Música popular & cinema: o Rap das armas em Tropa de elite1 Gabriela de Oliveira S. Miranda2
Resumo O presente trabalho reflete sobre a incorporação do Rap das Armas em Tropa de Elite e sua trilha sonora. A presença do funk carioca no filme se faz quase que obrigatória, considerando o contexto das favelas do Rio de Janeiro nele representado, na medida em que estilo musical compõe parte da paisagem sonora da cidade. Levando isto em conta, o esforço do estudo consiste em explorar o sentido que esta música traz para a narrativa fílmica, e também, em apontar para os processos de apropriação do Rap das Armas levados a cabo partir da distribuição internacional do filme. Palavras-chave Rap das armas, Tropa de elite, paisagem sonora, Rio de Janeiro Abstract This paper reflects on the incorporation of "Rap das Armas" in Tropa de Elite and in its soundtrack. The presence of Funk Carioca in the film is almost mandatory, considering the context of the favelas of Rio de Janeiro it represented, where that musical style makes up part of the soundscape of the city. Taking this into account, the focus of the study is to explore the feelings that this music brings to this narrative film, and also to point to the processes of appropriation of "Rap das Armas" through international film distribution. Keywords Rap das armas, Tropa de elite, soundscape, Rio de Janeiro
Introdução O Rio de Janeiro e o funk carioca
O meu Brasil é um país tropical A terra do funk, a terra do carnaval O meu Rio de Janeiro é um cartão postal 1
Artigo apresentado como trabalho final da disciplina “Estudos específicos do som no cinema” ministrado pelo professor Fernando Morais no primeiro semestre de 2010. Programa de Pós-Graduação em Comunicação | Universidade Federal Fluminense 2 Mestranda em Comunicação Social na Universidade Federal Fluminense | email: gabirilla@gmail.com
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Mas eu vou falar de um problema nacional... Metralhadora AR-15 e muito oitão A Intratek com disposição Vem a super 12 de repetição 45 que um pistolão FMK3, m-16 A pisto UZI, eu vou dizer para vocês Que tem 765, 762, e o fuzil da de 2 em 2 Rap Das Armas, MC´s Junior e Leonardo A motivação inicial para a escrita deste artigo deve-se à surpresa provocada pela enorme fama que o Rap das Armas, uma música antes censurada, alcançou fora do país após a chegada do filme Tropa de Elite às telas de cinema estrangeiras. Remixada por DJs de vários países da Europa, a faixa chegou ao topo das paradas da Suécia por semanas no verão europeu do ano de 2009, sendo rebatizada por Parapapa. Mas passada a surpresa, a atenção voltou-se para a relação estabelecida entre o exitoso filme de José Padilha e o antigo proibidão dos anos 90, sob a influência das discussões acerca das funções do som no cinema. Considerando o contexto das favelas cariocas representado em Tropa de Elite, a presença do funk carioca no filme se faz quase que obrigatória, na medida em que concordamos que tal gênero musical compõe parte da paisagem sonora da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o objetivo principal da presente análise é explorar o que o funk traz para a narrativa fílmica, de que modo ele é incorporado a história e sua trilha sonora, ao mesmo tempo, tendo em vista a forte presença deste gênero musical na cidade do Rio de Janeiro. Finalmente, serão apontados os processos de apropriação do Rap das Armas levados a cabo a partir da circulação de Tropa de Elite, atentando para os novos sentidos que o filme ajudou a trazer para a música. Assim, veremos em seguida os principais motivos que podem nos fazer entender por que o Rap das Armas faz parte não somente da trilha sonora de Tropa de Elite, mas do próprio filme.
