Especial Tempo Festival 2015

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2015

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editorials Q

uando nos convidaram para nos juntarmos ao Tempo_Festival, imaginávamos que viríamos outra vez ao Rio de Janeiro para acompanhar e resenhar sobre as peças. O convite, dessa vez, foi muito mais além. Elaborando pensamentos e reflexões para cada espetáculo, pude participar de modo mais radical por dentro da estrutura, em constante diálogo com Bia Junqueira, César Augusto e Márcia Dias, curadores do Tempo. Criação de Conteúdo, foi como denominamos minha função. Aqui, no novo caderno que preparamos, novamente durante o correr das apresentações, trazemos esses conteúdos e minhas observações após assistir as obras. Misturam-se, assim, pensamentos, expectativas e críticas, oferecendo maior amplitude aos leitores. Além do caderno e das escritas, a realização da II Crítica Performativa foi um enorme presente. Estarmos na programação do festival como críticos/artistas é estimulante e desafiador. A ação acontecida no saguão do Oi Futuro! tratou do espetáculo holandês Procurando Paul, do coletivo Wunderbaum. E com ótimas novidades: eu e Ana Carolina Marinho escrevendo, convidados, interferências do público, a presença dos atores e atrizes, que circularam durante a tarde por nossa instalação de trabalho, curiosos e provocativos, e Patrícia Cividanes criando em tempo real interferências visuais por imagens e diagramando os textos. Um festival em que pudemos percorrer e experimentar por muitos caminhos e que trazemos agora para todos. Aventure-se. Entre. E boa leitura.

textos

projeto gráfico e fotos

ruy filho

patrícia cividanes


fotos: patrícia cividanes

lsumário 04 09 12 38 78 82 130 138 52 54 56

QUEM INíCIO resenhas meio encontro com brett bailey crítica performativa final sobre o tempo


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nos encontre tambĂŠm no face+twitter

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www.antropositivo.com.br

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agradecimentos editores

Ruy Filho (texto) Patrícia Cividanes (arte) realização

antroexposto.blogspot.com

ANTRO POSITIVO é uma publicação trimestral, com acesso virtual e livre, voltada às discussões sobre teatro e política cultural. Para comentar, sugerir pautas, reclamar, colaborar, alertar algum erro ou apenas enviar um devaneio:

antropositivo@gmail.com aqui anonimato não tem vez. quem tem voz, tem também nome e é sempre bem-vindo

Bia Junqueira César Augusto Márcia Dias Victor Haim Lívia Cunha Julia Rizério Julia Salgado Romulo Chindelar Carlos Lafert Neco Fx Marina Ivo Carlos Cabéra Oi Futuro!







P

raias, mar, maresia, amigos, e as ruas com seus casarões antigos, o centro antigo, as histórias, e o jeito carioca de ser diferente dos paulistas, e os tempos cariocas, e os sorrisos, os dois beijos e não mais apenas um, as festas, os encontros, as conversas, as bebidas, sabores, experiências, e um festival de teatro internacional. No palco, no espaço, na casa, no

galpão, na comunidade, na sala, onde for, onde precisar ser, onde der. Um festival precisa ser e é sempre uma festividade. A presença de tantas ideias, de vontades, de inquietações, e principalmente provocações. O tempo de cada criação. As culturas, diferenças, os instantes, olhares. E nós aqui, outra vez, escrevendo, vivenciando, olhando, assistindo, participando, querendo, sendo, dialogando. Nós e o tempo infinito de cada espetáculo. O festival acontece e nós mudamos nele e com ele. E seguimos. Pelo pensamento. Pelas experiências. Pelos respiros. Pelas buscas. Pelos mares. Até o fim.

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por

ruy filho

viajou a convite do Tempo Festival


puz zle (d)


À

s vezes, dizer algo é o instrumento mais perturbador, porque a palavra carrega a dimensão mais direta aos nossos sentidos. Sobretudo, quando vem escrita, pois não deixa dúvida de sua realidade. Ao riscar a folha, a palavra torna o papel página, e, uma após a outra, faz-se narrativa. Durante a leitura, as palavras surgem discursos, algo nelas é proposto, provocam escolhas e ideias. Há, ainda, as que avançam por outras respostas. Forjadas na denúncia, superam os discursos para sustentar na narrativa algo maior, próprio do instante e da urgência em que se revelam. Outras, ainda, constroem poéticas próprias, desviam-se da obviedade. São essas as melhores, pela capacidade em oferecerem experiências únicas. As páginas de diversos escritores, quando juntas, provocam a construção de uma narrativa mais plural e profunda. E o lugar mais interessante à experiência desse encontro é mesmo o teatro. Trazida ao palco, a palavra é um pouco tudo isso. É poética, discurso, ideia, urgência. Por isso é fundamental escolher as palavras certas para construir a cena necessária à narrativa qual se propõe. Puzzle começou na Feira de Livro de Frankfurt, em 2013, com três trabalhos originais, [a], [b] e [c], construídos sobretudo pela literatura brasileira das últimas décadas. Voltou ao Brasil e se expandiu, em 2014, para o [d]. E, desde o início, portanto, é essencial ao projeto

a relação com a palavra e o dizer. São cenas quase sempre em forma de depoimentos, falas diretas e conversas com o espectador que, assumido presente, ainda que confortável em sua poltrona, é confrontado à própria realidade por ângulos inesperados. Existe em cada um dos escritores escolhidos por Felipe Hirsch a vontade de esgarçar e revelar nossos vícios de brasilidade e latinidade, nossas cegueiras sociais, nossos disfarces culturais. Palavras que, ao serem ditas, explodem as contradições das estruturas e tornam o dizer um grito por atenção. Mais do que o dito, ora constrangedor, ora divertido, escolher utilizar o palco para encenar a ação de dizer, o gesto de falar ao outro, revelou também o quanto o teatro brasileiro perdeu em potência limitado a ser apenas defesas ideológicas. Em Puzzle estão os manifestos artísticos que nos formataram, os personagens dos submundos presentes em cada esquina, os valores e seus princípios paradoxalmente imorais. Em Puzzle, o teatro volta a ser a dimensão mais explícita daquilo que nos tornamos e que não adianta mais querer e tentar esconder. O teatro de Felipe Hirsch alcança com a sequência de espetáculos uma dimensão inovadora, outra assinatura, dessa vez inquieta e aberta ao convívio; eleva o trabalho ao mais interessante projeto cênico realizado na última década por aqui. Pode não ser fácil escutar algumas coisas que os escrito-

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res, atores, compositores, artistas convidados e Hirsch dizem. Mas, tenha certeza, mais difícil ainda é chegar à coragem de dizê-las. E, para tanto, é preciso uma equipe absolutamente especial. O recém formado Ultralíricos traz um recorte impactante nessa geração do primeiro time de atores e atrizes brasileiros, junto a uma envolvente e provocativa estética. Um diretor que se renova e voa. Um projeto histórico e que já influencia outros por aí. E isso é apenas o impacto inicial ao assistir Puzzle. Espere o dia seguinte e as inevitáveis reverberações disso tudo em você. Puzzle, ao escolher dizer, consegue nos fazer ouvir e calar.

Os acertos dos textos selecionados por Felipe Hirsch se ampliam ainda mais em performances quase sempre brilhantes. Por não serem personagens e também não mais eles, Hirsch configura um outro paradigma à presença do intérprete no palco e que ainda precisa ser nomeado. Por enquanto, é possível traduzir como presentificação do ator/atriz em estado bruto de violenta potência poética. A única diferença está no policial feito por Caio Blat, cujo figurino e metralhadora assumem à figura pessoalidade. No entanto, Caio supera brilhantemente a condição e permite que descubramos o personagem fala à fala. Em nenhum momento o personagem está à priori, ao contrário, surge, ampliando a imagem que poderia ser literal ao desenho de um depois alguém inimaginável. Sua presença no elenco Ao caminhar pelo teatro, palavras como funda- foi um acerto excepcional e ofereceu mais mental e necessário substituem as tradicionais dicotomia ao espectador sobre a relação regostei e não gostei. O impacto dos textos sequen- presentação x presentificação. cializados fazem do ouvir uma experiência radical O necessário em Puzzle está para além dos ao espectador que, surpreendido, acaba por se temas e invasões. Vai ao encontro de um fazer entregar ao que é dito. E o que é dito escancara a teatral e da crítica reflexiva política urgente nossa intimidade de brasileiro, branco, burguês e como sendo a mesma coisa. Hirsch consolida cristão. Afinal, a imensa maioria na plateia é exa- a arte como ação de destruição de valores e tamente assim. Fundamental, portanto, é dizer dogmas normativos sem ser iconoclasta ou preo que se diz para quem faz parte daquilo que se tensioso. O que subverte a cena política artísexpurga, e Puzzle válida a invasão da consciência tica brasileira das últimas décadas quase semdo outro obrigando-o a assumir seus vícios, suas pre ideológica e partidária. Puzzle foge disso. cegueira morais confortáveis, suas máscaras. Arrisca-se ao colocar a ideia, o pensamento,

foto: patrícia cividanes

puz zle (d)


idealização e direção geral:

felipe hirsch elenco:

caio blat, Danilo Grangheia, Georgette Faddel, Guilherme Weber, Isabel Teixeira, Javier Drolas, Luna Martinelli, Luiz Paetow, Magali Biff.


puz zle (d)

a presença como a transgressão mais própria ao agora. É impossível não ser invadido e rasgado pelo espetáculo. E Hirsch, renovado, se comprova o artista mais perigoso e precioso nesse país miserável. Ampliar o ator nesse contexto estético demanda capacidade em construir poéticas igualmente arriscadas. O uso do papel e tinta, em seus estados de utensílios, em suas literalidades, poderia submeter o espetáculo ao previsível. No entanto, a dimensão monumental oferecida aos elementos inverte isso e os fazem determinantes ao contexto cênico. Existe no excesso a provocação do desperdício, tanto quanto no acúmulo das palavras o sufocamento retórico. Ambos, cenário e palavra, soterram o indivíduo como que alertando para a impossibilidade da fuga. Soterrados por palavras, somos acometidos pela incapacidade de reflexões profundas; pelos papéis e tintas, pelas memórias que se fragilizam à realidade incontrolável. Em preto e branco, tal qual se constrói a cena, volta-se à essência da escrita, do pensamento estruturado, enquanto a destruição constante da cenografia serve para se desfazer aquilo que, ao fim, não cabe permanecer. Cenas inteiras, discursos completos, experiências são embrulhadas e deletadas para o aparecimento de outras. O contemporâneo, mesmo em sua

capacidade de ser infinitamente simultâneo e rizomático, assim o é também por sua ação de eliminação e abandono. Cada instante que se desfaz torna o próximo momento, a próxima fala, algo ainda mais urgente, tanto para a continuação do pensar, quanto para a presença da palavra. É interesse perceber como esse mecanismo que poderia ser apenas outro efeito cênico para marcar as transições narrativas acaba provocando um imenso retorno ao lúdico infantil e o desejo de destruição. E não raros são os depoimentos dos espectadores de terem se divertido e entusiasmado com cada arrancar das imensas folhas que cobrem verticalmente a altura do palco. Puzzle (d) tem a especificidade de ser um apanhado dos melhores momentos das outras partes e também da confirmação da linguagem descoberta durante a realização do projeto, junto ao que se assume como contaminação de cada convidado participante. O espetáculo provoca sua necessidade, e não sobre o quão seu discurso é necessário. Pois a necessidade em si está no choque e convívio com a experiência cênica e não apenas ao e como é apresentado cada texto, cada autor. Estar na plateia de Puzzle é se oferecer ao risco de ser radicalmente levado a conviver com o mais profundo do escondido pela realidade. Puzzle é de fato violentamente honesto com nossos limites e fracassos.



looking for paul

autoria e direção:

coletivo wunderbaum elenco:

walter bart, matijs jansen, maartje remmers, marleen scholten e daniel frank


A

inda que não seja possível termos uma reposta só sobre qual o papel da arte, uma se mantém constante: a provocação. Em cada época, artistas surgiram produzindo obras aparentemente absurdas e simbolicamente agressivas, como meio de incomodar e, assim, trazer ao observador reflexões através do choque e confronto. No entanto, quem de fato incomoda primeiro? Não seriam esses artistas respostas a um mundo cada vez mais incompreensível? No contemporâneo, um dos artistas visuais mais provocativos é o americano Paul McCarthy. Suas obras mesclam os universo pop, infantil e pornográfico a boas doses de surrealismo, acidez e iconoclastia. Destituindo os símbolos erguidos pelas estruturas capitalistas da cultura de massa, o artista distorce nossa percepção e subverte nosso entendimento lúdico e, de certa forma, ingênuo sobre tal produção. Se um personagem da Disney ou o Papai Noel, o importante é que a violência empregada está, sobretudo, em sua capacidade de violar a mítica que os envolve, submetendo-os a circunstâncias quase sempre constrangedoras. Assim, o artista gera instalações e esculturas ricas em sarcasmo, como se, ao gritar pela imbecilização de nossa cultura, pudesse nos atingir de forma irremediável. Não há sutileza em suas obras. Nem há intenção de conquistá-la. Paul McCarthy escancara publicamente a banalidade com qual construímos nossa época.

Procurando Paul, espetáculo do coletivo Wunderbaum, apropria-se do movimento ocorrido na cidade de Roterdã, para transferência de uma das esculturas de Paul McCarthy, após as pessoas se sentirem ofendidas com a maneira como o artista representou o Papai Noel. A escultura apelidada de “Gnomo Plugue Anal”, originalmente projetada para o Theatre Square, fora diversas vezes transferida de lugar. O espetáculo narra a ida de uma performer holandesa aos Estados Unidos para se vingar de Paul apresentando seu percurso, trocas de e-mails e o processo de criação dos artistas. Se real ou não, pouco sabemos. É preciso conviver com a narrativa do espetáculo para descobrir ou ao menos tentar. Existe na proposição do trabalho igual provocação a si mesmo, o tom de dúvida sobre a validade da experiência cênica tal qual é praticamente imposta pelo mercado. O teatro, portanto, ridiculariza o fazer teatral, torna-se a dimensão patética das tentativas de fugir ao banal. Como as obras de Paul McCarthy, o Wunderbaum gera uma obra de imensa provocação, desconstrução, ironia e humor. De todo modo, as diferenças entre Europa e América, os absurdos do elitismo cultural, os custos financeiros e emocionais da arte contemporânea são expostos durante a jornada revelando uma realidade violenta e insegura. As reflexões após os espetáculo ocorreram publicamente durante a II Crítica Performativa.

