ano VI . boletim informativo n.º 31 . edição bimestral . distribuição gratuita
novembro-dezembro 2016
FERNANDO CARMO Bastonário da ODO
O IVA na importação Uma diferente perspetiva do combate à fraude e evasão fiscais Renasceu este tema da maior importância. Sobre ele escrevemos, expusemos, peticionámos, realizámos uma conferência de imprensa juntamente com forças representativas dos operadores económicos, designadamente a APAT, a AGEPOR, a Associação Comercial de Lisboa, a Associação Industrial Portuguesa, etc., mas ninguém nos ouviu, mesmo perante factos indesmentíveis com o maior impacto na vida económica do País. Os sucessivos Ministros das Finanças, baseados em pareceres das respetivas Direções Gerais, designadamente a ex-DGAIEC, tomaram sempre a decisão errada, prejudicando violentamente a economia do País. Na verdade, com argumentos de maior ou menor seguidismo de exemplos de outros países da União Europeia – claramente diferentes de nós e por razões bem distintas – nunca foi, ao menos, admitida a ideia de discutir o assunto com seriedade. Não podemos, também, ignorar os interesses corporativos defendidos pelas referidas Direções Gerais que, colocando em primeiro lugar a sua posição (de âmbito orçamental), à frente dos interesses do País, o prejudicaram de forma relevante. Outros Estados Membros, bem mais avisados e ciosos dos seus interesses e dos seus cidadãos, tomaram caminho diverso e bem souberam acautelar os seus interes-
ses. Exemplos? A Holanda, a Bélgica, o Luxemburgo, a Dinamarca, a República Checa e outros que depois se lhes seguiram. Finalmente, surge um Governo que encara o assunto com frontalidade, pensando nele também como uma medida promotora do aumento do volume das nossas exportações. Sim, porque para exportar é preciso, antes de tudo, importar matérias-primas. Todos bem sabemos que não produzimos algodão, nem seda ou linho, nem produzimos curtumes em quantidade suficiente para o calçado que exportamos, nem madeira para os móveis ou aço para a indústria metalomecânica. Ora, o que foi anunciado, num primeiro comunicado, foi a intenção de isentar do pagamento do IVA no ato da importação cerca de 30 matérias-primas, desobrigando os exportadores desse pagamento, uma vez que essas matérias-primas seriam a base da produção para exportação de artefactos acabados. Tais valores de IVA transitarão para a Declaração Periódica da normal contabilidade, evitando-se por esta forma um moroso e doloroso processo burocrático com enormes custos financeiros, injustos, imerecidos e, muitas vezes, promotores de alguma corrupção em vista de minorar o prazo de reembolso. Isso deverá acontecer em setembro de 2017. Depois, o regime será
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alargado a outras matérias-primas. Foi isto que foi anunciado, não sei se ainda se mantém com esta configuração, uma vez que, muitas vezes, o que se anuncia não corresponde ao que se faz. Este precedente abre, de facto, portas a uma solução que há muito se deseja e exige. A dualidade de critérios permitida pela 6.ª Diretiva do IVA propicia a fraude e a evasão fiscais e, ainda, cria situações de concorrência desleal, desvio de tráfego e outros malefícios diretos e indiretos que abaixo referirei. Concretizando: uma mercadoria destinada ao consumo em Portugal e originária de um país terceiro tem tratamento desigual, e fortemente penalizador, se chegar diretamente a um porto (aeroporto ou terminal) português, relativamente a uma outra que transite num qualquer porto, aeroporto ou terminal da União Europeia e que seja submetida a processo aduaneiro de introdução em livre prática, que não em consumo, uma vez que se não destina a esse país. Isto porquê? Porque, contrariamente à lógica dos nossos interesses, a mercadoria chegada a um porto português tem de pagar, no ato da importação, o IVA, o que não é exigível no segundo caso. Consequências:
