Nem sei se há um truque, acho que é tão pessoal qualquer tratamento, que ainda que pudéssemos reproduzir com minúcia os estudos,
e os tratamentos, ainda assim, estaríamos falando de experiências que tem relação com as pessoas que estavam vivenciando aquele processo específico. Nesse caso, acho que não precisa ter medo! E entender, no teatro, não significa entender o que sente, quando está lá inteira, entregue, no seu resultado. rr: Nesse sentido o espetáculo alcança totalmente a catarse e identificação, eu acredito.
ln: A direção de arte é precisa, afinal, estamos falando de um espetáculo que é sobre uma temática bem particular, nem acho que tenha tantas outras peças em cartaz que trabalhem com a deficiência física. No dia em que assisti tinha alguns cadeirantes e deficientes, inclusive um, sentado ao meu lado, acho que só isso, em si, é bem interessante, isso sem contar a questão deles tratarem da música erudita que é outro universo bastante
restrito, na sociedade que vivemos. Se pensarmos assim, é uma peça de minorias (rs)... rr: Sim, uma peça de minorias, inclusive a de pessoas que fazem terapia. Muito pertinente o texto e emocionante a montagem. Digo que adorei o espetáculo. Que fico feliz que ele esteja tendo uma carreira longa e bem-sucedida. Que gostaria de ver mais bons textos com bons atores tendo destaque e espaço na programação brasileira. E parabéns à equipe!
MONTAgEM SOBrE fOTOS DE rOBErTO SETTON
Marcos damigo e Bel Kowarick em cena.
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na vida na artE
Esta é uma campanha
foto alEx silva . assistente Bruno marçal . Beauty rEnatto souzza Coordenação de estúdio andrEa silva . tratamento de img Giovani FErrEira
PoSitiVo
circunferências
APROPRIAR. O TEMPO. O OUTRO. A IMAGEM. espaço reservado para tudo aquilo que vai além do teatro, e ajuda a construí-lo
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fotos: divulgação
Zed Nesti expõe no CluBE NoiR utilizando-se da apropriação de imagens, o artista trabalha outras possibilidades de ressignificação, através da pintura realista. de 12/4 a 29/6. http://ciaclubnoir. blogspot.com.br
a galeria leme em são Paulo traz a obra de Marcelo Moscheta, através da exposição 1.000 kM, 10.000 aNos. o artista se utiliza de diversas linguagens para compor um vocabulário sobre o presente e o passado, atuando sobre o deserto de atacama. de 8/5 a 8/6. www.galerialeme.com
Com curadoria de Paula alzugaray, a ZiPPER galERia apresenta a exposição individual de Kátia Maciel, susPENsE. a diferenca entre os suportes permite envolver o observador em uma estrutura narrativa peculiar, na qual sua inserção ocorre real e cognitivamente. de 24/4 a 15/5. www.zippergaleria. com.br
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visitando
sp A face complexa que envolve as decis천es de uma curadoria plural por fotos
ruy filho
fausto roim
Ao lado, Sidnei Martins. Nesta, Armando Fernandes. Nos corredores do SESC Belenzinho.
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Ensaio exclusivo para a revista, após a conversa.
scolher ou selecionar? Parece a mesma coisa? não, não é. o primeiro atua pela ação de observar e encontrar dentre as opções disponíveis. o segundo, implica possuir previamente parâmetros direcionadores daquilo que se quer possuir. Entretanto, toda escolha surge inerente a uma maneira de observar as coisas. assim como toda seleção limita-se ao reconhecimento dos instrumentos possíveis ao desejo. nada fácil, então. E caminhar entre um e outro pode ser um trajeto viável ou uma tremenda armadilha. Como definir? E quem ocupará a função? É o que a revista foi descobrir junto a um dos maiores realizadores do teatro brasileiro: o sEsC são Paulo. Em uma sala de reunião no segundo andar do edifício administrativo do sesc Belenzinho, conversei com sidnei Martins, armando Fernandes e (quase com) sérgio Luís oliveira, assistentes para a área teatral da Gerencia de ação Cultural do sEsC sP. Há pouco tempo, em encontro realizado periodicamente entre os programadores, no qual convidam artistas para pensarem juntos o momento e as condições do fazer artístico, antônio araújo, Enrique diaz, Roberto alvim e Felipe Hirsch puderam ampliar a percepção sobre o teatro atual, suas necessidades, seus valores simbólicos e como a instituição pode lidar e agir com tudo isso. Muita coisa, é verdade, para ser entregue como responsabilidade a um só. Mas, de fato, o sesc se tornou o ambiente mais produtivo ao teatro, tanto no que se refere ao acolhimento, quanto aos convites, produções e apresentações nacionais e internacionais. o modelo desenvolvido pelo sesc permeia as escolhas e seleções, como meio de oferecer oportunidades para mais linguagens. Cada unidade possui sua equipe e técnico em programação. A busca é reconhecer as especificidades dos frequentadores mais diretos de cada espaço, para, então, dialogar ou completar aquilo que se espera como agenda propositiva ao entorno cultural e social. também por isso, a instituição serve por modelo por aqui e mundo afora. Partindo dessa maneira de se relacionar, escolhe-se, a partir da demanda, dentre aqueles que se adequam as interesses locais. dois aspectos são fundamentais, portanto: a percepção de haver um público flutuante, em constante deslocamento entre as unidades, e o teor volúvel dos interesses locais. dialogar com ambos os aspectos torna-se um imenso jogo de xadrez, já que os projetos apresentados acabam se aproximando em propostas.