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0 vermelho do meu rosto


A

fala. O dito. E aquilo que ao corpo é deixado dizer no lugar da voz. Parece simples, como se fosse apenas transferir de um a outro, mas não é apenas isso. Não se trata de trocar a palavra pela expressão corporal. Isso seria mais próximo à mímica, e não a uma performatividade da palavra tornada corpo. Para tanto é preciso compreender a própria língua que se fala, pois cada uma tem sua particularidade sonora, estrutura, e principalmente reflete a maneira de viver e construir pensamentos. A maneira como uma língua se confirma idioma reflete muito de sua cultura e a dimensão do sujeito abrigado nela. Sandrine Roche investiga exatamente o que nas palavras, nas línguas, vai além do previsível e se revela espaço físico ao corpo. Através da escrita, altera as palavras com íntimas modificações tipográficas, provocando deslocamento desde seu desenho no papel até como podem apresentar níveis distintos de leituras autônomas, enquanto corpo e voz as apresentam. Esse movimento de provocar o imaginário do espectador com sons e movimentos leva seus textos a se abrirem para outros lugares. Como descobrir um texto, ouví-lo, brincar com ele, quando o próprio não respeita em nada a dramaturgia clássica? Como o ator pode apropriar-se dele para a multiplicação dos sentidos? São questões fundamentais para

a recriação da palavra pelo contexto da performatividade, mais próximo aos interesses da cena contemporânea, e que Sandrine Rocha explora com intensidade e curiosidade. depois A proposição é das mais interessantes: apropriar-se da fala de Chapeuzinho Vermelho para reconstruí-la em três vozes: filha, mãe e avó. E, por elas, investigar as relações que tratam da liberdade e outras coisas mais. Tudo feito artifício para compreender como a palavra pode ser explorada em sua sonoridade e presença, tanto ao ser dita, quanto ao ser trazida ao corpo. No entanto, ao ser traduzida do francês para o português, muito se perde no reconhecimento da palavra como suporte sonoro. Aquilo que se faz provocativo em estado de fala acaba por se limitar ao narrativo, e boa parte da pesquisa original se esvai. Seria preciso, para que alcancemos a experiência poética proposta, atingir um valor de revisão mais próximo ao que Haroldo de Campos denominou por transcriação, quando a tradução supera a troca de idioma e sustenta igual dimensão poética cognitiva ao leitor/receptor. Foucault, em suas investigações sobre a linguagem, define que a palavra se relaciona com o sujeito moderno através de sua configuração de história, e não mais como repre-

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o vermelho do meu rosto quilo que na história limitaria à informação. O Vermelho do meu Rosto é, portanto, simultaneamente experiência de palavra e do ouvir. Mas o que é o acerto, também provoca novos paradigmas a serem resolvidos. A outra parte da expressão da palavra termina submetido ao narrativo do que é contado e pouco permite às atrizes explorar como materialidade da palavra. Porque aquilo que ouvimos não é necessariamente somente informação, o corpo acaba aprisionado a ausência de imagens. De todo modo, é perceptível a envergadura da pesquisa, ainda que algo precise ser criado para suprir as condições, seja a problemática da substituição da sonoridade de uma língua a outra, seja o corpo como representação daquilo que não se quer ser ilustração. Resolvido isso, certamente a palavra proposta por Sandrine será a manifestação de outro estado ao ator. foto: carlos cabéra

sentação ou princípio de semelhança. Assim, o espetáculo dialoga por caminhos estilísticos propositivos à observação do filósofo, ao oferecer ao espectador uma história que só pode ser reconhecida quando sobrepostas as falas. São respostas e perguntas ditas em pequenos monólogos, sem que se reconheça de imediato a quem se destinam. Assim, a filha, a mãe e a avó falam consigo mesmas e potencialmente com qualquer outra. Após cada personagem se colocar em cena, cabe ao espectador juntas as falas em um exercício de memória, encontrando uma possível linearidade na conversa entre elas. Esse é, sem dúvida, o grande acerto, independente de estar traduzido o texto. A complexidade dos encaixes possíveis, a dimensão solta e livre das informações, revê o conceito de Foucault e nos leva a pensar que a palavra no contemporâneo está para além da história. Avança sobre a desconfiguração da-


autoria:

sandrine roche direção:

thierry trémouroux elenco:

rosa douat, lorena da silva e lara trémouroux


sonho alterrosa


D

esde a infância somos conduzidos a acreditar em contos de fadas. O problema não é o imaginário em si, mas as deformações acumuladas na construção da identidade, quando apenas os contos permeiam o amadurecimento da primeira infância. O risco maior está no deslocamento da própria identidade pela distância construída entre o que o indivíduo idealiza a si e o que é identificado pelas demais pessoas. A deformação infantilizada e excessivamente romântica implica em indivíduos pouco preparados a um mundo não tão perfeito e onírico. Desconstruir isso demanda primeiro reconhecer sua influência simbólica, depois, também, quebrar seus encantamentos. Para tanto, faz-se necessário subverter o inconsciente imposto pelas culturas de massa e pop, onde os contos de fadas são abundantes. Tamanha subversão não é pouca. Exige desconfiança, desrespeito, desprendimento, distanciamento e recriação. É interessante pensar que esses mesmos sentimentos se colocam na observação e descoberta da transexualidade, quando o indivíduo, muitas vezes, encontra em si um desejo de existir diferente ao que a sociedade impôs ao seu corpo e imagem. Se homem ou mulher, tudo parece meramente uma condição natural. Mas isso não é verdade. E nem sempre aquele que se olha encontra na imagem aquele que imagina ser.

depois Toda forma de olhar alguém impõe pelo olhar um julgamento. Esse teor inevitável se complica ao ser conduzido por princípios que antecedem o olhar, sejam morais, religiosos, sociais, econômicos, culturais, sejam os sexuais. Ao se colocar apenas vestindo um calção e máscara, expondo o corpo à plateia ao redor, o homem, ali disponível, entrega a imagem do próprio homem como suporte ao olhar. Ao fundo, beijos entre dois homens em diversos pontos da cidade. Existe nisso, tanto a exposição romântica e natural do toque, quanto o preconceito em aceitar com naturalidade e romantismo tal contato físico. Na tela suspensa, homens se travestem e exibem suas novas formas por comportamentos que se intercalam entre a erotização e o enfrentamento. Existe também nisso a violenta condição da busca por transformar o corpo, como tentativa de dar-lhe a forma qual se reconhece interiormente, e também a violência pública no não reconhecimento daquele que se percebe e se quer diferente ao normatizado como correto. Assim, a pergunta feita aos espectadores amplia ainda mais aquele exposto, o homem ao centro da cena: aonde no seu corpo dói o preconceito? Os espectadores, então, tornam-se os atores, agentes da cena, e o microfone

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sonho alterrosa ce é essa, eu sei. Mas, depois de conviver por muitos minutos com essa imagem, definitivamente entendo que jamais seria capaz de carimbar alguém assim com tamanha agressão. Mesmo em nome da arte. O homem ali não era somente um suporte, era um homem. E, talvez, mais radical seria se todos aplaudissem sua coragem de se colocar ao centro assumindo-se apenas alguém, independente de suas escolhas e desejos, de como se reconhece ou se investiga, ao invés de satisfazerem-se apenas participando. Participar me pareceu ser igualmente violento sobre alguém. Uma ação simples e complexa, como são verdadeiramente são os seres humanos.

foto: patrícia cividanes

lhe é indicado para protagonizarem suas intimidades. Dito nome e parte do corpo, carimba-se na pele do performer demarcando a região da dor. O que se quer é exatamente expor os espaços físicos do preconceito, dando-lhe intenção e direcionamento, e, simultaneamente, rasgando o corpo do homem com o excesso de interferência, ou, mais poeticamente, com o excesso de dores a ele impostas. Contudo, no carimbo está escrito Bicha. A palavra se acumula com as dezenas de pessoas que se utilizam do ator para expressar suas dores. Enquanto me pergunto, como podem levantar tão facilmente e marcar à tinta alguém com tal expressão. Parte da performan-


criação, direção e atuação:

Caio Riscado


a dist芒ncia entre dois tr贸picos


foto: carlos cabéra

O

conhecimento sobre si mesmo implica em investigação e exposição. O mesmo serve para a arte. É preciso um período de mergulho ao seu universo e outro de salto para sua exposição. Utilizando-se de elementos documentais ficcionais, como cartas, diários, fotografias, vídeos, postais e telegramas, B., personagem central da narrativa, traz a história de sua mãe, atriz como ela, e que teria negado o papel principal em um filme de Phillipe Kauffman, na década de 1990. Ao menos é o que lhe aponta a única página escrita no diário encontrado em Paris. Questões sobre a relação da memória, relatos do Eu, a percepção de sujeito e a dimensão de pertencimento ao tempo surgem ao espectador como estímulo ao diálogo com os artistas, enquanto se revela, em uma camada paralela, a relação entre Anaïs Nin e Henry Müller, presente no filme Henry e June, de Kauffman, e o quanto o exercício da atuação se valida frente aos limites e desejos. Pensar o indíviduo a partir de suas escolhas é complexo, sobretudo ao artista. Pois esse, além de sí é também a tentativa de ser outros e arquetípicamente todos. As distâncias entre o próprio e o possível é também uma das mais interessantes investigações do artista contemporâneo.

direção:

nanda félix elenco:

bianca joy e carolina bianchi

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ato e efeito


foto: carlos cabéra

O

efêmero faz parte da experienciar teatral. É inevitável. Resta, ao fim, o registro das sensações mais do que propriamente do processo crítico ou resultado artístico. No entanto, aquilo que inevitavelmente irá se perder pode e precisa ser preservado. Não limitado por ser registro, mas por sua capacidade em mapear um imaginário e uma época. Para tanto, o projeto Ato e Efeito convidou diversos artistas para leituras dramatizadas de personagens expressivos que já tenham interpretado e os registrou em vídeos. Nesse primeiro momento, sete pessoas farão parte da primeira leva da série: Charles Fricks (O Filho Eterno), Leonardo Netto (Conselho de Classe), Debora Lamm (Os Mamutes), Gustavo Gasparani (Édipo Rei e Ricardo III), Amanda Mirasci (Uma Vida Boa), Gregorio Duvivier (Uma Noite na Lua) e Michel Blois (Adorável Garoto). Com o texto em mãos, sozinhos, sobre um palco vazio, emoldurados por uma luz básica, o resultado é a revelação de possíveis camadas da obra teatral. Dessa maneira, do ato surge o efeito e dele os rascunhos de um tempo. E o teatro sobrevive em sua capacidade de acumular ao futuro experiências.

Idealização:

Rafael Teixeira Realização;

Rafael Teixeira, Fernando Neumayer e Luís Martinho Atores convidados:

Charles Fricks, Leonardo Netto, Debora Lamm, Gustavo Gasparani, Amanda Mirasci, Gregorio Duvivier e Michel Blois

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DRAMATIS PERSONAE


foto: carlos cabéra

É

cada vez mais complexo definir no contemporâneo a distância entre realidade e ficção. Sobretudo, porque ficcionalizar a realidade tornou-se mecanismo para escapar ao peso do real. E o quanto se ganha ou perde nessa substituição de um pelo outro depende do grau de deslocamento provocado. Significa que, se muito for substituído, pode-se chegar ao extremo de perder o contato com a própria realidade, que passará a ser vivenciada apenas por mediações controladas. E nenhuma realidade é plausível de qualquer tipo de controle. Afinal, a ficcionalização como meio de proteção ou fuga tem se mostrada frágil à compreensão também da ideia de sujeito. Dramatis Personae, do peruano Gonzalo Rodríguez Risco, cria a alegoria de três escritores que, convivendo em um apartamento destruído pela explosão de um carro bomba nas proximidades, tentam dar conta de escrever seus próximos livros. Mas, para tanto, a realidade do Peru sucumbindo em uma guerra interna entre grupos terroristas e o Governo impõe-lhes a necessidade de escapar dos acontecimentos da última década e seu estado crítico. Então, criam personagens que os visitam, desde personalidades até brinquedos, forjando assim o diálogo com o real, mesmo idealizando e manipulados pelas próprias ilusões. Entre a ficção de uma realidade horrível, a sugestão de uma verdade que se esconde como possibilidade de deslocamento ao mais perigoso de todos nós.

dramaturgia:

gonzalo rodriguez risco elenco:

alvaro pilares, bruno oliveira, danilo moraies, helena labri, kel cogliatti e tatá oliveira

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me


eio


C

aminhar pelos teatros e descobrir em cada obra a possibilidade da força do pensar. Assim tem sido. E entre um teatro e outro, uma festa. Assim continua. Existir diferente após cada experiência e na experienciação de si mesmo ter vontade de muito mais. Porque não interessa a segurança. Ou não deveria. Queremos a ousadia, tudo aquilo que

desestabiliza, que interfere, que desconfigura, que abusa, e reconstrói, supera e nos leva além. A arte é necessariamente isso, o encontro inesperado com aquilo que não se sabia precisar. E cada descoberta precisa de seu tempo. Perder o fôlego. Perder o instante. Deixar-se se esquecer e ser aquilo que lhe oferecem ser. A cada espetáculo, a cada encontro, a cada novo trajeto, pensamento, experiência, o Tempo Festival confirma sua necessidade. O homem não pode ser um existir inerte e imutável. O mar sim. E, mesmo com todas as mudanças das ondas, ele continua ali, belo, de frente para nós, como quem sugerisse: quer

foto: patrícia cividanes

saber, é muito melhor se reinventar e não ser apenas um só.