O cenário dos bailes
Os bailes funk, inicialmente realizados em clubes esportivos, são festas desde os anos 80 para cá se tornaram uma das principais atividades de lazer dos jovens habitantes das zonas periféricas da região metropolitana do Rio de Janeiro (VIANNA, 1988; ESSINGER, 2005). Ao longo das três décadas que se passaram até os dias de hoje e nas quais o funk carioca floresceu, mudanças radicais ocorreram nos locais menos favorecidos da cidade. Entre as principais e mais
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tristes delas, assistimos à ascensão de facções criminosas dominando esses lugares de maneira violenta, em meio à ausência do Estado. O MC Leonardo, da dupla Junior e Leonardo autora da versão oficial do Rap das Armas3, comenta no documentário Favela on Blast4 a resposta dada a um repórter que lhe perguntou por que a poesia da favela teria acabado. Com certa indignação, ele respondeu: "Você vive em qual planeta, irmão? (...) Você quer o quê? Que eu pegue um violão e fale: 'alvorada lá no morro que beleza'? Não! Vai falar da poesia de Cartola? Da poesia de Noel? Essa galera que fazia a bossa nova que você está falando? Em relação aos 'poetas'? Porque eu coloco MC Dolores, eu coloco o Cidinho e Doca como poetas da favela, são sim! E me incluo também, porque não? É a nossa realidade, é o nosso som de hoje! Então eu não vou falar 'alvorada lá no morro que beleza' porque um dia até pode ter sido, mas hoje em dia está até difícil de colocar a cara na janela (...)”
A fala do MC justifica que as transformações ocorridas nas favelas, em decorrência do crescimento exponencial da violência, não encorajam os músicos locais a viver e cantar algo poético, como fizeram os consagrados sambistas por ele citados. Retomando o conceito de Schafer mencionado anteriormente, a idéia de paisagem sonora nos interessa para este estudo por estabelecer relação direta entre a identidade das metrópoles e os sons que a atravessam, uma vez que os sons mais presentes se tornam fundamentais ou marcas sonoras de certos lugares. Como som fundamental o autor entende aquela sonoridade que está sempre presente em determinado ambiente, o “fundo” sonoro no qual não prestamos muita atenção, mas que sempre está ali dando a “tônica” do espaço. Já a marca sonora seria uma espécie de sinal – algo que se diferencia do fundo – e que caracteriza o ambiente, carregado de significado para aqueles que vivem em certo ambiente. Apesar de o autor argumentar que com a globalização as paisagens sonoras das cidades têm sofrido um processo de homogeneização, determinados sons podem nos fazer lembrar que estamos em algum local específico. Como exemplo, no Rio e em outras cidades do Brasil, o som fogos e bombas em dias de jogo de futebol nos alerta para o início ou fim da partida e para um gol marcado. Em especial, na capital carioca, a explosão de fogos nas favelas pode funcionar como alerta para a chegada da polícia, tal como representa o ‘fogueteiro’ assassinado pelo tráfico em Tropa de Elite. Will Straw, em defesa do conceito de cena, também relaciona a identidade dos locais e espaços com sons neles produzidos, mas sua atenção se detém à música, precisamente. Ele pergunta de que maneira os lugares favorecem os agrupamentos, como o de amigos que se reúnem na rua para tocar ou ouvir choro, e como estes, ao se apropriarem dos lugares, podem transformá-los. Na 3
A versão do Rap das Armas presente na trilha sonora de Tropa de Elite foi composta por Cidinho e Doca em 1995 e é considerada um rap “proibidão”. 4 Documentário dirigido pelos DJ brasileiro, Leandro HBL, em parceria com DJ norte-americano, Diplo.