Não ter uma linha curatorial definida e partir da diversidade para construir um olhar mais amplo
a diversidade se torna o conceito mais apropriado à multiplicidade qual se requer atingir, pensar mediante a problemática de não estabelecer linhas rígidas de direcionamento. agir a partir das ausências e não na mera administração das circunstâncias. Uma tarefa complexa que, segundo sidnei, torna o trabalho um tanto quanto angustiante, já que é impossível para a instituição abrigar toda a produção oferecida. a solução é compreender o sesc como um dos principais agentes culturais e não como o agente. Mas é preciso também provocar o surgimento de proposições diferenciadas, sobretudo na maneira de dialogar com o convívio. nesse aspecto, os espetáculos, cada vez mais em busca dos espaços intimistas, elaboram discursos semelhantes, enquanto falam para os mesmos espectadores. tecer novas possibilidades, da produção ao argumento de suas diferenças, dinamizará o processo de formação de público. Público esse, desmantelado pelo desastre educacional ocorrido principalmente durante a ditadura militar, explicam. A percepção está correta. Afinal, quanto maior variedade de linguagens e estilos, também a chance de aumentar o interesse de outros espectadores. É acreditar estar na amplitude de diferentes experiências a real chance de construir no outro o apreço pelo ocupar as plateias.
o sesc, assim, age mais do que um mediador entre arte e público, mas também entre artista e arte, contrapondo-se à perversidade da lógica de um mercado sustentado pela capitalização inclusive do próprio tempo. Perguntado sobre a redução das temporadas nas unidades, a resposta surge com certa melancolia. É preciso, para darmos mais espaço para mais artistas, infelizmente não temos como acompanhar o crescimento da produção de outra maneira, diz sidnei. se por um lado, a lógica acaba sendo cruel ao artista, por outro é o paradigma capaz de oferecer mais oportunidades e possibilidades. ocupar uma sala, realizar uma temporada, portanto, não deve ser encarado como solução a nada, mas como início e acesso. desde o rodar por outras unidades na cidade, como ser convidado para se apresentar em outros lugares, concluem. sidnei e armando colocam a importância da ampliação de políticas públicas que colaborem cada vez mais, atuando como facilitadores das produções teatrais. Mas esclarecem se incomodarem com a condição dessas ações estarem sempre condicionadas aos partidos políticos, o que não permite aos mecanismos se cristalizarem. somente o existir como recurso esporádico e passível de cancelamento por disputas alheias à própria arte.