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- A passagem das mercadorias por portos comunitários para consumo em Portugal transforma as importações, para este efeito, em operações assimiladas a transações intracomunitárias, ato que facilita a fraude e evasão fiscais; a não serem manifestadas estas operações no destino, potencia-se a PERDA DE RECEITA FISCAL EM SEDE DE IVA; - Este sistema incentiva a contratação de transportes de outro Estado Membro, designadamente, que operem através dos portos de Roterdão, Antuérpia, Barcelona, Algeciras, Vigo, etc., logo, transportadores estrangeiros em desfavor de armadores e transportadores nacionais (PERDA DE CONTRATAÇÃO DE TRANSPORTES NACIONAIS); - Relevantes são as perdas de cargas e movimentos dos portos portugueses, que apesar do seu crescimento poderiam encontrar-se ainda em melhor posição de aumento de escalas de navios e mercadorias, ao contrário dos portos que acima referi, cujo movimento tem vindo a crescer cada vez mais (PERDA DE MOVIMENTO DOS NOSSOS PORTOS); - Todas as atividades ligadas ao comércio internacional sofrem diretamente as consequências desta errada política, que promove o desemprego e a deficitária laboração das empresas especializadas nesta área (PERDA DE POSTOS DE TRABALHO E DE CRIAÇÃO DE RIQUEZA NAS EMPRESAS DO SETOR); - Se as mercadorias chegassem diretamente aos portos portugueses, independentemente de serem, ou não, aqui consumidas, a Administração Aduaneira, ao proceder à cobrança dos recursos próprios comunitários (direitos aduaneiros), teria direito a um “rappel” de 25% sobre estes, o que representa uma receita de relevo (PERDA DE 25% SOBRE DIREITOS COMUNITÁRIOS); (Acontece com regularidade que, navios que demandam portos nacionais transportando centenas de contentores destinados a Portugal, nestes apenas descarregam
algumas dezenas, transportando a maior parte para portos de outros Estados Membros. Esses chegam depois ao nosso país, sabe-se lá quando ou como.) - As empresas que não declaram as suas transações para não pagar IVA, também não pagam IRC, pois não existindo negócios não há receitas nem matéria coletável e daí a inerente fuga ao IRC (PERDA DE RECEITAS EM IRC); - Não existindo declaradamente receitas também não pode haver despesas, portanto não se pode pagar oficialmente aos seus trabalhadores. Recorrem, por isso, à contratação pagando salário mínimo oficialmente e pagando o restante “por fora”; ou, pura e simplesmente contratam pessoal “desempregado” ou que recebe subsídio de desemprego, pagando um salário (injusto) “particularmente” (PERDA DE RECEITAS DA SEGURANÇA SOCIAL E DE IRS); - Todas estas situações referidas promovem a concorrência desleal entre os agentes económicos, com as consequências conhecidas, o que, no atual momento que se vive, podia ser evitado mediante a adoção de políticas adequadas (DESEMPREGO E FALÊNCIAS DAS EMPRESAS); - É evidente, também, a existência de exploração de mão-de-obra barata, face à comparticipação do Estado através do subsídio de desemprego (AUMENTO DOS ENCARGOS DA SEGURANÇA SOCIAL). A medida agora anunciada tem o maior impacto económico, financeiro e social e merece todo o nosso aplauso. Vai, seguramente, incrementar a nossa economia, potenciar o volume das nossas exportações, evitar o recurso ao crédito para fins absolutamente dispensáveis, criando custos parasitas. Oxalá não se esmoreça nos objetivos e se estude a forma certa de promover a medida, dando-lhe o sentido e alcance adequados, nunca esquecendo o combate à fraude e evasão fiscais. Este é o bom caminho…
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Harmonização Fiscal na União Europeia: intenção ou ilusão? O Projeto Europeu tem na sua base mais estrutural a procura de um Princípio geral de Direito que sustentasse a igualdade em torno de um espaço partilhado – o território geográfico do Continente Europeu. Povos distintos, com vocações distintas, que se uniram para fortalecer o seu destino. A busca pela Paz, o desenvolvimento e sustentabilidade das economias, mais tarde alargado à união monetária, foi o mote para o contínuo progresso deste projeto. Hoje, mais de sessenta anos desde a sua génese, convivemos com avanços e recuos de alguns Estados Membros, sobre políticas económicas, sociais e monetárias, como é o caso mais paradoxal do Reino Unido. O processo do Brexit veio reabrir uma série de reflexões sobre o destino da nossa Europa. A ambição deste Projeto cresceu, procurando atingir níveis sociais, civis, políticos, económicos e fiscais. Porém, a identidade e ambições próprias de cada Estado manteve-se, indiscutivelmente, com resistências. A economia e as fronteiras terrestres são, no fundo, o paradigma do alargamento europeu, que se concretiza e operacionaliza entre os seus Estados Membros, na sua essência. A realidade