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mesma direção destaco o trabalho de Simone Sá (SÁ, 2009) dentre os autores brasileiros, que atenta para a centralidade da música popular massiva como uma das múltiplas vozes que atravessam as cidades. Ela apreende o funk carioca “como uma expressiva narrativa sobre a cidade do Rio de Janeiro nas últimas duas décadas, que faz parte da paisagem sonora e da experiência urbana de qualquer morador ou turista em visita à cidade” (Ibid; 1). Neste sentido, podemos entender que ao mesmo tempo em que o funk ocupa diferentes espaços – com os bailes e festas realizados em quadras de clubes, praças e ruas de diversas comunidades e casas noturnas – em certa medida, o gênero musical também “traduz aspectos do imaginário social do Rio de Janeiro” (Ibid; 2) em muitas das letras que abordam os problemas vividos, tal como é feito no Rap das Armas. Um dado interessante a ser ressaltado é o fato de que a versão incorporada à trilha sonora do filme, na verdade, foi impedida pelas autoridades locais de ser comercializada e reproduzida por rádios no início da década de 90. Dentre as inúmeras polêmicas que atravessam a história do Funk, os raps classificados como ‘proibidão’5 são tomados em sua totalidade como manifestação de apologia ao crime por parte das facções criminosas. Na tentativa de revelar o outro lado desse quadro, Mr. Catra afirma que “o crime faz parte da cultura da favela. Eu não sou cúmplice do crime, sou cúmplice da favela.” (ESSINGER, 2005; 235). Em defesa de sua produção musical ele completa que “o proibidão é feito para ser cantado no baile. Não é uma apologia ao crime, mas um relato da minha comunidade. O funk nasceu na favela e infelizmente o tráfico também faz parte dela. A sociedade não está preparada para entender o proibidão (...). Quem não vive no morro não sabe o que acontece lá”. (Ibid; 235)
As denúncias que envolviam “patrocínio” de bailes por facções criminosas, mortes em “bailes de corredor” e de supostas adolescentes grávidas após terem relações sexuais nesse tipo de festa obrigaram à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro a realizar a CPI do Funk. O resultado da investigação acabou por responsabilizar os donos dos estabelecimentos onde os bailes eram realizaram a garantir a ordem e segurança desses espaços através da Lei do Funk, o que de fato, erradicou violência dentro dos bailes entre os frequentadores. Esta breve contextualização sobre a relação entre o Funk e a cidade do Rio de Janeiro nos ajuda a compreender a razão da escolha do Rap das Armas para compor o eixo onde parte da narrativa de Tropa de Elite se resolve. A letra do rap dialoga diretamente com o argumento do texto do narrador, Capitão Nascimento: a ocupação da maior parte das 700 favelas do Rio de Janeiro por traficantes equipados com armamento de guerra. Nas próximas páginas, veremos como o Rap das
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O jornalista Silvio Essinger, em “Batidão: uma história do Funk” dedica um capítulo de seu livro à exploração do problema dos raps proibidos e a ascensão do tráfico de drogas. Não por coincidência, esse capítulo tem por título “Rap das armas”.
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Armas foi inserido no filme e o papel das trilhas sonoras no cinema clássico e contemporâneo. Trilha sonora no cinema clássico e contemporâneo
No texto Auter Music, Claudia Gorbman (GORBMAN; 2007) faz notar a mudança de conceito no tratamento da música em filmes do cinema clássico e na produção contemporânea. No primeiro, a trilha sonora deveria ser algo de fundo, que não despertasse a atenção do espectador para a música em si, mas que reforçasse o que era projetado na tela, como clima de suspense, tensão etc. Isto é, corroborando a idéia da primazia do visual em detrimento da importância do áudio que, problematicamente, perdurou por tanto tempo nos estudos cinematográficos. A partir dos anos 70, o som e a música despertaram novos interesses em alguns realizadores, que passaram a concebê-los como um tipo de recurso potencial em suas especificidades estéticas e simbólicas, podendo contribuir de maneira profícua às narrativas cinematográficas. Assim, a música começou a ser trabalhada como algo que compõe a narrativa, que traz sentido para a