ma m達 e


foto: carlos cabéra

L

idar com a morte, ainda que um processo inevitável, nunca é tão simples como poderia. Principalmente se é a de alguém amado e próximo. Algumas culturas lidam com o processo não apenas como algo imponderável, e formalizam ritos de passagens para construírem aos que permanecem outro estar no mundo. Não se trata, então, ter a morte como o fim, mas como instante. E é esse inevitabilidade que eleva o existir a uma busca por maior essencialidade e consciência. Em 2010, Marpe Facó, mãe de Álamo, autor do espetáculo, descobriu um tumor no cérebro, falecendo pouco tempo depois. Não se atendo a uma realidade documental, a peça abordar os tabus sobre morte e variações do consciente, dando voz à Marta, que, perdendo suas faculdades, começa a expandir sua consciência a limites inesperados. Ao falar sobre a perda, o autor traz para seu próprio tempo a reflexão, mais pela condição imediata frente à suas emoções, do que somente como opção psicanalítica. Assim, deixa de ser apenas sobre a mãe e passa a expandir a experiência também aos espectadores, ao oferecer a experiência do pensar sobre um tema tão complexo, sem, no entanto, ser submetido à condescendência óbvia do sofrimento. Álamo lida com um dos temas mais complexos ao homem, ao quão é impossível estabelecer laboratórios, limitados que estamos à sua percepção passível. E isso só é possível ao fazer do desconhecido uma ação concreta de investagação das possibilidades da própria arte.

dramatirgiA E ELENCO:

ALÁMO FACÓ

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tun dra


foto: carlos cabéra

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uito se discute sobre a virtualização do real versus a realidade do universo virtual. Pensadores de ambos os argumentos entram em conflito com as próprios dizeres, pois, cada vez mais, parece que ambas as condições se fundem e se tornam apenas uma. Mais do que novos comportamentos, a interferência da virtualização sobre o cotidiano gerou outras possibilidades estéticas, e, dentre elas, a reinterpretação da nossa própria identidade, como algo construído e planejado imageticamente ao outro. A complexidade está no entendimento, portanto, do que possa vir a ser a identidade e se essa ainda faz sentido agora como representação do sujeito. Para muitos, o próprio sentido de sujeito se esfacelou no contemporâneo, visto que tal definição ao homem necessita compreendê-lo como estável e circunscrito. Não sendo mais possível determinar o que traria ao homem tal estabilidade, já que este passou a ser a soma de suas concretudes no real e virtual, com todas as nuances, variedades e circunstancialidades inevitáveis, então a ideia de uma identidade, como algo também definitivo, se perde na mutação constante dos acúmulos cada vez maiores de sobreposições de sua representação. Esses estímulos paradoxais levaram Antônio Guedes à criação do espetáculo Tundra. Ao apagar seu perfil virtual, Eva começa também a sumir fisicamente. E, ao tentar retornar à Máquina, o sistema onde a realidade virtual se faz completo, descobre não ser mais possível. A performance ocorre em um ambiente plástico e sensorial, negro e metálico, representando a Máquina, incluindo sobre o espaço projeções dos atore e espectadores, ampliando a experiência a ambos.

Texto e direção:

Antônio Guedex Elenco:

Fernanda Nobre, Bianca Joy, Christian Landi e Sacha Bali

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nordestinos


Q

uando pensamos em distâncias, a primeira imagem é espacial. No meio de dois pontos, aquilo que se revela é, portanto, a distância entre os mesmos. Bom, nem sempre, e a física quântica está aí para embaralhar nossa percepção. Já foi dito, a menor distância entre dois pontos no universo é uma curva. Isso porque o tempo interfere na linearidade espacial. Então, voltando ao primeiro sentimento, distância é mais do que o espaço entre pontos, é também a percepção dos vazios e preenchimentos existentes. Quando pensamos em nós, a distância assume significados mais subjetivos. Depende de quem fala, de como, para quem. Depende, ainda, do sentido que lhe é empregado. Já foi dito, todos estamos separados, uns dos outros, por algumas poucas pessoas. Nada comprovado, mas a simbologia disso é interessante. Voltando ao subjetivo, e portanto ao olhar particular, a distância que pode ser física, também pode ser emocional, relacional. É na junção entre esses dois aspectos que devemos olhar para um país continental como o Brasil. Aqui, as distâncias física se perdem de vista e são imperceptíveis. O lado de lá é

aparentemente longe demais. O lado de cá é preenchido demais para que percebemos com quem o dividimos. Os mapas são desenhados pelos interesses de quem os fabrica, é fato. E nós aqui, embaixo, enquanto sobra muito acima a ser aproximado e convivido. Do nordeste, esse lugar afastado, muito chegou, entretanto. A curva fez da reta sinuosa a dimensão da cultura, costume, sotaques e histórias do nordeste que nos esbarra pela presença dos seus homens e mulheres. Desceram o mapa e vieram ao Rio e São Paulo. Trouxeram os pontos e interligaram as distâncias subtraindo o espaço que até então existia. Restou, no entanto, a distância emotiva. Insistimos em permanecer separados, ainda que os corpos estejam juntos. E, ao seu modo silencioso e cruel, muitas vezes recriamos as distâncias com os nordestinos por artifícios próprios dos preconceitos. Basta rompermos isso e estaremos de fato juntos. Basta conhece-los. Ouvi-los. E é esse o estímulo que levou Alexandre Lino e Walter Daguerre para a criação do projeto transmidiático Nordestinos. Quatro histórias interligadas pela relação geográfica e afetiva com o Nordeste, recolhidas por depoimentos reais daqueles que se lançaram pelas estradas em direção aos

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nordesti nos

A prática de negócio do Pitching abriu espaço para que artistas apresentassem publicamente seus projetos no Artes Cênicas & Negócios, série de encontros e debates sobre especificidades do mercado das artes cênicas e prospecções para a construção de outros mecanismos de atuação junto ao mercado e o fazer teatral, com convidados nacionais e internacionais, de diversos setores da economia da cultura.

foto: carlos cabéra

sonhos. O projeto inclui, ainda, um livro com os depoimentos e o documentário homenageando os nossos imigrantes. Com direção de Tuca Andrada, Nordestinos oferece um meio de eliminar as distâncias, fazendo do teatro a curva fundamental para alcançarmos o outro. Nordestinos foi um dos espetáculos vencedores do Pitching realizado durante o Tempo Festival 2014, pelo ator e documentarista Alexandre Lino e m parceria com Walter Daguerre .


Direção:

Tuca Andrada Elenco:

Alexandre Lino, Erlene Melo, Tom Pires e Rose Germano


rózà


A

performatividade tem se confir- mação em diversas áreas, através do uso cêmado cada vez mais uma caracte- nico de uma instalação. Para tanto, buscaram rística do teatro contemporâneo, inspirações na sala Desvio para Vermelho, do pela qual explora a intersecção artista plástico Cildo Meirelles, criando uma entre as linguagens artísticas, ambiência onde música, palavra, vídeo e precomo meio de construção de uma obra. Para sença se alternam. tanto, a ambiência cênica precisa ressignificar Emprestando a força de Rosa Luxemburgo e tanto a estética quanto a estrutura simbólica, sua paixão, o espetáculo aproxima os tempos e, assim, construir o deslocamento necessá- e as histórias e esbarra no imaginário confuso rio a um estado espetacular e cênico do per- de nossa atualidade, quando não se reconhece former. Se por um lado, o deslocamento sen- direito os argumentos, mas se percebe a imsorial, em suas mais diversas possibilidades, portância do lutar. A pensadora tornou-se um ocorre sem muita afirmação, valendo-se da ícone ao que viria ao mundo a as novas guerplena liberdade de compreensão dos códigos; ras, novos dilemas, novas buscas e paixões. por outro, igual deslocamento ao argumento Hoje, utilizando-se do teatro sem se aprisioexige maior esforço para se manter coerente nar por suas fronteiras, Rózà problematiza aos materiais utilizados e personagens. Sobre- esse existir. tudo, quando esses são reais. E, mais ainda, O quanto resta ao ser a condição reflexiva, quando históricos. o pensar como estado de confrontamento, a É o caso de Rosa Luxemburgo, filósofa polo- poesia como resistência? A estetização espetanesa contrária à Primeira Guerra, morta vio- cular tomou parte desses argumentos na atulentamente, durante a revolução alemã, após alidade e desconfigurou seu reconhecimento. passar anos presa. Suas cartas expuseram mais Por isso, provocá-lo se faz essencial à sensibilido que suas condições e sobrevivência. Foram zação, sem recorrer à negação ao espetacular, além, apresentando uma mulher complexa, ao performativo, assumindo-os como vocabuapaixonada, militante e intelectualizada. lários estabelecidos. Nesse sentido, o espetáDar cena a tantas características é o desafio culo rompe as prisões impostas à Rosa Luxema que se propôs Martha Kiss Perrone e Joana burgo, salva-a ao recuperá-la como presença Levi, reunindo um elenco eclético e com for- e discurso. As cartas ditas em microfones são

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rózà

cabendo também à mulher a posição de pensadora e provocadora. Um luta em aberto, é fato. Mas, também com a ajuda de Rosa Luxemburgo, um espaço cada vez mais disponível à luta e ao respeito. Ainda que existam as prisões. Ainda que o mundo esteja como está. Ainda assim, depois de Rosa, melhor. E, depois da experiência de Rózà, um pouco mais provocado aos esclarecimentos.

foto: carlos cabéra

traduções de mulheres que vão além da filósofa, são todas as submetidas ao esvaziamento de suas paixões, afastadas de suas vontades. As pessoas não mudaram. Esse é um equívoco comum. Passou um século, desde a guerra. Mas continuam as mesmas, ao contrário do que se quer argumentar. Não são tão diferentes. E falta muito, sobretudo à capacidade do homem em compreender o outro como igual,


Direção:

Martha Kiss Perrone e Joana Levi Atrizes:

Lowri Evans, Lucia Bronstein e Martha Kiss Perrone


coleção de amantes


E

m uma realidade excessiva de objetos e consumos, uma parte importante da vida permanece esquecida ou até mesmo abandonada. No consequente isolamento e soterramento do indivíduo, o outro deixa de existir e a solidão passa a ser falsamente um estado comum. Então é preciso provocar mecanismos para reencontrar o outro, experiências de convívio e aproximações afetivas, como meio de recuperar a própria dimensão humana. Raquel André escolheu sua maneira de provocar. Utilizando-se de apartamentos que não conhece, marca encontros com pessoas também desconhecidas, e estabelece, durante o encontro, intimidades próprias daqueles que há muito convivem. Com as mais de 70 encontros realizados em diversas cidades - Rio de Janeiro, Lisboa e Ponta Delgada -, criou para si uma coleção particular de intimidades ficcionadas. Dois aspectos sugerem maiores reflexões: a ficção da intimidade e o colecionismo. Por íntimo se entende aquilo que, ao se manifestar junto ao outro, gera empatia e cumplicidade. A intimidade entre duas pessoas é, sobretudo, o reconhecimento mútuo de uma sensação, sentimento, valor, sentimento e outros mais. Colecionar relações, tal qual propõe a artista, implica em gerar esses mesmos reconhecimentos com diversas pessoas. Realizar isso exige disposição e despojamento, imensa

abertura ao outro, ao ponto de não mais partir de seus próprios interesses para criar empatias, mas encontrar no outro aquilo que pode lhe construir caminhos para encontrá-lo. Para dar conta de expandir também a outras pessoas sua coleção, as fotografias levam os amantes, como os denomina, a serem protagonistas do espetáculo, assim a catalogação do efêmero traduz pessoas em objetos raros. Ao se perguntar o que se procura, quando se encontra alguém, a artista joga com a expectativa de todos nós sobre a presença e função do outro. A questão talvez seja, então, compreendermos o quanto a presença não exige funções. Não é fácil. O consumo parece provocar exatamente o contrário em tudo, também nas relações. No entanto, o teatro, elemento próprio de convívio e encontro entre as pessoas, parece ser o elo fundamental para nos provar a suficiência da presença. Afinal, sem o outro não há espetáculo. E, quando o público é também parte da própria obra, pouco importa qual lado de fato está no palco e na vida. Depois O conceito de desconhecido vai além das primeiras sensações. Quem é o outro depende mais de quem se é ao outro, na verdade. Afinal, aquele que se desconhece apenas se revela pela reação ao que se apresenta. Então é preciso ser

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genuíno e disponível ao máximo, para receber de volta o mais próprio de alguém. No encontro, quando verdadeiro, surge a cumplicidade do compartilhamento do instante. E nos instantes que se somam, cabem aos olhos, aos toques, as vozes, aos silêncios, sorrisos, lágrimas, o surgimento de algo que se chama intimidade. Como registrar uma intimidade que se constrói no próprio instante de sua apresentação? Como se fotografar ou virar a máquina ao outro, quando nem se sabe o que ao outro deve se pedir e entregar? Desafiar-se pelo conhecimento das subjetividades de alguém pode ser um tanto quanto radical, mas é nessa investigação que se constrói a própria imagem e identidade. Então, a radicalidade maior está no despir-se de máscaras, ainda que sejam fundamentais ao início de tudo. Em uma hora de encontro, Raquel André se provoca a conquistar um estado de intimidade com um desconhecido. E o coleciona. Sua coleção de anônimos é chamada de coleção de amantes, o que muda tudo. O íntimo se assume como potência de respeito pela existência do outro.