sobram aos artistas poucas possibilidades, então, para se colocarem em estruturas sustentadas pela ideologia de que a arte deve surgir como possibilidade de escolha e não meramente seleção. E o sEsC, ao seu modo, é, sem duvida, a instituição mais disponível ao escolher. talvez por isso consiga atuar de maneira tão fundamental sobre a produção atual. o teatro não necessita exatamente de um espaço para ser realizado. isso depende daquilo que se criar. tampouco, de grandes somas de recursos. Questão também pertencente à esfera das escolhas artísticas. Mas, em outras palavras, de algum espaço e alguma estrutura. É o que o SESC pode oferece como cumplicidade para as demandas advindas de centenas de interesses. Falta agora, aos artistas, se incomodarem mais, ou seja, saírem da comodidade, e partirem para o desafio de recriar aquilo que lhe é oferecido, ao invés de exigir em um o que se possuiria em outro. o encontro com sidnei e armando, já que sérgio foi requisitado no instante em que iniciava sua primeira colocação, abriu o olhar sobre o quanto permanecemos pouco disponíveis ao invento, destinando também para a instituição mais produtos do que propriamente proposições artísticas. inventar, sugerir, surpreender, arriscar. talvez essas sejam as palavras não faladas, mas escondidas na maneira apaixonada em que ali o teatro era pensado. sem isso, apenas com mais do mesmo, só com produtos pouco disponíveis a novos dispositivos estéticos e conceituais, a instituição fica aprisionada à necessidade de selecionar, convidar, provocar por conta própria. E, é claro que isso se ajustará, como medida de eficiência, através da reaproximação dos nomes mais seguros que já compartilharam suas experiências com a instituição. O sabor da conversa, ao fim, deu-se ao descobrir o quanto o sesc está aberto ao que vier. o problema, agora, é convencer os artistas a serem mais inquietos e inconsequentemente mais livres de suas próprias certezas e maneirismos.
“Há uma lógica perversa de mercado que atua também sobre o próprio tempo”
“É angustiante ter que escolher entre tantos trabalhos interessantes”
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outros tempos por ruy filho
Reta Final Uma exposição, dois irmãos nascidos em um país em Guerra, o encontro com um grande ator. E tudo volta a tremer de pavor e desespero
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omo a situação se tornara insuportável, era preciso fugir dali o mais rápido possível. Principalmente quando se trata de uma guerra. Principalmente quando se possui filhos. E aquela passava de 8 anos, os mortos de 100 mil. O ano de 2002 marcaria a chegada deles em Londres. Não deles todos, apenas das crianças. Transferidos para outra casa, outra família, outro país, e a mesma cultura. Afastados, teriam maior chance de não crescerem deturpados por aqueles sentimentos, rezavam. Nem estavam realmente acomodados na Whaltam Forest, quando decidiram levá-los à Tate Britain. Arte. Não seria essa a melhor maneira de tornar o passado algo menor? Oferecer-lhes novos interesses para a vida iniciada? Educados assim, então, e não pela escola. E, a partir daí, os artistas influenciavam um mosaico desconexo que se deturpava como sendo um discurso plausível. Podíamos ir para os Estados Unidos, disse Tamerlan, o mais velho, enquanto era escutado em silêncio. A rotina era simples. Os dois passavam horas olhando livros de arte, trancados em casa, sem muitos amigos ou companhias. Pareciam realmente felizes assim. Como vamos convencer que precisamos ir, perguntou o mais novo? A comunidade islâmica possui preceitos rígidos de hierarquia e rotina. Eles, melhor do que ninguém, sabiam disso. Era preciso encontrar um momento inquestionável, então. E conseguiram dois. O nome dela era Katherine, americana, da pequena cidade Rhode Island, e visivelmente apaixonada por Tamerlan, explicava aos pais adotivos, Dzhokhar, a ponto de aceitar nossos costumes religiosos, com a certeza de ter pronunciado as palavras mágicas. O casamento seria na minúscula comunidade. A cerimonia simples. O suficiente para ser organizada sem grande demora. O suficiente para chegarem logo à América.
Foram os inesperados atentados de 2005 em Londres o empurrão final. As 8 mochilas espalhadas com explosivos, tornaram-se os argumentos mais convincentes para atravessarem o Atlântico. E, logo, descobriram o quão diferente eram os EUA. Impõem outra maneira de viver, conviver, soterrando o individuo em narcisismo e consumo. Tornando a vida extremamente desconfortante. Deslocados, agora adolescentes, sentiam saudades de casa. Como estariam sua cidade, após o fim da guerra? Tamerlan e Katherine enfim se casaram. As coisas pareciam entrar nos eixos. Do passado de guerras, atentados, crises e medos, restou o gosto pela arte, pelos museus e exposições. A tarde estava chata e monótona. Por que não vamos ao Museum of Fine Arts?. Só os irmãos, como antes?, respondeu Dzhokhar. E por que não?, para resgatarmos nossas coisas, a nós mesmos. A cidade ficava próxima. Foi fácil chegarem. Percorriam as salas com tranquilidade, já que em dias comuns, não há tempo para visitantes improvisados, apenas as filas indianas de desinteressados e minúsculos estudantes. E, nessa atmosfera de absoluto vazio, o inesperado aconteceu. Feito um soco. E nada mais conseguiria ser igual. Passaram horas olhando cada uma das imagens. As mesmas. Continuavam idênticas, tantos anos depois. A potência dos vasos de flores explodindo, as pétalas ainda vivas arremessadas pelo impacto, em direção à morte inevitável atribuída por alguém, como preceito para gerar da destruição algo mais significativo e belo. As obras de Ori Gersht eram as mesmas da primeira visita a Tate. History Repeating. O nome da exposição. Ou os nossos novos nomes, sussurrou Tamerlan. De 2002 ao janeiro daquele 2013, as imagens sobreviveram aos acontecimentos sem desgastes. Tanto quanto eles decidiam, ali, tornar suas vidas inesquecíveis.