história de forma singular sendo, portanto, inextrincável do filme; finalmente, saindo do “fundo” e funcionando em “primeiro plano”. Descrevendo tais mudanças no contexto do questionado papel do autor, ela irá chamar de melomanos os diretores que estendem seu caráter autoral à trilha sonora de seus filmes, não se detendo somente aos aspectos visuais. Abaixo, temos a tradução da definição do conceito criado por Gorbman: “Mais e mais, diretores amantes da música a tratam não como algo a ser cultivado somente por compositores ou supervisores da música, mas mais do que isso, como um elemento temático chave e uma marca de estilo autoral” (Ibid:149)
A esta transformação ela suscita a revolução tecnológica, por entender que as tecnologias digitais tornaram a música cada vez mais acessível e maleável favorecendo, portanto, os meios de expressão pessoal na medida em que aumentam o controle ativo do autor e diminuem a necessidade de especialistas. Como exemplo, Gorbman cita Quentin Tarantino, justificando que a paixão do diretor por música funciona como aspecto central em seu estilo autoral. Lembramos que um de seus maiores sucessos, Pulp Fiction, foi fortemente marcado na memória do público pela faixa Mirsilou, interpretada pelo guitarrista e grupo de surf music, Dick Dale & His Del-Tones, e teve uma das trilhas sonoras mais vendidas da história. Para diretores como Tarantino, a autora lembra que
“as canções e a trilha sonora são certamente algo mais do que uma coisa adicionada na edição final; a música participa vigorosamente no que era chamado, nos simples dias de autoria, a visão de mundo do diretor.” (Ibid:150)
De acordo com seu pensamento, a melomania é um fenômeno histórico recente e resulta de
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uma confluência de fatores, pois, ainda que antigos diretores, como Alfred Hichcock, utilizassem a música com muita eficácia em seus filmes, todavia isto ainda não era feito como nas obras dos diretores que ela diz serem melomanos, tais como Stanley Kubrick, Jim Jarmusch, Wim Wenders entre outros. Uma nova geração surgiu com o crescimento da pós-produção em estúdios de filmes em meio às referências da cultura pop e da televisão. Essas novas referências teriam influenciado transformações no repertório de linguagens musicais e percepções sobre a natureza do lugar do som no cinema no trabalho de novos diretores. Ainda de acordo com a autora, outro incentivo que colaborou para a intensificação da atenção dos diretores sobre a trilha sonora de filmes é o apoio da indústria cultural na produção e venda de CD´s com as trilhas. Acredito que trazer as idéias que atravessam o conceito de melomano pode nos ajudar a entender, parcialmente, como a música se tornou indispensável para a completude dos sentidos de uma narrativa fílmica a partir do trabalho de certo tipo de autor do cinema contemporâneo. Apesar da dúvida de que o diretor José Padilha se enquadre no escopo do conceito de melomania, ainda assim podemos verificar que o tratamento da música em Tropa de Elite se dá dentro dos pressupostos do cinema mais recente defendidos por Gorbman.
Tropa de Elite e o Rap das Armas Morro do Dendê é ruim de invadir Nós com os Alemão vamos se divertir Porque no Dendê eu vou dizer como é que é Aqui não tem mole nem prá D.R.E Pá subir aqui no morro até a B.O.P.E. treme Não tem mole pro exército Civil, nem prá PM Eu dou o maior conceito para os amigos meus Mas morro do Dendê também é terra de Deus Fé em Deus! DJ, Vamo lá!... Parapapapapapapapapapá! Parapapapapapapapapapá! Papará papará papará clackbum! Parapapapapapapapapapá! Rap das Armas, MC´s Cidinho e Doca
O filme de José Padilha se inspira diretamente no livro A Elite da Tropa, escrito pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, junto aos policiais e Rodrigo Pimentel e André Batista. Fora as polêmicas geradas pelo tema do filme e dos meios para fazê-lo, a repercussão causada por Tropa de Elite deve-se também à distribuição ilegal por meio da venda de cópias piratas por camelôs antes 6