É curiosa a proposta de ser o gesto a continuação de uma coleção. Ao reunir para si pessoas, seus sentimentos e histórias, Raquel André nos leva a perceber o quanto nos distanciamos e nos fechamos aos outros, protegidos por cada vez menos grupos verdadeiramente íntimos, e acumulando falsas relações. Poderia ser esse também o processo dela, falsear as intimidades. Mas, logo ao início do espetáculo, uma sequência estatística apresenta os gostos, os tipos e revela quantos optou por estender e diminuir o tempo da hora planejada. No assumir tal manipulação, a artista deixa claro, então, sua vontade em realizar a experiência com intensa sinceridade. O espetáculo resultante é de uma profunda delicadeza sobre si mesmo e seus amantes. E oferece um respiro poético sobre o humano que nos escapa diariamente. Raquel André nos leva ao sublime sem precisar ir além de nós mesmos. É incrível como o espetáculo e a doçura da presença de Raquel André nos fazem respirar com mais calma e mais profundamente. Algo se transforma. Algo nos invade. Talvez seja a própria artista. Não sei. Só sei que agora pertenço a sua nova coleção, a Coleção de Plateias. E fico feliz por isso.

foto: carlos cabéra

coleçã de amantes


CONCEITO, direção E ATUAÇão:

raquel andré


exercĂ­cios para sr. silva


A

o olharmos ao redor, a cidade se esconde por dentro de sua própria história. São edificações e espaços que, mesmo presentes, possuem outras funções e permanecem não habitados. Um museu ou uma escola são lugares como esses, onde apenas a presença das pessoas sustenta sua validação. Mas essa impressão é a ilusão própria do progresso, quando passamos a crer que, apenas pelo valor de sua utilidade imediata à serviço da sociedade, um espaço se justifica. Em cada edifício, em cada canto, em cada detalhe existem memórias, histórias. Se não é possível reconstruirmos o passado em sua plenitude, distante que estamos e presos ao presente, pode-se, ao menos, recuperar a presença desses lugares através da investigação dos afetos que os habitam. Para tanto, a diretora de teatro e dança, coreógrafa e intérprete Cristina Moura, parte dos estímulos de grandes autores, como Walter Hugo Mãe (A máquina de fazer espanhóis), Júlio Cortazar, Clarice Lispector, Ana Cristina Cesar, entre outros, para construir a trajetória do Sr. Silva. O personagem inventado, tendo por características ser simples e comum, acaba por se revelar e transbordar no extraordinário de sua condição. Ao ampliar a percepção sobre o comum, Cristina Moura exibe o existir como sendo algo maior,

mas que se perde diariamente na incompletude provocada pelas urgências ou falsas necessidades. O potência do comum, então, diz mais ao homem por ser a exposição mais verdadeira aos afetos. Está no comum a aceitação do outro por aquilo que lhe formula em essência: a humanidade. Olhar aos olhos, perceber alguém, dar ao outro o tempo da presença e convívio, são aspectos revolucionários nas solidões e abandonos urbanos. De alguma maneira, em muitos instantes, todos estaremos ora solitários, ora abandonados. Cabe pensarmos, então, como os afetos sobrevivem nas memórias dos espaços, estando os ambientes igualmente perdidos dos nossos olhares, anulamos ainda mais o encontro com o comum. A resposta estética é um espetáculo voltado ao convívio e reconhecimento do espaço; uma criação que resulta na narrativa não linear e imagética, uma poética contemporânea do Tempo. Por não ser possível, ao falarmos em afetos tratar o sentir como algo semelhante em cada pessoa, as cenas articuladas e 20 intérpretes de várias áreas artísticas oferecem aos espectadores a liberdade de escolher o percurso. Assim, o espetáculo é também a maneira como a experiência de convívio com o espaço se coloca afetiva e narrativamente em cada um, por mais que as memórias e sensações nos levem aos mesmos inícios e origens de sempre.

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Depois Cena à cena, instauram-se possibilidades poéticas genuínas, cujas simplicidades iniciais provocam o reconhecer dos estímulos muito rapidamente. Mas, em cada uma, bastam poucos minutos para que se tornem complexas e abertas aos pensamentos. Nada se faz aleatório, gratuito, tudo redimensiona os perfomers e textos ainda mais ao estranho. Perguntar-se o que ali é de fato estranho seria uma maneira pouco produtiva de se lidar com o poético. Então é preciso aceitá-lo sem maiores consequências, apenas ao convívio, como o próprio poético fosse a manifestação comum do convívio. Nem sempre. O comum se faz no contemporâneo exatamente por ser o esconderijo ao poético. Assim somos levados a crer. E, qualquer coisa que o expanda em sensações e percepções deixará de ser cotidiano e ordinário. Se por um lado estamos inclinados por essa educação pragmática de convívio ao real, por outro, está exatamente na estranheza das escolhas apresentadas durante o espetáculo a

subversão de tais argumentos. A beleza que válida cada exercício é a comprovação de que o poético pode e está na pertinência do comum, do gesto pequeno, da mera troca de olhares ou comentários sussurrados. O acúmulo das imagens, dos encontros, das vozes, canto, dos toques, dos olhos, enquanto seguimos o Sr. Silva em sua trajetória pelos diversos espaços do Oi Futuro!, gerou uma obra em construção e experimentação, que já se revela pronta para se ser um delicado e precioso espetáculo sobre todos os silvas que nos habitam. Resta, agora, ganhar o espaço do homem ausente, combinar a poética das imagens ao convívio das memórias invisíveis, projetadas, imaginadas. Realizado isso, o Sr. Silva deixará de ser um personagem para ser a representação física da possibilidade poética escondida no cotidiano. Dos pequenos movimentos, dos pequenos deslocamentos, surge ao espectador o encontro com algo mais profundo. E isso é tudo o que mais precisamos em tempos tão agressivamente profundos.

foto: patrícia cividanes

exercício para sr. silva


Direção:

Cristina Moura Criação e interpretação:

André Vieira, Bruna Bressani, Carol Tilkian, Ciro Sales, Cristina Moura, Dani Cavanellas, Danilo Rosa, Eliane Costa, Fernanda Monteiro, Flavia Coutinho, Isadora Malta, Julia Deccache e Joao Marcelo Iglesias


a flo resta que anda


A

condição política se revela no sujeito também pela maneira como a própria história dialoga com os acontecimentos. Reconhecer a ambos e separá-los tem se tornado inútil no contemporâneo. Assim, o sujeito passa a ser menos o acúmulo e mais a afirmação em forma de sobreposição da política e da história. O urgente está exatamente em compreendermos as distâncias entre acumular e sobrepor. Se o primeiro propõe um estado caótico ao sujeito, o segundo exige ao todo, a cada novo acréscimo, a necessidade de se moldar às novas interferências. Nesse sentido, a política deixa de ser um elemento particular e dialoga com a própria constituição do homem. Partindo da perspectiva em investigar a relação entre política e o viver, Christiane Jatahy apropria-se do texto clássico Macbeth, de William Shakespeare. O espetáculo, em forma de instalação, propõe a presença do público como elemento participativo, sem no entanto impor-lhe tal condição. O existir no interior da instalação ambientada com quatro telas móveis, projeções e um bar determina ao espectador seu existir na experiência narrativa. Atores e não atores convidados também estarão entre o público. Essa indistinção inicial amplia as fronteiras ficcionais e tudo parece ser simultaneamente realidade e construção. Uma performance invisível, portanto. Iguais a chegada da floresta de Birman, na peça inglesa, quando os soldados disfarçado de árvores e moitas se rebelam contra Macbeth, então rei, e avançam sobre o castelo para destroná-lo. Realizando diversas entrevistas com pessoas em regiões diferentes do Brasil, Jatahy provoca com as histórias pessoais relações mais profundas com

as questões políticas que as atingem. Projeta-as ao público, enquanto as telas se movem e formam labirintos, somando-lhes imagens registradas dos próprios espectadores e editadas em tempo real, a condição da sobreposição como formulação desse sujeito histórico-político se valida na experiência singular em assistir ao outro e a si mesmo, ambos como possibilidades de realidades e ficções. Trazer o clássico para a revisão de suas estruturas narrativas, a partir da revisão pelos códigos próprios do contemporâneo, dá continuidade à pesquisa de Jatahy, que já o realizara em outros espetáculos, investigando “Júlia”, de August Strindberg, e “As Três Irmãs”, de Antón Tchekhov. Em ambos, os textos servem de estímulo original para adaptações livres e se constroem após ampla pesquisa estética de intersecção entre teatro e cinema. Dessa vez, a particularidade está no assumir a condição política do ser, e não apenas no ser. Momento importante, quando as questões se revelam ambivalentes todo o tempo, similar ao desejo de Macbeth pelo poder; artificializadas por construções, tal qual a floresta que anda; incontrolável e radicalmente subjetiva, tanto quanto inevitavelmente é o sentimento político. Um espetáculo que se oferece experiência no próprio movimento de experimentar a si mesmo em plena construção. Assim com a floresta, o teatro deixa de ser a contemplação de uma paisagem de discurso inerte e passa a surpreender o espectador com a mobilidade das entranhas exposta de todos nós. Depois Entramos. As imagens, em quatro telões, traziam pessoas comuns, situações comuns, discurantro+_63


sos comuns, mas que insistimos em ignorar e esconder de nós mesmos. Certas palavras são difíceis de serem ouvidas, pois nos recoloca ao interior de uma realidade que insistimos em não perceber. Duas são as sensações nesse olhar/ouvir: a primeira ocorre pelo distanciamento das situações e ambientes filmados, quando favelas e ruas pouco parecem representar a condição burguesa e segura qual inevitavelmente estou acostumado. Então, o discurso acaba se limitando aos outros, essa falsa sensação de que não tenho mesmo muito de semelhante com tais condições. A segunda, por sua vez, apresenta um rapaz em sua cozinha, falando bem, apresentando argumentos coerentes em uma narrativa cruel sobre opressão e anulação da liberdade, e nessa semelhança com o universo qual pertenço, os discursos de antes se somam perigosamente. Afinal, aquilo que é dito por rapaz, também existe nas outras falas, apenas fingi não reconhecer. E os depoimentos se tornam uma única coisa. A proximidade das câmeras detalham objetos, pessoas, lugares, situações, e, como se insistisse para que observemos algo não percebido, oferece encontros extremamente profundos com desconhecidos e realidades. Provoco-me. Assisto a uma tela, ouço o som da outra. E a dimensão de um conflito sócio-político mais profundo se revela de forma radical a partir da humanidade exposta. As imagens e sons se completam naquilo que possuem de mais triste, os abandonos daqueles que

as figuram. Ou será do abandono de todos nós? De repente também o público passa a ser mais do que apenas ele mesmo. Todos podem ser essas figuras perdidas, ali, no teatro. Até mesmo eu para alguém. Espiar e duvidar fazem-se os mecanismos de um jogo estranho, cuja instauração mantém a atmosfera de teatralidade e encenação. Macbeth sugere-se arquetípica e potencialmente em qualquer um dos presentes. Parecemos preparar e esconder algo. E até mesmo os gestos mais comuns e cotidianos aludem esconderijos de desejos e vontades perigosos. Poucas vezes se vê uma ambiência em cena ser criada tão profundamente. E em A Floresta que Anda, Chris Jatahy chega a um domínio desse mecanismo novamente surpreendente. Pronto. Fim da primeira parte. Chris suspende a continuação do experimento e nos explica que deixará a segunda para que a descubramos na temporada. Sei qual é a continuação, e posso antever que será um resultado magnífico. O teatro reinventado em seus atributos mais particulares pelas especificidades únicas do cinema. É possível? Sim. Novamente Jatahy salta e se supera, provando não haver limites para essa intersecção. Não conto mais. Respeitarei a pausa oferecida. Então, preparem-se. O espetáculo chega em breve. Ou, até que leia esse texto, já tenha chegado. Ou vai ver, já está acon- t e cendo exatamente agora ao seu redor. Há muitas formas de uma floresta andar até você.

foto: carlos cabéra

a floresta que anda


criação e direção:

Christiane jatahy elenco:

julia bernat e performers convidados


por favor, continue (hamlet)


C

omo definir um crime? Como determinar sua punição? O que, à princípio, parece óbvio, o ultrapassar os limites éticos do convívio, por exemplo, nem sempre é tão claro assim. Evidente que um assassinato é algo indiscutível. Mata-se alguém, e isso é o suficiente para dizer sobre o acontecimento. Mesmo se for para salvar a própria vida? Nem sempre a justiça entenderá o mesmo que você, e é aí que as coisas se complicam. E muito. Para tanto, em casos mais complexos, criou-se o formato de julgamentos públicos, trazendo para a sociedade, em forma de júri, as conclusões e decisões. Afinal, quando vários objetivamente chegam a uma mesma percepção, então é evidente o acerto. Funciona assim. Mas basta acompanhar algumas decisões e descobriremos logo que, ainda que muitos envolvidos, certo e errado são conceitos bastante subjetivos. Os julgamentos criminais se tornaram, então, estruturas montadas para estabelecer parâmetros de acusação e defesa, para, ao serem confrontados com as leis vigentes, determinarem os veredictos. Significa compreender o formato não pelo descobrimento da verdade, e mais ao desenvolvimento de argumentos entre os opostos, submetidos pela rigidez das leis, quais tecnicamente determinaram o vencedor, e não a moral da sentença.