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Foi em março do mesmo ano, e ficariam poucos dias. Grozny, capital da Chechênia, totalmente reconstruída pelas mãos de um novo tirano, enriquecera. Atraia capital e investimentos. Às custas de torturas e assassinatos, mantinha a ordem estável. Precisamos treinar, sugeriu o mais velho. Como? Entre o andar despropositado pelas avenidas novas e os cafés casuais, Dzhokhar reconhece o homem sorridente ao seu lado. Passado o susto, conversaram e se divertiram com as notícias de sua expatriação voluntária. Posso lhes confiar um segredo?, diz o ator com seu inconfundível sotaque francês, ganhei um apartamento aqui, talvez me mude quando estiver pronto, e até faça um filme aqui. Na saída, após exagerada insistência, os irmãos acompanharam o velho gordo ao edifício. Era realmente um empreendimento digno dos países dignos. Não precisou qualquer sinal ou palavra para os irmãos perceberem que pensavam a mesma coisa. Venha nos visitar, convidou Dzhokhar. Talvez, quem sabe eu não vá lá para correr com vocês? Isso seria realmente incrível, senhor, será em pouco mais de dez dias. Despediram-se atrapalhados pelas diferenças de costumes, e seguiram para lados opostos. Até que o homem berrou desculpem, mas sabem me indicar algum hotel discreto por lá?. Claro, senhor, o Farmount Copleu Plaza, ao lado da chegada. Oui, merci, je me souviens de cet hotel, excelente, respondeu-lhes, sem sequer notar que nada entenderiam. Sou tão bem recebido por aqui, retribuir é o mínimo que posso fazer, então, peçam. Por mais meia-hora, a calçada era a única cúmplice não convidada. O avião retornava para a América, quando ela interrompe o sono dos irmãos. Me desculpem, diz a senhora, vocês não vieram de Grozny?. Sim, respondeu impacientemente Tamerlan. Houve um acidente horrível, achei que seria importante saberem. Aquela senhora um tanto judiada pela idade poderia ser a própria mãe tentando lhe dar
a notícia. Ela gostaria disso, certamente. A mulher detalhou minuciosamente o terrível incêndio no novo e imponente edifício de 40 andares. Agradeceram. Nem bem deu tempo dela retornar ao lugar, e pediam para a aeromoça duas taças de um bom vinho. Tinto, senhorita, como sangue. Os dias passavam mais rápidos do que gostariam. Não encontravam as respostas certas para tornar a ação realizável. Permanecerem trancados junto ao mofo no porão, nada acrescentava. Precisavam sair. Beber alguma coisa. Comer alguma coisa. Encontrar alguma coisa. O evento deveria ser no dia seguinte. Nada muito elaborado daria certo. Não havia mais tempo. Foi novamente Dzhokhar quem quebrou o mal-humor. Os museus!, gritou. Estão fechados, não inventa loucura. Ele não conseguia dizer mais nada. Repetia e apontava para o outro lado da rua. Aquele homem, Tamerlan. Um chinês, e daí?. 2003, Londres, Tate Modern, veja o que tem nas mãos, insistia. Você está bem?. Enquanto o outro corria até o oriental e roubava-lhe as duas sacolas. Nem esperou o irmão, que assustado correu para o lado oposto sem entender coisa alguma. No porão, encontrou Dzhokhar, parte do apartamento desmontado, parte destruído mesmo, e o senhorio amordaçado e amarrado. Vai estragar tudo, porra!, gritou o mais velho, ciente da posição que a idade lhe conferia. Não toque nele!, ameaçou, o mais novo, sem qualquer respeito. E sumiu para dentro do sobrado velho. Os barulhos produzidos pareciam ser realmente os de uma invasão desesperada. Mas não se tratava disso. Eram frutos do entusiasmo acelerado e descuido. Amanhã, faremos!. Dzhokhar aperta sorridente a própria testa contra a do irmão. Conseguimos, os Tsarnaev irão mudar a merda da história para sempre. Com isso?, imbecil, com panelas?, berrou o outro de volta. Nem muito quente, nem frio. Perfeito para correr. Melhor ainda para uma maratona.