não acompanha, ainda, tais medidas e isto porque, para que a economia cresça e se fortaleça, quer ao nível intracomunitário, quer com Estados terceiros, necessitamos de medidas comuns para a concretização da sã concorrência. É, portanto, essencial retermo-nos no Princípio da Igualdade. Na sua génese, Igualdade significa tratar igual o que é igual e tratar diferente o que é diferente. Só com base nesta definição, aliás aplicável em qualquer ramo da vida, o Projeto comum europeu pode garantir a sua ambição. A harmonização fiscal é que possibilita a construção desse espaço unificado, procurando-se, assim, eliminar os obstáculos fiscais à atividade económica além-frontei-
CLÁUDIA LOUZADA Diretora Executiva ODO
ras. Mais permite, ainda, o combate à concorrência fiscal prejudicial, no sentido de promover uma maior cooperação entre as diversas administrações que lutam em igual medida contra a evasão e fraude fiscais. As economias europeias encontram-se a vários níveis de desenvolvimento. Somos considerados todos Estados iguais, mas na realidade não podemos sê-lo, porque uma Alemanha não é igual a uma Grécia. Assim como Portugal não é igual a uma França. Como podemos calçar o mesmo sapato se cada um tem a sua medida? Considero que é, precisamente, a harmonização fiscal que possibilita a construção do desejado espaço único, cujo paradigma deveria tender para um espaço sem fronteiras geográficas – uma única alfândega – uma única tabela de referência para toda a carga fiscal europeia. Não estou, com isto, a contradizer o princípio da Igualdade que atrás defendo. Refiro-me à concretização de indicadores que possibilitem a determinação de condições iguais (no espírito do princípio) para todos os Estados Membros. A este nível, tem sido realçada a regulação dos impostos indiretos, sobretudo o IVA, uma vez que este imposto pode e cria, de facto, obstáculos imediatos à livre circulação de mercadorias bem como à livre prestação de serviços. A meu ver, promove concorrências indesejáveis baseadas em taxas de aplicação diversas. Já no que respeita à regulação dos impostos diretos, de acordo com os princípios enformadores de cada um dos Tratados Europeus sucessivos, decorre que a orientação legislativa soberana de cada Estado Membro impõe a sua conduta. Pelo que os avanços comunitários são poucos. Tudo nos leva a concluir que este Projeto Europeu, mais de uma década sobre o lançamento da moeda única, não cuidou de legislar sobre matéria fiscal no sentido da sua harmonização. As tentativas para harmonizar impostos indiretos falharam, atendendo à enorme variação das taxas
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do IVA atualmente existentes. Não houve união a este nível. E que consequências podemos retirar? Identificada a desarmonização fiscal, a construção dos EM não pode ser equilibrada porque reflete a inadaptação de medidas políticas, económicas, monetárias e fiscais. Isto reflete-se na deslocação de empresas em busca de “paraísos fiscais”, dentro e fora do espaço europeu, em desvios de consumo entre países e, claro, na evasão ou fuga de capitais, que se reconduzem à perda de receitas nos EM. Tais efeitos ainda se podem estender para a redução de salários, enfraquecimento do mercado interno, subvertendo assim todos os princípios que nortearam a construção deste ambicioso Projeto. Não se coloca em causa o incentivo ao espírito competitivo, aliás apanágio de qualquer economia. Porém, o que devemos por em causa, face ao resto do mundo e às diversas economias ameaçadas, é, precisamente, por que não se conseguiu alcançar uma verdadeira harmonização dos impostos indiretos e diretos entre os vários EM. Aqui chegados, é necessário assumir, com a mesma ousadia que conduziu os fundadores do Tratado de Roma, a obrigação de tratar diferente o que é diferente e assim garantir uma evolução e desenvolvimentos económicos, fiscais e sociais de todos os Estados Membros. Porém, tal exercício, extraordinário a meu ver, implica a adoção de medidas que vão para além das economias estaduais, para uma dimensão verdadeiramente integrada dos restantes Estados Membros. Isso, implica o que o F. Nietzsche previu há mais de cem anos, a existência de um “super-homem” que varresse as consciências, um modelo ideal para salvar a humanidade. Será que essa figura já existe ou teremos de ser nós a criá-la?