Advogados, promotores, juízes, juris, acusados, testemunhas dos dois lados... O panteão de personagens nessa espécie de encenação das regras é diverso, assim como também os são os envolvidos. Portanto, qualquer que seja o resultado, é ele sempre a combinação entre subjetividades e apreciações tecnicistas. Na impossibilidade de uma única compreensão das leis, já que também existe o subjetivo em suas interpretações, quais são os princípios que norteiam objetivamente as decisões? Em Por Favor, Continue (Hamlet), Roger Bernat e Yan Duyvendak concebem um julgamento ficcional, a partir de acontecimentos reais: um jovem, durante sua festa de casamento no subúrbio, mata o pai de sua noiva, e declara ser tudo um acidental. O mecanismo para não expor os envolvidos no crime real é apresentá-los no espetáculo com outros nomes. Então, o jovem é Hamlet, a vítima Polônio e sua filha Ofélia. Participa do julgamento, um corpo jurídico igualmente real, e diferente a cada apresentação, convidado a debater o caso, simulando seu julgamento, enquanto o público assiste aos promotores, testemunhas, juiz e as deliberações do júri. Ao retratar o real como passível de encenação, sem, no entanto, atribuir-lhe perspectivas biográficas, Roger e Yan questionam os valores das subjetividades no contemporâneo, no instante em que elas passam a

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por favor, continue (hamlet)

analisam os fatos e promovem o espetáculo do julgamento. Também o júri é verdadeiro, escolhido no público inscrito. Assim, o espetáculo de Roger e Yan não quer resolver a questão. Quer mais. Subverte a condição dos julgamentos provocando a percepção de serem as decisões inevitavelmente subjetivas àqueles que as tomam. Entretanto, dado os interesses e valores de cada um, como construir um julgamento neutro sobre qualquer coisa? Aos poucos os depoimentos técnicos e emocionais se confrontam aos advogados e Depois informações se confundem sem nenhum puAli, de frente para o tribunal, a morte de dor. É possível achar argumentos a tudo, asPolonius é julgada. Como réu, Hamlet. Ele sim como também são verdadeiras as connega, era apenas uma ratazana, explica. Não, clusões de ambos os lados. A manipulação diz o depoimento de Ophelia, explicando sua está mesmo na filigrana das frases dúbias, relação conturbada com o acusado. Enquanto onde o exercício de construção de narratiGertrudes, a única presente no momento da vas direcionadas à leitura que se quer mais morte, busca salvar o filho. São atores, claro. parece a teatralização dos fotos do que E o crime uma metáfora de outro real, do suas descrições. Aqueles que se colocam na jovem que matou o sogro supostamente por posição de ataque e defesa estão no mesmo acidente. Mas não são atores os demais envol- jogo, uma espécie de palco onde o imporvidos: juiz, promotoria, advogado de defesa, tante não são crime e acusado, mas a suslegista e psiquiatra. Esses, a partir do real, tentação de seus argumentos.

foto:patrícia cividanes

determinar valores e decisões ao coletivo, subtraindo-lhe a pluralidade impositivamente e de modo definitivo. O quanto nessas decisões são de fato teatralizações dos poderes cabe ao púbico tentar responder. De todo modo, a vida continua para fora do teatro, e os julgamentos se acumulam sobre a sociedade e os indivíduos. Se algo pode ser dito até mesmo para as decisões aparentemente mais corretas é que vivemos uma época em que se tornou fundamental desconfiarmos em 360 graus.


Direção:

Roger Bernat e Yan Duvyendak Elenco:

Matheus Macena – Hamlet, Iléa Ferraz – Getrude, Mariana Nunes – Ofélia


por favor, continue (hamlet) A resposta final do júri reconheceu primeiro a morte de Polonius, também sua morte por ferimento causado no peito, também o de ter sido Hamlet o causador do ferimento, mas, curiosamente, não reconheceu haver nisso um crime. Seria preciso entender a realidade do crime para chegarmos à avaliação de sua intencionalidade e culpa, entretanto. Juiz, promotor e defesa se espantam. Tentam dar continuidade à encenação, mas é impossível. Se não houve crime, não há o que julgar, concluem. O tribunal libera o réu. Hamlet está livre. O júri formado aleatoriamente por pessoas comuns acabara de construir um corpo que morrera com uma facada no peito, dada por alguém que reconhece a autoria do gesto, um cadáver que sobra sem importância, enquanto não vê crime nisso. É curiosa a maneira como se observa as coisas. Curiosa também a antecipação da inocência. Não haver

intenção diminui o gesto e sua consequência? Por acaso o morto deixará de estar morto? A facilidade em inocentar contradiz a maneira como passamos a condenar os acontecimentos e ações que norteiam os noticiário, mas não a lógica de julgar antecipadamente, já iniciando a observação a partir do resultado qual se almeja. Condenamos e inocentamos com a facilidade de quem possui as informações precisas, completas e suficientes para tanto. Julgar, decidir por todos. E a subjetividade que implica em resultados impossíveis. No tribunal fora apenas um jogo. E saímos do teatro refletindo o quanto as decisões mais complexas que pautam nossos direitos e limites surgiram exatamente assim, em uma espécie de disputa entre pessoas e poderes. Uma experiência inquieta de pura provocação à normatividade que tão facilmente aceitamos.



tarde de ventania


A

presença do homem é definitiva ao planeta, e tudo aquilo que pareceria natural, ganha, com sua ação, outras dimensões e sentidos. E nem sempre isso é positivo. Portanto, ainda que criadores, os humanos são também destruidores daquilo que os cerca. Esse viver desmedido e sem maiores comprometimentos levou o homem a se limitar apenas como aquele que sobrevive ao viver, e não mais como quem o provoca e realiza. Está na distância entre as duas percepções a condição maior para que o viver seja algo mais responsável e interessante. Não se trata de nenhuma condição moral, mas do quanto a humanidade pode evoluir rumo ao poético, e por ele modificar o todo. Assim, o poético assume outra interface com o cotidiano, permite ao homem superar seus próprios vícios consumistas e reavaliar as ações frente outra compreensão das coisas. A destruição revela-se sobre si mesmo. A sobrevivência um desafio que poderia ser desnecessário manipulado por uma sociedade de excessos e exageros. Através do Museu de História Natural de Nantes, a Cie Non Nova, surgida em 1998, com ampla circulação por dezenas de países, dirigida por Phia Menard, criou um lúdico experimento em que sacolas plásticas ganham formas e presença de personagens, enquanto as auxilia a experi-

mentar a liberdade de voar. Os ventiladores que mantêm os sacos suspensos ajudam a construir uma narrativa etérea e a imaginação do espectador é conduzida a refletir sobre como seríamos se nos permitíssemos viver estados poéticos para além da condição qual nos encarceramos. Ao som de “A Tarde de Fauno”, de Claude Debussy, e a relação com o poema homônimo de Mallarmé, o espetáculo transmuta um mero objeto industrial, ambientalmente condenável, sobretudo quando em quantidade, cotidiano, em seres de convívio, ao qual não nos damos conta da efemeridade de sua permanência como utilitário, frente à solidão de centenas de anos após abandonado. E vai além, construindo ao olhar a singeleza de nossa própria solidão. Phia Menard tem realizado diversos trabalhos cujo interesse é pelo malabarismo como possibilidade de construção cênica e narrativa, propondo novas bases de compreensão para a linguagem, indo muito além das fronteiras tradicionais, em busca de poéticas e experiências singulares. Depois Enquanto ela corta os sacos plásticos, o público acomodado ao redor, no teatro Oi Futuro!, observa com atenção. Um pedaço arrancado, outro, maior, menor. Existe um mistério, ainda que saibamos o resultado pelas fotos e divulgações. Ainda assim, a tesoura agride o plástico de forma cruel e impositiva, e nesse conflito já se

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estabelece uma sensação entranha aos resquícios que serão simplesmente abandonados. Parte dos sacos plásticos são inúteis e desnecessários. Assim como a sociedade lida sem nenhum pudor com as pessoas. Surge, em poucos minutos, a figura de um boneco. Se homem ou mulher, não importa. O ser que ali se revela representa a todos, como em uma ilustração do humano, e também a ele mesmo como original. Continuamos observando esse ser criado sem que lhe tenha sido dada a chance de não querer. Agora o pequeno ser de plástico adquire mais do que feições e corpo. É irresistível. A empatia nasce junto à forma, e dá a forma um estado de cumplicidade que poucos atores consegue. Talvez porque lhe falte os olhos, o que lhe determina certa solidão. Talvez por lhe faltar o sorriso, o que lhe traz certa tristeza. Phia o deixa só, no centro do palco, cercado por ventiladores prateados. Eles apontam suas grandiosidades ao pequeno ser ostensivamente. Ele parece sucumbir à observação opressiva. E permanece ali, esquecido, desprotegido, passivo. O que acontecerá, então, é de tamanha poesia que o sorriso estampa os rostos de adultos e crianças que assistem pelos próximos trinta minutos de espetáculo. O boneco infla, ganha vida, move-se sozinho pelo chão como se caminhasse, então como se dançasse, salta pequenos pulos, até que baila pelo ar. Um estado pleno de felicidade nele e em nós. Surge outro e a dupla se encosta, rodopia. Talvez se

beijem. Prefiro acreditar que sim. E dançam com tamanha intimidade, que poucos bailarinos verdadeiramente conseguiriam imitar. E logo chegam outros. Mais. Muitos mais. Uma multidão de pequeninos seres de plásticos que se atropelam e esbarram não mais como em uma dança, mas como em uma brincadeira infantil doce, violenta, descontrolada e poética. Phia lida com os princípios do malabarismo de forma tão absolutamente original que se arrebatar frente aos espetáculo é pouco. Enquanto nos apaixonamos pelo pequeno ser verde ou pelo listrado em branco e vermelho, ou outro qualquer, a artista surge em cena e sustenta no convívio com os pequenos seres a narrativa explicada pelo título. Hora parecem seres que povoam seus sonhos, outras vezes são seus companheiros. Até que, gradativamente, consumem sua figura, grudam, esbarram com força, trombam, agridem e se acumulam ao ponto de tornar impossível a convivência. Dói assistir os pequenos seres a atacarem, enquanto a performer destroça um por um com as mãos, pés, boca, como der. Tão pouco tempo, nem bem os conhecemos, e já se tem saudade. Tarde de Ventania realiza o mais impressionante exercício de animação, indo muito além do que poucos desenhos conseguiram criar. Um devaneio ao profundo da poesia. Radicalmente inesperado. Um dos espetáculos mais lindos e profundos que pude assistir nos últimos tempos. Aqueles pequenos seres habitarão em mim para sempre.

foto: patrícia cividanes

tarde de ventania


Autor / Concepção:

Phia Ménard assistida por Jean-Luc Beaujault. Elenco:

Phia Ménard




encontro com

brett bailey


A

antropóloga negra convidada para falar sobre racismo não pode falar. Não lhe deram espaço nem tempo. A escritora que também participaria do debate foi impedida de concordar com os negros aos gritos de que era branca. A jovem cineasta negra, ali, atrás da mesa, optou por não pensar muito sobre tudo e preparou o terreno para que outros tomassem conta do microfone impedindo com isso o debate. O sociólogo negro, com seu sorriso e texto cínico e insistentemente desrespeitoso, falou em seus muito mais que os cinco minutos prometidos, muito mais do que todos, ainda que não fosse convidado, ao olhar para o jornalista que mediava, percebendo não ser um loiro branco de olhos claros, que alguns podiam “até ter sido filho de negro algum dia”. O que quer dizer ter sido e algum dia? Por acaso alguém que descende de negros o deixa de ser? Os pais embranquecem de repente, sem aviso? O homem do movimento negro que rege impositivamente a audiência termina olhando para o artista sul-africano e diz que para estarmos no MAR, o belo museu no Rio de Janeiro, antes deveríamos pedir licença aos ancestrais, e ao artista de que ele não tem o direito de estar ali. Para terminar seu depoimento, o líder negro que combate raivosamente o preconceito sentencia: por ele, o artista nem poderia voltar à África, lá não seria a terra dele, querendo dizer ser somente dos negros, deveria ir direto para o Oriente Médio,

para algum homem-bomba explodí-lo. E alguém grita na plateia do auditório que ele clama contra o preconceito sendo islamofóbico, já que generaliza quem está no Oriente Médio como sendo obviamente terrorista. Esse territorialismo deformado esquece de alguns detalhes importantes: o artista é sul-africano de nascença e o acusador brasileiro. A África é sim a casa do artista, não do ativista, e por ser negro isso não confere a ninguém o domínio de um continente ao qual se está distante a vida toda. Até por quê, a África não é somente negra. Definindo as muitas culturas e países em qualquer um que não seja branco ser negro, padroniza-se as diferenças. E o homem que se diz sem preconceitos revela-se tanto quanto preconceituoso com tantos outros. Gritos, histeria, ameaças. O debate não aconteceu. E praticamente nada ali foi útil para mudar qualquer coisa. Ora, a complexidade é extrema e insolúvel, quando confrontada pelos mesmos instrumentais para avaliações. Sem mudar as estratégias, nada pode realmente ser transformado. A violenta reação ao branco tem dois fundamentos: o primeiro se encontra no fato da opressão imposta do branco ao negro historicamente, e por opressão é preciso compreender por seus piores meios de ação. Durante séculos não se deu espaço ou voz aos negros, e agora a vontade pelo diálogo se esgotou. Então se formou também do negro ao branco um nós e eles. Como reclamar de quem chega ao seu limite? O segundo é mais profundo.