Cena verídica do terrível incêndio no novo e imponente edifício de 40 andares em Grozny
Cena de ambiente de guerra na Chechênia.
obra de ori Gersht (também na primeira página)
Detalhe das ruas de Boston logo após a explosão da bomba, em abril de 2013.
Boston parava para seu grande evento. Tratava-se de um acontecimento unindo festividades e a nata do atletismo. Americanos de todos os cantos. Estavam ali casais, famílias inteiras, interessados e curiosos. Os dois irmãos acomodaram nas panelas de pressão, pregos, vidros e outros objetos em mochilas comuns. Ideias plagiadas dos terroristas de Londres. Seguiram pela Boylston St. como pessoas comuns, até próximos a linha de chegada. Afastaram-se das mochilas que permaneceram esquecidas. E aguardaram. Os campeões haviam cruzado a chegada, mas esse não era o melhor momento. Precisam acreditar que ele cumpriria sua palavra. O ator seria, de fato, o momento. Alguns minutos. E outros muitos. Calma, o cara é gordo e velho, o que você queira, que chegasse saltitante entre os primeiros?, riu Tamerlan do desespero do irmão. Até que... Todas as câmeras focavam um ridículo Gerard Depardieu, com uma calça collant vermelha, camiseta verde, quase fantasiado de bandeira da Chechênia, lutando contra mais de cem quilos para alcançar o fim. Nada era melhor do que aquilo para se assistir. O público urrava, as tevês, os fotógrafos, os fãs... O estrondo ensurdecedor. Era a primeira bomba, depois outra e, ainda, a derradeira. Ninguém saberia dizer o que aconteceu. Ninguém viu. Nem mesmo Depardieu, que imaginou ser apenas o chamariz, para dois jovens revoltados contras as guerra no Iraque e Afeganistão invadirem a pista trazendo seus protestos. O terror invadia novamente o imaginário americano. Corpos. Pedaços de corpos. Medo. Pedaços de lembranças horríveis. Enquanto o FBI buscava trechos de imagem. Mas não havia. Ninguém filmou nada além do ator. E como conseguiram tanta pólvora?, perguntou o quase catatônico agente. Senhor, interrompeu um jovem recém admitido na corporação, tem um chinês querendo falar com o senhor. Nada é relevante, agora, caralho. Ele diz que é um artista respeitável, que é fundamental falar com o senhor. Artista?, manda ele se foder. Ele insiste, senhor, disse que pode explicar como os terroristas conseguiram os explosivos e a ajudar a identificar os rapazes. Qual o nome desse aí... O rapaz olha um papel e sem segurança o lê, Cai Guo-Qiang, senhor, deixo entrar?. Não tem outra pista, deixa, se jogando em uma cadeira prestes a ruir, artista, só um terrorista mesmo pra justificar por que essa porra é importante agora.
Detalhe da panela de pressão encontrada após a explosão.
registro de obra de Cai Guo-Qiang com uso de pólvora.
retrato de Dzhokhar, um dos irmãos responsáveis pelo ataque em Boston.
Mapa da Chechênia. Cena das ruas de Boston logo após a tragédia.
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na vida na arte
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AUTORRETRATO: o ato de transformar em imagem sua própria identidade.
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Cleyde Yáconis em foto de João Caldas, no espetáculo “O Caminho para Meca”, de 2008.
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Há dois meses do lançamento desta edição, o espetáculo Edifício London foi censurado em São Paulo antes mesmo de estrear, e continua proibido de ser encenado até hoje. O livro onde o texto da peça foi publicado teve venda proibida.
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a última página, reservada sempre ao humor, nesta edição perdeu o lugar. Censura não tem graça nenhuma. Não dá mais pra rir.
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