mesmo do lançamento oficial do filme nos cinemas. Tropa de Elite começa com um texto esclarecendo que filme tem por base os depoimentos de 12 oficiais da polícia do Rio de Janeiro e de um psiquiatra. Em seguida, surgem cartelas com créditos dos nomes que compõem o elenco do filme e Rap das Armas já pode ser ouvido. Na passagem de um crédito para outro, as cartelas são atravessadas por flashes de imagens de luzes, pessoas dançando, metralhadoras e a caveira símbolo do BOPE. Esses flashes de imagens sempre entram cadenciados com a pista sonora do ‘batidão’ do funk e quando o crédito reaparece, somente a voz dos cantores ressoa. Assim que termina a apresentação dos nomes do elenco, o clássico grito funkeiro “Fé em Deus, DJ!” dá início à primeira seqüência, e o espectador pode entender que os flashes anteriores são na verdade cenas do baile funk realizado no Morro da Babilônia. Neste momento nota-se que o áudio sofreu algum tratamento para “naturalizar” a fonte sonora que está na tela. As caixas de som do baile, por onde saem as vozes dos MC´s Cidinho e Doca encima da batida, sustentam a diegese da cena e os cantores podem ser vistos, ainda que rapidamente, encima do palco do baile. Na medida em que outros personagens chegam à favela e se movimentam dentro dela, o áudio sofre alterações para que o espectador ouça a partir do ponto de escuta do personagem que aparece na tela. Tal recurso tem a finalidade de manter o realismo pretendido pelo filme. Logo após algumas cenas do baile que mostram pessoas dançando, traficantes armados e os personagens que só posteriormente serão apresentados, ouvimos a voz do narrador Capitão Nascimento comentando as imagens da sequência. Sua fala tem o mesmo mote do rap cantado: a dificuldade da polícia carioca em penetrar nas favelas onde traficantes estão equipados com armamento de guerra. Nascimento chega a mencionar algumas das armas que fazem parte da lista do “proibidão”. Em seguida, o narrador passa a comentar sobre a chegada da viatura da polícia que sobe o morro para buscar o “arrego” dos traficantes e dos personagens coadjuvantes, Neto e Matias. A voz do narrador não interrompe o som diegético, mas se mantém por cima das falas dos personagens em ação, comentando o que está para acontecer. Neto e Matias se posicionam num lugar estratégico, de onde podem ver a negociação entre a polícia e os traficantes na frente do baile. Na próxima cena, um disparo é feito por Neto e a imagem é congelada logo após o estampido do tiro por 12 segundos. Nesse momento fica claro que a diegese é interrompida por alguns instantes, enquanto o comentário do narrador sobre o delicado equilíbrio entre a munição dos bandidos e a corrupção da polícia se desenvolve. Nascimento faz uma metáfora sobre a possibilidade de abalo desse equilíbrio por conta da passagem de qualquer brisa, e conclui que naquele dia “ventou forte no Babilônia”. Ao fundo da voz de Nascimento soa algo não identificável, mas que pode se assemelhar ao som do vento, ou da elevação do volume do som ambiente, preenchendo o gap entre a passagem entre diegese e não-
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diegese (STILLWELL, 2007). Na seqüência seguinte, tem início o tiroteio desencadeado pelo disparo de Neto, que acaba por interromper o baile funk e silenciar o Rap das Armas. Na terceira seqüência, o Capitão Nascimento entra em cena junto com seus colegas do BOPE; eles se dirigem ao Babilônia para resolver o que a polícia convencional não consegue. Enquanto isso, o narrador explica que é o BOPE. Quando chegam à subida da favela, um close no rosto de Nascimento novamente rompe com a diegese e sua voz em off o apresenta. Em seguida, aparece a cartela com o título do filme ao som da música tema Tropa de Elite da banda de rock Tijuana, que permanece tocando enquanto os nomes que compõem a equipe técnica aparecem sucessivamente. Um último flash da caveira do BOPE fecha a primeira parte chave da narrativa. O começo do filme subverte a ordem cronológica da história contada e adianta em 6 meses as cenas das seqüências descritas acima. Ao longo do filme são apresentados blocos com os nomes dos principais personagens e dos momentos chaves da trama. Com aproximadamente 56 minutos, o eixo da narrativa volta para o baile da Babilônia e o espectador já conhece a trajetória dos personagens em cena e os acontecimentos que os levaram até lá. O grito “Fé em Deus, DJ!” volta a soar no filme quando o coronel Olavo está na sacada do quartel fumando um charuto, enquanto seus comparsas levam o capitão Fábio para