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Tratar o outro como diferente e, por assim ser, menosprezá-lo, humilhá-lo, ofendê-lo, afastá-lo, agredí-lo, retirando do diferente sua voz e presença. Não fora exatamente isso, para ser bem resumido, o feito pelo branco ao negro? Ao repetir as mesmas estratégias de anulação do diferente, o negro, na verdade, está inconscientemente submetido ao pensamento branco de dominação e humilhação. O negro está agindo como o branco. O que se esconde nisso é a manipulação das estruturas brancas racistas milenares que se utiliza do negro para manter e ampliar as distâncias e diferenças. Os gritos que se tornaram proibições à arte de Brett repetem com eficiência os interesses racistas brancos, pois colocam os negros na situação de incapazes de dialogar e se unir aos diferentes, mesmo quando com pensamentos iguais, exigindo o fortalecimento das segregações. Não todos os negros, é obvio. O negro fanático, esse que distorce a importância dos argumentos sinceros, acaba inconscientemente como a nova face do poder do racismo branco. “Eu não falo com branco” foi uma explicação recorrente entre as pessoas que lá estavam para ouvir; “isso não é uma democracia”, a resposta para impor a proibição do vídeo, enquanto acessavam agressivamente o computador do artista sem seu consentimento. Exemplos precisos do quanto os racistas brancos estarão orgulhosos de seus novos discípulos. Por gritar, a histeria faz parecer que algo está em movimento. E está. Só que cada dia mais para

brett bailey

trás e nunca para mais próximo. A vitória continua ainda no mesmo lado de sempre. Curiosamente, durante as duas horas do encontro, não se ouviu dos representantes dos movimentos negros qualquer menção mais profunda sobre a condição dos negros fora do Rio de Janeiro. É como se a condição carioca fosse mais aterrorizante, mais deprimente, degradante e urgente. Há nisso certa disputa pelo status de pior, o que não faz o menor sentido. Mas, ainda que seja, ali no Porto, na Praça Mauá, antes de ser o lugar a chegada e descarga de negros escravizados, de reduto dos negros libertos e abandonados, era espaço dos índios que, massacrados pelos colonizadores portugueses, ao menos durante os depoimentos, foram sumariamente esquecidos. O fato é que parece mesmo haver deliberadamente uma tentativa de contar e a história do lugar e da cidade a partir da presença do negro, esquecendo-se convenientemente daqueles que antes a ocupavam. Afinal o índio não serve à causa negra, então não precisa existir. Se o branco conta a partir de si e isso incomoda com absoluta razão, então contar a partir do negro como sendo o ponto zero, é igualmente manipulador. Fato é que, quando uma causa ganha argumentos centrados apenas em seus próprios interesses, essa mais parece um trunfo casual em busca de legitimação para excessos e exageros. Um extremo só serve para revelar o outro extremo e legitimar a si mesmo frente ao espelho. Durante o encontro com Brett no Rio de Janeiro, não fora diferente disso.

foto: carlos cabéra

encontro com


brett bailey

durante debate no mar, rio de janeiro.



Escrever uma crítica na frente de todos? Abrir o processo da escrita e da construção do pensamento crítico é o desafio proposto pela ação Crítica Performativa. A revista Antro Positivo cria espaço para uma escrita dialógica sobre o espetáculo Procurando Paul, do coletivo holandês Wunderbaum, através de conversas e participações de convidados durante o período de seis horas ininterruptas, em tempo real e abertas a todos. O público pode observar, ler, sugerir, interferir e participar. Uma busca conjunta pelo desenho de uma nova possibilidade de crítica.

Por Ruy Filho, Ana Carolina Marinho e Patrícia Cividanes Oi Futuro Flamengo Rio de Janeiro 11 de outubro de 2015 domingo 14h>20h


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Ruy Filho sobre Looking for Paul querido, são exatamente 14h08 e passamos esses 8 primeiros minutos tentando organizar a internet. Ainda não temos nada escrito e temos mais 352 minutos pela frente, o que me parece assustador. Estou entusiasmada com a nossa viagem para LA. Acho que podemos pesquisar mais sobre o Paul e sobre os plugues anais. Penso em alguns pontos pelos quais gostaria de passar: - o espaço público como palco para os conflitos sociais - a arte dócil - a questão do financiamento público para cultura - o trabalho do Paul McCarthy O que te parece? Abraços, A.

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Ruy Filho sobre Looking for Paul Oi querido, Esqueci de dizer. Já ouviu falar num termo usado no cinema chamado “mockumentary”? Me parece dizer um pouco sobre a solução encontrada para a construção da dramaturgia. Pelo que tenho pesquisado, os filmes ganham esse nome quando eles usam de mecanismos do documentário para fingir que aquela ficção é real. Lembra das cenas filmadas no Looking for Paul? Aquela câmera tremida, os rostos dos personagens tímidos diante da câmera... Na verdade, tudo isso supondo que nada daquilo seja exatamente real. Aquilo não era real, era? Rs. De toda forma, a busca pelo real se apresenta forte ainda. Um pouco desgastada, confesso. Sinto o desejo em retornar à ficção crescendo. Beijos, A.

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Eles saem de casa, atrás da casa do Paul. Paul não sabe. Na verdade, talvez saiba. Se sabe, ligou o foda-se. Eu sei. Palavrão é complicado em determinados espaços. Mas, se você conhece o Paul, a completa ausência de delicadeza do cara, então um palavrão não fará diferença. Paul é um cara estranho. Talvez eu consiga lhe apresentar a figura sem muito rodeio. Imagine alguém sem qualquer pudor, sem nenhuma intenção de agradar, sem vergonha em ser ridículo, sem-vergonha mesmo. Paul é um dos caras que fazem tremer por onde pas-

sa. Calma, ele não é uma pessoa ruim. Paul é um artista. Verdadeiramente artista. E isso faz dele um problema. Os artistas são sempre um problema. Os verdadeiros, digo. Paul pertence

aos verdadeiros. E, como problema, ele é fundamental. Paul é foda. E pense nesse termo em seus sentidos mais amplos.

Todo coletivo acaba por virar um corpo único. O problema é que os corpos únicos nem sempre se enxergam assim. Todo coletivo se valida na confirmação de suas diferenças. O problema é como lidar com as diferenças enquanto se busca ser somente um. A perspectiva de um coletivo dar certo como conceito é grande. O problema é quem nem sempre conceitos estão certos. Então, imaginar um coletivo é muito diferente, por ser a idealização de um desejo comum entre diferentes vontades. Existe um lugar que, ao seu modo, desde sempre, o coletivo e as diferenças convivem sem maiores questões.

Esse

lugar chama-se teatro. Estar em uma sala de ensaio, em um palco, significa compartilhar entre os envolvidos algo que vai além da individualidade protegida presente nas instâncias comuns.

O teatro não é uma escolha

comum. Não deveria ser. Pois cabe a ele, como expressão coletiva, determinar ao ruy filho

público a percepção da sociedade, da cultura, da humanidade ser outro coletivo ainda maior. O Wunderbaum é um coletivo de teatro. E escolher ser isso é mais ousado do que simplesmente ser um bom artista ou ter boas ideias. Imagine, então, um coletivo de teatro com boas ideias? Entendeu o perigo? Cuidado. Eles estão aqui pelos corredores do Oi Futuro!

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Ruy Filho Urgente Oi querido, Coloquei URGENTE pra ver se assim você lê os e-mails. Estou ansiosa com alguma resposta. Não sei o que você achou das propostas, MAS RESPONDE ALGUMA COISA. Tchau. A.

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Ana Carolina Re: URGENTE Oi Carol, estou correndo aqui. Anotei suas sugest천es, e preciso lhe dizer que n찾o tenho a menor vontade de ir para LA. Acho que podemos tentar algo mais e chegar a Paris, n찾o?

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Tempo 1.

Não se sabe se verdade ou não, e pouco importa, Inez é trazida ao palco para dar seu depoimento sobre a escultura do Papai Noel com uma árvore de natal que mais se parece um plug anal, criada por Paul McCarthy. A escultura lhe ofende. Incomoda. Está sob sua janela e em suas paisagens, quase que invadindo parte de suas intimidades. Inez talvez nem exista, o público terá que esperar para saber. A escultura sim.

ruy filho

Tempo 2. O Wunderbaum decide levar Inez para se vingar de Paul em Los Angeles. Eles revelam os e-mails do processo de criação, dúvidas, discordâncias.

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Tempo 3. Encenam como se fizessem parte de obras de Paul McCarthy. Sujam-se, lambuzam-se, mostram-se nus, transformados por próteses, em ações escatológicas e sexuais. O espetáculo dentro do espetáculo é somente e apenas isso mesmo.


No convívio com os três tempos, o público é levado a experimentar diversas sensações. Primeiro, como não pensar que um artista é o que é, e não pode ser tão nocivo assim? Segundo, como não pensar, frente à cena McCarthyniana,

que porra é essa que ainda se nomeia arte? No movimento de provocar desesta-

bilizações das projeções individuais, o Wunderbaum acerta na dicotomia em quem somos julgados por nossas próprias perguntas. Se nos identificamos com o trocadilho escultórico de Paul, então temos a arte como um discurso livre, cuja presença pública serve mais ao deslocamento de nossa passividade do que ao enfeite de uma paisagem. Exige esse pensar a diferenciação entre arte e produto cultural. Paul poderia sim ser somente um instrumento do sistema para objetos peculiares e incômodos. No entanto, ao ser rechaçado pelos moradores, deixa de ser somente um invasor, para se revelar um mecanismo de desestabilização cultural. É isso que torna um mero Papai Noel com um plug anal em mãos algo maior do que apenas um objeto. Faz-se ruído às expectativas; expõe violentamente aqueles que se negam a se projetarem de modo tão volúvel e primitivo.

Paul se revela artista exatamente pelo negar de tantos à sua arte. Resolvida a primeira inquietação, a de Paul ser um artista ou não, o espetáculo desvia a reflexão ao segundo momento: e isso é arte mes-

mo por que? Ainda que não haja respostas definitivas e nunca haverá sobre o que venha a ser efetivamente arte, a encenação de um trabalho de Paul McCarthy configura a exposição máxima de um estado de banalidade ao teatro qual se realiza que é impossível não se incomodar com tal brutalidade frente ao universo “sagrado” do palco. Ora, ao seu modo, o Wunderbaum traz também para nós as sensações que Inez relatou sentir frente à escultura. A dicotomia sobre o que pensamos e como nos relacionamos com nossas certezas mostram-se dialética a partir dos interesses mais imediatos e egoístas. Se entendermos ser arte a escultura de Paul, então por que não ser teatro e arte bolos de macarrão, ketchup, maionese, cus e garrafas de pinga, personagens deformados e sem nenhuma intencionalidade em cena? O que distanciaria a provocação da escultura com a da cena? Absolutamente nada. Mas, a sacralização do espaço cênico quase impede de aceitarmos tamanha blasfêmia. Assim como para Inez o espaço público é igualmente sagrado e fundamental ao oferecimento de beleza e do sublime.

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Inez ĂŠ morta. Paul nĂŁo.

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Chegamos na sala estreita do espetáculo. Algumas cadeiras organizadas no palco com uns microfones. A pequenez do lugar nos aproxima. A timidez de Inez também. Mas a ilusão sempre opera nesses lugares.

Seria Inez real?

Apesar de ser o realismo (ainda que os ismos sempre dificultem o raciocínio) o lugar da ilusão de realidade, ele joga com outros mecanismos. Ele faz crer que aquilo acontece ali na nossa frente pela primeira vez. Mas Procurando Paul ilude de outra maneira. Ele se utiliza de dispositivos do documentário para criar o que no cinema se chama de mockumentary, ou um falso documentário. Ele quer nos fazer acreditar que aquela história é real. Em partes até é. A escultura existe, foi colocada em Roterdã e causou polêmica.

Mas, até aí, nada garante que a Inez exista. Eles se utilizam de tudo que legitime o falso documentário: a apresentação de Inez deseja conduzir o nosso olhar para a sua timidez diante de nossa presença; a dramaturgia é construída a partir de e-mails que supostamente eles trocaram durante o processo de construção do espetáculo em Los Angeles; eles mostram fotos em que Inez aparece dentro de sua casa, dentro de sua livraria, e de ambos os lugares é possível ver a estátua pela janela; e,

ana carolina marinho

por fim, eles utilizam de uma gravação de vídeo com elementos típicos do estilo mockumentary, em que a câmera treme como estratégia para revelar o amadorismo do cinegrafista – sempre com planos em que há uma corrida em fuga ou que, depois de um susto ou acidente, a câmera cai das mãos e continua gravando; além da captação dos rostos dos personagens diante da câmera que escancara a presença dela em vez de fingir que ela não existe. Estratégias que adensam a discussão do espetáculo.

A polêmica é real, é preciso fazer Inez também ser. antro+_95


Ana Carolina Crise Carol, por que você me deixou fazer isso outra vez? Essa ideia de ficar escrevendo na frente de todo mundo. Que péssimo isso. Que cansativo. E depois, você viu o espetáculo. Vai ser difícil pra cacete! Bem que você poderia ter me feito desistir, não? Nem sei por onde começar. Queria mesmo era voltar pro hotel. E essa porra toda ainda me fez acordar super cedo. Você sabe que não tenho humor de manhã. Quanto mais pra pensar coisas complicadas. Enfim... RUY

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Ruy Filho Re: Crise Querido, Fiquei apreensiva com o seu e-mail. Na verdade, a apreensão durou alguns segundos. Deixe de ser dramático. É preciso desestressar o corpo pra conseguir escrever. Já tentou usar um plug? Beijos e já te escrevo mais. A.

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O espaço público como palco para conflitos

mantendo-o vivo e producente enquanto lhe interessar.

sociais? É mesmo para começar assim? Complexo isso.

Hoje, como identifica Kuniichi Uno, assistimos a um novo

Qual é realmente o espaço público, aquele que nos

estágio ainda mais assustador, no qual ao homem é

oferecem ou o que determinamos como nosso?

dado o direito de sobreviver, submetido ao Estado

Se o espaço público é o estabelecido pelo Sistema,

como instrumento de produção e consumo, para

então se pode pensar que, o que assim é nomeado, é

sustentar a máquina econômica social.

somente o território onde se permite a presença de qualquer um. Mas, esse qualquer um não é a totalidade

Nesse sentido, voltando, o homem excluído da sociedade

dos indivíduos. Esse qualquer um é aquele que se encaixa

é aquele que sobrevive como símbolo da inclusão dos

no Sistema por sua capacidade em fortalecê-lo, em

demais, é a dimensão perigosa que bate à porta de todos

valores de participatividade praticamente impositivos.

nós e da qual lutamos por não pertencer. O espaço

Assim, o qualquer um se limita mesmo ao servil. Os

público oferecido, esse dado pelo Estado, acaba

demais, os invisíveis, os inúteis, os imprestáveis, não

sendo a farsa da dimensão pública. Então como é

oferecem nada em troca, não participam, e são obrigados

possível falarmos sobre o espaço público como palco de

a subexistirem aos interesses mínimos de um Sistema

conflito social, se até mesmo o social é uma criação do

que, para permanecer publicamente democrático,

Sistema como dimensão de controle da percepção do

necessita de suas presenças.

imaginário? Talvez a resposta esteja mesmo no espaço que determinamos e não nos oferecidos.

É preciso, já nessas primeiras observações, compreender o sujeito por sua presença biopolítica. Se Foucault dizia que

Ao determinarmos um espaço como nosso, fazemos

ao homem era dado o direito à vida pelos dominantes, já

também com que esse se torne a dimensão de nossa

que a eles cabia a escolha pela morte ou não. Se Agamben

exposição pública, e não necessariamente em seu sentido

inverte o conceito e demonstra que no mundo moderno

de coletividade. Ocorre que, ao escolhermos um território

o Sistema passou a dar ao homem o direito à morte,

como nossa extensão, o mesmo se dá emotivamente. O

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risco é sempre anularmos o espaço aos outros, e aí teremos uma exclusão ainda maior do que a provocada pelo Sistema, pois a individualização é ainda menos democrática. É preciso pensar o espaço que se determina como próprio a partir das escolhas coletivas, das massas, dos povos, o que também confere o perigo de ser limitado por valores, dogmas e diferenças de toda sorte. Pensar o espaço que determinamos é, contudo, diferente daquele oferecido, na medida em que o escolhido confere

Agora a arte nisso... hum... É preciso pensar o que verdadeiramente se entende por conflito, antes de falarmos em arte. Assim como o espaço público, a ideia de conflito precisa ser reinventada para além do confrontamento entre opostos. Prefiro nos provocar a pensar o conflito como sendo o estranhamento daquilo que não é próprio. Dessa maneira, então, o dilema está menos nas diferenças exteriores ao indivíduo, e mais na projeção que se faz de si frente ao todo. Por não ser minimamente plausível acertamos o como seremos

à exposição de nossas subjetividades, aquilo que, de

compreendidos ou interpretados, o outro se torna o

alguma maneira, constitui nossos valores e crenças. Está

problema. Porém, na verdade, a questão está mesmo na

no tornar público o existir individual a dimensão mais

antecipação dessa projeção.

radical ao coletivo, pois possibilitará debater e rever os valores afirmativos, aqueles que são negados, os

O que problematizo é que, se nos livrarmos do um contra

que se opta por ignorar, ampliando, assim, a percepção

um, lado versus lado, teremos uma ideia mais ampla do

sobre cada um. Sendo a sociedade a união de indivíduos

que origina o conflito, antes mesmo dele ser identificado a

em um mesmo contexto, seja ele cultural, social,

uma causa. Falar, portanto, em conflitos sociais, necessita

econômico, ideológico, religioso etc, ao percebermos

entender que a sociedade é a dimensão coletiva de

as particularidades poderemos pensar, de fato, como a

indivíduos. Talvez a pergunta certa seja o que leva tantos

coletividade precisa ser movida para se tornar cada vez

indivíduos a se projetarem com os mesmos valores e

mais democrática e plural.

interesses ao mundo? Nada fácil, isso.

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É possível dizer que, tantos indivíduos olhando e desejando a mesma coisa, também pode ser fruto de uma padronização do ser pelo Sistema, de modo que muitos acabam limitados às ideias mais previsíveis.

Um plug anal está longe de ser um valor aceitável socialmente. Por tantos outros motivos. Mas, aqui cabe pensar, o quanto a dimensão estética do indesejável acaba por expor um sujeito que não quer ser revelado em suas dimensões mais primitivas.

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Se o conflito social é a manifestação cultural sobre um discurso estético, então é provocativo pensarmos o quanto esses objetos e manifestações, ao serem tornados públicos, explodem as amarras de nossas seguranças. Aquilo que nos atinge, o faz pela recusa que temos por aquilo que nos revela. Esse, talvez, seja realmente o conflito social fundamental ao contemporâneo: provocar desestabilizações das projeções individuais direcionada ao convencimento do outro.

ruy filho

Quando o conflito se torna o objeto de arte, e esse é o dilema maior em Procurando Paul, não se trata apenas de como me projeto ao mundo, mas como anseio que minha projeção estética se manifeste ao outro.


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A tomada do espaço público pelas intervenções artísticas é fruto da busca pela reapropriação do cotidiano. Instalada, a obra transforma o transeunte em espectador, sem acordos prévios. Não é a pessoa que decide ir ao encontro da obra, é ela que atravessa o caminho roteiro. Essa é a potência de existir no palco dos conflitos sociais: o espaço público. A experiência é sempre coletiva, portanto, e insere o transeunte numa zona de sociabilidade. Acontece no jogo dos elementos que se comunicam ao redor: as ruas, os carros, os transeuntes, os animais, o clima, o cheiro de urina.

A rua não é o espaço de controle comum às obras de arte.

Na verdade, não era. cializado.

E agora tudo é agenciado. O espaço de sociabilidade é produzido e comer-

A rua é gourmetizada. E o transeunte já não mais se espanta com a arte

instalada no curso de seu cotidiano. Na verdade, costuma ignorá-la conscientemente.

O que não se pode negar, porém, é a potência do diálogo que a obra de Paul McCarthy gerou.

Mesmo

que tenha custado milhões. Mas é que ele sabe que aquilo que não se pode ser comercializado está fadado a morrer. Então, ele transmuta os ícones pops e brinca com o consumo. Aquela estátua pretende ser mais do que mera presença no espaço.

Ela não acomoda, não doci-

liza. Ela existe para que seja questionada sua legitimidade enquanto arte e enquanto utilidade.

Ao contrário das nossas, sim, aquelas que nos domesticam, que aquietam

ana carolina marinho

nossos ânimos; aquelas em que costumamos sentar ao lado para tirar uma selfie.

“Por que o Papai Noel não segura um saquinho de batatas fritas” pergunta Inez, a moradora indignada com a estátua instalada em frente à sua casa, sem se dar conta da profundidade do que diz. Para ela, ele poderia segurar tudo, menos um plug anal.

Mas Inez, por que tanta perseguição ao plugue?


Inez diz aí Oi Inez, acompanhamos o seu drama. Mas, diz aí, por que tanta perseguição ao plug anal? Antro+

Antro+ Re: diz aí Olha, se fosse na frente da sua casa você gostaria que estivesse na janela, compondo a paisagem, um objeto sexual? Eu não. Mas, se vocês não se importam com isso, então que tal um caralho imenso apontando pra suas caras? Assim vocês podem se satisfazer com suas necessidades de pornografia e putaria. Estou de saco cheio dessa história. Por favor, não me escrevam mais. PS: Como vocês conseguiram a porra do meu email? Foi com o Wunderbaum??? Ines.



Ana Carolina sei lá Oi Carol, li seu texto. Bom, acho que precisamos rever algumas coisas.

Essa ideia de que agora as obras em espaços públicos passam a ser controladas, talvez eu não entenda. Qu

Idade Média e Renascimento, quando começamos a ter os mecenas financiando obras diretamente), as es

as financiavam. Então, talvez nunca tenha tido um momento em que os artistas puderam mesmo expor sua

que está mais por conta dos artistas que se utilizaram das ruas como material criativo. Mas isso é realment

conta o povo de teatro que sempre esteve perambulando por aí), e artistas criam a muito mais tempo do qu

Concordo sobre o atravessamento sem acordos prévios. Fato. Só que nisso não há realmente uma reaprop

modo, faz-se ao transeunte um estímulo impositivo que não foi pedido. E tudo, cada coisa ao seu modo, se

entende? Afinal, sobretudo no contemporâneo, o que realmente é a arte que está na rua? Como identifica-

Assim, tudo aquilo que lhe encontra esteticamente oferece a mesma intervenção, o mesmo atravessamento

guntar se, por ser proposital, é mais agressivo esse atravessamento ou não. Faz diferença depois que você j bjs RUY

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uando não foram? Se pensarmos desde as mais antigas (nem vou voltar aos antigos mesmo, vou ficar na

sculturas, afrescos, arquitetura, monumentos etc., sempre foram controlados pelos interesses daqueles que

as obras publicamente sem alguma interferência. Essa sensação de que isso acontece apenas agora, acho

te das últimas décadas, ou se pensarmos no futurismo e dadaísmo, do último século (não tô levando em

ue isso.

priação do cotidiano. Ao menos não de forma tão radical como você coloca. Tudo, e cada coisa ao seu

e faz também como estímulo cognitivo-estético. Então, a arte não tem essa prioridade sobre a experiência,

-la? Como uma pessoa leiga (detesto esse termo) pode se relacionar com aquilo que atravanca seu trajeto?

o. A arte é apenas um dos meios para isso. Só se diferencia por ser proposital. Aí talvez devamos nos per-

já foi atingido pela coisa?

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como lidaremos com artistas que não buscaram negar nada , confrontar nada, Mas aí, se a arte é fundamentalmente conflituosa,

nem a si mesmos, nem aos sistemas dominantes, nem culturas, nem ideias... Então esses não seriam artistas? Pode um artista querer conscientemente afirmar o mundo e o existir como está. Então deixaria ele de ser artista por não estar em conflito? Pensar a arte como conflito, mesmo o do artista consigo mesmo, tem outras questões que se somaram ao tempo, e que não nos damos conta, como uma leitura psicanalítica de que a criação é a resposta a um incômodo incontrolável, por exemplo. Dessa maneira, ainda nos pegaremos sobre o risco de tê-la como um serviço, seja

ruy filho

educativo, seja político, seja psicanalítico.

É preciso liberar a arte para ser o que bem desejar. Mesmo que não confronte ou questione nada. antro+_109


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É uma maneira de vermos a coisa. Se entendido o conflito como o estranhamento, como mencionado antes, então é inevitável que se torne uma bola de neve. Imagine que tudo aquilo que se desconhece ou estranha, ao ser reconhecido e compreendido provoca sobre o sujeito um estado de revisão de seus argumentos e percepções, o que causará inevitavelmente ao olhar e convívio novos estranhamentos e desconhecimentos sobre aquilo que ainda não se percebera, e também sobre objetos já consolidados e seguros de seus entendimentos. Então, talvez, o sentido de bola de neve

possa servir, sobretudo se pensarmos na bola como algo que aumenta de dimensão para todos os lados, inclusive sobre ruy filho

seu próprio interior, enquanto se desloca e preenche com outras materialidades. É o movimento que Žižek chama por paralaxe. Vale dar uma olhada no livro dele sobre o assunto.

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Em conversa via Skype com Yuri Kotke, educador sexual, compreendo que o ânus é a entrada real

para a evolução do sistema nervoso, ele é o centro emocional do corpo.

Relaxá-lo garante segurança ao ser humano. Ana Carolina Abra o seu ânus e o seu coração se abrirá em

vou e volto

seguida, ele me diz. Compreendo que é o ânus que concentra toda a energia de luta e fuga. Ele se contrai no estresse e no desassossego. Mantê-lo em relaxamento é a garantia da integridade do restante do corpo. Mas como relaxá-lo diante da sobrecarga das demandas?

Não quero atrapalhar, nem me intrometer no cu alheio. Enquanto vcs discutem aí, vou tomar café. Fui.

Yuri me mostra o seu plug anal azulado. Ruy ana carolina marinho

O plug é indispensável nesse processo de relaxamento e autorregulação erótica. Ele ajuda os músculos a descontraírem-se. Como o ânus não tem lubricação natural, o instrumento facilita essa descoberta. Ele nos garante: além de ser um objeto de prazer sexual, o plug desestressa o corpo.

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E o que dizer às crianças sobre o objeto que o Papai Noel segura? Pergunto ao Yuri.

ana carolina marinho

Ele me responde: se não adiantar explicar que é uma árvore de Natal, explique que é um brinquedo que adultos costumam usar e que nos ajuda a descontrair uma região que, se estressada, causa problemas de saúde.

Fica o convite ao debate sobre educação anal com as crianças. Ta ai, Inez! E você ainda queria trocar o plug anal da mão do Papai Noel por um saquinho de batatas fritas?

Ana Carolina de volta Já voltei. Quando puder, vamos nos falar. E aí como foi no Skype? Seguinte, tô com medo desse final, porque as pessoas começaram a chegar para a apresentação do espetáculo hoje e começaram a puxar assunto. Aí não sei se vamos dar conta de terminar a crítica e fazer algo que feche um pensamento, algo que valha a pena. O que acha? Bom, vou escrever sobre as outras questões agora. Ruy 114_antro+


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Ruy Filho Re: de volta Oi querido, A conversa foi ótima. Fiz um manifesto sobre o cu e os plugs. Frase que não sai da minha cabeça: o ânus é a porta de entrada para a evolução do sistema nervoso. Ah, algumas pessoas pararam mesmo pra conversar. Um cara, inclusive, puxou assunto fingindo que não tinha visto o espetáculo, ele queria sondar a minha opinião e me fazia várias perguntas. Respondi poucas e sempre com novas perguntas Rs. Ele foi lá ler o que a gente escreveu e parece que deixou um recadinho nos post-it. Você leu os post-its? “Não são só os mamilos que são polêmicos, os plug-anais também” Rs! Beijos! A.

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ana carolina marinho

O que realmente me espanta com o incômodo de Inez é que diante da brutalidade da urgência cotidiana, o que é um plug anal? Diante da crueza dos dias, por que o espanto com um Papai Noel inofensivo segurando um plug anal? Como a escultura consegue mobilizar tanta aversão? Achei que fosse responsabilidade do Papai Noel. Logo ele que povoa o imaginário infantil segurando o tal do objeto... Mas eis que apenas o plug anal instalado numa praça na França consegue ser ainda mais perturbador. O Paul McCarthy, ao instalar o seu gigante objeto, foi agredido e a obra retirada. O problema é, então, o tal do plug. Mas, o que, de fato, ele desperta? O objeto é apenas instrumento de prazer. Quantas estátuas no Brasil e no mundo seguram facas e espingardas? Somos, sem dúvida, da cultura que naturaliza os instrumentos letais e moraliza o prazer. Somos homens constirpados, pois. Diante da dificuldade em abrir o cu, excretamos sentindo dor. Mas ta perdoado. O que não pode é cagar sentindo prazer.