o baile onde ele deveria ser morto. Logo após o grito, cenas das duas primeiras seqüências descritas acima voltam a se repetir e o Rap das Armas retorna ao filme. Desta vez a voz de Nascimento em off é desnecessária e a cena do tiro disparado por Neto não é congelada, dando início a seqüência do tiroteio no qual Nascimento irá encontrar os possíveis substitutos para seu cargo no BOPE, Matias e Neto. A diferença do tratamento do som entre as seqüências após o tiro de Neto no início e meio do filme obedece à verossimilhança do realismo pretendido pelo roteiro. Lembramos que na primeira descrição o Rap das Armas é interrompido logo após o disparo de Neto, mas já no meio do filme a música continua tocando em meio ao som de tiros e rajadas de metralhadoras. Antes da música desaparecer por completo, quando o baile funk é esvaziado, o som do Rap das Armas é encoberto pelo barulho dos tiros e de uma freqüência sonora que torna-se gradativamente mais intensa reforçando a dramaticidade do que está sendo encenado. Logo em seguida, o gênero funk volta ao filme, quando o coronel Olavo aparece fazendo negociações numa boate. Ironicamente, a música ambiente é o Rap da Felicidade, também da dupla Cidinho e Doca, com o refrão “Eu só quero é ser feliz, andar traquilamente na favela onde nasci”. Olavo atende ao telefone que toca e o espectador pode escutar a voz do major Oliveira desesperado no tiroteio. Não caberia neste estudo fazer uma análise detalhada de toda a sonorização e trilha sonora do filme, pois o objetivo no artigo foi o de tentar colocar em perspectiva a ideia de que não somente
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o Rap das Armas compõe parte da trilha sonora de Tropa de Elite, mas que a faixa é parte fundamental do próprio filme, verificando de que maneira a música é inserida nele e de que modo é parte integrante do contexto apresentado. Se por um lado avançamos um pouco em direção a pensar a importância e o possíveis usos da música num filme, por outro, também podemos perceber a relação entre a cena funk no Rio de Janeiro e sua presença na paisagem sonora e no imaginário da cidade. Como objetivo secundário, gostaria de ampliar a discussão apontando para a influência do filme na produção de outros significados do Rap das Armas, tentando perceber os novos sentidos que o filme traz para a música. Assim, podemos ultrapassar a discussão sobre a influência da música na produção cinematográfica, e pensar os caminhos abertos à produção musical a partir da mediação do sucesso de filmes e suas trilhas sonoras.
Considerações Finais O Rap das Armas pós Tropa de Elite
Vimos até aqui como o Rap das Armas participa diretamente do contexto apresentado por Tropa de Elite. Sua presença no filme parece ter sido uma escolha muito feliz por parte da direção e do profissional Pedro Bromfman, responsável pela música do filme. Pois, além do conteúdo da letra listar exatamente as poderosas armas que os traficantes têm em mãos na cidade do Rio de Janeiro e a dificuldade da polícia para subir nas favelas, o contexto dos bailes funk das comunidades no qual a música se insere no filme compõe parte da paisagem sonora da cidade onde a história se passa. Mas fugindo um pouco do campo dos estudos cinematográficos, poderíamos ampliar a discussão e refletir sobre como as músicas que fazem parte de trilhas sonoras tiveram seu sentido modificado e sua popularidade exacerbada com a disseminação e o sucesso dos filmes a que foram incorporadas. O que é muito interessante em notar no caso de Tropa de Elite e o Rap das Armas é o curioso fato desta música ter ficado em primeiro lugar paradas de sucesso da Suécia, e de ter seu refrão onomatopéico incorporado aos gritos de torcidas de futebol de clubes europeus6. Incontáveis versões de “Parapapapa”, como é chamado fora do país, agitaram discotecas ao redor do mundo, e até uma versão no ritmo angolano Kuduro fez balançar galeras muito distantes de nós. Dito isto, parece que o cinema ajudou a “limpar” a ficha dos compositores do “proibidão” e levantar suas carreiras ao 6
No vídeo disponível no link http://www.youtube.com/watch?v=EHECODWzXPk&feature=related a torcida do clube
suéco Djurgården canta para incentivar o time no ritmo do Rap das Armas e incorpora o refrão “Parapapapa” como mote principal.