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Ines Calma Ines Ines, calma, não estamos aqui para agredir você. Entendemos seu descontentamento com a obra. Mas pense, é só uma obra, deixe de frescura e curta mais a vida, a banalidade da vida, as provocações da vida, as diversões da vida. Veja o lado positivo nisso tudo. Todos os dias, ao abrir a janela e olhar o Papai Noel você pensará: olha, um bom velhinho que tanto me faz pensar em coisas boas e pessoas boas; olha, esqueci de dizer oi pro meu cu hoje. E aí você dirá oi e seu dia será incrível, as paisagens mais belas, e o bom velhinho será seu maior amigo. Antro+

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Antro+ Re: Calma Ines

V達o se foder. Ines.

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ruy filho

Provavelmente sim. Freud teria adorado o Papai

instintivos e primitivos sem que precisemos submeter

Noel de Paul McCarthy. Veja, diria ele, depois que o ho-

ninguém ou impor a ninguém nossa conquista pelo cu

mem e a mulher deixaram de andar de quatro, quando

e com ele o prazer. Com o brinquedo, o presente de

o cio feminino ainda se revelava aos sentidos do macho

Natal é uma espécie de liberdade.

pelo odor; depois que a vagina deixou de estar direta-

O que impede esse entendimento também é explicado

mente disponível ao olhar, pois, em pé, os olhos esta-

por Freud. Nosso sentido de limpeza e ordem que sur-

vam em outra perspectiva, mais próximos aos olhos uns

gem no erotismo anal, ainda crianças; esse interesse

dos outros; quando, então, o homem passou a procurar

pela função excretória e seus órgãos. Somos educados

a mulher para o sexo além do cio, em busca de prazer

mais por essa segunda relação com o cu, e, quando é

e nada mais, como uma espécie de busca por tentar re-

essa relação a dominante produz o que ele nomeou

cuperar o prazer primitivo, e mantendo a percepção de

como caráter anal.

ser a vagina um buraco à serviço da procriação; aí o cu,

Ora, em Procurando Paul, a cena final é uma ode ao re-

que servia para o prazer fora do cio, passou a ser uma

conhecimento do cu, do excremento, do uso infantil e

espécie de disputa masculina, e comer o cu de uma mu-

desprovido de metáforas mais elaboradas. Um perso-

lher se tornou a maneira de submeter e superar o ou-

nagem caga, outro entrega uma fruta como alimento

tro macho, supostamente o dono dela. Como acontecia

acomodada em seu próprio cu. Não se quer a limpeza,

com os primitivos aos possuírem as fêmeas, enquanto

apenas o assumir da existência do cu como parte do in-

os machos saiam para conseguir comida; hoje, enquan-

divíduo. A sexualização surge mesmo nos órgãos sexu-

to vão trabalhar e buscar o sustento, o que na real é a

ais e simulações de sexo de diversas maneiras. O cu do

mesma coisa. Com o tempo esse instinto em busca de

Wunderbaum não é sexual, é anterior a isso. O instinto

prazer pela dominação e superação machista se tornou

primitivo é do próprio espectador que o projeta sexual,

um fetiche ao gozo. Então, sim, Freud teria se divertido

e sua busca de querer no teatro reencontrar, de alguma

com a intersecção que Paul e o Wunderbaum fazem en-

maneira, o lúdico infantil perdido, quando os valores não

tre cotidiano, sexualização, cu e alimento. Quase que

antecedem as sensações. No entanto, o teatro deixou de

uma cartilha ilustrativa de seus argumentos exposto em

ser assim. E, ao ser exageradamente intelectualizado,

O Mal-Estar na Civilização.

deixou também de existir como prazer e exercício de

Só que não se trata necessariamente da dominação do

imaginação. Ou aceitamos a presença do cu ou não con-

cu de alguém. Um plug anal diz respeito ao próprio

seguiremos superar a realidade para voltarmos a sonhar.

cu. Como se o Papai Noel nos trouxesse de presen-

A montagem do Wunderbaum seria um presente às gargalhadas de alegria de Freud.

te o instrumento de independência aos prazeres mais

antro+_123


Não por acaso, a americanização da cultura europeia é

bem específicos. De alguém. De algo. Pouco impor-

trazida como um problema recorrente entre os espetá-

ta. Essa mediação que antecipa sua relevância

culos do Velho Continente. Sua falsa liberdade mercantil,

pode ou não ser um problema. Cada caso é um

que confere ao artista maior controle de sua produção e

caso. Então, apenas julgar as escolhas se torna simplório

escolhas, supera a socialização participativa e invalida,

e rápido demais. Pensar a arte pública significa ampliar,

pouco à pouco, setores até então consolidados. Lenta-

cada vez mais, a condição de financiamento dos artistas

mente, os valores dessa estrutura cultural europeia (que

via mecanismos de políticas públicas. Esse é o caso do

tanto se busca alcançar no restante do planeta) se mos-

Papai Noel e seu plug anal. Os recursos que financiaram a

tram impossíveis e insustentáveis também a eles. Como

obra são de origem pública, são impostos, fundos de arre-

produzir uma ambiência de financiamento à arte contem-

cadações dos contribuintes. Palavra perigosa essa, contri-

porânea, quando artistas, assim como Paul, tem como

buinte. Acaba expondo a escolha de alguém como a sua, a

objetivo o confrontamento com a conformidade e como-

minha, a de muitos. E quem disse que era essa ou aquela

didade? É evidente que tais trabalhos serão condenados

escolha a que se gostaria de tomar? Voltamos ao problema

pela imensa maioria e negados ao convívio.

sobre a unanimidade dos grupos sociais. Se alguém se

No entanto, tal negação ao confronto e desconforto é o

ofender, como agir?

que deveria nortear as produções mais relevantes. Afinal,

Inez tenta, como narra o espetáculo, vingar-se de

para que serve o poder público se não for para levar ao

Paul McCarthy. Divertido processo de enlouque-

indivíduo outras estruturas e possibilidades, tirando-o da

cimento sobre até onde pode ir nosso desespero

mesmice de suas escolhas seguras?

quando alguém decide por nós.

Em Procurando Paul, o Wunderbaum conquista o mes-

O dilema entre o financiamento público não é tão ge-

mo sentido ao provocar inclusive os espectadores mais

neralizado quanto se imagina. Limita-se, muitas ve-

acostumados ao teatro contemporâneo. É impossível se

zes, ao entendimento do que se acredita ser arte e

sentir acomodado com o espetáculo e menos ainda con-

qual sua função. E, mais do que sobre quem escolhe

formado com uma experiência que beira o ridículo e o

por nós e o que é escolhido, a obra de Paul McCarthy

despropositado. Falsas sensações, na verdade. O que o

escancara o provincianismo e ortodoxia na compre-

trabalho alcança é o desvio de nossa tranquilidade para

ensão desses dois fatores, mesmo em países tidos por

uma dimensão mais provocativa de nossa função de me-

mais avançados culturalmente.

ros espectadores. E isso é fundamental.

124_antro+

ruy filho

Os monumentos públicos lá estão por interesses


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Ana Carolina olha que pergunta interessante...

Ela deixou presa a pergunta junto aos papéis. Aí te faço. O que vc gostaria de fazer com uma estátua pública? Não vale estátua viva, deixa os caras tranquilos, porque já tá foda com essa perseguição do governo. Ruy

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Algumas eu abraçaria. Algumas eu beijaria. Outras daria a mão e contaria minha história. Ou então jogaria baldes de gelo para ver se reagiriam. Em algumas eu mijaria na boca. Com outras faria sexo. As mais belas deixaria em jardins. As mais horríveis deixaria em jardins. As mais perigosas deixaria em praças públicas para olhar a todos. Nas inúteis deixaria um cartaz pedindo um abraço. E não daria nelas um abraço. Nas políticas esculhambaria das maneiras mais patéticas que pudesse. Nas poéticas cobriria de alpistes e filmaria os pombos. As gigantescas eu prenderia binóculos. As minúsculas eu marcaria com setas. Os personagens históricos vestiria com roupas modernas. Os personagens de agora cobriria com fantasias toscas alugadas. Algumas eu roubaria apenas para mim: um Rodin, um Jeff Koons, um Richard Serra, um Bernini, um Kracjberg, um Beuys, um Donatello,

ruy filho

um Giacometti, um Anish Kapoor, uma Mona Hatoum, um José Resende. O Paul McCarthy também levaria para casa, mas deixaria na garagem sozinho, para ele aprender uma lição. antro+_127


A docilidade que se coloca na arte pública,

ginários, e não para que nossos imaginários

essa arte que não instiga, não incomoda,

construam interpretações.

não provoca, não requerer posicionamentos, apenas se faz decorativa e comemorativa,

A docilidade na arte é radicalmente perigo-

essa arte que, no fundo, serve às lembranças

sa, ainda que possa ser uma sincera escolha

de histórias e pessoas supostamente vitorio-

do artista. E a docilidade não está apenas

sas e necessárias, essa arte que pode estar

nas esculturas ou monumentos públicos,

em qualquer sala familiar, essa arte dócil

também nas salas de teatro, o que pode ser

acaba por ser a inutilidade da experiência

igualmente perigoso.

urbana. Quem olha para esses heróis e conquistadores? Quem sabe quem são? E qual o

Esse teatro dócil se realiza de várias maneiras

herói que é tão perfeito e não possui nenhu-

no contemporâneo, e, quase sempre, se limi-

ma dubiedade em seu trajeto ou caráter?

ta a ser apenas discurso para concordâncias

Quem lhe definiu como herói?

ou discordâncias. Ocorre que, ao concordar,

ruy filho

o espectador apenas confirma suas opiniões, O achatamento na representação desses

sem nenhuma outra transformação; enquan-

heróis tornados estátuas em nossas praças

to a discordância o protege pela negação de

e ruas são manipulações cruéis de como

maiores envolvimentos. Essa é talvez a terrí-

devemos nos envolver com os acontecimen-

vel docilidade do teatro, para além de estéti-

tos. Servem às construções de nossos ima-

cas ou conceitos, a da falta de incômodo.

128_antro+


Em Procurando Paul, porém, a docilidade é

além de textos e recursos, na qual os artis-

colocada em xeque. Exige-se do espectador

tas se duvidam enquanto instrumentos e se

um posicionamento mais complexo. Não

assumem enquanto sistemas. Diferenciar

bastam sim ou não. É preciso assistir, as-

a performance por tais definições é es-

similar, duvidar, fugir e encontrar o teatro

sencial, portanto. Quando instrumento, o

no espetáculo, com a consciência de que as

ator/atriz serve a um resultado específico

escolhas poderão não fazer sentido algum

e pouco maleável na relação com o espec-

ao serem escolhidas. Onde está o teatro, na

tador. Porém, quando sistema, é o ator/

sugestão de verdade ou na farsa da suges-

atriz a própria justificativa ao espetáculo,

tão? Wunderbaum acumula os dois e o tea-

a manifestação plena de concretude das

tro mesmo ocorre no confrontamento com o

ideias. Esse encontro, esse reconhecimen-

espectador, feito uma escultura indesejada

to do outro, implica em ir além das certe-

e violentamente desnecessária.

zas e meras observações.

Pode parecer, a princípio, que o melhor

Ao fim, o teatro proposto pelo Wunderbaum

mesmo seja desistir do espetáculo e con-

pode ser entendido como tudo, menos com

tinuar a vida. Mas isso não é possível. Uma

uma manifestação dócil e banal. Ora mais

vez atingido pelo teatro decorrente da su-

assustador, ora mais prazeroso, um tanto

gestão e farsa, o espectador é apresentado

sério e outro ridículo, como deve ser o con-

a uma potência de poética particular, para

vívio com um bom plug anal.

antro+_129




fin


nal



A foto: carlos cabéra

té logo Rio. Até os próximos dias. É claro que nos veremos, mas vamos deixar o momento aberto às surpresas. Melhor, não? Voltar e surpreender é sempre melhor e mais gostoso aos dois. Então, preciso ir. O festival terminou e espero que, assim como nós, você o tenha aproveitado bem todos os seus momentos. Quando a violência explodiu no MAR, quando o discurso se colocou no Carlos Gomes, quando o julgamento se fez em pleno tribunal, quando a poesia fez voar nossos sentimentos no Oi Futuruo! E tantas outras experiências. Foi um festival incrível, não foi? Algumas ficarão em mim por muito tempo, estou certo. Espero que em você também. Agora você pode voltar os aplausos ao pôr-do-sol, mas lembre-se, há muitos artistas por aí, não se esqueça deles. O festival é um acontecimento, mas não pode ser o responsável por ser o todo. Somente com a cidade envolvida, o festival faz sentido. Como foi dessa vez. Por isso foi tão rico. Por isso foi tão belo. Até, meu Rio de Janeiro. Que no próximo ano possamos ter novas experiências como essas, profundas, doidas, românticas, necessárias. Eu volto. É só me chamar. E vamos juntos, mais uma vez, viver esse festival realmente especial. Então, até o ano que vem. Tenho certeza de que será, como sempre, incrível. Até já.

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obre o temp

O TEMPO_FESTIVAL se estrutura pelo ideário de três criadores relacionados às artes cênicas que, reunidos, apresentam à cidade do Rio de Janeiro um festival internacional diferenciado em seu conceito e objetivos. Bia Junqueira, César Augusto e Márcia Dias criaram um projeto que promove um diálogo constante entre as artes. Subdividido em três módulos, o festival cria um espaço amplo com foco no processo de criação, em sintonia com o público e com a participação de artistas, filósofos, cientistas, poetas, pensadores, entre outros representantes da atualidade. O festival promove um inquieto olhar a respeito do tempo e suas perspectivas


nossos agradecimentos aos que, de alguma forma, tornam o teatro a possibilidade de algo concreto para todos.




esta publicação é uma parceria


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