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transformar algo que era tido antes como ilegal num produto que se insere no circuito da música pop internacional. O conteúdo da letra em português parece não ter tido relevância nas apropriações realizadas. Abaixo, reproduzo dois trechos da reportagem do Globo Esporte em junho de 2010 feita na África do Sul:
“Não tem como fugir. Está em jogo de rúgbi, está em exibições da taça da Copa do Mundo, está em boates, está no treino da Coreia do Norte, está em toques de celular. É o som brasileiro mais famoso na África do Sul. Nada de Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Ivete Sangalo ou Zeca Pagodinho. É funk. É o "Rap das Armas". A música da dupla Cidinho e Doca, que fez sucesso no Rio de Janeiro nos anos 90 e que integra a trilha do filme Tropa de Elite, divide com a seleção de Dunga a responsabilidade de representar o Brasil na terra do Mundial. E é difícil saber como a moda do “parapapapapa” (refrão da música, que reproduz uma rajada de balas) começou no país. (...). Como o ‘Rap das Armas’ foi estourar na África do Sul? Um ponto em que todos envolvidos concordam é que a música foi projetada a partir do filme Tropa de Elite para as pistas de dança da Europa, passando também a ser cantada nas arquibancadas de França e Suécia. O português Antônio Rocha ouviu o funk no filme e contratou Cidinho e Doca para shows no Velho Continente. Ele garante também que é o responsável por divulgar a música na África.”
Se Tropa de Elite arrastou o Rap das Armas para o sucesso internacional, como responde a reportagem, não se pode deixar de destacar que o sucesso nacional e internacional de Cidade de Deus abriu portas para o interesse do público em relação ao filme Tropa de Elite. Apesar da separação cronológica de pelo menos 20 anos entre as histórias contadas no filme de Fernando Meirelles e de José Padilha, a favela nos dois casos é o cenário principal onde se desenvolvem as narrativas. Outro ponto em comum é o fato dos dois filmes serem fruto de adaptações de livros escritos por antropólogos que relatam crescimento da violência na cidade cartão postal do Brasil. Para além destas interseções, coincidem também alguns profissionais do cinema brasileiro em ambos os filmes tais como roteirista Bráulio Mantovani, o diretor de arte de Tule Peak e o premiado editor Daniel Rezende. Através de Tropa de Elite, o Rap das Armas pode ser articulado sobre uma nova chave, transitando de ilegal e apologético ao crime para hit das pistas de dança de Europa e África do Sul. Fora de seu contexto original a faixa perde o sentido e as ligações estabelecidas com o local e adquire novos significados que também podem ser sentidos do lado de cá, como podemos ver com a possiblidade de circulação legal da mesma. Com as observações aqui colocadas podemos concluir que a amplitude da relação entre cinema, trilhas sonoras, paisagens sonoras e mediações estabelecidas através da circulação de obras fílmicas e musicais pode ser ricamente explorada nos estudos da comunicação.
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Bibliografia e referências:
ESSINGER, Silvio. Batidão: uma história do Funk. Rio de Janeiro: Record, 2005. GORBMAN, Claudia. Auter music. In: GOLDMARK, Daniel; KRAMER, Lawrence e LEPPERT, Richard. (org.) Beyond the soundtrack: Representing Music in Cinema. University of California Press, 2007. MORAIS, Fernando. Pode o cinema contemporâneo representar o ambiente sonoro em que vivemos? In: LOGOS 32 Comunicação e Audiovisual. Ano 17, No 01, 1º semestre 2010. SÁ, Simone Pereira. Som de preto, de proibidão e tchutchucas: o Rio de Janeiro nas pistas do funk carioca. In: A. PRYSTON, & P. CUNHA, Ecos Urbanos - As Cidades e suas Articulações Midiáticas. Porto Alegre: Sulina, 2009. SCHAFER, Murray. Afinação do Mundo. São Paulo: Unesp, 2001. STILWLL, Robynn J. The Fantastical Gap between Diegetic and Nondiegetic In GOLDMARK, Daniel; KRAMER, Lawrence e LEPPERT, Richard. (org.) Beyond the soundtrack: Representing Music in Cinema. University of California Press, 2007. VIANNA, Hermano. O Mundo Funk Carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. http://en.wikipedia.org/wiki/Rap_das_Armas http://www.terra.com.br/reporterterra/funk/dia3_not4.htm http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2010/06/funk-proibido-no-rio-parapapapa-emusica-da-moda-no-pais-da-copa.html http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/trilha-sonora-de-tropa-de-elite-2-sera-lancada-emoutubro/ http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL1288890-7085,00.html
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u374593.shtml
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